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"
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muito bem que também lá o acaso houvesse designado as escrófulas. É certo
que as escrófulas são particulátmente adequadas ao milagre, pois (como vi-
mos) elas dão facilmente a ilusão da cura. No entanto, há outras afecções
que se enquadram no mesmo caso, Conhecemos santos especializados em es-
crófulas, mas para quantos outros males não se invoca especificamente este
ou aquele santo? Ora, vemos que na Inglaterra os reis jamais reivindicaram,
nem mesmo na origem, um poder curativo de natureza indeterminada, e a
enfermidade que desde o início pretendem poder curar é precisamente a mes-
ma da qual antes deles, como conseqüência de uma evolução natural, seus
vizinhos da França haviam-se constituído os médicos. Henrique I, príncipe
mais que meio francês, não podia desconhecer as curas realizadas pelo cape-
tíngio, seususerano e rival. O monarca inglês devia invejar-lhe o prestígio.
Pode-se duvidar de que tenha querido imitá-Io?61
Mas Henrique I não confessou a imitação. Num lance feliz, colocou seu
poder miraculoso sob a proteção de uma grande figura nacional. O último
representante da dinastia anglo-saxã à qual Henrique I procurara ligar-se pelo
casamento, o virtuoso soberano que breve se tornaria o santo oficial da mo-
narquia, Eduardo, o Confessor, foi seu patrono e seu fiador. Teve Henrique
I dificuldades com a opinião religiosa de seu país? Na época em que Rober-
to, o Pio, começara a tocar os doentes, ainda não nascera a reforma grego-
ríana, tão pouco simpática (voltarei ao assunto mais tarde) às prerrogativas
régias e, sobretudo, tão hostil a tudo o que cheirava a usurpação dos privilé-
gios sacerdotais. Quando o rito curativo atravessou a Mancha, a reforma al-
cançava seu auge; são dela as idéias diretrizes que (como vimos na desdenho-
sa frase de William of Malmesbury) protestam contra a "obra de falsidade"
que os crentes na realeza haviam empreendido. Mas é preciso não julgar pelo
estado de espírito de William o de todos os eclesiásticos ingleses. Por volta
da época em que Henrique Ipôs-se a exercer seu talento miraculoso, um clé-
rigo agregado à catedral de York escrevia seus 35 tratados, quintessência de
todo o pensamento antigregoriano, nos quais se ostenta a mais absoluta e
mais intransigente fé nas virtudes da unção régia, na natureza sacerdotal e
quase divina da realeza." O próprio Henrique I, pelo menos durante a pri-
meira parte de seu reinado, ficou em dificuldade com os reformadores. Pro-
vavelmente, foram membros de sua roda quem redigiu uma falsa bula papal
que, desprezando todos os novos princípios, reconhecia aos reis ingleses "o
patrocínio e a proteção [... ] de todas as igrejas da Inglaterra" e uma espécie
de legação pontifical perpétua." Não deveria surpreender-nos que, provavel-
mente naquele momento, ele haja implantado em todos os seus domínios a
prática taumatúrgica que era uma suprema exaltação da crença na força sa-
grada dos reis; também não deveria surpreender-nos que dali em diante essa
prática haja prosperado num solo favorável.
Nascido na França aí pelo ano 1000, na Inglaterra cerca de um século
mais tarde, o rito do toque faz assim sua aparição em dinastias nas quais,
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contrariamente ao antigo uso germânico, o direito de primogenitura come-
çava a dominar. Nos países muçulmanos, durante os primeiros tempos do
Islã, acreditava-se que o sangue régio curava a hidrofobia; mas o sangue do
monarca reinante, do califa, não era aos olhos dos crentes o único a possuir
essa virtude. Todos os membros da família real em que o califa devia ser es-
colhido, todo coraixita, via atribuir-se ao líquido que corria em suas veias
o mesmo poder milagroso.v' Isso porque toda a familia real era tida como.
santa: tanto que, em matéria política, os Estados islâmicos jamais reconhe-
ceram os privilégios da primogenitura. Na França e na Inglaterra, porém,
a cura das escrófulas sempre foi considerada uma prerrogativa estritamente
reservada ao soberano: os descendentes de um rei não participavam dela se
não fossem eles mesmos reis.65Ao contrário do que acontecia na Germânia
primitiva, o caráter sagrado não mais se estendia a toda uma linhagem; ele
concentrara-se definitivamente numa só pessoa, o chefe do ramo mais velho,
único herdeiro da coroa; apenas esse tinha o direito de fazer milagres.
Para todo fenômeno religioso, há dois tipos de explicação tradicional.
Um, que podemos chamar voltairiano, prefere ver no fato estudado a obra
consciente de um pensamento individual seguro de si mesmo. O outrof'ào"
contrário, procura ali a expressão de forças sociais, profundas e obscuras;
eu de bom grado lhe daria a denominação romântico: um dos grandes serviços
prestados pelo romantismo não foi acentuar vigorosamente nas coisas hu-
manas a noção do espontâneo? Essas duas formas de interpretação são con-
traditórias apenas na aparência. Para que uma instituição destinada a aten-
der a fins precisos indicados por uma vontade individual possa impor-se a
todo um povo, é necessário ainda que ela seja sustentada pelas tendências
profundas da consciência coletiva; e talvez, reciprocamente, para que uma
crença um pouco vaga possa concretizar-se num rito regular, não seja indife-
rente que algumas vontades conscientes ajudem-na a tomar forma. Se as hi-
póteses que apresentei podem ser aceitas, a história das origens do toque régio
merecerá ser colocada na fileira dos já numerosos exemplos que o passado
fornece acerca de uma dúplice ação desse tipo.
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Henrique I, príncipe mais que meio francês, não podia desconhecer as curas realizadas pelo cape- tíngio, seususerano e rival. O monarca inglês devia invejar-lhe o prestígio. Pode-se duvidar de que tenha querido imitá-Io?61 Mas Henrique I não confessou a imitação. Num lance feliz, colocou seu poder miraculoso sob a proteção de uma grande figura nacional. O último representante da dinastia anglo-saxã à qual Henrique I procurara ligar-se pelo casamento, o virtuoso soberano que breve se tornaria o santo oficial da mo- narquia, Eduardo, o Confessor, foi seu patrono e seu fiador. Teve Henrique I dificuldades com a opinião religiosa de seu país? Na época em que Rober- to, o Pio, começara a tocar os doentes, ainda não nascera a reforma grego- ríana, tão pouco simpática (voltarei ao assunto mais tarde) às prerrogativas régias e, sobretudo, tão hostil a tudo o que cheirava a usurpação dos privilé- gios sacerdotais. 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Essas duas formas de interpretação são con- traditórias apenas na aparência. Para que uma instituição destinada a aten- der a fins precisos indicados por uma vontade individual possa impor-se a todo um povo, é necessário ainda que ela seja sustentada pelas tendências profundas da consciência coletiva; e talvez, reciprocamente, para que uma crença um pouco vaga possa concretizar-se num rito regular, não seja indife- rente que algumas vontades conscientes ajudem-na a tomar forma. Se as hi- póteses que apresentei podem ser aceitas, a história das origens do toque régio merecerá ser colocada na fileira dos já numerosos exemplos que o passado fornece acerca de uma dúplice ação desse tipo. 87