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Poesia Trovadoresca
Espaços, protagonistas e circunstância
▪ Cantiga de amigo – Ambiente doméstico e familiar, marcadamente feminino (donzela ou meninas e
as amigas, ou a mãe e a filha); ambiente coletivo (romaria, santuário) ou rural (campo, rio, mar); origem
autóctone, resultando da tradição lírica já existente na região.
▪ Cantiga de amor – Ambiente aristocrático (rei, nobres, senhores); palácio ou corte; ambiente
marcado por um código e por convenções (amor cortês); cantigas importadas em particular da zona de
Provença.
▪ Cantiga de escárnio e maldizer – Ambiente palaciano e de corte.
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Cantigas de Amigo Cantigas de Amor Cantigas de Escárnio e Maldizer
-o trovador que escreve
como se fosse uma donzela.
-desabafa com as amigas; a
Natureza e raramente com a
mãe, acerca do seu"amigo";
-cenário rural; campestre
(bucólico);
-atividades relacionadas com
o campo; pesca;
-divertimentos: romarias;
-o próprio trovador que escreve e
sente amor pela sua "senhor";
-ambiente palaciano (cortês);
-amor, muitas vezes, não
correspondido (platónico);
-a mulher amada é idealizada,
sendo descrita como perfeita, quer
física quer psicologicamente;
-divertimentos de vivências
palaciana: bailes; torneios;
-as cantigas de escárnio não revelam
diretamente a quem se dirige a
crítica;
-as cantigas de maldizer revelam
diretamente a pessoa criticada;
-funcionam como documentos
históricos, pois mostram a crítica
social das várias classes da época.
Linguagem, estilo e estrutura
As cantigas de amigo caracterizam se por uma estrutura rítmica e estrófica muito próxima de uma musica.
Como tal, podem acontecer dois processos (em simultâneo ou isolados) : o refrão- repetição de um ou mais
versos no final de cada estrofe- e o paralelismo. Estão presentes também recursos expressivos como a
personificação, comparação ou apostrofe.
As cantigas de amor podem ou não recorrer a um refrão e normalmente são utilizados recursos expressivos
como a adjetivação, a hipérbole ou a comparação.
Nas cantigas de maldizer e escárnio é muito recorrente utilizar a sátira e o cómico recorrendo também, como
recurso expressivo, a ironia
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira
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Inês Pereira é uma jovem solteira que sofre a pressão constante do casamento, e reclama da sorte por
estar presa em casa, aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina Inês casar-se com um homem
que ao mesmo tempo seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, o que já se
percebe na primeira conversa que estabelece com sua mãe e Leonor Vaz. Essas duas têm uma visão mais
prática do matrimônio: o que importa é que o marido cumpra suas obrigações financeiras, enquanto que
Inês está apenas preocupada com o lado prazeroso, cortesão.
O primeiro candidato, apresentado por Leonor Vaz, é Pero Marques, camponês de posses, o que satisfazia
a idéia de marido na visão de sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão, desajeitado, fatos que
desagradam Inês. Por isso Pero Marques é descartado pela moça.
Aceita então a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que somente se
interessam no dinheiro que o casamento arranjado pode lhes render, não dando importância ao bem-
estar da moça. Então lhe apresentam Brás da Mata, um escudeiro, que mostra-se exatamente do jeito que
Inês esperava, apesar das desconfianças de sua mãe.
Eles se casam. No entanto, consumado o casamento, Brás, seu marido, mostra ser tirano, proibindo-a de
tudo, até de ir à janela. Chegava a pregar as janelas para que Inês não olhasse para a rua. Proibia Inês de
cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e discreta. Encarcerada em sua própria casa,
Inês encontra sua desgraça. Mas a desventura dura pouco pois Brás torna-se cavaleiro e é chamado para a
guerra, onde morre nas mãos de um mouro quando fugia de forma covarde.
Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se com Pero
Marques, seu antigo pretendente. Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, o trai descaradamente quando
é procurada por um ermitão que tinha sido um antigo apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e
Inês exige que Pero, seu marido, a leve ao encontro do ermitão. Ele obedece colocando-a montada em
suas costas e levando Inês ao encontro do amante.
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do
que um cavalo que nos derrube"
Personagens:
Inês Pereira: esta personagem é a protagonista da farsa, pois a intriga desenvolve-se à volta do desejo de casar
(para ter mais liberdade) e das escolhas que faz neste sentido. De início, esta personagem feminina surge
como alguém muito descontente com a vida que tem: Inês sente-se “cativa” da vida doméstica que leva e
gostaria de ter a mesma vida que as outras jovens com uma vida mais folgada. Deste modo, representa um
grupo social com uma forma es estar, de pensar e de agir muito típica. Inês construi uma imagem idealizada
do seu marido de sonho. A sua mãe e a alcoviteira Lianor Vaz tentam orientá-la mas Inês mostra-se decidida e
irredutível nas suas opinões. Inês acabará por aprender por sim e com os seus erros. Numa primeira fase,
enganada pelo Escudeiro Brás de Mata pela aparência, Inês opta pelo pretendente mais galante. Depressa
apercebe-se da má escolha que fizera e arrepende-se. Constata-se uma mudança de atitude da protagonista
que revela um plano futuro para se vingar do sucedido. Depois de ter sido enganada por Brás da Mata, Inês
escolhe a personagem que representa o “asno”, o lavrador Pêro Marques.
Mãe : uma mulher de pouca sorte, perspicaz, manifesta opiniões totalmente contraditórias das da filha
relativamente ao casamento e ao marido que esta devia escolher. Analisando as suas falas, repletas de
provérbios e as suas falas podemos dizer que a mãe é a voz do bom senso, da razão e também da experiência.
A mãe quer ajudar a sua filha tanto que elogia-a ao saber da proposta da Alcoviteira. Por outro lado, dá
conselhos a Inês sempre que um pretendente a vem visitar, o que mostra cuidado e preocupação. Outras
vezes coloca perguntas à filha com fim a deixá-la refletir e a ponderar melhor sobre o seu futuro, fazendo
referência à necessidade de um futuro seguro. Inês não quer casar com um homem da sua classe social mas
sim alguém da corte com um homem que toque viola e que saiba falar bem. A mãe porém é mais realista e
interessa-se pela condição económica do Lavrador. A partir do casamento com o escudeiro, a mãe não volta a
aparecer, como se a sua missão já estivesse terminada e que agora “todo o mal” fosse responsabilidade da
escolha que Inês fez.
Lianor Vaz: esta é uma personagem-tipo, uma alcoviteira, é uma mulher cujo oficio consistia em arranjar
casamentos apresentando pretendentes. Assim dá a conhecer Pêro Marques a Inês e à sua mãe considerando-
o “bom marido, rico, honrado conhecido”. Lianor Vaz partilha das mesmas opiniões da mãe quanto à escolha que
Inês devia fazer. Porém, tal como a Mãe, a alcoviteira não consegue convencer inicialmente Inês a optar pelo
lavrador e é só depois da morte do Escudeiro que Lianor Vaz aparece e aconselha-a novamente chamando a
atenção para as vantagens económicas de tal união. Esta personagem denuncia o comportamento devasso do
clero, através do encontro com o clérigo que a assedia, o que constitui uma critica social.
Pêro Marques: Retrato fiel do camponês, do homem rústico e simples, Pêro Marques é uma personagem-tipo
e aparece como o primeiro pretendente, aquele que, apesar de todos os elogios da Alcoviteira, é desprezado
por Inês Pereira. Inês não hesita em caracterizá-lo de uma forma bastante negativa e sarcástica, tecendo
comentários insultuosos sobre ele (“parvo vilão”/”nunca vi tal coisa”/ “oh, Jesus!Que João de bestas”). Esta
caracterização direta (heterocaracterização) decorre das atitudes e comportamentos que Pêro Marquês teve
com Inês mesmo ainda antes de a conhecer (por exemplo, a carta que lhe escreveu com uma linguagem
demasiado básico). Quando é apresentando a Inês, esta personagem tem uma situação cómica que se cria
com Pêro Marques sem saber para que serve uma cadeira sentando-se ao contrário nela ou quando procura
em vão as pêras no seu chapéu. Pêro Marques autocaracteriza-se como sendo um homem do bem, sério e
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decente. Para Inês estas qualidades não são de valorizar, antes pelo contrário (ridiculariza-o sem perceber que
ele se sente desconfortável por estar na mesma sala com apenas ela). Por fim, a imagem do camponês
inocente, ingénuo e desajeitado fica completa no ultimo episódio da peça quando o vemos a transportar Inês,
agora sua mulher, às costas, levando-as ao encontro do Ermitão. Pêro Marques encara então o papel de
marido ingénuo e obediente que é enganado pela mulher.
Escudeiro Brás da Mata: Segundo pretendente de Inês Pereira que parece corresponder ao perfil desenhado
por ela para seu marido. Após os vários elogios dos judeus, o Escudeiro também ele é uma personagem-tipo
que parece ser um homem encantador, hábil com as palavras e com os instrumentos musicais, mas na
verdade é apenas um homem falso, arrogante, pelintra e prepotente.
Moço: Criado do Escudeiro, acompanha-o ao longo de toda a peça e é uma voz critica do amo. Leva uma vida
dura de pobreza e é maltratado pelo amo. É fiel mesmo assim ao seu amo fazendo tudo o que lhe pede (como,
por exemplo, o pedido do escudeiro para o moço vigiar Inês) e contra a sua vontade, cumpre o pedido.
Judeus (Latão e Vidal): Desempenham um papel semelhante ao da Alcoviteira e têm por missão apresentar a
Inês o Escudeiro. São personagens cómicas e recorrem a uma linguagem caricatural como quando
apresentam o Escudeiro a Inês num retrato exagerado. Pertencem a uma comunidade judaica, contribuindo
para serem como personagens-tipo (na cerimónia de casamento executam rituais judaicos). São gananciosos
pois concretizam o casamento e exigem logo a quantia de dinheiro devida. Funcionam como uma única
personagem porque tanto ao nível do discurso como a nível do comportamento, ambos completam-se.
Ermitão: é um ermitão que é diferente dos ermitas e monges que viviam isolados para se dedicarem
exclusivamente a Deus e que viviam da a fé e da a caridade das pessoas que os ajudavam e os alimentavam.
Para este “Deus é Cupido”. Seduz Inês Pereira e representa a vida da liberdade que a moça pretendia levar,
com a aprovação do próprio marido que não vê maldade em nada. Representa uma critica ao clero, à sua
imoralidade e à sua corrupção.
A dimensão satírica:
Um dos objetivos do teatro de Gil Vicente era denunciar, criticar e mostrar algumas mudanças que afetavam a
sociedade, como por exemplo, o desejo de ascendência social, o adultério, a imoralidade do clero, entre
outros. Estes comportamentos são denunciados através de personagens-tipo e da linguagem cómica. Nesta
farsa reconhecemos alguns tipos:
→a alcoviteira e os judeus (Lianor Vaz, Latão e Vidal)- figuras gananciosas que agem com um fim económico;
→Pêro Marques- personagem rústica, serve para fazer rir a gente da corte com a sua ignorância e
simplicidade.
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→o Escudeiro Brás da Mata- género de parasita, vadio, que imita os padrões da nobreza (ex: tocar guitarra, faz
serenatas, finge- se corajoso, mas é medroso e maltrata o moço). Não trabalha e passa fome.
→o Ermitão- há uma conformidade entre os atos e os ideias pois invés de procurar renunciar o mudo e a
pobreza, busca a riqueza e os prazeres que não estão ligados à religião.
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A representação do quotidiano:
As farsas têm como característica a representação da vida quotidiana e nesta podemos encontrar os
hábitos, os costumes, as crenças e os modos de vida da época, em especial aos que diziam respeito:
Ao casamento: o texto vicentino dá-nos a conhecer as ideias contrárias de Inês , da Mãe e de Lianor Vaz
em relação ao casamento (a intervenção de uma alcoviteira e dos judeus, os encontros com os
pretendentes, as regras, a festa de casamento e a vida a dois).
Ao estatuto da mulher: (sobretudo a solteira). Os casamentos eram, grande parte das vezes, um negócio
entre duas partes, sem que a mulher tivesse alguma participação na decisão. Neste caso, que é uma
exceção a essa regra, apesar de haver na mesma intermediários entre ambos, a ultima palavra é de Inês
que deseja uma vida sem ser de “cativeiro” e ascender socialmente, objetivo esse que não foi cumprido
com o primeiro marido (o escudeiro).
À vida doméstica: ao longo da farsa, acompanhamos a protagonista nas suas tarefas domésticas,
assumindo uma postura da típica mulher que trata da casa. No seu monólogo inicial, Inês encontra-se a
costurar em casa; depois, já casada, também costura fechada em casa.
À vida palaciana: apesar da vida de aparências que existiam na corte e que está representada na figura do
Escudeiro , muitos ambicionavam a sua ascendência social de modo a fazer parte desta classe (ex: Inês)
À vida do campo: Uma vida simples, autêntica mas pouco considerada. Pêro Marques representa essa
classe social em oposição à vida falsa da corte. Esta vida simples de trabalho garantia mais sustento que a
vida dos fidalgos pelintras.
À vida do clero: o encontro da alcoviteira com um membro do clero e o de Inês Pereira com um Ermitão
devoto de cupido são exemplos que denunciam comportamentos imorais desta classe social.
O cómico→utilizado para criticar os costumes da época.
a) Cómico de caracter: assenta na personalidade e no modo de ser da personagem. Pêro Marques e o
escudeiro mostram que são personagem cómicas. O primeiro é o retrato fiel do provinciano desajeitado e
desconhecedor das convenções sociais; já o segundo estava arruinado e era cobarde, embora aparentasse ser
rico e elegante. Pêro Marques, quando visita Inês pela primeira vez revela imediatamente o seu lado cómico
(ex: não sabe para que serve a cadeira e ao sentar-se coloca-se de costas para as outras personagens, invés de
presentes elegantes, traz peras). Quanto ao Escudeiro, a sua faceta cómica reside precisamente no contraste
que há entre agir com o moço (é pelintra, arrogante, autoritário) ou com Inês, já casados (é severo, insensível),
e aquilo que ele manifesta quando a conhece (é afável, cortês, galante).
b) Cómico de situação: baseia-se na intriga e no próprio desenrolar dos episódios. Como exemplo
disso tem-se, as atitudes desajeitadas de Pêro Marques ao longo da obra ou mesmo os judeus quando querem
forçar Inês a conhecer o pretendente que eles escolheram. A morte do Escudeiro também é considerado
cómico de situação pois foi morto pelo pastor mouro. Por fim, Pêro Marques leva Inês às costas e esta canta
uma cantiga sobre um “marido cuco”, isto é, traído.Toda esta cena é cómica pois este não percebe e
comporta-se como um “asno”
c) Cómico de linguagem: resulta da desadequação do que é dito ou do modo que é falado
relativamente ao contexto envolvente, pode ser produzido através da ironia, apartes, sarcasmo, trocadilho, jogo
de palavras, o calão ou expressões populares. Pêro Marques escreve uma carta a InÊs com uma linguagem
muito provinciana e provoca o riso ao leitor e à própria protagonista.Tem um discurso e uma linguagem
provinciana, por vezes, confusa que serve também para o caracterizar. Os judeus também têm uma linguagem
cómica fruto da repetição do discurso mas também o uso do registo popular e, por vezes, o calão. A ironia
presente nos apartes de Inês onde ela refere Pêro Marques também é um exemplo, tal como os apartes do
moço referentes ao seu amo.
Linguagem e estilo
Gil Vicente procurou adequar a linguagem de cada personagem ao seu grupo social ou à atividade que
desempenhava.
a) Pêro Marques fala como lavrador que é, de forma simples, muito provinciana e por vezes, confusa, visto
que não é instruído.
b) Inês Pereira, a Mãe e Lianor Vaz falam como mulheres do povo recorrendo muito a ditados populares e
a provérbios.
c) Brás da Mata, como pretende enganar Inês, fala com ela de um modo galante sendo o seu discurso
rebuscado. Já com o moço, usa uma linguagem mais coloquial e agressiva, tal como faz com Inês depois
do casamento.
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d) Os Judeus recorrem a uma linguagem de cariz popular e , a dada altura usam rituais judaicos .
Fernão Lopes, Crónica de D. João I
Contextualização histórica:
A crónica de D. João I é, na realidade, uma legitimação da nova dinastia, a dinastia de Avis, iniciada após um
período conturbado entre dois reinos na monarquia portuguesa que vai de 1383 a 1385 (crise politica). Esta
crónica é considerada a crónica medieval mais importante, quer pelos acontecimentos que relata, quer pela
qualidade literária da sua prosa. Foi publicada pela primeira vez em Lisboa a 1644 e está dividida em duas
partes:
-a 1º ocupa-se no espaço e no tempo desde a morte de D. Fernando até à eleição de D. João I;
-a 2º relata o reinado deste monarca até à paz com Castela em 1411.
Afirmação da consciência coletiva:
A crónica de D. João I constitui uma afirmação da consciência coletiva, no sentido em que o verdadeiro herói
que povoa na obra não é um herói individual como habitual (não é um cavaleiro, um nobre...) mas sim um
herói coletivo – o POVO. Fernão Lopes mostram-nos com imenso realismo, vivacidade, pormenor descritivo e
emotividade o povo que se revolta, que irrompe as ruas de Lisboa à procura do Mestre, que defende a cidade
contra os castelhanos, que passa fome e privações por causa do cerco.
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Recursos expressivos recorrentes nesta obra:
-Ironia;
-Comparação;
-Interrogação retórica;
-Metáfora;
A voz do povo, o sentir dos homens e das mulheres, dos mesteirais, dos homens-bons, é muitas vezes
transmitida através de uma voz anônima e da multidão. Outras vezes é a própria cidade que parece revelar
essa consciência do todo, assumindo quase o estatuto de uma personagem coletiva.
O povo manifesta o seu patriotismo e o seu apoio ao Mestre. O povo é o verdadeiro herói da revolução e da
crónica de Fernão Lopes.
Atores individuais e coletivos:
Atores coletivos:
-as gentes de Lisboa, quer como uma massa, uma coletividade, quer como grupos sociais (ex:
lavradores, homens-bons, as mulheres).
Atores individuais:
-Mestre de Avis- é caracterizado como um homem vulgar, hesitante e vulnerável às fraquezas. É um
homem receoso, no seguimento do assassinato do conde Andeiro. Apesar destes defeitos – que o tornam
uma personagem profundamente realista –, D. João I mostra também ser capaz de atos espontâneos de
solidariedade, o que o converte numa figura cativante. Líder “desfeito” mas também solidário com a
população, durante o cerco de Lisboa.
