O documento descreve a transição da Grécia Antiga da sociedade aristocrática para a polis democrática entre os séculos VIII e VII a.C. A polis foi caracterizada pela proeminência do discurso público e debate, assim como pela publicidade das atividades sociais e políticas. Isso levou à secularização dos poderes religiosos e políticos, e à democratização do acesso ao conhecimento. Esparta foi uma das primeiras cidades a estabelecer a igualdade política entre cidadãos através de instituições militares e sociais igualit
Humanismo, Jusnaturalismo, Criticismo E Deontologia
Vernant o-universo
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O Universo espiritual da Polis - Jean-Pierre Vernant
- Advento da polis : Entre os séculos VIII e VII
- O sistema da polis implica
1. Uma extraordinária proeminência da palavra sobre todos os outros
instrumentos do poder.
Palavra = debate contraditório / discussão / argumentação
Dirige-se a um público como a um juiz que decide em última
instância
Escolha puramente humana que mede a força da persuasão
dos dois discursos
Vínculo estreito entre a política e o logos
2. O cunho de plena publicidade dada às manifestações mais
importantes da vida social.
A polis existe na medida em que se distinguiu um domínio público, nos
dois sentidos diferentes, mas solidários do termo: um setor de
interesse comum, opondo-se aos assuntos privados e práticas
abertas, estabelecidas em plena luz do dia, opondo-se a processos
secretos.
Duplo movimento de democratização e de divulgação. A cultura grega
constitui-se, dando a um círculo sempre mais amplo o acesso ao
mundo espiritual, reservado no início a uma aristocracia de caráter
guerreiro e sacerdotal.
A discussão, a argumentação, a polêmica, tornam-se as regras do
jogo intelectual, assim como do jogo político.
Escrita (tomada dos fenícios): torna-se, desde o século VIII, uma
técnica de amplo uso, livremente difundida ao público: fornece, no
plano intelectual, o meio de uma cultura comum e permite a
divulgação dos conhecimentos.
Redação das Leis: permanência e fixidez
LEI – Norma racional, sujeita à discussão, modificável por decreto.
A dike (justiça), sem deixar de aparecer como um valor ideal, pela
publicidade que lhe confere a escrita, vai poder encarnar-se num
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plano propriamente humano, realizar-se na lei, regra comum a todos,
mas superior a todos, norma racional, sujeita à discussão e
modificável por decreto, mas que nem por isso deixa de exprimir uma
ordem concebida como sagrada.
A verdade do sábio, revelação do essencial, ao ser entregue à escrita
é destacada do círculo fechado das seitas e torna-se acessível a
todos, sujeita ao julgamento de todos.
Os antigos sacerdócios, que pertenciam como propriedade particular a
certos genes e marcavam seu parentesco especial com um poder
divino, são confiscados pela polis e transformados em cultos oficiais
da cidade, cultos públicos – a proteção da divindade será estendida a
todos. O templo como morada pública, morada aberta dos símbolos
religiosos. Os velhos ídolos perdem, com seu caráter secreto, sua
virtude de símbolo eficaz; tornam-se imagens, cuja função ritual
consiste em serem vistos, sem outra realidade religiosa senão sua
aparência.
Porém, o processo de divulgação encontra obstáculos em todos os
domínios: no plano político, permanece uma forma de poder que
opera por vias misteriosas e meios sobrenaturais. O valor político
atribuído aos talismãs secretos não é simples sobrevivência do
passado, corresponde a necessidades sociais definidas. Porém, tanto
no plano político como no jurídico, há certamente secularização. No
plano político, os ritos, como o sacrifício ou o juramento, aos quais os
magistrados ficam sujeitos ao assumir o cargo, constituem o esquema
formal e não mais a força interna da vida política.Também no plano
jurídico, os processos religiosos que tinham na origem valor em si
mesmos, tornam-se, no quadro do direito, introdutores de instância.
No domínio da religião, desenvolvem-se, à margem da cidade e ao
lado do culto público, associações fundadas secretamente: seitas,
confrarias e mistérios. Mas, contrariamente às iniciações antigas, os
novos agrupamentos secretos são doravante confinados a um terreno
puramente religioso. No quadro da cidade, a iniciação só pode trazer
uma transformação “espiritual”, sem repercussão política. Apesar da
democratização de um privilégio religioso, na origem segredos
religiosos que pertenciam, como propriedade particular, a famílias
sacerdotais, o mistério em nenhum momento se coloca numa
perspectiva de publicidade. Em contraste com a publicidade do culto
oficial, o segredo define uma religião de salvação pessoal visando a
transformar o indivíduo independentemente da ordem social. Os
ensinamentos da Sabedoria, como as revelações dos mistérios,
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pretendem transformar o homem no íntimo, fazer dele quase um deus,
um theios anér, que se coloca à margem da comunidade. A primeira
sabedoria constitui-se assim numa espécie de contradição em que se
exprime sua natureza paradoxal:entrega ao público um saber que
proclama ao mesmo tempo inacessível à maior parte.
