1) O documento discute a origem do mal, com referências a pensadores como Santo Agostinho, Platão e Nietzsche.
2) Apresenta um trecho das "Confissões" de Santo Agostinho sobre sua busca pela origem do mal.
3) Inclui um fragmento de Allan Kardec sobre a origem do bem e do mal, argumentando que o mal não tem origem em Deus, mas nos vícios humanos.
1. Boletim Mensal - No. 48 - julho 2014 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR GGRRAALLHHAA AAZZUULL
A ORIGEM DO MAL !
Crendices à parte, a “origem do Mal” sempre foi uma preocupação do homem.
Tenho consciência desde minha infância, talvez estimulado por meu pai, que existe o bem e o
mal e que existe uma escolha em cada atitude, o que vulgarmente ou cientificamente chama-se de “livre
arbítrio”. A filosofia e a epistemologia têm se debruçado sobre esse tema, e também as religiões. Não
foram poucos os estudiosos e sábios que desenvolveram teorias sobre o assunto, pois não há, em todos
nós característica que mais nos defina: ou se é do Bem ou se é do Mal. Como nascemos e quais as
influências do meio em que vivemos são dados importantes aos quais precisamos reconhecer. A
intencionalidade de nossas ações, bem como os meios aos quais definimos nossos fins é de fundamental
importância, quando somos ou nos tornamos gente da gente, companheiros, colegas, amigos, confrades,
parentes ou irmãos.
Temos vivido fases novas na história da humanidade, nas quais repetem-se antigos
comportamentos baseados na vaidade e no egoísmo. Sempre acreditei serem a base do mal. É o
desequilíbrio de um estado divino chamado “paz”. É essa paz de espírito que as religiões buscam e
ensinam a encontrar o caminho. Não importa se formos analisar o período antes de Cristo ou depois,
mesmo na renascença, ou nos períodos mais iluminados da história, sempre houve (e haverá) essa
dicotomia entre o bem e o mal.
Desde os filósofos pré-socráticos havia um pensamento, descrito por Nistzsche, no qual as
atitudes eram avaliadas posteriormente à sua execução e não ao contrário. Portanto o Bem e o Mal
podem ser caracterizados como algo circunstancial e não uma avaliação definitiva de cada um,
dependendo da circunstância do acontecimento.
Nietzsche diz que não há nada que garanta que algo seja uma bondade ou uma maldade em si,
sem antes haver um conflito de interesses. Platão ao contrário dizia que nossas atitudes e nossa ética
decidiam-se por conceitos caracterizados previamente a uma ação, sendo Bem e Mal algo já existente e
norteando das nossas ações.
Como textos exemplares, entre muitos, escolhi três que são esclarecedores e de certa maneira,
nos fazem pensar e buscar respostas em nós mesmos.
O primeiro texto é de Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho do seu livro “Confissões"
escrito 398 dC, que relata sua vida antes de tornar-se cristão e sua conversão.
O segundo texto é um fragmento da “Origem do Bem e do Mal” de Allan Kardec e o terceiro
relata as "Quatro Nobres Verdades" do Budismo.
BOLETIM EXTRA - SOBRAMES PARANÁ - GRALHA AZUL No 48 - JULHO - 2014 1
2. A
Origem
do
Mal
-‐
Santo
Agostinho
!
!
"Eu
buscava
a
origem
do
mal,
mas
de
modo
errôneo,
e
não
via
o
erro
que
havia
em
meu
modo
de
buscá-‐la.
Des<ilava
diante
dos
olhos
de
minha
alma
toda
a
criação,
tanto
o
que
podemos
ver
—
como
a
terra,
o
mar,
o
ar,
as
estrelas,
as
árvores
e
os
animais
—
como
o
que
não
podemos
ver
—
como
o
<irmamento,
e
todos
os
anjos
e
seres
espirituais.
Estes
porém,
como
se
também
fossem
corpóreos,
colocados
pela
minha
imaginação
em
seus
respectivos
lugares.
Fiz
de
tua
criação
uma
espécie
de
massa
imensa,
diferenciada
em
diversos
gêneros
de
corpos:
uns,
corpos
verdadeiros,
e
espíritos,
que
eu
imaginava
como
corpos.