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É no prólogo da Crónica de D. João I que o cronista expõe o seu objetivo e método de historiar inovador.
O seu desejo é "em esta obra escrever verdade sem outra mistura", para o que faz concorrer toda a gama
de documentos possível, desde narrativas a documentos oficiais, confrontando-os entre si para assegurar a
veracidade dos registos existentes. Ao mesmo tempo, esta crónica estabelece, de certa forma, o ponto de
chegada das duas crónicas precedentes, na medida em que estas preparam os acontecimentos que
culminam com a sublevação popular e consequentemente, com a entronização de D. João I.
A primeira parte da crónica descreve a insurreição de Lisboa na narração célere dos episódios quase
simultâneos do assassinato do conde Andeiro, do alvoroço da multidão que acorre a defender o Mestre e
da morte do bispo de Lisboa. Ao longo dos capítulos, fundamenta-se a legitimidade da eleição do Mestre,
consumada nas cortes de Coimbra, na sequência da argumentação do doutor João das Regras, enquanto
desfecho inevitável imposto pela vontade da população. Nesta primeira parte, o talento do cronista na
animação de retratos individuais, como os de D. Leonor Teles ou D. João I, excede-se na composição de
uma personagem coletiva, o povo, verdadeiro protagonista que influi sobre o devir dos acontecimentos
históricos.
Na segunda parte, o ritmo narrativo diminui, tratando-se agora de reconhecer o rei saído das cortes, e é de
novo pela ação do povo que a glorificação do monarca é transmitida, como, por exemplo, no modo como o
acolhe a cidade do Porto. Um outro momento de maior relevo é consagrado, nesta parte, à narrativa da
Batalha de Aljubarrota, embora aí não ecoe o mesmo tom de exaltação com que, na primeira parte,
colocara em cena o movimento da massa popular.
-Álvaro Pais- o burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estão a matar o Mestre, influenciando o povo
a correr a seu auxilio.
-D. Leonor Teles- a mulher que gera ódio na população e é apelidada de “aleivosa” (traidora).
Luis de Camões, Rimas
Contextualização histórico-literária:
A idade média foi considerada uma época de trevas, de ignorância e de atraso. Existia uma grande vitalidade
intelectual na idade média já que, durante este longo período, se sucederam os “renascimentos” e os esforços
para recriar a sabedoria clássica. O renascimento pode definir-se como um movimento cultural que marca a
transição da idade média para a idade moderna e teve repercussões politicas, sociais, económicos e culturais.
Em Portugal, o renascimento surgiu na segunda metade do século XVI e apresentou a particularidade de
estar ligado à expansão marítima.
Linguagem, estilo e estrutura:
Esta poesia foi influenciada por duas tendências estéticas- uma mais tradicional e outra mais clássica.
-Redondilhas- poemas com versos de 5 ou 7 sílabas métricas, ou seja, a medida velha e podem ter a forma de
cantigas, vilancetes, esparsas ou trovas;
-Sonetos- poemas com influências de Itália e da valorização clássica. Encontra-se então versos com 10 sílabas
métricas (decassilábicos), a chamada medida nova.
A lírica tradicional seguem uma estrutura comum da poesia palaciana, um mote desenvolvido em voltas.
-Mote- verso ou conjunto de versos que começam o poema e que servem para apresentar a ideia que será
desenvolvida nos versos seguintes.
-Voltas- versos que aparecem depois do mote agrupados em estrofes. Ao recuperar o tema explicitado no
mote, a volta pode repetir um ou mais vezes o mote, funcionando assim, como um refrão.
Já a inspiração clássica está presente na transformação das composições em decassílabos que podiam ser em
formas de odes, sonetos ou canções.
-Soneto- constituído por 2 quadras e 2 tercetos com vários tipos de esquemas rimático.
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Temáticas da lirica camoniana:
a) A experiência amorosa e a reflexão sobre o amor
-Existem 2 tipos de mulher (a espiritual e a carnal)- a mulher sensual desperta o amor carnal e fisico.
A mulher petrarquista é descrita como um ser ideal, que não deve ser desejado fisicamente mas
amado e idolatrado. (*petrarquista- inspiração na deusa Petrarca)
-O poeta sente às vezes que a realização total do amor só é possível através do amor espiritual e do
amor fisico/carnal.
-O sujeito poético está dividido entre o fascínio do amor platónico (espiritual)/petrarquista vs. a
atração por um amor carnal (entre a mulher que admira e a que deseja).
-A ausência da mulher amada origina sofrimento, saudade e ânsia por um reencontro físico.
-A experiência de uma vida amorosa fracassada poderá explicar a influência do amor de concessão
platónica.
-O amor e os seus efeitos têm um poder transformador.
b) A representação da amada
-Imagem de uma mulher angélica, um ser divido, de pele, olhos e cabelo claros, elementos físicos
reveladores das qualidades da alma, com um poder transformador da Natureza e do Homem
(influência petrarquista).
-Representação de uma mulher maléfica, em contraste com a mulher anjo.
-Novo conceito de beleza feminina distante do de Petrarca (pele, olhos e cabelos escuros), capaz de
provocar fascínio e tranquilidade no amador.
-A imagem realista, inspirada na vida quotidiana, presente em algumas redondilhas.
-A imagem petrarquista da mulher que representa a beleza, a castidade, a serenidade, a harmonia, a
unidade profunda entre a beleza externa e a beleza interna. Em geral, é um modelo feminino de
cabelos de “oiro”, pele clara, serena, impalpável, símbolo da perfeição.
c) A representação da Natureza
-Espaço alegre, tranquilo, sereno, propicio ao amor.
-Espelho da alma do poeta, refletindo os seus sentimentos.
-Confidente, testemunha da dor da ausÊncia/separação da amada.
-É solidário com as qualidades femininas exaltadas conferindo-lhes luz, graça, pureza...
-É espelho das vivências do sujeito poético.
-É locus amoenus (lugar ameno), a paisagem amena, verdejante, colorida, mágica, harmónica.
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d) A representação da vida pessoal
-Reflexão do poeta sobre o destino (que nunca lhe foi favorável), os erros que cometeu, o amor
fracassado, o desterro...
-Afirma que nasceu para sofrer e que ele é o seu próprio tormento.
-Considera-se com pouca sorte (“má fortuna”), e com azar no amor, refletindo sobre o seu infortúnio
e sobre o seu sofrimento.
-O sujeito poético amaldiçoa o dia do seu nascimento, pois esse dia “deitou ao mundo a vida/mais
desventurada que se viu”.
e) O tema do desconcerto
-Camões apresenta o destino e ele próprio como os responsáveis pelo seu infortúnio.
-Nesta temática, já não é só o amor o sentimento que é explorado, mas também a revolta, o remorso,
o cansaço e o desespero perante a existência da morte.
-Socialmente, o mundo é um desconcerto, provocando injustiças aos bons premiando os maus.
-As destruição do amor puro, a morte e a passagem do tempo, que só traz infortúnio, são algumas
realidades que chocam o poeta.
-O desconcerto do mundo provoca espanto, revolta e inconformismo.
-Reflexão sobre o desconcerto do mundo, ao nível social e moral, evidenciada em aspetos como: a
errada distribuição dos prémios e castigos (os maus são galardoados, os bons severamente
castigados); os contrastes entre a riqueza e a miséria; o crescente interesse dos homens por valores
materiais.
f) O tema da mudança
-A sucessão de mudanças ocorre através do tempo.
-Na Natureza, a mudança opera de forma cíclica, natural e positiva, enquanto na vida do poeta se
concretiza de modo negativo.
-A passagem do tempo traz novidade, mas nem sempre esperança.
-A consciência da irreversibilidade do tempo que conduz à reflexão sobre a renovação cíclica da
Natureza, sobre a mudança da vida e das coisas e o caminho inexorável do poeta para a morte, razão
que lhe acentua a angustia.
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Os Lusíadas, Luis de Camões
Visão Global:
Camões procurou fontes literárias como:
A epopeia “os Lusíadas” é uma narrativa em verso destinada a celebrar feitos grandiosos de um herói, neste
caso coletivo – o povo. Esta obra pode ser reconhecida por epopeia porque:
-A ação é épica, com grandeza e solenidade, de modo a mostrar heroismo:
-A ação de central é a aventura dos Descobrimentos de que se destaca a viagem marítima de Vasco da
Gama à India, uma ação cheia de heroismo e digna de ser louvada.
-Em articulação com essa ação, surge episódios de mitologia – plano da mitologia.
-A par da ação centra, verifica-se também a narração de outros feitos históricos a cabo pelos
Portugueses e contados por Vasco da Gama ao rei de Melidnde e por Paulo da Gama ao Catual de
Calecute- plano da história de Portugal.
-O herói desta epopeia é o povo português representado na figura de comandante das naus,Vasco da Gama.
Há portanto um herói coletivo e um herói individual.
-O maravilhoso não só aparece com intervenções das divindades da mitologia (ex: vénus ou baco), como do
Deus dos Cristãos (reza de Vasco da Gama aquando da tempestade).
-Forma- há um narrador que relata os acontecimentos; em Os Lusíadas podemos, inclusive, distinguir os
vários narradores.
-O poeta que relata a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à India e toda a viagem de
regresso.
-Vasco da Gama que conta ao rei de Melinde tanto a história de Portugal como a viagem de Lisboa a
Moçambique.
-Paulo da Gama que relata, em Calecute, ao Catual alguns factos da nossa História e explica o
significado das 23 figuras representadas nas bandeiras.
-Fernão Veloso que descreve o episódio dos Doze de Inglaterra.
Estrutura-
-Partes obrigatórias como a Proposição, a Invocação, a Narração e a dedicatória que era opcional. Os
Lusíadas dedicam a obra ao rei D. Sebastião.
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-A narração in media res que é o facto da narração começar com a viagem já a meio.
Estrutura interna
-Proposição (apresentação do assunto): nesta parte Camões propõe-se cantar as navegações e
conquista no Oriente nos reinados de D.Manuel e de D. João III., as vitórias em África de D.João I a
D. Manuel e a organização do país durante a 1ºdinastia.
-Invocação (súplica de inspiração para escrever o poema): 1a súplica às ninfas do Tejo (Tágide) para
que o ajudem na organização do poema; 2a súplica a Caliope, porque estão em causa os mais
Obras Autor Herói Assunto
Ilída Homero Aquiles – um grego, filho
de um humano e da
deusa do mar Tétis.
Através das suas ações
revela o seu caráter
nobre e guerreiro
Canta o episódio da
Guerra de Troia, que
opôs o povo da Grécia
antiga aos troianos. A
personagem principal,
Aquiles, luta e mata o
seu rival Heitor, príncipe
troiano. A narrativa
começa quando a guerra
já esta no ultimo ano.
Odisseia Homero Ulisses – herói grego
que é exemplo de
astúcia, determinação e
coragem
Eneida Virgilio Eneias – príncipe
troiano, filho de
Anquises e de Vénus
Canta as aventuras de
Eneias, único herói que
se salvara da destruição
de Troia. É acolhido por
Dido em Cartago,
vagueia pela Itália e
desce ao reino dos
mortos, onde ouve o
futuro e a história de
Roma.
Depois da guerra de
Troia, Ulisses vive muitas
aventuras ao longo da
sua viagem de vários
anos.
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importantes feitos lusitanos; 3a súplica às ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus
infortúnios; 4a nova invocação a Calíope para que o inspire para terminar a obra.
-Dedicatória (oferecimento da obra a D. Sebastião): esta dedicatória ao rei D. Sebastião reflete a
esperança do povo português no novo monarca e sobretudo, na possibilidade de retomar a expansão
no Norte de África.
-Narração (desenvolvimento do assunto): iniciada in media res (quando a frota já se encontrava no
canal de Moçambique a caminho de Melinde), apresenta momentos retrospetivos da História de
Portugal e da viagem, momentos prospetivos como sonhos, presságios, profecias e um Epilogo, o
regresso dos nautas, incluindo o episódio da Ilha dos Amores.
Estrutura externa:
Forma narrativa; versos decassilábicos; rimas com esquema abababcc; estâncias- oitavas; poema
dividido em dez cantos.
Proposição, Estância 1 à 3 do Canto I
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A proposição indica qual é o objeto do canto – “o peito ilustre
Lusitano”. Esta expressão incorpora:
-as armas e os barões assinalados, isto é, os feitos bélicos e
quem os executou, os homens ilustres e notáveis. Esses homens
partiram de Portugal, da ocidental praia lusitana e após perigos e
guerras conseguiram alcançar territórios para lá da ilha da Ceilão
-“passaram para além daTaprobana”.
-os Reis que foram dilatando/ A fé, o império e que andaram a
devastar as terras desconhecedoras da religião cristã – as terras
viciosas/ De África e de Asia.
-aqueles que por obras valerosas/ Sevão da lei da Morte
libertando, isto é, todos os que, por causa das suas ações magnificas
merecem ser louvados e imortalizados.
-Os portugueses são então o herói da epopeia – herói coletivo- e são
os seus feitos que o poeta espalhará cantando.
-Sobre os portugueses diz-nos ainda que os seus feitos superam os
de figuras míticas (Ulisses e Eneias) e os de figuras históricas, que
esses feitos são tão gloriosos que até os deus do mar e da guerra –
Neptuno e Marte- se submeteram aos Portugueses e que
representam um “valor mais alto”
-Na proposição são indicados os 4 planos estruturais da narração
(plano da viagem, da história de Portugal, do Poeta e da mitologia)
Invocação, Estancia 4 e 5 do Canto I
Dedicatória, Estancia 6 à 18 do Canto I
A dedicatória não era um elemento estrutural obrigatório do género épico, mas Luís de Camões decide
dedicar o seu poema ao rei D. Sebastião, a quem louva pelo que representa para a independência de Portugal
e para o aumento do mundo cristão. os louvores, segue-se o apelo. Referindo-se com modéstia à sua obra, que
designa como “um pregão do ninho (...) paterno”, pede ao Rei que a leia. Na breve exposição que faz do
assunto d’Os Lusíadas, o poeta evidencia um aspecto particularmente importante, a obra não versará heróis e
factos lendários ou fantasiosos, como todas as epopeias anteriores, mas matéria histórica. Documenta-o
nomeando alguns heróis nacionais que valoriza pelo confronto com os de outras epopeias. O discurso da
Dedicatória organiza-se, pois, segundo esta lógica — louvor, apelo de carácter pessoal e argumentos que o
fundamentem, incitamento/apelo de carácter nacional e, em jeito de conclusão, breve reforço do apelo
pessoal. Na estância 6, D. Sebastião é-nos apresentado como defensor nato da liberdade da Nação, como o
continuador da dilatação da Fé e do Império, como o Rei temido pelo Infiel, como o homem certo no tempo
certo, «dado ao mundo por Deus». Na estância 10 e 11, o poeta pede a D. Sebastião que ponha os olhos no
poema que desinteressadamente fez e lhe dedica, no qual ele verá os grandes feitos dos portugueses, reais e
não fingidos, maiores do que os narrados nas antigas epopeias, de tal forma que o jovem rei se poderia julgar
mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo todo hipérbole). O poeta desliga a glória de ser
conhecido pela sua obra do «prémio vil», já que o moveu o «amor da pátria». Os Lusíadas são fonte de glória
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-Camões tem plena consciência da grandiosidade do que vai
cantar e, por isso, sabe que o estilo do seu canto de ser
“grandíloquo” e fluente. O poeta logo no início, pede ajuda e
inspiração às ninfas do Tejo.
-Só estas divindades poderiam fazer despertar no poeta “um
novo engenho ardente”, um ”som alto e sublimado”, que não
se assemelha ao da poesia bucólica, mas é antes um som
digno capaz dedar ânimo e provocar emoções.
para Camões pode ver-se nos quatro primeiros versos da estrofe 10, em que o poeta afirma que foi levado a
escrever o seu poema, não pelo desejo de um prémio vil (material), mas de um prémio alto e quase eterno.
Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses. O poeta exalta D. Sebastião como jovem rei
destinado pelo Fado (destino) a grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda,
dilatando a fé e o império. O louvor de D. Sebastião está pois, em ser apresentado como um jovem-rei em que
o povo português tudo espera, rei que a providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos
portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise em que a nação já se encontrava, mas
ela estava lá tão firme no povo que não desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é
precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em crise.
Narração
A narração tem inicio quando a ação já vai a meio, ou seja, in media res.Quando se inicia o relato da viagem
(ação central), os portugueses já tinham percorrido metade do caminho, encontrando-se no oceano Índico.
A parte inicial da viagem só será narrada posteriormente, num processo de retrospetiva – analepse.
A narração é então a articulação dos quatro planos.
Os 4 Planos:
-Plano da viagem (plano central): a narração dos acontecimentos ocorrido durante a viagem realizada
entre Lisboa e Calecute:
-Partida a 8 julho de 1497
-Peripécias da viagem- destaque para a grande coragem e valor guerreiro dos marinheiros
portugueses, para a tempestade, o escorbuto, as vitórias sobre traições entre outras.
-Paragem em Melinde durante 10 dias.
-Chegada a Calecute (Índia) a 18 de maio de 1498.
-Regresso a 29 de Agosto de 1498.
-Chegada da nau de Vasco da Gama a Lisboa em 29 de agosto de 1499
A funcionalidade deste plano é conferir unidade ao poema. É, por isso, uma espécie de “esqueleto” da
epopeia.
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-Plano da História de Portugal (plano encaixado): relata factos marcantes da História de Portugal:
-Em Melinde,Vasco da Gama narra ao rei os principais acontecimento da nossa história.
-Em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representadas nas
bandeiras portuguesas.
A função deste plano é relatar e enaltecer a História de Portugal.
-Plano da Mitologia(plano paralelo): A mitologia permite e favorece a evolução da ação: os deuses
assumem- se como apoiantes (Vénus) ou como oponentes dos portugueses (Baco):
-Os deuses apoiam os Portugueses: concílio dos deuses no Olimpo.
-Concilio dos deuses marinhos.
-Ilha dos Amores.
A função deste plano é conferir beleza, ação e diversidade ao poema, ajudando no processo de divinização
dos Portugueses.
-Plano do poeta (plano ocasional): Considerações, criticas, lamentos e opiniões do poeta, expressas
nomeadamente, no inicio e no fim dos cantos.
Este plano serve para o poeta transmitir as suas posições face ao mundo, aos outros e a si mesmo.
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-O plano da viagem e o plano da mitologia ocorrem em simultâneo .