Ao nascer, a filosofia vai encontrar-se numa posição ambígua: em
seus métodos, em sua inspiração, aparentar-se-á, ao mesmo tempo,
às iniciações dos mistérios e às controvérsias da agora; flutuará entre
o espírito de segredo próprio das seitas e a publicidade do debate
contraditório que caracteriza a atividade política. Seita Pitagórica na
Grande Grécia, no século VI, organiza-se em confraria fechada e
recusa entregar à escrita uma doutrina puramente esotérica. Sofistas,
integrados na vida pública, apresentando-se como preparação ao
exercício do poder na cidade. O filósofo oscilará entre as duas
atitudes.
3. Os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua
origem, sua classe, sua função, aparecem, de certa maneira,
“semelhantes” uns aos outros.
A semelhança cria a unidade da polis, pois, para os gregos, só os
semelhantes podem encontrar-se mutuamente unidos pela Philia,
associados numa mesma comunidade. Substituição das relações
hierárquicas de submissão e de domínio.
Todos que participam do Estado vão definir-se como Hómoioi,
semelhantes, depois, de maneira mais abstrata, como os Isoi, iguais.
No século VI essa imagem do mundo humano encontrará sua
expressão rigorosa no conceito de isonomia, igual participação de todos
os cidadãos no exercício do poder.
A exigência de isonomia enraíza-se numa tradição igualitária muito
antiga - correspondia a certas atitudes psicológicas dos hippei, nobreza
militar que estabelece, pela primeira vez, uma equivalência entre a
qualificação guerreira e o direito de participar nos negócios públicos.
Na polis, o estado de soldado coincide com o de cidadão.
Aparecimento do hoplita (soldado-cidadão). Philia x Eris (conflito, desejo
de triunfar do adversário). O poder dos indivíduos deve inclinar-se
diante da lei do grupo.
Transformação da ética do guerreiro. A virtude guerreira é feita de
sophrosyne : um domínio completo de si, controle para submeter-se a
uma disciplina comum. A falange faz do hoplita, como a cidade faz do
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cidadão, uma unidade permutável, um elemento semelhante a todos os
outros, e cuja aristeia, o valor individual, não deve jamais se manifestar
senão no quadro imposto pela manobra de conjunto, pela coesão do
grupo. A cidade rejeita as atitudes tradicionais da aristocracia tendentes
a exaltar o prestígio e o poder dos indivíduos. Valorização de um estilo
de vida severo, quase ascético, que faz desaparecer entre os cidadãos
as diferenças de costumes e de condição.
Estado Espartano (séc. VII e VI): transformações sociais e políticas
produzidas pelas novas técnicas de guerra e que resultam numa cidade
de hoplitas, traduzem no plano das instituições a exigência de um
mundo humano ordenado pela lei. A ordem é primeira em relação ao
poder. A arché pertence exclusivamente à lei.
O fator militar desempenhou papel decisivo no advento da nova
mentalidade. Algumas características tornam Esparta adiantada para
seu tempo: vida social que impõe a todos um mesmo regime de
austeridade, que codifica até a maneira como as casas devem ser
construídas, e que institui a prática das sissitias (refeições comuns). O
regime de Esparta realiza um “equilíbrio” entre os elementos sociais que
representam funções, virtudes, ou valores opostos.
Gerousia ou Conselho dos Anciãos – composto de 30 membros,
incluindo os dois reis (um de cada família aristocrática). Papel de
contrapeso entre a assembléia popular e a autoridade real.
Apella ou Assembléia Popular – Todos os espartanos adultos que
possuíam direitos integrais de cidadania e serviam na cavalaria e
infantaria do exército.
Éforos – administradores que eram os governantes reais e guardiões
das instituições. Elemento guerreiro e popular por oposição à gerousia
aristocrática
Esparta reconhece a supremacia da lei e da ordem por ter-se orientado
para a guerra. Em Esparta a palavra não será um instrumento político,
não adotará a forma de discussão, argumentação, refutação. No lugar
de Peithó (força de persuasão), o poder de Phobos (temor que curva os
cidadãos à obediência). Para eles, a palavra continua a ser aquelas
rhetrai, aquelas leis quase oraculares a que eles se submetem sem
discussão e que recusam entregar pela escrita a uma plena publicidade.