E
eu
a
imaginava
não
tão
imensa
quanto
ela
era
realmente
—
o
que
seria
impossível
—
mas
quanto
me
agradava,
embora
limitada
por
todos
os
lados.
E
a
ti,
Senhor,
como
a
um
ser
que
a
rodeava
e
penetrava
por
todas
as
partes,
in<inito
em
todas
as
direções,
como
se
fosses
um
mar
incomensurável,
que
tivesse
dentro
de
si
uma
esponja
tão
grande
quanto
possível,
limitada,
e
toda
embebida,
em
todas
as
suas
partes,
desse
imenso
mar.
Assim
é
que
eu
concebia
a
tua
criação
<inita,
cheia
de
ti,
in<inito,
e
dizia:
“Eis
aqui
Deus,
e
eis
aqui
as
coisas
que
Deus
criou;
Deus
é
bom,
imenso
e
in<initamente
mais
excelente
que
suas
criaturas;
e,
como
é
bom,
fez
boas
todas
as
coisas;
e
vede
como
as
abraça
e
penetra!
Onde
está
pois
o
mal?
De
onde
e
por
onde
conseguiu
penetrar
no
mundo?
Qual
é
a
sua
raiz
e
sua
semente?
Será
que
não
existe?
E
porque
recear
e
evitarmos
o
que
não
existe?
E
se
tememos
em
vão,
o
próprio
temor
já
é
certamente
um
mal
que
atormenta
e
espicaça
sem
motivo
nosso
coração;
e
tanto
mais
grave
quanto
é
certo
que
não
há
razão
para
temer.
Portanto,
ou
o
mal
que
tememos
existe,
ou
o
próprio
temor
é
o
mal.
De
onde,
pois,
procede
o
mal
se
Deus,
que
é
bom,
fez
boas
todas
as
coisas?
Bem
superior
a
todos
os
bens,
o
Bem
supremo,
criou
sem
dúvida
bens
menores
do
que
ele.
De
onde
pois
vem
o
mal?
Acaso
a
matéria
de
que
se
serviu
para
a
criação
era
corrompida
e,
ao
dar-‐lhe
forma
e
organização,
deixou
nela
algo
que
não
converteu
em
bem?
E
por
que
isto?
Acaso,
sendo
onipotente,
não
podia
mudá-‐la,
transformá-‐la
toda,
para
que
não
restasse
nela
semente
do
mal?
En<im,
por
que
se
utilizou
dessa
matéria
para
criar?
Por
que
sua
onipotência
não
a
aniquilou
totalmente?
Poderia
ela
existir
contra
sua
vontade?
E,
se
é
eterna,
porque
deixou-‐a
existir
por
tanto
tempo
no
in<inito
do
passado,
resolvendo
tão
tarde
servir-‐se
dela
para
fazer
alguma
coisa?
Ou,
já
que
quis
fazer
de
súbito
alguma
coisa,
sendo
onipotente,
não
poderia
suprimir
a
matéria,
<icando
ele
só,
bem
total
verdadeiro,
sumo
e
in<inito?
E,
se
não
era
conveniente
que,
sendo
bom,
não
criasse
nem
produzisse
bem
algum,
por
que
não
destruiu
e
aniquilou
essa
matéria
má,
criando
outra
que
fosse
boa,
e
com
a
qual
plasmar
toda
a
criação?
Porque
ele
não
seria
onipotente
se
não
pudesse
criar
algum
bem
sem
a
ajuda
dessa
matéria
que
não
havia
criado.
Tais
eram
os
pensamentos
de
meu
pobre
coração,
oprimido
pelos
pungentes
temores
da
morte,
e
sem
ter
encontrado
a
verdade.
Contudo,
arraigava
sempre
mais
em
meu
coração
a
fé
de
teu
Cristo,
nosso
Senhor
e
Salvador,
professada
pela
Igreja
Católica;
fé
ainda
incerta,
certamente,
em
muitos
pontos,
e
como
que
<lutuando
fora
das
normas
da
doutrina.
Minha
alma
porém
não
a
abandonava,
e
cada
dia
mais
se
abraçava
a
ela.