-A articulação entre o plano da viagem e da mitologia sai reforçada pelo estatuto que os Portugueses
conquistam, após chegarem à Índia – estatuto de divindade, por terem concretizado algo de sobre-humano,
como um prémio é-lhes
oferecida uma recompensa digna de deus- Ilha dos Amores.
-O plano da História de Portugal é um plano encaixado, que apresenta episódios de guerra e liricos.
-O plano da história de Portugal funciona como analepse e prolepse.
-O plano das intervenções ou reflexões do poeta será vital para o entendimento do pendor humanista
Imaginário épico
Matéria épica e sublimidade do canto
Como foi visto na proposição, a intenção do poeta ao escrever esta obra é cantor o “peito ilustre lusitano”,
isto é, glorificar os feitos do povo português. Esses feitos dizem respeiro quer aos nautas quer a outras ilustre
figuras históricas portuguesas. Por esta razão podemos dizer que a matéria épica de Os Lusíadas integra:
→a viagem de Vasco da Gama à Índia – as descobertas;
→os feitos históricos – apresentação por Vasco Da Gama ao rei de Melinde e por Paulo da Gama ao
Catual.
A matéria épica só se torna verdadeiramente épica quando passa a estar subordinada ao mito, isto é, quando
a sua interpretação passa a ser simbólica. Nesse sentido, o própria herói é subordinado ao mito, ou seja, sofre
um processo de mitificação.
Mitificação do herói
Camões não escolheu um herói individual que motivasse o título da sua obra, mas procurou que a sua
epopeia enunciasse a história de todo o povo da "geração de luso". A intenção em exaltar os portugueses
levou Camões a torná-los verdadeiros heróis que se foram construindo, ao longo da obra, e que mereceram a
mitificação.
Deste modo, estamos perante um herói colectivo, que é constituído pelas "armas e barões assinalados", pelos
Reis, por "aqueles que por obras valorosas/Se vão da lei da morte libertando" e pelos navegadores, que no
seu conjunto formam "o peito ilustre lusitano".
Para que este se fosse construindo, vários elementos foram fundamentais, tais como: a inteligência, pois os
portugueses fizeram grande parte da viagem sem que os Deuses se apercebessem; a coragem e a valentia, que
demonstraram perante as ciladas de Baco e perante o Gigante Adamastor, símbolo do perigo e do
inultrapassável, que permitiu a heroificação de Vasco da Gama, no momento de inversão.
Além disso, o episódio do Velho do Restelo, que simbolizando a contraposição e prenunciando vários perigos,
mortes, tormentas e outros desastres, contribui para a formação do herói, que enfrenta estes obstáculos com
coragem e esforço.
Depois de todas as etapas vencidas, os portugueses merecem descanso, que decorrerá na Ilha dos Amores,
local concebido pelo épico, simbolizando a recompensa pela heroicidade, a satisfação dos sentidos e a
harmonia no Universo. É aqui que os portugueses são mitificados e se tornam Deuses, como se verifica
quando as Ninfas se entregam aos navegadores, alcançando a glória.
Finalmente, a viagem, mais do que a exploração dos mares, é a passagem do desconhecido para o conhecido,
conseguida pelo esforço e motivada pelo amor, tendo como resultado a posse do conhecimento.
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Reflexões do poeta
Luís de Camões, n ́Os Lusíadas, não consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoção. Então,
interrompendo o tom épico, umas vezes, a sua palavra ganha uma feição didáctica, moral e severamente
crítica. Outras vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os
desconcertos do mundo.
Canto I (105-106) Limites da condição humana: Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão
pequeno diante das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos
traiçoeiros enganos dos inimigos.
• Canto III Poder do amor: surge do tema do amor de D. Fernando por D.Leonor
• Canto IV ambição desmedida do homem
• Canto V (92-100) Desprezo das artes e das letras: O poeta lamenta o desprezo que os Portugueses valorizam
as letras, pois apesar de serem de terra de heróis, não reconhecem o valor da arte.
• Canto VI (95-99)Verdadeiro valor da glória: Nestas estâncias, o Poeta realça o verdadeiro valor das honras e
da glória alcançado por mérito próprio. O herói faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da
sua entrega a causas desinteressadas.
• Canto VII (78-93) Lamento pelos infortúnios da vida: Camões elogia o Espírito de Cruzadas dos
Portugueses, destacando-os de outros povos. O poeta, invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se
da ingratidão de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos poetas, vê-se votado ao
esquecimento e à sorte mais mesquinha, não lhe reconhecendo, os que detêm o poder, o serviço que presta
à Pátria.
• Canto VIII (96-99) o poder corrupto do ouro: Faz-se, nestas estâncias, uma severa crítica; o alvo é o poder
corruptor do dinheiro e do «ouro».
• Canto IX (93-99) verdadeiro caminho para atingir a fama: O poeta incita os homens a alcançarem a
verdadeira glória e a fama, que não se conseguem pela cobiça, a ambição ou a tirania; mas pela justiça, a
coragem e o heroismo desinteressado.
• Canto X (145-156) lamentos pela falta de reconhecimento do povo: O poeta volta a referir-se à importância
das Letras (Literatura) e desabafa que já está cansado de se dirigir a quem não quer escutar o seu canto,
«gente surda e endurecida». Exorta o Rei a concretizar novas glórias.
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Sermão de Santo António aos peixes, Padre
António Vieira
Contextualização histórico-literária
Vieira viveu num período conturbado da História de Portugal, um longo período de agonia que se iniciou
com o desaparecimento do rei D. Sebastião nos areais de Alcácer Quibir e que determinou a perda da
independência nacional, com a invasão do território português pelo exército espanhol em 1580, cujo poder
militar tomou a coroa da monarquia portuguesa.
A Europa vivia em tempos de crise generalizada e num clima de medo.
No Brasil viviam se tempos de exploração de Índios por parte dos colonos brancos.
Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere):
O sermão seiscentista, cujo objetivo principal é levar os fiéis a reconhecerem os seus erros e a alterarem
comportamentos, apresenta uma importante componente lúdica.
-Docere (educar/ensinar) - função pedagógica, muitas vezes conseguida através de citações bíblicas e de
autores da Igreja ou de obras clássicas.
-Delectare (agradar)- função estética, concretizada através de um discurso rico em recursos expressivos como
a alegoria, a metáfora, a comparação, antítese, gradação...
-Movere (persuadir)- função critica e moralizadora, baseada numa argumentação bem construída, recorrendo
a argumentos de autoridade.
Intenção persuasiva e exemplaridade:
No caso do Sermão de Santo António, Padre António Vieira vai censurar o comportamento dos colonos
portugueses no Maranhão e defender os direitos dos índios. Apresenta assim uma intenção persuasiva,
procurando convencer o seu público a mudar de comportamento.
A critica social será feita através da alegoria, recorrendo ao exemplo de Santo António, que, face à revolta dos
habitantes de Arimino em Itália, não queriam ver os seus pecados expostos, optou por pregar aos peixes que
o escutaram. No dia em que se festejava este santo,Vieira dirige alegoricamente o seu sermão aos peixes,
servindo-se dos seus defeitos e virtudes para denunciar pecados dos homens.
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Crítica social e alegoria:
O Sermão de Santo António denuncia o comportamento dos colonos do Maranhão. Ao observar-se o seu
tempo e sentindo-se desiludido com os homens,Vieira decide voltar-se da terra para o mar e dirigir a sua
pregação aos peixes. De uma forma metafórica, diz que os pregadores são “o sal da terra”, cujo efeito deve ser
impedir a corrupção. No entanto, ao ver que a terra está corrupta, interroga-se sobre a causa desta corrupção.
Ao longo do sermão,Vieira começa por louvar as virtudes dos peixes, para depois repreender, com empenho,
mas também com ironia, os seus defeitos. Embora interpele os peixes, na verdade, é aos homens que ele se
dirige , sendo os peixes metáfora dos homens. Estabelece assim um paralelismo entre os vícios dos peixes e
os vícios dos homens, neste caso para denunciar a exploração dos colonos sobre os indígenas.
Visão global do Sermão e sua estrutura:
-Capitulo I
Exórdio – exposição do plano a desenvolver e das ideias a defender a partir do conceito predicável.
“Vos sois o sal da terra” é o conceito predicável (texto bíblico que serve de tema e de acordo com o
objetivo do autor, pretende demonstrar fé). Este elemento bíblico serve de tema/ tese ao Sermão e a
partir do qual vai desenvolver a sua argumentação: os pregadores são o sal, a terra os homens.
O sal impede que os alimentos se estraguem.→Os pregadores impedem a corrupção. O sal que salga- evita a
corrupção;
O sal que não salga- é inútil e desprezado;
O pregador é como o sal – se a palavra não chega aos ouvintes ou não produz os seus frutos é porque algo
está errado.
Se a terra está corrupta/ estragada de quem é a culpa?
- Ou o pregador não prega convenientemente a palavra de Deus
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O sal é a metáfora dos pregadores A terra é a metáfora dos ouvintes
Os pregadores são importantes na transmissão da mensagem evangélica, na preservação
da moralidade e da integridade dos homens- a “terra”.
Os pregadores não “salgam” porque:
-não pregam a verdadeira doutrina;
-dizem uma coisa e fazem outra;
-se pregam a si e não a Cristo.
O capítulo I termina com um pedido de auxilio divino, que pode ser entendido como uma invocação.
-Capítulo II – Louvores em geral
Exposição- referência às obrigações do sal. Indicação das virtudes dos peixes em geral. Crítica ao
homem.
As duas qualidades dos ouvintes são ouvir e não falar.
-Retoma do conceito predicável. As duas propriedades do sal são – “conservar o são e preservá-lo
para que não se corrompa”.
-As propriedades das pregações de Santo António: 1. Louvar o bem (“para o conservar”);
2. Repreender o mal (“para preservar dele”).
O sermão será, desta forma, aos peixes (e, obviamente aos homens) e está dividido em dois pontos: louvar as
qualidades e repreender os vícios.
Qualidades e virtudes -> Defeitos dos homens
▪ A obediência -> o deslumbramento face a dar graxa para obter algo em troca.
▪ A “ordem, quietação e atenção” com que ouviram as palavras de Santo António -> a arrogância e a
presunção. ▪ O respeito e a devoção ao ouvirem as palavras de Deus-> a violência e a obstinação.
▪ O seu “retiro” e afastamento relativamente aos homens -> a crueldade irracional
▪ “só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam” -> o exibicionismo e a vaidade.
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A terra não se deixa “salgar” porque:
- os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, não querem
receber;
-os ouvintes querem antes imitar o que os pregadores fazem do que
fazer o que dizem;
- os ouvintes, em vez de servirem a Cristo, servem a seus apetites.
Ou a terra não “ouve” a
palavra do pregador.
Capítulo III –Louvores em particular
Confirmação- louvores a alguns peixes em particular e consequente crítica aos homens.
1. O peixe Tobias :
-As suas entranhas curavam a cegueira dos homens tendo assim um poder curativo (seu pai, que era cego,
recuperaria a visão depois de, a conselho do Anjo Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco do fel extraído
do peixe).
-O seu coração afugentava os demónios.
- Vestido de burel e atado com uma corda “este peixe parecia um retrato marítimo de Santo António”.
2. A rémora:
- peixe marinho cuja cabeça funciona como ventosa, o que lhe permite fixar-se a embarcações
(procurando conduzir ao bom caminho).
- pequena no seu tamanho mas com uma grande força, que conseguia imobilizar o leme das naus
(travando o mal).
3. O torpedo:
- peixe, parecido com a raia, capaz de produzir pequenas descargas elétricas que fazem tremer o braço do
pescador, obrigando-o a lagar a cana (assim o torpedo não é pescado).
4. O quatro-olhos:
- tem dois olhos “para se vingar das aves” e dois olhos “para se vingar dos peixes”.
- simboliza que devemos olhar ou só para cima (considerando que há Ceu) ou só para baixo (Inferno).
- este peixe simboliza o dever que os cristãos têm, isto é, olhando para o céu, mas lembrando sempre que
há inferno.
Outros peixes:
- Servem de alimento (as sardinhas são o sustento dos pobres e o salmão dos ricos);
-Ajudam à abstinência nas quaresmas;
-Com peixes, Cristo festejou a Páscoa;
- Ajudam a ir ao Céu;
- Multiplicam-se rapidamente (apenas aqueles que são consumidos pelos pobres).
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Simbologia→também na terra os homens extorquem o que não lhes pertence, sem recearem as
consequências dos seus atos, ou seja, o castigo divino; as palavras de Santo António transformaram
vinte e dois homens desonestos que tomaram consciência dos pecados, se arrependeram e
confessaram, o que enaltefica a eficácia de Santo António;Tal como há homens que não sentem as
descargas elétricas do tropedo, também há homens que ouvem a verdade e continuam o seu caminho
errado; realça a importância que esses peixes poderiam desempenhar para fazer tremer o braço
daqueles que se desviam do caminho certo. Assim, a descarga simboliza as palavras de Deus.
Capítulo IV- Repreensões em geral
Exposição- indicação das repreensões aos peixes em geral e critica aos homens.
Os peixes, assim como as suas qualidades em geral (ouvem e não falam), irão agora ouvir as
repreensões:
1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos;
2. Ignorância e a cegueira.
-Critica e repreensão aos peixes para melhor explicitar a condenação dos homens.
-Aspetos criticados: a “antropofagia social” e a “vaidade no vestuário”.
1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos (critica à
prepotência dos grandes que “se alimentam” do sacrifício dos mais pequenos, tal como os peixes):
▪ Repreensões dirigidas aos peixes:
✓ “vos comeis uns aos outros” (quando são todos irmãos e vivem no mesmo elemento).
✓ “que os grandes comem os pequenos”.
▪ Repreensões aos homens: também “se comem uns aos outros”, s:
✓ antropofagia social- também os homens se “comem”, se exploram uns aos outros.
▪ Presença de um tom mais violento na referência à injustiça e às maldades causadas por :
✓ Serem os maiores a comerem os pequenos;
✓ Serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;
✓ Serem os grandes aqueles “que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua
fome de comer os pequenos um
por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros”;
✓ Serem os pequenos comidos em qualquer momento.
▪ Apelo de Vieira para que os peixes não se comam uns aos outros referindo-se ao Dilúvio e à arca
de Noé como exemplo de atitudes de bondade e generosidade a serem seguidas.
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2. Ignorância e cegueira: (- caracterização do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita, ambicioso,
hipócrita, traidor...;
- as virtudes e os feitos dos peixes surgem sempre associados por comparação aos homens do Maranhão
ora por antítese, opondo os homens aos peixes ora por semelhanças, aproximando os peixes com os homens).
▪ O peixe - O peixe é facilmente enganado por um anzol pela ignorância porque não entende o
significado do anzol e cegueira porque se atira cegamente e fica preso.
▪ O homem - os homens não conseguem resistir à tentação e à vaidade, ficando, por isso, engasgados
e presos com dívidas.
▪ Santo António – Os homens (pela vaidade) e os peixes (pela inocência e pela cegueira) eram
facilmente enganados e “perdiam a sua vida” . Santo António abandonou as vaidades e, com as suas roupas
simples e as suas palavras “pescou muitos homens” para o bom caminho.
O capítulo termina com mais uma referência a Santo António como exemplo a seguir. Esse santo preferiu a
sobriedade à ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com essa postura
simples e humilde que conseguiu converter muitos homens desviados da fé.
Capítulo V – repreensões em particular
Confirmação- repreensões a alguns peixes em particular; critica aos comportamentos dos homens
ambiciosos, vaidosos, hipócritas e traidores.
1. O roncador-
-embora pequenos e aparentemente vulneráveis, estes peixes emitem um som forte; esta autopromoção
revela a sua soberba e arrogância (“quem tem muita espada, tem pouca língua”);
-exemplo de Pedro, discípulo de Cristo: apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o se Senhor,
bastou-lhe uma simples inventiva de uma mulher para negar que conhecia o seu Mestre; se tal aconteceu
com S. Pedro, muito menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância;
- outros exemplos bíblicos como David e Golias reiteram o facto dos arrogantes e os soberbos pensarem
que são Deus e acabarem diminuídos e humilhados.
-Santo António, símbolo de sabedoria, nunca se exibiu as suas capacidades, confinando-se à sua condição
de servo de Deus.
2. O pegador-
-parasita que vive às custas do seu hospedeiro;
-o parasitismo foi aprendido com os português, porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta
para as conquistas sem ir rodeado de uma larga comitiva- critica ao aparelho colonial português;
-em termos humanos, os mais preguiçosos acabam como os pegadores, que, quando o tubarão, que lhes
serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele, porque nele estão pegados.
-Deus também tem os seus “pegadores”, aqueles que espalham a palavra com David e Santo António, que
se pegou a Cristo e ambos foram bem sucedidos.
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3. O voador-
-morfologicamente, possui uma barbatanas maiores que a generalidade dos peixes, dai que queira
imitar as aves; -esta ambição de se querer transformar naquilo que verdadeiramente não é só lhe traz
sofrimento porque está sujeito aos perigos do mar e do ar – no mar morre enganado pelo isco e no ar
morre cego pela ambição desmedida; -simboliza a ambição, a presunção e o capricho.
-Santo António sempre se demarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir
também fazem descer, o que pode precipitar a destruição. Santo António preferiu remeter-se à sua
humilde.
4. O polvo-
-o polvo é caracterizado através de comparações sugestivas:
> “com aquele seu capelo na cabeça parece um monge”- aparenta santidade.
> “com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela” – aparenta beleza.
> “com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão” –
aparenta serenidade.
- contudo, apesar da modesta aparência, o polvo é considerado o maior traidor do mar. Esta traição
consiste em enganar os outros peixes, caçando-os mais facilmente.
> “as cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia”;
> “as figuras que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício”; >o polvo veste-se
ou pinta-se “das mesmas cores a que está pegado”.
-simboliza traição, a dissimulação, a hipocrisia e a falsidade e é, assim, pior que Judas, o paradigma
do traidor no Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às escuras, mas executou a
traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a sua tinta, rouba a luz à presa para a
apanhar.
- Santo António é considerado um exemplar de candura, da verdade e da sinceridade
O capítulo acaba com uma critica feroz aos portugueses.Vieira refere a degeneração dos valores nacionais,
uma vez que, no passado, as características exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo
português, não sendo, por isso, atributos dos santos.
Capítulo VI – Peroração
Conclusão- ultima advertência aos peixes; retrato de Vieira como pecador; hino de louvor.
O capítulo VI é a conclusão de todo “O Sermão de Santo António aos Peixes”, e Santo António tem
como objetivo a conversão dos homens à Fé de Deus.
