Este documento resume a vida e o martírio do Padre Eudista Carlos Nicolás Ancel durante a Revolução Francesa. Ele recusou assinar um juramento de fidelidade à Constituição Civil do Clero em 1791 e 1793, sendo preso e enviado a um navio-prisão em Rochefort. Lá, ele e outros sacerdotes sofreram terríveis condições e humilhações até a sua morte em 1794 devido a uma doença contraída no cativeiro. Sua fé inspirou os outros prisioneiros até o fim.
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“Bem-aventurados os que são persegui-
dos por causa da justiça, porque deles é o
Reino dos Céus.”
(Mateus 5,10)
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BEATO CARLOS NICOLÁS ANCEL
Amo-te, amantíssimo, Jesus, te amo bondade infinita, te amo
de todo meu coração, com toda minha alma, com todas minhas
forças e quero amar-te mais e mais. Esta oração, de franca raíz
bíblica, cunhada por São João Eudes, foi muitas vezes recitada
pelo Padre Eudista Carlos Nicolás Ancel. Conhecia muito bem
a espiritualidade do amor, a espiritualidade do Coração de Je-
sus e Maria, proposta por São João Eudes, que o levaria final-
mente até o cume de seu amor a Jesus, ao entregar sua vida
por Ele e pela Igreja.
Em 11 de novembro de 1763 nasce na cidade de Ruán Carlos
Nicolás Antonio Ancel, no dia 12 é batizado, isto é, faz sua alia-
nça com Deus, através de seus pais e padrinhos. Em sua ado-
lescência descobre o chamado de Deus para servi-lo como sa-
cerdote, e se forma na Congregação dos Padres Eudistas, na
escola de santidade da espiritualidade de São João Eudes. Rece-
be a ordenação sacerdotal aos 24 anos de idade em 22 de ma-
rço de 1788. Um dos lugares onde desempenha sua pastoral é
no colégio de Lisieux, no qual faz parte da chamada
“Congregação da Imaculada”, organização leiga que honra de
maneira particular Maria, em uma época na qual o dogma da
Imaculada Conceição ainda não havia sido definido, mais que já
São João Eudes argumenta magistralmente com fundamen-
tação bíblica e teológica (Cfr. Oeuvres Complètes, V, 100-
436).
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A Espiritualidade Eudista, centrada no amor a Jesus e Maria,
preenche e lhe fortalece nas diferentes atividades, gozos e so-
frimentos da vida diária. Carlos Nicolás conhece a oração pro-
posta por São João Eudes, chamada “profissão de humildade”,
igualmente faz sua a espiritualidade da formação de Jesus em
nosso coração, para o qual ele “exercício do meio-dia”, é um
meio prático, que ajuda a reconhecer nossa debilidade e nossas
carências espirituais, contemplar Jesus, a adorá-lo e a pedir-lhe
que continue em nós seus sentimentos, suas disposições e in-
tenções, de modo que nossa vida seja uma continuação real de
sua vida.
Ao explodir a revolução francesa, a situação do país e da Igreja
toma um rumo inesperado na França.A Igreja é perseguida, os
sacerdotes são buscados, detidos, confinados em diversos sítios
da França e colocados, sob pressão, ante a obrigação de prestar
um juramento de fidelidade a “Constituição Civil do Clero”,
que implica obediência na revolução e, por conseguinte, deixar
de obedecer ao Papa. A situação era realmente angustiosa e
dramática.Abria-se um caminho pelo qual alguns optaram: fu-
gir da França, solução que equivaleria aodesterro.
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Em 1791, com 28 anos de idade recusa valentemente a assinar
o juramento e se nega a fugir da França, consciente das conse-
quências de semelhante decisão. Seu argumento é muito claro:
um sacerdote tem compromisso com a Igreja e serve na Igreja,
não é empregado civil do governo e, portanto, não pode ser
obrigado a jurar fidelidade a revolução.
Sua convicção reside em que é sacerdote e como tal deve levar
uma vida coerente com o seu estado. Em 22 de abril de 1793
volta a recusar-se a pronunciar tal juramento e continua com
sua fidelidade sacerdotal. Então é detido e confinado na prisão
de Saint-Vivian, lugar de passagem para ser enviado a porto de
Rochefort, Chantaje Marítima, onde os detidos devem iniciar o
embarque, na qualidade de prisioneiros, para a Guiana France-
sa, em condições muito difícil. No porto se encontravam duas
embarcações, conhecidas como “pontões”, que se utilizavam
como barcos de carga ou serviam como porões. Um pontão
tinha o nome de “Washington” e o outro se chamava “Os dois
Associados”.
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Os barcos nunca zarparam do porto, senão que serviram como
prisão em condições desumanas para os presos. Em 11 de abril
de 1794 foram confinados nos porões dos pontões 827 prisio-
neiros entre sacerdotes e religiosos que se recusaram assinar o
documento da Constituição Civil do Clero. Era o início de seu
próprio calvário, que Carlos Nicolás assumiu com a mesma
valentia com que se recusou, em duas ocasiões, assinar o jura-
mento, sustentado pela espiritualidade do amor, proposta por
São João Eudes. O padre Ancel foi enviado ao pontão “Os Dois
Associados” com outros companheiros detidos.