"
! Fonte:
Con<issões,
Santo
Agostinho,
Editora
Martin
Claret,
páginas
145-‐147.
BOLETIM EXTRA - SOBRAMES PARANÁ - GRALHA AZUL No 48 - JULHO - 2014 2
3. Origem do Bem e do Mal - Allan Kardec
BOLETIM EXTRA - SOBRAMES PARANÁ - GRALHA AZUL No 48 - JULHO - 2014"3
!!
"Sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria, todo bondade, todo justiça,
tudo o que dele procede há de participar dos seus atributos, porquanto o que é infinitamente sábio, justo e
bom nada pode produzir que seja ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a
sua origem.
Se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, quer se lhe chame Arimane, quer Satanás, ou
ele seria igual a Deus, e, por conseguinte, tão poderoso quanto este, e de toda a eternidade como ele, ou
lhe seria inferior. No primeiro caso, haveria duas potências rivais, incessantemente em luta, procurando
cada uma desfazer o que fizesse a outra, contrariando-se mutuamente, hipótese esta inconciliável com a
unidade de vistas que se revela na estrutura do Universo. No segundo caso, sendo inferior a Deus, aquele
ser lhe estaria subordinado. Não podendo existir de toda a eternidade como Deus, sem ser igual a este,
teria tido um começo. Se fora criado, só o poderia ter sido por Deus, que, então, houvera criado o Espírito
do mal, o que implicaria negação da bondade infinita.
Entretanto, o mal existe e tem uma causa. Os males de toda espécie, físicos ou morais, que afligem
a Humanidade, formam duas categorias que importa distinguir: a dos males que o homem pode evitar e a
dos que lhe independem da vontade. Entre os primeiros, cumpre se incluam os flagelos naturais. O
homem, cujas faculdades são restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do
Criador; aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e convencionais
que criou para si mesmo e que não se compreendem na ordem da Natureza. Por isso é que, muitas vezes,
se lhe afigura mau e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o
objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade de cada coisa, verificará que tudo
traz o sinete da sabedoria infinita e se dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que lhe não seja
compreensível.
O homem recebeu em partilha uma inteligência com cujo auxílio lhe é possível conjurar, ou, pelo
menos, atenuar os efeitos de todos os flagelos naturais. Quanto mais saber ele adquire e mais se adianta
em civilização, tanto menos desastrosos se tornam os flagelos. Assim é que ele saneia as regiões
insalubres, imuniza contra os miasmas pestíferos, fertiliza terras áridas e se industria em preservá-las das
inundações; constrói habitações mais salubres, mais sólidas para resistirem aos ventos tão necessários à
purificação da atmosfera e se coloca ao abrigo das intempéries. É assim, finalmente, que, pouco a pouco, a
necessidade lhe fez criar as ciências, por meio das quais melhora as condições de habitabilidade do globo
e aumenta o seu próprio bem-estar.
Porém, os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu
orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. Aí a causa das
guerras e das calamidades que estas acarretam, das dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo
forte, da maior parte, afinal, das enfermidades. Deus promulgou leis plenas de sabedoria, tendo por único
objetivo o bem. Em si mesmo encontra o homem tudo o que lhe é necessário para cumpri-las.
Se o homem se conformasse rigorosamente com as leis divinas, não há duvidar de que se pouparia
aos mais agudos males e viveria ditoso na Terra. Se assim procede, é por virtude do seu livre-arbítrio:
sofre então as conseqüências do seu proceder.
Pode dizer-se que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como o frio
não é um fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o negativo do outro. Onde não existe
o bem, forçosamente existe o mal. Não praticar o mal, já é um princípio do bem. Deus somente quer o
bem; só do homem procede o mal. Se na criação houvesse um ser preposto ao mal, ninguém o poderia
evitar; mas, tendo o homem a causa do mal em SI MESMO, tendo simultaneamente o livre-arbítrio e por
guia as leis divinas, evitá-lo-á sempre que o queira. " !F
onte: A GÊNESE. Origem do bem e do mal, ALLAN KARDEC.
4. As Quatro Nobres Verdades - Buda
“ I - Dado o estado psicológico do homem comum, voltando seu desenvolvimento para o mundo
externo de modo agressivo, a insatisfação que gera o sofrimento é quase inevitável.