Santo António revela que tem inveja dos Peixes, pois estes não ofendem Deus com a sua memória e
cumprem o objetivo da sua criação, enquanto que os Homens ofendem Deus com as suas palavras, com os
seus pensamentos e com a sua vontade, não atingindo o objetivo da sua criação.
Assim, Santo António reflete sobre os Peixes e os Homens e conclui que os Peixes são melhores que
os Homens, e que a única solução para o Homem é a conversão, porque só assim é que os Homens podem
dar glória a Deus.
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O hino de louvor final -“louvai, peixes, a Deus”- e as razões para o louvor: Deus dê-los numerosos,
belos e diversos, porque lhes deu a água para nela viverem e se multiplicarem.
- A alegoria como recurso expressivo: representa uma realidade abstrata através de uma realidade
concreta, por meio de analogias, metáforas e imagens sucessivas, neste caso na sucessão alegórica relativa às
naus, o orador consegue concretizar os diversos vícios dos homens, simplificando a sua argumentação.
-A comparação como recurso expressivo: enquanto elogia os pregadores que espalham a doutrina
divina e que, portanto, ensinam,Vieira acusa os outros que não cumprem a sua função, sendo, por isso,
votados ao desprezo. Aludindo à função do sal, ou seja, salgar a terra com a mensagem bíblica,Vieira refere
que vai dar inicio aos louvores dos peixes, que devem ser atentamente ouvidos por estes, enquanto vivos,
enquanto podem ser apreciados.
-A metáfora como recurso expressivo: o orador utiliza a metáfora da arte de pescar para desenvolver a
sua crítica à exploração do homem pelo homem e, simultaneamente recorre a uma sucessão de imagens como
representação dos diversos tipos de poder abusivo – judicial, ancestral, religioso e real.
Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett
Contextualização histórico-literária
“Em 1578, o rei D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado herdeiros, houve
uma longa disputa pela sucessão. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou Portugal ao
seu império em 1580. O domínio espanhol duraria sessenta anos (1580 a 1640). Criou-se nesse período o mito
popular do "Sebastianismo", segundo o qual D. Sebastião, retornaria para reerguer o império português.
Entre os nobres desaparecidos em Alcácer-Quibir estava D. João de Portugal, marido de D. Madalena de
Vilhena.
Drama romântica e tragédia clássica:
Drama romântico (características):
-revela conflitos emocionais, muitas vezes em situação do quotidiano;
-valoriza os sentimentos humanos das personagens;
-apresenta acontecimentos de cariz sentimental e amoroso;
-recorre à prosa em substituição do verso e utiliza uma linguagem mais próxima da realidade vivida
pelas personagens.
Tragédia clássica (características):
-Efeitos sobre o público: inspira sentimentos de terror e piedade;
-Personagens de alta estirpe (social ou moral);
-Lei das 3 unidades:
-Unidade de ação- a intriga deve ser simples, sem ações secundárias, aumentando assim a
tensão dramática;
-Unidade de espaço- toda a ação deve desenrolar-se no mesmo espaço;
-Unidade de tempo- a duração da ação dramática não deverá exceder as 24horas.
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Estrutura tripartida da ação:
-Exposição- apresentação das personagens; esboço do conflito que surge associado a um mistério na
origem das personagens, provocado pela força do destino.
-Progressão dramática- desenvolvimento do conflito, originado pelo desafio das personagens à sua
resolução (HYBRIS). O conflito encaminha-se progressivamente para um clímax, ponto culminante
da ação trágica, em que se desvenda o mistério ligado a uma relação oculta (ANAGNÓRISE); o
sofrimento das personagens que intensifica-se (PATHOS).
-Desenlace/catástrofe- o fim das personagens é a morte (física, social ou afetiva).
Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de
Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando
toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa.Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino, 21
anos depois da Batalha de Alcácer Quibir.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante 7 anos mas
em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena
vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo
e acabe por voltar.Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua
filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o seu. Efetivamente D. João de
Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.
Atos Estrutura externa Estrutura interna
Ato I Cenas I-IV
Cenas V-VIII
Cenas IX-XII
Informações sobre o passado das personagens
Decisão de incendiar o palácio
Ação: incêndio do palácio
Ato II Cenas I-III
Cenas IV-VIII
Cenas IX-XV
Informações sobre o que se passou depois do incêndio
Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa
Ação: chegada do romeiro
Ato III Cena I
Cenas II-IX
Cenas X-XII
Informações sobre a solução adotada.
Preparação do desenlace.
Desenlace
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Importância do espaço na obra
Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada:
-luxo e elegância da época;
-porcelana, charões, sedas, flores...
-duas grandes janelas donde se avista o Tejo e Lisboa;
-retrato de Manuel de Sousa Coutinho vestido com o
hábito da ordem de S. João de Jerusalém;
-comunicação com o exterior e o interior do palácio.
Ato II- Palácio de D. João de Portugal, também em Almada:
-salão antigo de gosto melancólico e pesado;
-retrato da família e, em lugar de destaque, os de
D. Sebastião, D. João de Portugal e de Camões;
-reposteiros que impedem a vista para o exterior e a luz;
-comunicação com a capela da Senhora da Piedade;
Ato III- Parte baixa do palácio de D. João de Portugal:
-lugar vasto e sem decoração nenhum;
-comunicação com a capela da Senhora da Piedade;
-decoração com símbolos de morte (esquife) e de dor
(cruz, ornamentos característicos da Semana Santa).
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Simbologia:
-a família vive em paz e aparente harmonia.
-o retrato de Manuel de Sousa Coutinho transmite
a serenidade da sua personalidade.
-o incêndio e a consequente destruição do seu
retrato tornar-se-ão um prenúncio da catástrofe.
Simbologia:
- a ausência de luz prevê a catástrofe final – o
circulo fechado em que as personagens vão
ficado encerradas, entregues à angústia,
separadas do mundo e da luz, impedidas de
fugir;
- os retratos, para além de carácter nacionalista
que transmitem, também evocam um passado
extinto mas ameaçador, que dificulta o presente
e, também o futuro.
- a comunicação com a capela da Senhora da
Piedade indicia já o final trágico e demolidor do
Ato III, que aí ocorre.
Simbologia:
- o espaço é símbolo da morte e da
impossibilidade de a superar.
- a única saída para uma família católica que
assume as convicções religiosas e sociais de
forma clara e rígida é a renúncia ao mundo e à
luz.
Os espaços vão-se progressivamente obscurecendo e afunilando (concentração espacial) tornando-se severos
e despejados. O círculo que se vinha fechando desde o início do ato II encerra-se definitivamente, atirando as
personagens para um abismo do qual é impossível sair. Maria morre, não suportando a vergonha de ser filha
ilegítima e sabendo que a vida, sem o amor dos pais seria insuportável. Madalena e Manuel morrem para o
mundo, renunciando à paixão que os unira.
Tal como o tempo, o espaço assume logo desde início, um carácter pressagiador do desenlace final,
contribuindo para a intensificação progressiva da tensão trágica.
A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica
Esta obra é caracteristicamente romântica, pela temática, pela ideologia e pelos valores que veicula:
-A valorização do “eu” por oposição à sociedade- o percurso das personagens nomeadamente,
Madalena e Maria ilustra o poder avassalador da sociedade face à liberdade individual;
-O apelo à liberdade de decisão- presente sobretudo na figura de Manuel de Sousa Coutinho, que
prefere sacrificar o bem- estar individual e familiar que entregar-se ao domínio espanhol.
-A obsessão da morte/destruição- Maria e Madalena ficam aterrorizadas diante da eventual destruição
da família, embora não o confessem uma à outra.
-O nacionalismo/patriotismo- é revelado pela fé colocada no regresso de D.Sebastião para restaurar o
país dos espanhóis e pela atitude patriotista de Manuel quando incendeia a sua casa para não ser
ocupada pelos invasores. Há uma necessidade em valorizar a nacionalidade e o orgulho português.
Os retratos de D.João e de D.Manuel transmitem um final trágicos (dois patriotas derrotados pelo
destino) e o retrato de Camões e de D.Sebastião simbolizam a pátria e o orgulho nela (1o simboliza
orgulho nacional e o 2o representa esperança).
-A ligação amor/morte- a impossibilidade do amor, quer paternal, quer matrimonial, conduz à morte
(física de Maria e espiritual de Madalena e de Manuel).
O sebastianismo
O Sebastianismo tornou-se um traço da personalidade nacional, que se caracteriza por viver das glórias do
passado, acreditar numa solução que não envolva determinação na superação dos problemas e de aceitar
passivamente o destino.
Deste modo, o sebastianismo constitui-se como um movimento passadista e retrógrado, que se alimentam da
grandeza passada e que espera a superação de mágoas do presente pela chegada providencial e fantástica de
um herói. Sendo assim, nesta obra, a mensagem é claramente progressista, como se pode constatar pelo
elogio da ação proativa de Manuel ao incendiar o seu palácio. Pode-se dizer que esta obra insere o
sebastianismo como forma de crítica aquele sentimento passadista e preso a um passado que já não tem lugar
no presente.
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Personagens
-D. Madalena de Vilhena é uma personagem psicologicamente afetada e que vive marcada por conflitos
interiores pelo desaparecimento do primeiro marido e não consegue viver o presente devido a esse
“fantasma”.
Os sentimentos e a sensibilidade sobrepõe-se à razão e é uma mulher em constante sofrimento. Acredita em
agoiros, superstições, dias fatais (a sexta-feira) e Deus.
Surge também como “pobre mãe” e “coitada”, que se encontra em pânico, com pressentimentos de desgraça.
É uma sofredora e tem um amor intenso e uma preocupação constante com a sua filha Maria, contudo o mais
importante para ela é a sua felicidade e amor ao lado de Manuel de Sousa pois até o seu amor à pátria é
menor do que o que sente por Manuel. É muito influenciada por Manuel de Sousa, sendo evidenciado no
final da obra, pois esta aceita o convento como solução mas fá-lo seguindo Manuel.
Esta personagem relaciona-se conjugalmente com outras duas de uma forma legal e de compromisso com D.
João de Portugal, por outro lado a sua relação com Manuel de Sousa Coutinho é amorosa e por sua vez ilegal.
Tem uma relação afetiva com Telmo e Maria, sendo Telmo um aio e Maria sua filha, mas ao contrário do que
se possa pensar Maria assume um papel adulto em relação à mãe devido ao estado mental de Madalena.
-Maria de Noronha é uma personagem fisicamente frágil e fraca de 13 anos.Também apresenta um
carácter puramente inocente e angelical e sendo psicologicamente muito forte. Maria tem uma relação muito
forte com Telmo devido à sua crença no regresso de D. Sebastião.
É uma personagem nobre, de inteligência precoce, muito culta, intuitiva e perspicaz.Também é muito curiosa
pois aparenta querer saber de tudo, e uma romântica: é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa, patriota,
crente em agoiros e uma sebastianista.
É a vítima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de se sentir filha
ilegítima (morre tuberculosa).
Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado fidalgo que se orienta por valores universais como
a honra, a lealdade, a liberdade, é um patriota, forte, corajoso, e decido, mas não acredita em agoiros. Contudo,
esta personagem evolui de uma atitude interior de força, de coragem e segurança para um comportamento de
medo, de dor, sofrimento, insegurança e piedosa mentira no ato III quando teme pela saúde da filha e pela
sua condição social. Os seus sentimentos são muitas vezes sobrepostos à razão (normalmente deve-se á sua
preocupação com doença da sua filha).
Manuel de Sousa é um bom pai e um bom marido, pois ao longo do texto demonstra muita preocupação para
com estas personagens. No final da obra demonstra-se decido como noutros momentos, com o facto de
abandonar tudo (bens, vida) para se refugiar no convento.
É de referir que Manuel de Sousa não sente ciúmes pelo passado de Madalena e considera-o um honrado
fidalgo e um valente cavaleiro, dizendo mesmo que considera D.João um homem honrado e que honra a sua
memória.
A sua relação com Telmo é muito afastada, visto que,Telmo é um serviçal normal e não existe nenhuma
intimidade,Telmo atreve-se a dizer coisas a Madalena que não diz a Manuel de Sousa.
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Telmo é um criado caracterizado como extremamente leal ao seu primeiro amo, D. João de Portugal, e
acredita piamente no seu regresso. Não consegue perdoar Madalena pelo seu segundo casamento e mostra o
maior desprezo por Manuel, apesar de ser o confidente de Madalena e Maria.Telmo é fiel, dedicado e é a
ligação entre as duas famílias (os dois maridos de Madalena) e a chama viva do passado que alimenta os
terrores de Madalena.
Esta personagem é muito crítica, cria juízos de valor e é através dele que a consciência das personagens é
fragmentada, este vive num profundo conflito interior pois sente-se divido entre João e Maria, não sabendo o
que fazer. Apercebe-se mais tarde que ama mais Maria que o seu antigo amo.
O romeiro/D. João de Portugal é um nobre cavaleiro, que está ausente fisicamente durante o I e II ato
da peça. Contudo, está sempre presente na memória, palavras e nas esperanças de Telmo que paira sobre
aquela família, na consciência (sombra das angústias) de Madalena, nas palavras de Manuel e na intuição de
Maria.
D. João é caracterizado direta e indiretamente, esta caracterização é tanto física como psicológica. É sempre
lembrado como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei.
Quando regressa, na pele do Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é implacável,
destrói uma família e a sua felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse destino. Resta-lhe então a
solidão, o vazio e a certeza de que ele já só faz parte do mundo dos mortos.
D. João é uma figura simbólica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos. Representa
também o presente, a pátria morta e sem identidade na mão dos espanhóis, e é também a imagem da pátria
cativa.
Frei George é uma personagem tipo e apenas tem a função de mostrar o que a igreja deveria de assumir.
Frei George é irmão de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É também confidente de
Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível” pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. João era vivo.
É uma figura moderadora, que procura harmonizar o conflito e modera os sentimentos trágicos. Acompanha
sempre a família, é conciliador, pacificador e impõe uma certa racionalidade, procurando manter o equilíbrio
no meio de uma família angustiada e desfeita.
A dimensão trágica
De acordo com a classificação de Frei Luís de Sousa pelo próprio autor, a peça apresenta características que a
aproximam quer do drama romântico quer da tragédia clássica.
-Principais características trágicas da obra:
-número reduzido de personagens;
-personagens de elevado estatuto social e moral;
-ação única e que converge para o desenlace trágico;
-concentração temporal (progressão temporal, até culminar na madrugada da morte ou separação da
família);
-concentração espacial (progressão espacial, terminando na Igreja de S. Paulo dos Domínicos);
-vestígios do coro da tragédia clássica, nas personagens Telmo e frei Jorge;
-presença de momentos e indícios trágicos.
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Os indícios trágicos são sinais da fatalidade que se avizinha. Os indícios ou presságios podem surgir sob a
forma de acontecimentos, comportamentos, comentários, alusões ou informações que nem sempre são
entendidos pelas personagens como sinais trágicos. Ao longo da ação de Frei Luís de Sousa, há várias
situações e elementos que contribuem para a criação de um ambiente de medo e de suspeita e que
funcionam como uma espécie de preparação para o desenlace trágico.
Simbologia
-Os retratos – primeiro remetem para uma força espiritual e física, depois, o retrato queimado de Manuel é
prenuncio da catástrofe final que destrói a família. O retrato de Camões representa glória das letras. O retrato
de D.João simboliza o fantasma ameaçador que regressa do passado para aniquilar o presente.
-A concentração espacial – o progressivo afunilamento e obscurecimento do espaço simboliza o caminhar
inexorável para a tragédia final, deixando as personagens sem saída.
-A decoração dos espaços – a decoração dos espaços vai-se tornando mais despojada, mais melancólica,
impossibilitando o contacto com o exterior.
-Os números – 7 é o algarismo que domina quase todas as referências e simboliza a totalidade. Maria tem 13
anos, número associado ao azar.
-O dia da semana – sexta feira, dia aziago para Madalena.
-A concentração temporal – o afunilamento progressivo do tempo simboliza a impossibilidade de fuga das
personagens ao destino já traçado.
Amor de perdição, Camilo Castelo Branco
A obra como crónica da mudança social
-Crítica ao ser vs. parecer.
-Critica à sociedade do séc. XIX
-Denúncia dos privilégios das classes superiores.
-Condenação dos casamentos por conveniência.
-Oposição a uma sociedade repressiva e retrógrada, associada ao poder de instituições como a justiça e a
igreja.
- Defesa da liberdade individual e da valorização dos ideais nobres.
A estrutura da obra
Introdução
-Apresentação da entrada de Simão Botelho na Cadeia da Relação do Porto, condenado ao degredo na Índia.
-Referência sucinta à história triste de Simão, que se resume na frase «Amou, perdeu-se e morreu amando».
-Reflexões do narrador sobre a história trágica de Simão.
Capitulo I
-Apresentação da família de Simão Botelho.
-Caracterização de Simão que aos 15 anos era rebelde e estudante em Coimbra.
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Capitulo II e III
-Simão e Teresa (filha de Tadeu Albuquerque) veem-se pela primeira vez e apaixonam-se.
-As famílias de Simão e Teresa opõem-se ao amor dos jovens, devido ao ódio entre ambas.
-Tadeu de Albuquerque pretende casar Teresa com o seu sobrinho Baltasar.
Capitulo IV
-Teresa recusa o casamento e o pai decide encerrá-la num convento.
-Escrita de uma carta a Simão, na qual Teresa explica a sua situação.
-Simão regressa a Viseu e fica alojado em casa do ferrador João da Cruz.
Capitulo V-IX
-Breve encontro entre Teresa e Simão.
-Mariana, filha de João da Cruz, apaixona-se por Simão.
-Baltasar prepara uma emboscada a Simão e este é ferido. Simão consegue fugir com a ajuda de João da Cruz
que matam os dois criados de Baltasar.
-Tadeu decide encerrar Teresa num convento em Viseu. Simão fica em casa de João da Cruz que devia um
favor ao pai de Simão.
-Mariana cuida de Simão em casa de João da Cruz.
Capitulo X
-Simão vai ao encontro de Teresa, quando a jovem parte do convento de Viseu para o convento de
Monchique, no Porto.
-Simão mata Baltasar.
-Simão é preso.
Capitulo XI-XX
-Mariana continua ao lado de Simão, na prisão.
-É condenado à forca.
-Teresa chega ao convento de Monchique, no Porto, e toma conhecimento da condenação de Simão.
-Doença de Teresa que anseia pela morte, apesar de Simão, através de Mariana, a incentiva a não desistir.
