1) O documento discute o pensamento político anterior a Maquiavel, focando na noção de virtude em Sócrates, Platão e Aristóteles.
2) Esses filósofos viam a virtude como o objetivo final da pólis e do homem, e acreditavam que os governantes deveriam ser os mais virtuosos.
3) No entanto, reconheciam aspectos irracionais da natureza humana que dificultavam a realização de governos perfeitos baseados apenas na virtude.
Politeia e virtude_as_origens_do_pensamento_republicano_classico
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de Ciências Sociais
Aula 01: O PENSAMENTO POLÍTICO ANTERIOR A MAQUIAVEL
Prof. Leonardo Barbosa e Silva
Bibliografia: MIRANDA FILHO, Mário. Politéia e virtude: as origens do pensamento republicano clássico.
In: QUIRINO, C. G. et ali (org.). Clássicos do Pensamento Político. São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo, 1998. p. 23-50.
Objetivo da aula: registrar a presença marcante da noção de virtude no pensamento político
anterior a Maquiavel, balizando o que seria o ponto fundamental de ruptura dos escritos do
florentino.
1. Sócrates, politéia e virtude:
a. Sócrates é o responsável por trazer a filosofia para a pólis: o pensamento pré-
socrático (Cícero, pitagóricos e sofistas) não atingiu a complexidade da
elaboração de problemas políticos (p. 25);
b. Primeira testemunha / retrato do pensamento socrático: peça As nuvens, de
Aristófanes:
i. Assoberbado: “ó, efêmero”;
ii. Preocupado com as coisas eternas;
iii. Não cidadão; Encapsulado na razão: Pensatório; vive na cidade apenas
fisicamente. “Na verdade partilha de outra sociedade onde só o que conta
é o saber”. (p. 27)
iv. Ignorante ante a natureza humana: ignora os outros porque desconhece
a natureza humana, as várias pulsões [família, tradições, amizade, etc.],
por vezes heterogêneas, que se compõe a alma humana (p. 27);
v. Ameaçador: filho simpatiza-se pelo incesto (poesia de Eurípedes) e pai
nega-se a honrar suas dívidas; ameaça a família que é o pilar da pólis;
vi. Lição: “Decidida a instalar-se para valer na pólis, a filosofia, a partir de
Platão, terá que operar em si mesma uma conversão: reconhecer a
existência de gente como Estrepsíades como necessária, de gente cujo
comportamento errante é ditado, em grande parte, por forças irracionais
constitutivas do homem e, portanto, também da cidade. Isto equivale
reconhecer que a política abriga em si um elemento irracional que
aparece por vezes como um incontornável para a razão – seja ele o
sagrado, seja a estupidez, da força bruta em sua recusa de escutar o
outro – com o qual o especialista da razão tem que se haver. Viver na
pólis não é viver numa comunidade de sábios virtuosos, nem de
religiosos, ou de conformistas ou de guerreiros, ou de ricos e pobres. A
pólis é, como diz exemplarmente Aristóteles na Política, uma pluralidade”
(p. 28).
vii. Aberto o conflito entre a cidade e a filosofia: ambas se ameaçam porque
não se entendem
c. Segunda testemunha / retrato do pensamento socrático: Platão:
i. Integrado à vida da pólis, exorta a reflexão dos cidadãos;
ii. Encarnação da aretê (virtude):
1. real e rara;
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2. quatro qualidades / excelência humana: coragem, moderação,
justiça e sabedoria;
3. virtude é o objetivo final da pólis;
iii. Virtude cívica ou política (cavalheiro) e a virtude filosófica (filósofo);
1. a segunda é superior: “o único título realmente inquestionável é a
sabedoria virtuosa” (p. 31). Pois o sábio governante é o único que
contempla o bem-comum;
2. mas a aderência do filósofo e do governante é rara. Seu melhor
substituto na sociedade é aquele cujo nome diz tudo: belo e bom
(...), o cavalheiro. Daí a necessidade do aparato constitucional;
(p. 32).