II - A insatisfação é o resultado de anseios ou desejos que não podem ser plenamente realizados, e
estão atrelados à sede de poder. A maioria das pessoas é incapaz de aceitar o mundo como é porque é
levada pelos vínculos com o desejo narcisivo do sempre agradável e com sentimentos de aversão pelo
negativo e doloroso. O anseio sempre cria uma estrutura mental instável, no qual o presente, única
realidade fenomênica, nunca é satisfatório. Se os desejos não são satisfeitos, a pessoa tende a lutar
para mudar o presente ou agarra-se a um tempo passado; se são satisfeitos, a pessoa tem medo da
mudança, o que acarreta novas frustrações e insatisfações. Como tudo se transforma e passa, o
desfrutar de uma realização tem a contrapartida de que sabemos que não será eterno. Quanto mais
intenso for o desejo, mais intensa será a insatisfação ao saber que tal realização não irá durar.
III - O controle dos desejos leva à extinção do sofrimento. Controlar o desejo não significa extinguir
todos os desejos, mas sim não estar amarrado ou controlado por eles, nem condicionar ou acreditar
que a felicidade está atrelada a satisfação de determinados desejos. Os desejos são normais e
necessários até certo ponto, pois eles têm a função primária de preservar a vida orgânica. Mas se todos
os desejos e necessidades são imediatamente satisfeitas, é provável que passemos a um estado passivo
e alienado de complacência. A aceitação refere-se a uma atitude calma de desfrute dos desejos
realizados sem nos perturbarmos seriamente com os inevitáveis períodos de insatisfação.
IV - Há uma forma de se eliminar o sofrimento: O Nobre Caminho Óctuplo, exemplificado pelo
Caminho do Meio.
A maioria das pessoas busca o mais alto grau de satisfação dos sentidos, e nunca se dão por satisfeitas.
Outros, ao contrário, percebem as limitações desta abordagem e tendem ir ao outro prejudicial
extremo: a mortificação. O ideal budista é o da moderação. O Caminho Óctuplo consiste no discurso,
ação, modo de vida, esforço, cautela, concentração, pensamento e compreensão adequados. Todas as
ações, pensamentos, etc, tendem a ser forças que, expressando-se, podem magoar as pessoas e a ferir
e limitar a nós mesmo. O caminho do meio segue a máxima de ouro de Jesus Cristo: "Fazei aos outros
o que gostariam que fizessem a vós".
A Psicologia Budista
A questão da causalidade em Buda, assim como em Freud, na psicologia ocidental, é um dos
elementos principais de seus ensinamentos. Esta é chamada de karma, que significa ação, e representa
a lei universal de causa e efeito em que o resultado de uma ação mais cedo ou mais tarde acaba por
retornar a quem a praticou. Jesus certamente se refere à mesma lei universal quando fala: "Colherás
aquilo que semeares". De acordo com o budismo, qualquer situação em que possamos nos encontrar
em dado momento é a resultante de toda a nossa história pregressa, em cuja corrente histórica nos
lançamos até atingir o estado atual; isto quer dizer que dispomos constantemente da oportunidade de
aprender as lições para enriquecer nosso crescimento e evolução espiritual. Corretamente entendida, a
doutrina do karma não é, como supõem alguns, uma forma de evitar uma ação responsável, nem uma
desculpa para a aceitação das coisas tais como estão, mas um incentivo para aproveitar o presente da
forma mais criativa e positiva possível; toda experiência vivencial se converte em um empurrão para
diante na nossa jornada para a compreensão de nós mesmos. “
"O que hoje somos deve-se aos nossos pensamentos de ontem que condicionaram nosso
comportamento, e são os nossos atuais pensamentos que constroem a nossa vida de amanhã; a
nossa vida é a criação de nossa mente. Se um homem fala ou atua com a mente impura, o
sofrimento lhe seguirá da mesma forma que a roda do carro segue ao animal que o arrasta".
(Buda)
Editor Responsável: Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki
BOLETIM EXTRA - SOBRAMES PARANÁ - GRALHA AZUL No 48 - JULHO - 2014 4