-Decisão de Tadeu em trazer a filha de volta para Viseu quando sabe do estado frágil dela, e quando sabe que
que Simão está também na cidade do Porto.
-Recusa de Teresa em fazer a vontade do pai.
-Assassínio de João de Cruz.
-Simão é condenado ao degredo por 10 anos e Mariana tem intenção em acompanhá-lo.
-Suplica de Teresa para que Simão não aceite o degredo e que cumpra o tempo na cadeia onde já esta.
-Partida de Simão para a Índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado da morte de
Teresa.
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Conclusão
◆Morte de Simão passados 10 dias e suicídio de Mariana, que se atira ao mar na companhia do corpo do seu
amado.
Simão e o narrador
O autor, Camilo Castelo Branco, criou uma história onde cruza ficção e algumas notas biográficas. Simão
Botelho e o autor/narrador partilham o mesmo destino – ambos são presos pelo mesmo motivo: o amor.
-Titulo – Amor de Perdição→Obra de Ficção- História do amor proibido de Simão e Teresa,
culminando em desfecho trágico.
- Subtítulo - Memória de uma família→Sugestão de relato histórico e familiar verídico - Camilo
estava preso na Cadeia da Relação do Porto e encontrou, no livro de registos de entradas na cadeia, o
registo de condenação ao degredo (para a Índia) do seu tio, Simão Botelho.
Para acentuar o caráter verídico do seu relato, o narrador recorre:
- à transcrição de documentos - à referência a datas.
Construção do herói romântico:
Simão Botelho
-Estatuto nobre.
-Sentimentos fortes:
– antes de amar: rebelde, marginal e violento;
– ao amar (amor-paixão)
– apaixonado, sincero, fiel, obstinado na defesa da sua honra de amante perseguido, excessivo no
amor e no ódio; veia poética (cf. cartas escritas na prisão); morre de amor.
-Transformação pela paixão.
Teresa de Albuquerque (heroína romântica)
-Estatuto nobre.
-Jovem, pura e frágil (mulher-anjo).
-Sentimentos fortes – amor-paixão (vive o amor intensamente e morre de amor); obstinação na recusa de
aceitar a autoridade paterna.
Mariana (heroína romântica)
- Nobreza de sentimentos – sofre em silêncio por amor (amor não correspondido); abnegação, generosidade,
dedicação.
-Indiferença em relação à sociedade.
-Morte por amor (suicídio).
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Relações entre personagens:
Teresa: Mariana:
- apaixonada por Simão; -apaixonada por Simão;
- corajosa perante o seu pai. -cúmplice dos dois amantes
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Simão:
-apaixonado por Teresa;
-fiel aos seus princípios.
Família Botelho:
- Domingos Botelho: Oponente da relação
entre o filho e Teresa, visto que o pai desta é seu
inimigo.
-D. Rita Preciosa: Maternal e preocupada com o filho,
é incapaz de se opor à decisão do marido.
- Irmãos de Simão: Indiferentes ao irmão, sendo que
apenas Rita (tia que acolheu Camilo após a morte da
mãe) se preocupa com Simão.
Família Albuquerque:
- Tadeu de Albuquerque: Oponente da relação entre
a sua filha e simão, visto que o pai deste
é seu inimigo.
-Teresa Albuquerque: jovem de 15 anos, rica,
herdeira e bonita, revela uma força de carácter
excepcional para a época, quando se opõe às
decisões do seu pai.
- Baltasar Coutinho: convencido, prepotente e
egoísta, não se conforma de a prima o ter ignorado.
Outras personagens:
-Mariana: Apaixonada por simão, mesmo sabendo que não é correspondida, sacrifica o seu amor próprio ao
partir com ele para o degredo, anulando, com a morte de simão, a sua vida.
-João Cruz: Protetor de Simão, por dívida de gratidão para com o pai dele, Domingos Botelho. -Mendiga:
intermediária entre os amantes, entregando e recolhendo as cartas.
-Corregedor: sensível à coragem de Simão, troca a pena para o degredo, em vez da forca.
Amor-paixão:
-O amor-paixão se concretiza na morte dos amantes, que enfrentam a violência repressiva das leis
familiares e religiosas;
-O amor é elevado a um patamar sagrado, em que há a redenção pelo sofrimento e o perdão dos
pecados;
-O amor transpõe barreiras físicas, instituindo-se para além da morte.
-O destino domina esta personagens, incapazes de concretizarem os seus caminhos individuais.
O amor que une Simão e Teresa leva a que os dois jovens se comportem de forma violadora, desafiando os
limites sociais e familiares impostos. No entanto, é possível escapar ao Destino implacável que se abate sobre
estas personagens e que, ao mesmo tempo, eleva este amor à dimensão espiritual.
Linguagem e estilo
O narrador:
Como já foi visto anteriormente, o titulo e o subtítulo sugerem duas dimensões – a ficcional e a memorialista
– e desta forma destacam-se dois tipos de narrador, o narrador-autor e o narrador enquanto porta-voz da
ficção.
O narrador-autor evidencia-se em dois momentos:
→na introdução fala na primeira pessoa (“folheando [...] li”)
→nas linhas finais da conclusão, quando identifica Manuel Botelho como seu pai.
O narrador da ficção tem as suas marcas presentes quando:
→narra com evidente comoção a história dos amores trágicos;
→se comove com as ações das personagens ou quando as elogia;
→tece comentários pessoais;
→interpela o leitor com a intenção de suscitar a sua reflexão.
O narrador, ora é relator, ora observador critico. Intervém ao longo da obra através dos comentários, parando
o relato para tecer considerações pessoais.
Diálogos:
Nota-se que a preocupação de Camilo em conseguir o efeito de verdade através dos diálogos que marcam os
momentos quer de tensão, quer de paixão, quer de sofrimento amoroso.
Os diálogos são também instrumentos únicos de descodificação das características especificas de
determinado grupo social, nomeadamente nobreza/burguesia (com registo cuidado) e do povo (com a
linguagem coloquial e familiar).
Concentração temporal da ação:
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Introdução: “Amou” Desenvolvimento: “perdeu-se ” Conclusão: “morreu amando”
-Referência a dados
biográficos de Camilo.
-Apresentação global do
infortúnio de Simão
-Amor de Simão e Teresa – correspondido, mas proibido.
-Amor de Mariana por Simão – não correspondido.
-Assassínio de Baltazar Coutinho.
-Condenação de Simão ao degredo.
-Ida de Teresa para o convento.
-Morte de Teresa
Morte de Simão.
Suicídio de Mariana.
Os Maias, Eça de Queirós
Contexto histórico-cultural
A Segunda metade do século XIX:
Na década de 50 assistiu-se a um grande desenvolvimento das vias de comunicação e a um progresso
económico. Esta época de estabilidade política ficou conhecida por Regeneração. Este desenvolvimento
económico deu-se graças a Fontes Pereira de Melo, tendo sido o iniciador de uma política de implementação de
infra-estruturas, tais como: caminhos-de-ferro, estradas, pontes, telégrafo, etc... designada por "fontismo".
No entanto, esta política não foi pacífica nem igual para todos, uma vez que se verificaram desequilíbrios entre o
interior e o litoral.
O contexto cultural:
Enquanto o crescimento económico progredia, os padrões estético-literários vigentes na época
dominados ainda pelo ultra- romantismo e pela sua figura emblemática permaneceram iguais.
A década anterior à publicação de Os Maias foi a mais polémica da História da Literatura, foi
marcada por uma série de revoluções:
a) o idealismo cede lugar ao positivismo;
b) o romantismo é violentamente atacado pelo realismo;
c) o realismo clarifica os grandes males sociais;
d) a arte literária é entregue ao serviço da revolução de mentalidades.
Eça de Queirós terá demorado cerca 8 anos para escrever a obra Os Maias, tendo sido publicada a 2 de Junho de
1888. Isso poderá explicar o afastamento progressivo, à medida que a ação avança, do romantismo para o
naturalismo/ realismo. No inicio da obra, Eça é fortemente influenciado pelas teses naturalistas (meio, educação,
hereditariedade), assim como elege o destino como responsável pelo desenlace trágico da família Maia. A obra
foi atacada por fortes críticas quanto à sua extensão e outros fatores, tanto por críticos como também pelo próprio
Eça.
A Questão Coimbrã
O "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas foi fortemente elogiado por Castilho numa publicação
de um prefácio, no qual Castilho aproveitou para censurar um grupo de jovens de Coimbra que acusa de
exibicionismo, obscuridade propositada e de tratamento de temas que nada tinham a ver com a poesia. Desse
grupo faziam parte Teófilo Braga e Antero de Quental. Antero de Quental decidiu responder a Castilho com uma
Carta intitulada "Bom Senso e Bom Gosto" que acabou por sair em folheto. Formou-se assim um conflito entre
Castilho e Antero de Quental. Castilho defendia a arte pela arte, enquanto para Antero, a arte deveria estar
entregue ao serviço das transformações sociais.
A Geração de 70
Um grupo de jovens intelectuais da Universidade de Coimbra formado por Antero de Quental, Eça
de Queirós,Teófilo Braga,
Alberto Sampaio, Oliveira Martins, entre outros, responderam às inventivas dos seus adversários e
realizaram um conjunto de atividades científicas, literárias e artísticas.
Estes jovens opunham-se contra a ordem conservadora e retrógrada, pondo assim em questão toda a
cultura portuguesa.
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A difusão do realismo em Portugal
A difusão do "pensamento moderno" foi facilitada pela ligação ferroviária entre Coimbra e Paris
assim como pela contestação dos jovens intelectuais ao poder instituído, quer pela Universidade,
quer pelos representantes das "literaturas oficiais" sediados em Lisboa.
Para a divulgação das novas ideias e críticas sociais e políticas, foram organizadas várias conferências,
"Conferências do Casino", o programa conferia a realização de 10 conferências, mas no entanto
foram interrompidas pelas autoridades não permitindo que Eça proferisse o seu trabalho (4a
conferência) intitulada "O Realismo como Nova Expressão de Arte".
Pluralidade de ações:
-Ação principal→Amores de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal)
-Ações secundárias→Amores de Pedro e Maria Monforte (intriga secundária); Romance de Ega e Raquel
Cohen; Romance de Carlos com a Gouvarinho.
Complexidade do tempo
Tempo histórico
Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens,
refletindo até acontecimentos cronológicos históricos do país.
N' Os Maias, o tempo histórico é dominado pelo encadeamento de três gerações de uma família, cujo último
membro - Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronológica situa-se entre 1820 e 1887,
aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende cerca de 70 anos.
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Nivel (ou planos) da ação
Intriga > Os Maias (título) →Principal- Carlos e Maria
Eduarda →Secundária – Pedro e Maria Monforte
Ação trágica: incesto (intriga principal), destino, peripécia,
presságios, peripécia, reconhecimento, catástrofe.
Crónica de Costumes> Episódios da Vida Romântica
(subtítulo)
→Jantar nos Gouvarinho; Jantar no Hotel central; Episódios
dos jornais; Corridas de Cavalos; Sarau da Trindade.
Tempo psicológico
O tempo psicológico é o tempo que a personagem assume interiormente. É o tempo filtrado pelas suas
vivências subjetivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É o tempo que se alarga ou se encurta
conforme o estado de espírito em Complexidade do tempo
Este romance não apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo contrário, uma estrutura complexa na
qual se integram três tipos de tempo: tempo histórico, tempo do discurso e tempo psicológico.
No romance, encontram-se algumas ações onde se destaca a existência de tempo psicológico, como por
exemplo, nas horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e “estúpidas”, ou quando, no
último capítulo, em que Carlos e Ega visitam e completam o velho Ramalhete (1887) e refletem sobre o
passado e o presente, e numa das intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia, recorda o tempo passado e
comenta “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”.
O tempo psicológico introduz a subjetividade, o que põe em causa as leis do naturalismo.
Tempo do discurso
Por tempo do discurso entende-se aquele que se deteta no próprio texto organizado pelo narrador, ordenado
ou alterado logicamente, alargado ou resumido.
Na obra, o discurso inicia-se no outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela
Europa, após a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa. Pelo processo de analepse, o
narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de
Afonso da Maia, educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia e sua
formatura em Coimbra) para recuperar o presente da história que havia referido nas primeiras linhas do livro.
Esta primeira parte pode considerar-se uma novela introdutória que dura quase 60 anos. Esta analepse ocupa
apenas 90 páginas, apresentadas por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histórico é muito mais longo
do que o tempo do discurso. Do outono de 1875 a janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o
Ramalhete - existe uma tentativa para que o tempo histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja
idêntico ao tempo do discurso - cerca de 600 páginas - para tal Eça serve-se muitas vezes da cena dialogada.
O último capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10 anos, Ega se encontra com Carlos em
Lisboa.
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Complexidade do espaço
Na obra os Maias a Ação decorre em diferentes Espaços físicos, Sociais e Psicológicos.
a) O Espaço Físico é o local onde se desenrola a narrativa (um país, uma cidade, uma casa, etc).
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Espaço geográfico:
-Coimbra: espaço de boémia estudantil, artística e
literária; espaço de formação de Carlos cuja
existência surge ainda marcada pelo Romantismo
que a sua geração procura rejeitar. Ambiente
propício
ao diletantismo e ociosidade.
-Lisboa: é o espaço com maior importância na
obra, isto é, é o local onde ocorrem os principais
acontecimentos. As ruas, as praças, os hotéis, os
locais de convívio, os teatros são caracterizados
como personagens ao longo da obra. Lisboa é o
símbolo da sociedade portuguesa da Regeneração,
incapaz de se modernizar (obras da Avenida da
Liberdade) e que agoniza na contemplação de um
passado glorioso.
-Sintra: A ida a Sintra de Carlos, Cruges e Alencar
constitui um dos momentos mais poéticos
hilariantes da obra. Sintra é o paraíso romântico
perdido, é o refúgio campestre e purificador.
-Santa Olávia: É um local de extrema
importância para as personagens, sendo como
refúgio aos problemas e um local calmo que
proporciona um ambiente agradável para
pensamentos.
Espaços interiores:
-Ramalhete: a degradação do edifício acompanha o
percurso da família e a passagem de Carlos por Lisboa,
sendo considerado um marco referencial importante.
Símbolo desse percurso é a descrição do jardim (aspecto
simbólico oposto ao racionalismo naturalista): -1o
momento: o jardim tem um aspecto de abandono e
degradação; corresponde ao desgosto de Afonso após a
morte de Pedro; - 2o momento: é o renascimento da
esperança, renovação da casa por Carlos; -3a momento:
«areado e limpo, mas sombrio e solitário», simboliza o fim
de um sonho e a morte de uma família.
-O consultório: A descrição do consultório revela-nos
algumas facetas de Carlos: diletantismo, entusiasmos
passageiros, projectos inacabados.
-A casa de Dâmaso: a sua excentricidade faz um
contraste com a personalidade mesquinha e cobarde de
Dâmaso e com a sua embaraçada aflição no episódio da
carta.
-A Vila Balzac: A caracterização da casa remete para a
própria personalidade de Ega. Os móveis escolhidos,
nomeadamente a cama, acentuam a exuberância afectiva e
erótica de Ega o espelho à cabeceira insinua a
extravagância, um temperamento exibicionista e
narcisista.
-O Hotel Central/ a casa da rua de S.
Francisco/ a Toca: Carlos tenta descobrir facetas da
personalidade de Ma Eduarda através da observação dos
objectos que a rodeiam. A decoração da Toca simboliza a
excentricidade, a anormalidade e a tragédia que
caracterizarão as relações de Carlos e Ma Eduarda. Foi à
entrada desse Hotel que Carlos e Maria Eduarda se terão
avistado pela primeira vez.
O Espaço Psicológico está relacionado com as personagens pois traduz uma atmosfera de ordem
psicológica, que se projeta nos comportamentos destas.
Vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através do monólogo interior, manifestando-
se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua
consciência, ocupando também Ega lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o
leitor, dando conta dos estados de alma, dos personagens, dos pensamentos, da corrente da sua consciência.
A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas personagens como personagens
modeladas. A presença do espaço psicológico implica, obviamente, a presença da subjectividade, pondo em
causa a estética naturalista.
O Espaço psicológico consegue-se através do(a) sonho, memória, imaginação e emoção.
O Espaço Social são os lugares e ambientes em que se proporciona a análise dos comportamentos das
personagens, pois aí elas denunciam os seus tiques e os seus vícios (ex. jantar nos Gouvarinho, a corrida de
cavalos, ...)
Personagens:
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Afonso da Maia
▪ Caracterização física:
Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o nariz curvo e a pele corada. O
cabelo era branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão
esforçado das idas heróicas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".
▪ Caracterização psicológica:
Provavelmente a personagem mais simpática do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe
conhecem defeitos. É um homem de carácter culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais
do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa
a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em
conversas com os amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a
necessidade de renovação do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que
é pobre e fraco.Tem altos e firmes princípios morais. Morre de desgosto, quando descobre os amores
incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho Portugal que contrasta com o novo Portugal – o da
Regeneração – cheio de defeitos. É os sonho de um Portugal impossível por falta de homens capazes. É o
ponto de equilíbrio da família. É a ele que o filho entrega Carlos após a fuga de Maria Eduarda.
Pedro da Maia
▪ Caracterização física:
Era pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo árabe".
Valentia física.
▪ Caracterização psicológica:
Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional.Tinha
assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas
e já velho". O autor dá grande importância à ligação desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua
semelhança psicológica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrograda. O
seu único sentimento vivo e intenso foi a paixão que sentia pela mãe. Apesar da robustez física é de uma
enorme cobardia moral (como demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e
falha como homem.
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  • 1. Poesia Trovadoresca Espaços, protagonistas e circunstância ▪ Cantiga de amigo – Ambiente doméstico e familiar, marcadamente feminino (donzela ou meninas e as amigas, ou a mãe e a filha); ambiente coletivo (romaria, santuário) ou rural (campo, rio, mar); origem autóctone, resultando da tradição lírica já existente na região. ▪ Cantiga de amor – Ambiente aristocrático (rei, nobres, senhores); palácio ou corte; ambiente marcado por um código e por convenções (amor cortês); cantigas importadas em particular da zona de Provença. ▪ Cantiga de escárnio e maldizer – Ambiente palaciano e de corte. Página de 1 91 Cantigas de Amigo Cantigas de Amor Cantigas de Escárnio e Maldizer -o trovador que escreve como se fosse uma donzela. -desabafa com as amigas; a Natureza e raramente com a mãe, acerca do seu"amigo"; -cenário rural; campestre (bucólico); -atividades relacionadas com o campo; pesca; -divertimentos: romarias; -o próprio trovador que escreve e sente amor pela sua "senhor"; -ambiente palaciano (cortês); -amor, muitas vezes, não correspondido (platónico); -a mulher amada é idealizada, sendo descrita como perfeita, quer física quer psicologicamente; -divertimentos de vivências palaciana: bailes; torneios; -as cantigas de escárnio não revelam diretamente a quem se dirige a crítica; -as cantigas de maldizer revelam diretamente a pessoa criticada; -funcionam como documentos históricos, pois mostram a crítica social das várias classes da época.