iv. Solução para a melhor sociedade: “vemos também desde já qual será a
‘solução filosófico-político para a questão da melhor sociedade: o melhor
seria um governo baseado no único título inquestionável: a sabedoria;
ora, na ausência ou na impossibilidade do filósofo-rei, da sabedoria viva,
a única solução consistente é a de um governo limitado por leis: leis
sábias e conducentes à virtude” (p. 33);
v. Quais homens se incumbirão de implantar as leis? “Os melhores, os mais
educados, os mais elevados cidadãos, os cavalheiros, representantes, no
plano da sociedade civil, do virtuoso por excelência, o filósofo” (p. 33);
vi. A idéia de um governante bem educado de origem rural reverbera em
Hobbes e Locke. Isso quer dizer que, mais de mil anos depois, a
sabedoria e a virtude, associadas ao bem comum, continuam a serem
requisitos da república (p. 34-35).
vii. Explicita a noção de que o governo do filósofo nem sempre é possível,
pois há elementos outros que compõem a natureza humana e que atuam
na vida da pólis.
d. Politéia:
i. Definição: “(...) o Estado, a politéia, enuncia-se conceitualmente como
esta totalidade onde diferentes tipos de homens, agrupados em classes,
são levados a realizar, no interior de cada classe, o bem a que todos
fazem jus por seu trabalho. Idealmente, pelo menos, ele resolve o
problema da justiça: o Estado justo será aquela instituição que buscará
essencialmente o bem de todos e de cada um, o bem-comum (p. 36).
ii. Noção reforçada por Aristóteles.
iii. A politéia de Platão (em sua A República) é uma idéia, não um projeto
político. Ela não é realizável.
iv. Não corresponde a nenhuma das formas de governo pensadas por
Platão: Monarquia (tirania), aristocracia (oligarquia), politéia
(democracia);
2. Platão, a politéia e a virtude (mais realista em as Leis):
a. Constatação: “a menos que os filósofos sejam reis não haverá fim para os males
que afligem e devastam o Estado e o próprio gênero humano” (p. 38).
b. Mito de Cronos: “nos estado onde reina não um deus mas um mortal, os cidadão
não podem se ver livres dos males e da labuta” (p. 38).
p. 2
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c. Assim, se o governante é um ser humano e não um daimon, o problema político
estará sempre colocado. A política não é o terreno da existência perfeita e justa.
Lição de realismo e moderação (p. 38).
d. Gregos são sonhadores? Não, pois reconhecem aspectos teratológicos da alma
humana: Para Platão, a razão é uma ilha cercada de feras; para Aristóteles, a
perversidade é um vaso sem fundo e causa de nossa infelicidade;
e. Em síntese:
i. Não estamos à margem do mal ou da irracionalidade;
ii. A política é um empreendimento humano;
iii. A melhor forma do novo regime é a expressão da inteligência; (p. 39)
f. Regime de governo ideal é misto: A politéia se expressa, então, não na pureza
de qualquer regime de governo (monarquia, aristocracia e democracia), mas na
composição deles (p. 40). Exemplo: Lacedemônia / Esparta.
3. Aristóteles, a politéia e a virtude:
a. Quem é o homem?
i. Homem se diferencia dos animais pelo logos;
ii. A razão permite ao homem discernir entre o bem e o mal, entre o justo e
o injusto; dá-nos juízos;
iii. Portanto, a razão conduz o homem ao bem;
b. Logo, a razão clássica é uma razão ética;
c. A virtude passa a ser o telos e a pólis o meio. Esse aspecto desafia os modernos,
sobretudo porque condiciona a propriedade privada, a proteção à vida, a
garantia aos contratos, à formação de cidadãos virtuosos;
d. Quem mais contribui para tal formação, deve governar.
e. Mas a sociedade é formada por homens ricos e pobres e seus regimes,
oligarquia e democracia. Não há como um governar sem ferir o outro. Desse
modo se estabelece a pergunta: quem deve governar? Os virtuosos;
i. Nota novamente realismo político;
f. Mas os virtuosos são poucos e pouco aguerridos na arena política;
g. Daí a necessidade de combinarmos instituições que reflitam a pluralidade sem
perder a finalidade maior (formar virtuosos): tal seria um governo misto (p. 46).
4. Guisa de conclusão:
a. Dois conceitos marcam o pensamento clássico: politéia e virtude;
b. O primeiro foi absorvido pela modernidade.
c. O segundo rejeitado;
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