Ao ingressar na prisão os sacerdotes e religiosos foram despo-
jados de seus pertences, especialmente dos objetos religiosos:
crucifixos, imagens sagradas, rosários, breviários.
Permaneciam todo o tempo trancados, sem ventilação, com ar
viciado e sufocante, sem as mínimas condições higiênicas, inva-
didos pelos piolhos, mal alimentados, sofrendo os problemas
próprios da superlotação, sem camas para o descanso, sem po-
der celebrar a Liturgia das Horas nem a Sagrada Eucaristia. O
ambiente era realmente insuportável. Como se isto fosse pou-
co, o tratamento que recebiam por parte de seus guardiões era
de zombaria, de insultos com palavras vulgares, de empurrões
e golpes. Seus guardiães faziam paródias obscenas da cele-
bração dos sacramentos, para o qual se disfarçavam com para-
mentos sagrados dos sacerdotes. As humilhações se prolonga-
vam dia a dia. Em meio deste ambiente começaram a aparecer
enfermidades contagiosas.
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No “Os Dois Associados” estava o Padre Carlos Nicolás, muito
seguramente recitando as orações herdada por São João Eudes.
Não poucas vezes pode chegar a sua mente o pensamento do
“Voto de Martírio”, que São João Eudes firmara com seu
próprio sangue: Adoro-te e te glorifico, amabilíssimo Jesus, no
cruento martírio que padeceste em tua paixão e em tua cruz…
Adoro-te e te bendigo, com todo meu ser, em teu estado de
hóstia e de vítima no santo sacrifício do altar, no que te ofere-
ces continuamente para a glória de teu Pai e por nosso amor…
Ofereço-me a ti para sofrer em meu corpo e em minha alma,
segundo teu beneplácito e mediante tua graça, toda classe de
penas e tormentos, e ainda para derramar meu sangue e fazer-
te o sacrifício de minha vida com o gênero de morte que te
quiserem, só por tua glória e por teu puro amor. O ideal de
continuar e completar no próprio corpo o que faltou na paixão
de Cristo (Col 1,24), um dos fundamentos da espiritualidade
eudista, era uma realidade em sua própria vida, que se fazia su-
portável com a força desta mesma espiritualidade.
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Entre os prisioneiros havia um sacerdote, que talhava a madei-
ra, que pouco a pouco foi dando forma a um crucifixo, que se
converteu em sinal de consolo, no centro das atenções e que
foi como uma força animadora para os sacerdotes e religiosos
prisioneiros pois se convertiam em um estímulo de oração e
criava um espaço sagrado para as confissões ou as orações pelos
enfermos, que iriam multiplicando-se pelas condições tão ad-
versas que se encontravam. Durante o cativeiro morreram 542
pessoas.
Logo entre os sacerdotes prisioneiros surgiu uma ideia, por
inspiração do Espírito Santo: houve um acordo geral para fazer
um voto. Trata-se do “Voto de Silêncio”. Já no século XVII ha-
via-se difundido, a partir do livro A Pérola Evangélica, o “voto
de escravidão a Jesus e Maria”. O Cardeal de Bérulle propôs
também o voto de escravidão (“servidão”) a Jesus, Olier faz um
“voto de hóstia”, São João Eudes, em seu voto de martírio pro-
põe um “voto a Jesus para oferecer-se como hóstia e vítima,
que deve ser sacrificada à sua glória e a seu puro amor” (OC,
XII, 135ss). Com este plano de fundo da espiritualidade na
França, não resultava estranho o voto proposto pelos sacerdo-
tes prisioneiros nos pontões de Rochefort.
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Com o “voto de silêncio” se comprometeram a não revelar na-
da, abaixo de nenhuma circunstância, as torturas, os vexames,
humilhações e sofrimentos a que foram submetidos por seus
inimigos.
Tais feitos se conheceram por testemunho dos camponeses na-
tivos que podiam presenciar o maltrato que davam aos sacerdo-
tes e religiosos prisioneiros. Em 29 de julho de 1794, a causa
de uma enfermidade contraída no pontão, morre o Pe. Carlos
Nicolás Ancel, no barco “Os Dois Associados”. A liberação dos
285 sobreviventes teve lugar em 12 de fevereiro de 1795; para
essa data já o Padre Ancel se encontrava na comunidade eudista
celestial. O Papa João Paulo II beatificou o Padre Carlos Ancel
e 63 companheiros mais em outubro de 1995, em Roma.
(Jesus) adoro e bendigo todos os pensamentos,
os desígnios e o amor que tens, desde toda eter-
nidade, rumo aos bem-aventurados mártires que
tem existido na Igreja desde seus começos e que
existirão até o fim do mundo
(Tomado do “Voto de Martírio” de São João
Eudes).
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Que toda a minha vida
seja um perpétuo
sacrifício de amor de
louvor a ti!
Diretor: Pe. Álvaro Duarte Torres CJM
Desenho e compilação: Hermes Flórez Pérez
Tradução: Geovani Ferreira