  • 2. Linguagem, estilo e estrutura As cantigas de amigo caracterizam se por uma estrutura rítmica e estrófica muito próxima de uma musica. Como tal, podem acontecer dois processos (em simultâneo ou isolados) : o refrão- repetição de um ou mais versos no final de cada estrofe- e o paralelismo. Estão presentes também recursos expressivos como a personificação, comparação ou apostrofe. As cantigas de amor podem ou não recorrer a um refrão e normalmente são utilizados recursos expressivos como a adjetivação, a hipérbole ou a comparação. Nas cantigas de maldizer e escárnio é muito recorrente utilizar a sátira e o cómico recorrendo também, como recurso expressivo, a ironia Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira Página de 2 91 Inês Pereira é uma jovem solteira que sofre a pressão constante do casamento, e reclama da sorte por estar presa em casa, aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina Inês casar-se com um homem que ao mesmo tempo seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, o que já se percebe na primeira conversa que estabelece com sua mãe e Leonor Vaz. Essas duas têm uma visão mais prática do matrimônio: o que importa é que o marido cumpra suas obrigações financeiras, enquanto que Inês está apenas preocupada com o lado prazeroso, cortesão. O primeiro candidato, apresentado por Leonor Vaz, é Pero Marques, camponês de posses, o que satisfazia a idéia de marido na visão de sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão, desajeitado, fatos que desagradam Inês. Por isso Pero Marques é descartado pela moça. Aceita então a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que somente se interessam no dinheiro que o casamento arranjado pode lhes render, não dando importância ao bem- estar da moça. Então lhe apresentam Brás da Mata, um escudeiro, que mostra-se exatamente do jeito que Inês esperava, apesar das desconfianças de sua mãe. Eles se casam. No entanto, consumado o casamento, Brás, seu marido, mostra ser tirano, proibindo-a de tudo, até de ir à janela. Chegava a pregar as janelas para que Inês não olhasse para a rua. Proibia Inês de cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e discreta. Encarcerada em sua própria casa, Inês encontra sua desgraça. Mas a desventura dura pouco pois Brás torna-se cavaleiro e é chamado para a guerra, onde morre nas mãos de um mouro quando fugia de forma covarde. Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se com Pero Marques, seu antigo pretendente. Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, o trai descaradamente quando é procurada por um ermitão que tinha sido um antigo apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e Inês exige que Pero, seu marido, a leve ao encontro do ermitão. Ele obedece colocando-a montada em suas costas e levando Inês ao encontro do amante. Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do que um cavalo que nos derrube"
  • 3. Personagens: Inês Pereira: esta personagem é a protagonista da farsa, pois a intriga desenvolve-se à volta do desejo de casar (para ter mais liberdade) e das escolhas que faz neste sentido. De início, esta personagem feminina surge como alguém muito descontente com a vida que tem: Inês sente-se “cativa” da vida doméstica que leva e gostaria de ter a mesma vida que as outras jovens com uma vida mais folgada. Deste modo, representa um grupo social com uma forma es estar, de pensar e de agir muito típica. Inês construi uma imagem idealizada do seu marido de sonho. A sua mãe e a alcoviteira Lianor Vaz tentam orientá-la mas Inês mostra-se decidida e irredutível nas suas opinões. Inês acabará por aprender por sim e com os seus erros. Numa primeira fase, enganada pelo Escudeiro Brás de Mata pela aparência, Inês opta pelo pretendente mais galante. Depressa apercebe-se da má escolha que fizera e arrepende-se. Constata-se uma mudança de atitude da protagonista que revela um plano futuro para se vingar do sucedido. Depois de ter sido enganada por Brás da Mata, Inês escolhe a personagem que representa o “asno”, o lavrador Pêro Marques. Mãe : uma mulher de pouca sorte, perspicaz, manifesta opiniões totalmente contraditórias das da filha relativamente ao casamento e ao marido que esta devia escolher. Analisando as suas falas, repletas de provérbios e as suas falas podemos dizer que a mãe é a voz do bom senso, da razão e também da experiência. A mãe quer ajudar a sua filha tanto que elogia-a ao saber da proposta da Alcoviteira. Por outro lado, dá conselhos a Inês sempre que um pretendente a vem visitar, o que mostra cuidado e preocupação. Outras vezes coloca perguntas à filha com fim a deixá-la refletir e a ponderar melhor sobre o seu futuro, fazendo referência à necessidade de um futuro seguro. Inês não quer casar com um homem da sua classe social mas sim alguém da corte com um homem que toque viola e que saiba falar bem. A mãe porém é mais realista e interessa-se pela condição económica do Lavrador. A partir do casamento com o escudeiro, a mãe não volta a aparecer, como se a sua missão já estivesse terminada e que agora “todo o mal” fosse responsabilidade da escolha que Inês fez. Lianor Vaz: esta é uma personagem-tipo, uma alcoviteira, é uma mulher cujo oficio consistia em arranjar casamentos apresentando pretendentes. Assim dá a conhecer Pêro Marques a Inês e à sua mãe considerando- o “bom marido, rico, honrado conhecido”. Lianor Vaz partilha das mesmas opiniões da mãe quanto à escolha que Inês devia fazer. Porém, tal como a Mãe, a alcoviteira não consegue convencer inicialmente Inês a optar pelo lavrador e é só depois da morte do Escudeiro que Lianor Vaz aparece e aconselha-a novamente chamando a atenção para as vantagens económicas de tal união. Esta personagem denuncia o comportamento devasso do clero, através do encontro com o clérigo que a assedia, o que constitui uma critica social. Pêro Marques: Retrato fiel do camponês, do homem rústico e simples, Pêro Marques é uma personagem-tipo e aparece como o primeiro pretendente, aquele que, apesar de todos os elogios da Alcoviteira, é desprezado por Inês Pereira. Inês não hesita em caracterizá-lo de uma forma bastante negativa e sarcástica, tecendo comentários insultuosos sobre ele (“parvo vilão”/”nunca vi tal coisa”/ “oh, Jesus!Que João de bestas”). Esta caracterização direta (heterocaracterização) decorre das atitudes e comportamentos que Pêro Marquês teve com Inês mesmo ainda antes de a conhecer (por exemplo, a carta que lhe escreveu com uma linguagem demasiado básico). Quando é apresentando a Inês, esta personagem tem uma situação cómica que se cria com Pêro Marques sem saber para que serve uma cadeira sentando-se ao contrário nela ou quando procura em vão as pêras no seu chapéu. Pêro Marques autocaracteriza-se como sendo um homem do bem, sério e Página de 3 91
  • 4. decente. Para Inês estas qualidades não são de valorizar, antes pelo contrário (ridiculariza-o sem perceber que ele se sente desconfortável por estar na mesma sala com apenas ela). Por fim, a imagem do camponês inocente, ingénuo e desajeitado fica completa no ultimo episódio da peça quando o vemos a transportar Inês, agora sua mulher, às costas, levando-as ao encontro do Ermitão. Pêro Marques encara então o papel de marido ingénuo e obediente que é enganado pela mulher. Escudeiro Brás da Mata: Segundo pretendente de Inês Pereira que parece corresponder ao perfil desenhado por ela para seu marido. Após os vários elogios dos judeus, o Escudeiro também ele é uma personagem-tipo que parece ser um homem encantador, hábil com as palavras e com os instrumentos musicais, mas na verdade é apenas um homem falso, arrogante, pelintra e prepotente. Moço: Criado do Escudeiro, acompanha-o ao longo de toda a peça e é uma voz critica do amo. Leva uma vida dura de pobreza e é maltratado pelo amo. É fiel mesmo assim ao seu amo fazendo tudo o que lhe pede (como, por exemplo, o pedido do escudeiro para o moço vigiar Inês) e contra a sua vontade, cumpre o pedido. Judeus (Latão e Vidal): Desempenham um papel semelhante ao da Alcoviteira e têm por missão apresentar a Inês o Escudeiro. São personagens cómicas e recorrem a uma linguagem caricatural como quando apresentam o Escudeiro a Inês num retrato exagerado. Pertencem a uma comunidade judaica, contribuindo para serem como personagens-tipo (na cerimónia de casamento executam rituais judaicos). São gananciosos pois concretizam o casamento e exigem logo a quantia de dinheiro devida. Funcionam como uma única personagem porque tanto ao nível do discurso como a nível do comportamento, ambos completam-se. Ermitão: é um ermitão que é diferente dos ermitas e monges que viviam isolados para se dedicarem exclusivamente a Deus e que viviam da a fé e da a caridade das pessoas que os ajudavam e os alimentavam. Para este “Deus é Cupido”. Seduz Inês Pereira e representa a vida da liberdade que a moça pretendia levar, com a aprovação do próprio marido que não vê maldade em nada. Representa uma critica ao clero, à sua imoralidade e à sua corrupção. A dimensão satírica: Um dos objetivos do teatro de Gil Vicente era denunciar, criticar e mostrar algumas mudanças que afetavam a sociedade, como por exemplo, o desejo de ascendência social, o adultério, a imoralidade do clero, entre outros. Estes comportamentos são denunciados através de personagens-tipo e da linguagem cómica. Nesta farsa reconhecemos alguns tipos: →a alcoviteira e os judeus (Lianor Vaz, Latão e Vidal)- figuras gananciosas que agem com um fim económico; →Pêro Marques- personagem rústica, serve para fazer rir a gente da corte com a sua ignorância e simplicidade. Página de 4 91
  • 5. →o Escudeiro Brás da Mata- género de parasita, vadio, que imita os padrões da nobreza (ex: tocar guitarra, faz serenatas, finge- se corajoso, mas é medroso e maltrata o moço). Não trabalha e passa fome. →o Ermitão- há uma conformidade entre os atos e os ideias pois invés de procurar renunciar o mudo e a pobreza, busca a riqueza e os prazeres que não estão ligados à religião. Página de 5 91 A representação do quotidiano: As farsas têm como característica a representação da vida quotidiana e nesta podemos encontrar os hábitos, os costumes, as crenças e os modos de vida da época, em especial aos que diziam respeito: Ao casamento: o texto vicentino dá-nos a conhecer as ideias contrárias de Inês , da Mãe e de Lianor Vaz em relação ao casamento (a intervenção de uma alcoviteira e dos judeus, os encontros com os pretendentes, as regras, a festa de casamento e a vida a dois). Ao estatuto da mulher: (sobretudo a solteira). Os casamentos eram, grande parte das vezes, um negócio entre duas partes, sem que a mulher tivesse alguma participação na decisão. Neste caso, que é uma exceção a essa regra, apesar de haver na mesma intermediários entre ambos, a ultima palavra é de Inês que deseja uma vida sem ser de “cativeiro” e ascender socialmente, objetivo esse que não foi cumprido com o primeiro marido (o escudeiro). À vida doméstica: ao longo da farsa, acompanhamos a protagonista nas suas tarefas domésticas, assumindo uma postura da típica mulher que trata da casa. No seu monólogo inicial, Inês encontra-se a costurar em casa; depois, já casada, também costura fechada em casa. À vida palaciana: apesar da vida de aparências que existiam na corte e que está representada na figura do Escudeiro , muitos ambicionavam a sua ascendência social de modo a fazer parte desta classe (ex: Inês) À vida do campo: Uma vida simples, autêntica mas pouco considerada. Pêro Marques representa essa classe social em oposição à vida falsa da corte. Esta vida simples de trabalho garantia mais sustento que a vida dos fidalgos pelintras. À vida do clero: o encontro da alcoviteira com um membro do clero e o de Inês Pereira com um Ermitão devoto de cupido são exemplos que denunciam comportamentos imorais desta classe social.
  • 6. O cómico→utilizado para criticar os costumes da época. a) Cómico de caracter: assenta na personalidade e no modo de ser da personagem. Pêro Marques e o escudeiro mostram que são personagem cómicas. O primeiro é o retrato fiel do provinciano desajeitado e desconhecedor das convenções sociais; já o segundo estava arruinado e era cobarde, embora aparentasse ser rico e elegante. Pêro Marques, quando visita Inês pela primeira vez revela imediatamente o seu lado cómico (ex: não sabe para que serve a cadeira e ao sentar-se coloca-se de costas para as outras personagens, invés de presentes elegantes, traz peras). Quanto ao Escudeiro, a sua faceta cómica reside precisamente no contraste que há entre agir com o moço (é pelintra, arrogante, autoritário) ou com Inês, já casados (é severo, insensível), e aquilo que ele manifesta quando a conhece (é afável, cortês, galante). b) Cómico de situação: baseia-se na intriga e no próprio desenrolar dos episódios. Como exemplo disso tem-se, as atitudes desajeitadas de Pêro Marques ao longo da obra ou mesmo os judeus quando querem forçar Inês a conhecer o pretendente que eles escolheram. A morte do Escudeiro também é considerado cómico de situação pois foi morto pelo pastor mouro. Por fim, Pêro Marques leva Inês às costas e esta canta uma cantiga sobre um “marido cuco”, isto é, traído.Toda esta cena é cómica pois este não percebe e comporta-se como um “asno” c) Cómico de linguagem: resulta da desadequação do que é dito ou do modo que é falado relativamente ao contexto envolvente, pode ser produzido através da ironia, apartes, sarcasmo, trocadilho, jogo de palavras, o calão ou expressões populares. Pêro Marques escreve uma carta a InÊs com uma linguagem muito provinciana e provoca o riso ao leitor e à própria protagonista.Tem um discurso e uma linguagem provinciana, por vezes, confusa que serve também para o caracterizar. Os judeus também têm uma linguagem cómica fruto da repetição do discurso mas também o uso do registo popular e, por vezes, o calão. A ironia presente nos apartes de Inês onde ela refere Pêro Marques também é um exemplo, tal como os apartes do moço referentes ao seu amo. Linguagem e estilo Gil Vicente procurou adequar a linguagem de cada personagem ao seu grupo social ou à atividade que desempenhava. a) Pêro Marques fala como lavrador que é, de forma simples, muito provinciana e por vezes, confusa, visto que não é instruído. b) Inês Pereira, a Mãe e Lianor Vaz falam como mulheres do povo recorrendo muito a ditados populares e a provérbios. c) Brás da Mata, como pretende enganar Inês, fala com ela de um modo galante sendo o seu discurso rebuscado. Já com o moço, usa uma linguagem mais coloquial e agressiva, tal como faz com Inês depois do casamento. Página de 6 91
  • 7. d) Os Judeus recorrem a uma linguagem de cariz popular e , a dada altura usam rituais judaicos . Fernão Lopes, Crónica de D. João I Contextualização histórica: A crónica de D. João I é, na realidade, uma legitimação da nova dinastia, a dinastia de Avis, iniciada após um período conturbado entre dois reinos na monarquia portuguesa que vai de 1383 a 1385 (crise politica). Esta crónica é considerada a crónica medieval mais importante, quer pelos acontecimentos que relata, quer pela qualidade literária da sua prosa. Foi publicada pela primeira vez em Lisboa a 1644 e está dividida em duas partes: -a 1º ocupa-se no espaço e no tempo desde a morte de D. Fernando até à eleição de D. João I; -a 2º relata o reinado deste monarca até à paz com Castela em 1411. Afirmação da consciência coletiva: A crónica de D. João I constitui uma afirmação da consciência coletiva, no sentido em que o verdadeiro herói que povoa na obra não é um herói individual como habitual (não é um cavaleiro, um nobre...) mas sim um herói coletivo – o POVO. Fernão Lopes mostram-nos com imenso realismo, vivacidade, pormenor descritivo e emotividade o povo que se revolta, que irrompe as ruas de Lisboa à procura do Mestre, que defende a cidade contra os castelhanos, que passa fome e privações por causa do cerco. Página de 7 91 Recursos expressivos recorrentes nesta obra: -Ironia; -Comparação; -Interrogação retórica; -Metáfora;
  • 8. A voz do povo, o sentir dos homens e das mulheres, dos mesteirais, dos homens-bons, é muitas vezes transmitida através de uma voz anônima e da multidão. Outras vezes é a própria cidade que parece revelar essa consciência do todo, assumindo quase o estatuto de uma personagem coletiva. O povo manifesta o seu patriotismo e o seu apoio ao Mestre. O povo é o verdadeiro herói da revolução e da crónica de Fernão Lopes. Atores individuais e coletivos: Atores coletivos: -as gentes de Lisboa, quer como uma massa, uma coletividade, quer como grupos sociais (ex: lavradores, homens-bons, as mulheres). Atores individuais: -Mestre de Avis- é caracterizado como um homem vulgar, hesitante e vulnerável às fraquezas. É um homem receoso, no seguimento do assassinato do conde Andeiro. Apesar destes defeitos – que o tornam uma personagem profundamente realista –, D. João I mostra também ser capaz de atos espontâneos de solidariedade, o que o converte numa figura cativante. Líder “desfeito” mas também solidário com a população, durante o cerco de Lisboa. Página de 8 91 É no prólogo da Crónica de D. João I que o cronista expõe o seu objetivo e método de historiar inovador. O seu desejo é "em esta obra escrever verdade sem outra mistura", para o que faz concorrer toda a gama de documentos possível, desde narrativas a documentos oficiais, confrontando-os entre si para assegurar a veracidade dos registos existentes. Ao mesmo tempo, esta crónica estabelece, de certa forma, o ponto de chegada das duas crónicas precedentes, na medida em que estas preparam os acontecimentos que culminam com a sublevação popular e consequentemente, com a entronização de D. João I. A primeira parte da crónica descreve a insurreição de Lisboa na narração célere dos episódios quase simultâneos do assassinato do conde Andeiro, do alvoroço da multidão que acorre a defender o Mestre e da morte do bispo de Lisboa. Ao longo dos capítulos, fundamenta-se a legitimidade da eleição do Mestre, consumada nas cortes de Coimbra, na sequência da argumentação do doutor João das Regras, enquanto desfecho inevitável imposto pela vontade da população. Nesta primeira parte, o talento do cronista na animação de retratos individuais, como os de D. Leonor Teles ou D. João I, excede-se na composição de uma personagem coletiva, o povo, verdadeiro protagonista que influi sobre o devir dos acontecimentos históricos. Na segunda parte, o ritmo narrativo diminui, tratando-se agora de reconhecer o rei saído das cortes, e é de novo pela ação do povo que a glorificação do monarca é transmitida, como, por exemplo, no modo como o acolhe a cidade do Porto. Um outro momento de maior relevo é consagrado, nesta parte, à narrativa da Batalha de Aljubarrota, embora aí não ecoe o mesmo tom de exaltação com que, na primeira parte, colocara em cena o movimento da massa popular.
  • 9. -Álvaro Pais- o burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estão a matar o Mestre, influenciando o povo a correr a seu auxilio. -D. Leonor Teles- a mulher que gera ódio na população e é apelidada de “aleivosa” (traidora). Luis de Camões, Rimas Contextualização histórico-literária: A idade média foi considerada uma época de trevas, de ignorância e de atraso. Existia uma grande vitalidade intelectual na idade média já que, durante este longo período, se sucederam os “renascimentos” e os esforços para recriar a sabedoria clássica. O renascimento pode definir-se como um movimento cultural que marca a transição da idade média para a idade moderna e teve repercussões politicas, sociais, económicos e culturais. Em Portugal, o renascimento surgiu na segunda metade do século XVI e apresentou a particularidade de estar ligado à expansão marítima. Linguagem, estilo e estrutura: Esta poesia foi influenciada por duas tendências estéticas- uma mais tradicional e outra mais clássica. -Redondilhas- poemas com versos de 5 ou 7 sílabas métricas, ou seja, a medida velha e podem ter a forma de cantigas, vilancetes, esparsas ou trovas; -Sonetos- poemas com influências de Itália e da valorização clássica. Encontra-se então versos com 10 sílabas métricas (decassilábicos), a chamada medida nova. A lírica tradicional seguem uma estrutura comum da poesia palaciana, um mote desenvolvido em voltas. -Mote- verso ou conjunto de versos que começam o poema e que servem para apresentar a ideia que será desenvolvida nos versos seguintes. -Voltas- versos que aparecem depois do mote agrupados em estrofes. Ao recuperar o tema explicitado no mote, a volta pode repetir um ou mais vezes o mote, funcionando assim, como um refrão. Já a inspiração clássica está presente na transformação das composições em decassílabos que podiam ser em formas de odes, sonetos ou canções. -Soneto- constituído por 2 quadras e 2 tercetos com vários tipos de esquemas rimático. Página de 9 91
  • 10. Temáticas da lirica camoniana: a) A experiência amorosa e a reflexão sobre o amor -Existem 2 tipos de mulher (a espiritual e a carnal)- a mulher sensual desperta o amor carnal e fisico. A mulher petrarquista é descrita como um ser ideal, que não deve ser desejado fisicamente mas amado e idolatrado. (*petrarquista- inspiração na deusa Petrarca) -O poeta sente às vezes que a realização total do amor só é possível através do amor espiritual e do amor fisico/carnal. -O sujeito poético está dividido entre o fascínio do amor platónico (espiritual)/petrarquista vs. a atração por um amor carnal (entre a mulher que admira e a que deseja). -A ausência da mulher amada origina sofrimento, saudade e ânsia por um reencontro físico. -A experiência de uma vida amorosa fracassada poderá explicar a influência do amor de concessão platónica. -O amor e os seus efeitos têm um poder transformador. b) A representação da amada -Imagem de uma mulher angélica, um ser divido, de pele, olhos e cabelo claros, elementos físicos reveladores das qualidades da alma, com um poder transformador da Natureza e do Homem (influência petrarquista). -Representação de uma mulher maléfica, em contraste com a mulher anjo. -Novo conceito de beleza feminina distante do de Petrarca (pele, olhos e cabelos escuros), capaz de provocar fascínio e tranquilidade no amador. -A imagem realista, inspirada na vida quotidiana, presente em algumas redondilhas. -A imagem petrarquista da mulher que representa a beleza, a castidade, a serenidade, a harmonia, a unidade profunda entre a beleza externa e a beleza interna. Em geral, é um modelo feminino de cabelos de “oiro”, pele clara, serena, impalpável, símbolo da perfeição. c) A representação da Natureza -Espaço alegre, tranquilo, sereno, propicio ao amor. -Espelho da alma do poeta, refletindo os seus sentimentos. -Confidente, testemunha da dor da ausÊncia/separação da amada. -É solidário com as qualidades femininas exaltadas conferindo-lhes luz, graça, pureza... -É espelho das vivências do sujeito poético. -É locus amoenus (lugar ameno), a paisagem amena, verdejante, colorida, mágica, harmónica. Página de 10 91
  • 11. d) A representação da vida pessoal -Reflexão do poeta sobre o destino (que nunca lhe foi favorável), os erros que cometeu, o amor fracassado, o desterro... -Afirma que nasceu para sofrer e que ele é o seu próprio tormento. -Considera-se com pouca sorte (“má fortuna”), e com azar no amor, refletindo sobre o seu infortúnio e sobre o seu sofrimento. -O sujeito poético amaldiçoa o dia do seu nascimento, pois esse dia “deitou ao mundo a vida/mais desventurada que se viu”. e) O tema do desconcerto -Camões apresenta o destino e ele próprio como os responsáveis pelo seu infortúnio. -Nesta temática, já não é só o amor o sentimento que é explorado, mas também a revolta, o remorso, o cansaço e o desespero perante a existência da morte. -Socialmente, o mundo é um desconcerto, provocando injustiças aos bons premiando os maus. -As destruição do amor puro, a morte e a passagem do tempo, que só traz infortúnio, são algumas realidades que chocam o poeta. -O desconcerto do mundo provoca espanto, revolta e inconformismo. -Reflexão sobre o desconcerto do mundo, ao nível social e moral, evidenciada em aspetos como: a errada distribuição dos prémios e castigos (os maus são galardoados, os bons severamente castigados); os contrastes entre a riqueza e a miséria; o crescente interesse dos homens por valores materiais. f) O tema da mudança -A sucessão de mudanças ocorre através do tempo. -Na Natureza, a mudança opera de forma cíclica, natural e positiva, enquanto na vida do poeta se concretiza de modo negativo. -A passagem do tempo traz novidade, mas nem sempre esperança. -A consciência da irreversibilidade do tempo que conduz à reflexão sobre a renovação cíclica da Natureza, sobre a mudança da vida e das coisas e o caminho inexorável do poeta para a morte, razão que lhe acentua a angustia. Página de 11 91
  • 12. Os Lusíadas, Luis de Camões Visão Global: Camões procurou fontes literárias como: A epopeia “os Lusíadas” é uma narrativa em verso destinada a celebrar feitos grandiosos de um herói, neste caso coletivo – o povo. Esta obra pode ser reconhecida por epopeia porque: -A ação é épica, com grandeza e solenidade, de modo a mostrar heroismo: -A ação de central é a aventura dos Descobrimentos de que se destaca a viagem marítima de Vasco da Gama à India, uma ação cheia de heroismo e digna de ser louvada. -Em articulação com essa ação, surge episódios de mitologia – plano da mitologia. -A par da ação centra, verifica-se também a narração de outros feitos históricos a cabo pelos Portugueses e contados por Vasco da Gama ao rei de Melidnde e por Paulo da Gama ao Catual de Calecute- plano da história de Portugal. -O herói desta epopeia é o povo português representado na figura de comandante das naus,Vasco da Gama. Há portanto um herói coletivo e um herói individual. -O maravilhoso não só aparece com intervenções das divindades da mitologia (ex: vénus ou baco), como do Deus dos Cristãos (reza de Vasco da Gama aquando da tempestade). -Forma- há um narrador que relata os acontecimentos; em Os Lusíadas podemos, inclusive, distinguir os vários narradores. -O poeta que relata a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à India e toda a viagem de regresso. -Vasco da Gama que conta ao rei de Melinde tanto a história de Portugal como a viagem de Lisboa a Moçambique. -Paulo da Gama que relata, em Calecute, ao Catual alguns factos da nossa História e explica o significado das 23 figuras representadas nas bandeiras. -Fernão Veloso que descreve o episódio dos Doze de Inglaterra. Estrutura- -Partes obrigatórias como a Proposição, a Invocação, a Narração e a dedicatória que era opcional. Os Lusíadas dedicam a obra ao rei D. Sebastião. Página de 12 91
  • 13. -A narração in media res que é o facto da narração começar com a viagem já a meio. Estrutura interna -Proposição (apresentação do assunto): nesta parte Camões propõe-se cantar as navegações e conquista no Oriente nos reinados de D.Manuel e de D. João III., as vitórias em África de D.João I a D. Manuel e a organização do país durante a 1ºdinastia. -Invocação (súplica de inspiração para escrever o poema): 1a súplica às ninfas do Tejo (Tágide) para que o ajudem na organização do poema; 2a súplica a Caliope, porque estão em causa os mais Obras Autor Herói Assunto Ilída Homero Aquiles – um grego, filho de um humano e da deusa do mar Tétis. Através das suas ações revela o seu caráter nobre e guerreiro Canta o episódio da Guerra de Troia, que opôs o povo da Grécia antiga aos troianos. A personagem principal, Aquiles, luta e mata o seu rival Heitor, príncipe troiano. A narrativa começa quando a guerra já esta no ultimo ano. Odisseia Homero Ulisses – herói grego que é exemplo de astúcia, determinação e coragem Eneida Virgilio Eneias – príncipe troiano, filho de Anquises e de Vénus Canta as aventuras de Eneias, único herói que se salvara da destruição de Troia. É acolhido por Dido em Cartago, vagueia pela Itália e desce ao reino dos mortos, onde ouve o futuro e a história de Roma. Depois da guerra de Troia, Ulisses vive muitas aventuras ao longo da sua viagem de vários anos. Página de 13 91
  • 14. importantes feitos lusitanos; 3a súplica às ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus infortúnios; 4a nova invocação a Calíope para que o inspire para terminar a obra. -Dedicatória (oferecimento da obra a D. Sebastião): esta dedicatória ao rei D. Sebastião reflete a esperança do povo português no novo monarca e sobretudo, na possibilidade de retomar a expansão no Norte de África. -Narração (desenvolvimento do assunto): iniciada in media res (quando a frota já se encontrava no canal de Moçambique a caminho de Melinde), apresenta momentos retrospetivos da História de Portugal e da viagem, momentos prospetivos como sonhos, presságios, profecias e um Epilogo, o regresso dos nautas, incluindo o episódio da Ilha dos Amores. Estrutura externa: Forma narrativa; versos decassilábicos; rimas com esquema abababcc; estâncias- oitavas; poema dividido em dez cantos. Proposição, Estância 1 à 3 do Canto I Página de 14 91 A proposição indica qual é o objeto do canto – “o peito ilustre Lusitano”. Esta expressão incorpora: -as armas e os barões assinalados, isto é, os feitos bélicos e quem os executou, os homens ilustres e notáveis. Esses homens partiram de Portugal, da ocidental praia lusitana e após perigos e guerras conseguiram alcançar territórios para lá da ilha da Ceilão -“passaram para além daTaprobana”. -os Reis que foram dilatando/ A fé, o império e que andaram a devastar as terras desconhecedoras da religião cristã – as terras viciosas/ De África e de Asia. -aqueles que por obras valerosas/ Sevão da lei da Morte libertando, isto é, todos os que, por causa das suas ações magnificas merecem ser louvados e imortalizados. -Os portugueses são então o herói da epopeia – herói coletivo- e são os seus feitos que o poeta espalhará cantando. -Sobre os portugueses diz-nos ainda que os seus feitos superam os de figuras míticas (Ulisses e Eneias) e os de figuras históricas, que esses feitos são tão gloriosos que até os deus do mar e da guerra – Neptuno e Marte- se submeteram aos Portugueses e que representam um “valor mais alto” -Na proposição são indicados os 4 planos estruturais da narração (plano da viagem, da história de Portugal, do Poeta e da mitologia)
  • 15. Invocação, Estancia 4 e 5 do Canto I Dedicatória, Estancia 6 à 18 do Canto I A dedicatória não era um elemento estrutural obrigatório do género épico, mas Luís de Camões decide dedicar o seu poema ao rei D. Sebastião, a quem louva pelo que representa para a independência de Portugal e para o aumento do mundo cristão. os louvores, segue-se o apelo. Referindo-se com modéstia à sua obra, que designa como “um pregão do ninho (...) paterno”, pede ao Rei que a leia. Na breve exposição que faz do assunto d’Os Lusíadas, o poeta evidencia um aspecto particularmente importante, a obra não versará heróis e factos lendários ou fantasiosos, como todas as epopeias anteriores, mas matéria histórica. Documenta-o nomeando alguns heróis nacionais que valoriza pelo confronto com os de outras epopeias. O discurso da Dedicatória organiza-se, pois, segundo esta lógica — louvor, apelo de carácter pessoal e argumentos que o fundamentem, incitamento/apelo de carácter nacional e, em jeito de conclusão, breve reforço do apelo pessoal. Na estância 6, D. Sebastião é-nos apresentado como defensor nato da liberdade da Nação, como o continuador da dilatação da Fé e do Império, como o Rei temido pelo Infiel, como o homem certo no tempo certo, «dado ao mundo por Deus». Na estância 10 e 11, o poeta pede a D. Sebastião que ponha os olhos no poema que desinteressadamente fez e lhe dedica, no qual ele verá os grandes feitos dos portugueses, reais e não fingidos, maiores do que os narrados nas antigas epopeias, de tal forma que o jovem rei se poderia julgar mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo todo hipérbole). O poeta desliga a glória de ser conhecido pela sua obra do «prémio vil», já que o moveu o «amor da pátria». Os Lusíadas são fonte de glória Página de 15 91 -Camões tem plena consciência da grandiosidade do que vai cantar e, por isso, sabe que o estilo do seu canto de ser “grandíloquo” e fluente. O poeta logo no início, pede ajuda e inspiração às ninfas do Tejo. -Só estas divindades poderiam fazer despertar no poeta “um novo engenho ardente”, um ”som alto e sublimado”, que não se assemelha ao da poesia bucólica, mas é antes um som digno capaz dedar ânimo e provocar emoções.
  • 16. para Camões pode ver-se nos quatro primeiros versos da estrofe 10, em que o poeta afirma que foi levado a escrever o seu poema, não pelo desejo de um prémio vil (material), mas de um prémio alto e quase eterno. Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses. O poeta exalta D. Sebastião como jovem rei destinado pelo Fado (destino) a grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda, dilatando a fé e o império. O louvor de D. Sebastião está pois, em ser apresentado como um jovem-rei em que o povo português tudo espera, rei que a providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise em que a nação já se encontrava, mas ela estava lá tão firme no povo que não desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em crise. Narração A narração tem inicio quando a ação já vai a meio, ou seja, in media res.Quando se inicia o relato da viagem (ação central), os portugueses já tinham percorrido metade do caminho, encontrando-se no oceano Índico. A parte inicial da viagem só será narrada posteriormente, num processo de retrospetiva – analepse. A narração é então a articulação dos quatro planos. Os 4 Planos: -Plano da viagem (plano central): a narração dos acontecimentos ocorrido durante a viagem realizada entre Lisboa e Calecute: -Partida a 8 julho de 1497 -Peripécias da viagem- destaque para a grande coragem e valor guerreiro dos marinheiros portugueses, para a tempestade, o escorbuto, as vitórias sobre traições entre outras. -Paragem em Melinde durante 10 dias. -Chegada a Calecute (Índia) a 18 de maio de 1498. -Regresso a 29 de Agosto de 1498. -Chegada da nau de Vasco da Gama a Lisboa em 29 de agosto de 1499 A funcionalidade deste plano é conferir unidade ao poema. É, por isso, uma espécie de “esqueleto” da epopeia. Página de 16 91
  • 17. -Plano da História de Portugal (plano encaixado): relata factos marcantes da História de Portugal: -Em Melinde,Vasco da Gama narra ao rei os principais acontecimento da nossa história. -Em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representadas nas bandeiras portuguesas. A função deste plano é relatar e enaltecer a História de Portugal. -Plano da Mitologia(plano paralelo): A mitologia permite e favorece a evolução da ação: os deuses assumem- se como apoiantes (Vénus) ou como oponentes dos portugueses (Baco): -Os deuses apoiam os Portugueses: concílio dos deuses no Olimpo. -Concilio dos deuses marinhos. -Ilha dos Amores. A função deste plano é conferir beleza, ação e diversidade ao poema, ajudando no processo de divinização dos Portugueses. -Plano do poeta (plano ocasional): Considerações, criticas, lamentos e opiniões do poeta, expressas nomeadamente, no inicio e no fim dos cantos. Este plano serve para o poeta transmitir as suas posições face ao mundo, aos outros e a si mesmo. Página de 17 91 -O plano da viagem e o plano da mitologia ocorrem em simultâneo . -A articulação entre o plano da viagem e da mitologia sai reforçada pelo estatuto que os Portugueses conquistam, após chegarem à Índia – estatuto de divindade, por terem concretizado algo de sobre-humano, como um prémio é-lhes oferecida uma recompensa digna de deus- Ilha dos Amores. -O plano da História de Portugal é um plano encaixado, que apresenta episódios de guerra e liricos. -O plano da história de Portugal funciona como analepse e prolepse. -O plano das intervenções ou reflexões do poeta será vital para o entendimento do pendor humanista
  • 18. Imaginário épico Matéria épica e sublimidade do canto Como foi visto na proposição, a intenção do poeta ao escrever esta obra é cantor o “peito ilustre lusitano”, isto é, glorificar os feitos do povo português. Esses feitos dizem respeiro quer aos nautas quer a outras ilustre figuras históricas portuguesas. Por esta razão podemos dizer que a matéria épica de Os Lusíadas integra: →a viagem de Vasco da Gama à Índia – as descobertas; →os feitos históricos – apresentação por Vasco Da Gama ao rei de Melinde e por Paulo da Gama ao Catual. A matéria épica só se torna verdadeiramente épica quando passa a estar subordinada ao mito, isto é, quando a sua interpretação passa a ser simbólica. Nesse sentido, o própria herói é subordinado ao mito, ou seja, sofre um processo de mitificação. Mitificação do herói Camões não escolheu um herói individual que motivasse o título da sua obra, mas procurou que a sua epopeia enunciasse a história de todo o povo da "geração de luso". A intenção em exaltar os portugueses levou Camões a torná-los verdadeiros heróis que se foram construindo, ao longo da obra, e que mereceram a mitificação. Deste modo, estamos perante um herói colectivo, que é constituído pelas "armas e barões assinalados", pelos Reis, por "aqueles que por obras valorosas/Se vão da lei da morte libertando" e pelos navegadores, que no seu conjunto formam "o peito ilustre lusitano". Para que este se fosse construindo, vários elementos foram fundamentais, tais como: a inteligência, pois os portugueses fizeram grande parte da viagem sem que os Deuses se apercebessem; a coragem e a valentia, que demonstraram perante as ciladas de Baco e perante o Gigante Adamastor, símbolo do perigo e do inultrapassável, que permitiu a heroificação de Vasco da Gama, no momento de inversão. Além disso, o episódio do Velho do Restelo, que simbolizando a contraposição e prenunciando vários perigos, mortes, tormentas e outros desastres, contribui para a formação do herói, que enfrenta estes obstáculos com coragem e esforço. Depois de todas as etapas vencidas, os portugueses merecem descanso, que decorrerá na Ilha dos Amores, local concebido pelo épico, simbolizando a recompensa pela heroicidade, a satisfação dos sentidos e a harmonia no Universo. É aqui que os portugueses são mitificados e se tornam Deuses, como se verifica quando as Ninfas se entregam aos navegadores, alcançando a glória. Finalmente, a viagem, mais do que a exploração dos mares, é a passagem do desconhecido para o conhecido, conseguida pelo esforço e motivada pelo amor, tendo como resultado a posse do conhecimento. Página de 18 91
  • 19. Reflexões do poeta Luís de Camões, n ́Os Lusíadas, não consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoção. Então, interrompendo o tom épico, umas vezes, a sua palavra ganha uma feição didáctica, moral e severamente crítica. Outras vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo. Canto I (105-106) Limites da condição humana: Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos. • Canto III Poder do amor: surge do tema do amor de D. Fernando por D.Leonor • Canto IV ambição desmedida do homem • Canto V (92-100) Desprezo das artes e das letras: O poeta lamenta o desprezo que os Portugueses valorizam as letras, pois apesar de serem de terra de heróis, não reconhecem o valor da arte. • Canto VI (95-99)Verdadeiro valor da glória: Nestas estâncias, o Poeta realça o verdadeiro valor das honras e da glória alcançado por mérito próprio. O herói faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da sua entrega a causas desinteressadas. • Canto VII (78-93) Lamento pelos infortúnios da vida: Camões elogia o Espírito de Cruzadas dos Portugueses, destacando-os de outros povos. O poeta, invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se da ingratidão de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos poetas, vê-se votado ao esquecimento e à sorte mais mesquinha, não lhe reconhecendo, os que detêm o poder, o serviço que presta à Pátria. • Canto VIII (96-99) o poder corrupto do ouro: Faz-se, nestas estâncias, uma severa crítica; o alvo é o poder corruptor do dinheiro e do «ouro». • Canto IX (93-99) verdadeiro caminho para atingir a fama: O poeta incita os homens a alcançarem a verdadeira glória e a fama, que não se conseguem pela cobiça, a ambição ou a tirania; mas pela justiça, a coragem e o heroismo desinteressado. • Canto X (145-156) lamentos pela falta de reconhecimento do povo: O poeta volta a referir-se à importância das Letras (Literatura) e desabafa que já está cansado de se dirigir a quem não quer escutar o seu canto, «gente surda e endurecida». Exorta o Rei a concretizar novas glórias. Página de 19 91
  • 20. Sermão de Santo António aos peixes, Padre António Vieira Contextualização histórico-literária Vieira viveu num período conturbado da História de Portugal, um longo período de agonia que se iniciou com o desaparecimento do rei D. Sebastião nos areais de Alcácer Quibir e que determinou a perda da independência nacional, com a invasão do território português pelo exército espanhol em 1580, cujo poder militar tomou a coroa da monarquia portuguesa. A Europa vivia em tempos de crise generalizada e num clima de medo. No Brasil viviam se tempos de exploração de Índios por parte dos colonos brancos. Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere): O sermão seiscentista, cujo objetivo principal é levar os fiéis a reconhecerem os seus erros e a alterarem comportamentos, apresenta uma importante componente lúdica. -Docere (educar/ensinar) - função pedagógica, muitas vezes conseguida através de citações bíblicas e de autores da Igreja ou de obras clássicas. -Delectare (agradar)- função estética, concretizada através de um discurso rico em recursos expressivos como a alegoria, a metáfora, a comparação, antítese, gradação... -Movere (persuadir)- função critica e moralizadora, baseada numa argumentação bem construída, recorrendo a argumentos de autoridade. Intenção persuasiva e exemplaridade: No caso do Sermão de Santo António, Padre António Vieira vai censurar o comportamento dos colonos portugueses no Maranhão e defender os direitos dos índios. Apresenta assim uma intenção persuasiva, procurando convencer o seu público a mudar de comportamento. A critica social será feita através da alegoria, recorrendo ao exemplo de Santo António, que, face à revolta dos habitantes de Arimino em Itália, não queriam ver os seus pecados expostos, optou por pregar aos peixes que o escutaram. No dia em que se festejava este santo,Vieira dirige alegoricamente o seu sermão aos peixes, servindo-se dos seus defeitos e virtudes para denunciar pecados dos homens. Página de 20 91
  • 21. Crítica social e alegoria: O Sermão de Santo António denuncia o comportamento dos colonos do Maranhão. Ao observar-se o seu tempo e sentindo-se desiludido com os homens,Vieira decide voltar-se da terra para o mar e dirigir a sua pregação aos peixes. De uma forma metafórica, diz que os pregadores são “o sal da terra”, cujo efeito deve ser impedir a corrupção. No entanto, ao ver que a terra está corrupta, interroga-se sobre a causa desta corrupção. Ao longo do sermão,Vieira começa por louvar as virtudes dos peixes, para depois repreender, com empenho, mas também com ironia, os seus defeitos. Embora interpele os peixes, na verdade, é aos homens que ele se dirige , sendo os peixes metáfora dos homens. Estabelece assim um paralelismo entre os vícios dos peixes e os vícios dos homens, neste caso para denunciar a exploração dos colonos sobre os indígenas. Visão global do Sermão e sua estrutura: -Capitulo I Exórdio – exposição do plano a desenvolver e das ideias a defender a partir do conceito predicável. “Vos sois o sal da terra” é o conceito predicável (texto bíblico que serve de tema e de acordo com o objetivo do autor, pretende demonstrar fé). Este elemento bíblico serve de tema/ tese ao Sermão e a partir do qual vai desenvolver a sua argumentação: os pregadores são o sal, a terra os homens. O sal impede que os alimentos se estraguem.→Os pregadores impedem a corrupção. O sal que salga- evita a corrupção; O sal que não salga- é inútil e desprezado; O pregador é como o sal – se a palavra não chega aos ouvintes ou não produz os seus frutos é porque algo está errado. Se a terra está corrupta/ estragada de quem é a culpa? - Ou o pregador não prega convenientemente a palavra de Deus Página de 21 91 O sal é a metáfora dos pregadores A terra é a metáfora dos ouvintes Os pregadores são importantes na transmissão da mensagem evangélica, na preservação da moralidade e da integridade dos homens- a “terra”. Os pregadores não “salgam” porque: -não pregam a verdadeira doutrina; -dizem uma coisa e fazem outra; -se pregam a si e não a Cristo.
  • 22. O capítulo I termina com um pedido de auxilio divino, que pode ser entendido como uma invocação. -Capítulo II – Louvores em geral Exposição- referência às obrigações do sal. Indicação das virtudes dos peixes em geral. Crítica ao homem. As duas qualidades dos ouvintes são ouvir e não falar. -Retoma do conceito predicável. As duas propriedades do sal são – “conservar o são e preservá-lo para que não se corrompa”. -As propriedades das pregações de Santo António: 1. Louvar o bem (“para o conservar”); 2. Repreender o mal (“para preservar dele”). O sermão será, desta forma, aos peixes (e, obviamente aos homens) e está dividido em dois pontos: louvar as qualidades e repreender os vícios. Qualidades e virtudes -> Defeitos dos homens ▪ A obediência -> o deslumbramento face a dar graxa para obter algo em troca. ▪ A “ordem, quietação e atenção” com que ouviram as palavras de Santo António -> a arrogância e a presunção. ▪ O respeito e a devoção ao ouvirem as palavras de Deus-> a violência e a obstinação. ▪ O seu “retiro” e afastamento relativamente aos homens -> a crueldade irracional ▪ “só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam” -> o exibicionismo e a vaidade. Página de 22 91 A terra não se deixa “salgar” porque: - os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, não querem receber; -os ouvintes querem antes imitar o que os pregadores fazem do que fazer o que dizem; - os ouvintes, em vez de servirem a Cristo, servem a seus apetites. Ou a terra não “ouve” a palavra do pregador.
  • 23. Capítulo III –Louvores em particular Confirmação- louvores a alguns peixes em particular e consequente crítica aos homens. 1. O peixe Tobias : -As suas entranhas curavam a cegueira dos homens tendo assim um poder curativo (seu pai, que era cego, recuperaria a visão depois de, a conselho do Anjo Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco do fel extraído do peixe). -O seu coração afugentava os demónios. - Vestido de burel e atado com uma corda “este peixe parecia um retrato marítimo de Santo António”. 2. A rémora: - peixe marinho cuja cabeça funciona como ventosa, o que lhe permite fixar-se a embarcações (procurando conduzir ao bom caminho). - pequena no seu tamanho mas com uma grande força, que conseguia imobilizar o leme das naus (travando o mal). 3. O torpedo: - peixe, parecido com a raia, capaz de produzir pequenas descargas elétricas que fazem tremer o braço do pescador, obrigando-o a lagar a cana (assim o torpedo não é pescado). 4. O quatro-olhos: - tem dois olhos “para se vingar das aves” e dois olhos “para se vingar dos peixes”. - simboliza que devemos olhar ou só para cima (considerando que há Ceu) ou só para baixo (Inferno). - este peixe simboliza o dever que os cristãos têm, isto é, olhando para o céu, mas lembrando sempre que há inferno. Outros peixes: - Servem de alimento (as sardinhas são o sustento dos pobres e o salmão dos ricos); -Ajudam à abstinência nas quaresmas; -Com peixes, Cristo festejou a Páscoa; - Ajudam a ir ao Céu; - Multiplicam-se rapidamente (apenas aqueles que são consumidos pelos pobres). Página de 23 91 Simbologia→também na terra os homens extorquem o que não lhes pertence, sem recearem as consequências dos seus atos, ou seja, o castigo divino; as palavras de Santo António transformaram vinte e dois homens desonestos que tomaram consciência dos pecados, se arrependeram e confessaram, o que enaltefica a eficácia de Santo António;Tal como há homens que não sentem as descargas elétricas do tropedo, também há homens que ouvem a verdade e continuam o seu caminho errado; realça a importância que esses peixes poderiam desempenhar para fazer tremer o braço daqueles que se desviam do caminho certo. Assim, a descarga simboliza as palavras de Deus.
  • 24. Capítulo IV- Repreensões em geral Exposição- indicação das repreensões aos peixes em geral e critica aos homens. Os peixes, assim como as suas qualidades em geral (ouvem e não falam), irão agora ouvir as repreensões: 1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos; 2. Ignorância e a cegueira. -Critica e repreensão aos peixes para melhor explicitar a condenação dos homens. -Aspetos criticados: a “antropofagia social” e a “vaidade no vestuário”. 1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos (critica à prepotência dos grandes que “se alimentam” do sacrifício dos mais pequenos, tal como os peixes): ▪ Repreensões dirigidas aos peixes: ✓ “vos comeis uns aos outros” (quando são todos irmãos e vivem no mesmo elemento). ✓ “que os grandes comem os pequenos”. ▪ Repreensões aos homens: também “se comem uns aos outros”, s: ✓ antropofagia social- também os homens se “comem”, se exploram uns aos outros. ▪ Presença de um tom mais violento na referência à injustiça e às maldades causadas por : ✓ Serem os maiores a comerem os pequenos; ✓ Serem os pequenos comidos “de qualquer modo”; ✓ Serem os grandes aqueles “que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros”; ✓ Serem os pequenos comidos em qualquer momento. ▪ Apelo de Vieira para que os peixes não se comam uns aos outros referindo-se ao Dilúvio e à arca de Noé como exemplo de atitudes de bondade e generosidade a serem seguidas. Página de 24 91
  • 25. 2. Ignorância e cegueira: (- caracterização do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita, ambicioso, hipócrita, traidor...; - as virtudes e os feitos dos peixes surgem sempre associados por comparação aos homens do Maranhão ora por antítese, opondo os homens aos peixes ora por semelhanças, aproximando os peixes com os homens). ▪ O peixe - O peixe é facilmente enganado por um anzol pela ignorância porque não entende o significado do anzol e cegueira porque se atira cegamente e fica preso. ▪ O homem - os homens não conseguem resistir à tentação e à vaidade, ficando, por isso, engasgados e presos com dívidas. ▪ Santo António – Os homens (pela vaidade) e os peixes (pela inocência e pela cegueira) eram facilmente enganados e “perdiam a sua vida” . Santo António abandonou as vaidades e, com as suas roupas simples e as suas palavras “pescou muitos homens” para o bom caminho. O capítulo termina com mais uma referência a Santo António como exemplo a seguir. Esse santo preferiu a sobriedade à ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com essa postura simples e humilde que conseguiu converter muitos homens desviados da fé. Capítulo V – repreensões em particular Confirmação- repreensões a alguns peixes em particular; critica aos comportamentos dos homens ambiciosos, vaidosos, hipócritas e traidores. 1. O roncador- -embora pequenos e aparentemente vulneráveis, estes peixes emitem um som forte; esta autopromoção revela a sua soberba e arrogância (“quem tem muita espada, tem pouca língua”); -exemplo de Pedro, discípulo de Cristo: apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o se Senhor, bastou-lhe uma simples inventiva de uma mulher para negar que conhecia o seu Mestre; se tal aconteceu com S. Pedro, muito menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância; - outros exemplos bíblicos como David e Golias reiteram o facto dos arrogantes e os soberbos pensarem que são Deus e acabarem diminuídos e humilhados. -Santo António, símbolo de sabedoria, nunca se exibiu as suas capacidades, confinando-se à sua condição de servo de Deus. 2. O pegador- -parasita que vive às custas do seu hospedeiro; -o parasitismo foi aprendido com os português, porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta para as conquistas sem ir rodeado de uma larga comitiva- critica ao aparelho colonial português; -em termos humanos, os mais preguiçosos acabam como os pegadores, que, quando o tubarão, que lhes serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele, porque nele estão pegados. -Deus também tem os seus “pegadores”, aqueles que espalham a palavra com David e Santo António, que se pegou a Cristo e ambos foram bem sucedidos. Página de 25 91
  • 26. 3. O voador- -morfologicamente, possui uma barbatanas maiores que a generalidade dos peixes, dai que queira imitar as aves; -esta ambição de se querer transformar naquilo que verdadeiramente não é só lhe traz sofrimento porque está sujeito aos perigos do mar e do ar – no mar morre enganado pelo isco e no ar morre cego pela ambição desmedida; -simboliza a ambição, a presunção e o capricho. -Santo António sempre se demarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir também fazem descer, o que pode precipitar a destruição. Santo António preferiu remeter-se à sua humilde. 4. O polvo- -o polvo é caracterizado através de comparações sugestivas: > “com aquele seu capelo na cabeça parece um monge”- aparenta santidade. > “com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela” – aparenta beleza. > “com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão” – aparenta serenidade. - contudo, apesar da modesta aparência, o polvo é considerado o maior traidor do mar. Esta traição consiste em enganar os outros peixes, caçando-os mais facilmente. > “as cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia”; > “as figuras que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício”; >o polvo veste-se ou pinta-se “das mesmas cores a que está pegado”. -simboliza traição, a dissimulação, a hipocrisia e a falsidade e é, assim, pior que Judas, o paradigma do traidor no Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às escuras, mas executou a traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a sua tinta, rouba a luz à presa para a apanhar. - Santo António é considerado um exemplar de candura, da verdade e da sinceridade O capítulo acaba com uma critica feroz aos portugueses.Vieira refere a degeneração dos valores nacionais, uma vez que, no passado, as características exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo português, não sendo, por isso, atributos dos santos. Capítulo VI – Peroração Conclusão- ultima advertência aos peixes; retrato de Vieira como pecador; hino de louvor. O capítulo VI é a conclusão de todo “O Sermão de Santo António aos Peixes”, e Santo António tem como objetivo a conversão dos homens à Fé de Deus. Santo António revela que tem inveja dos Peixes, pois estes não ofendem Deus com a sua memória e cumprem o objetivo da sua criação, enquanto que os Homens ofendem Deus com as suas palavras, com os seus pensamentos e com a sua vontade, não atingindo o objetivo da sua criação. Assim, Santo António reflete sobre os Peixes e os Homens e conclui que os Peixes são melhores que os Homens, e que a única solução para o Homem é a conversão, porque só assim é que os Homens podem dar glória a Deus. Página de 26 91
  • 27. O hino de louvor final -“louvai, peixes, a Deus”- e as razões para o louvor: Deus dê-los numerosos, belos e diversos, porque lhes deu a água para nela viverem e se multiplicarem. - A alegoria como recurso expressivo: representa uma realidade abstrata através de uma realidade concreta, por meio de analogias, metáforas e imagens sucessivas, neste caso na sucessão alegórica relativa às naus, o orador consegue concretizar os diversos vícios dos homens, simplificando a sua argumentação. -A comparação como recurso expressivo: enquanto elogia os pregadores que espalham a doutrina divina e que, portanto, ensinam,Vieira acusa os outros que não cumprem a sua função, sendo, por isso, votados ao desprezo. Aludindo à função do sal, ou seja, salgar a terra com a mensagem bíblica,Vieira refere que vai dar inicio aos louvores dos peixes, que devem ser atentamente ouvidos por estes, enquanto vivos, enquanto podem ser apreciados. -A metáfora como recurso expressivo: o orador utiliza a metáfora da arte de pescar para desenvolver a sua crítica à exploração do homem pelo homem e, simultaneamente recorre a uma sucessão de imagens como representação dos diversos tipos de poder abusivo – judicial, ancestral, religioso e real. Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett Contextualização histórico-literária “Em 1578, o rei D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado herdeiros, houve uma longa disputa pela sucessão. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou Portugal ao seu império em 1580. O domínio espanhol duraria sessenta anos (1580 a 1640). Criou-se nesse período o mito popular do "Sebastianismo", segundo o qual D. Sebastião, retornaria para reerguer o império português. Entre os nobres desaparecidos em Alcácer-Quibir estava D. João de Portugal, marido de D. Madalena de Vilhena. Drama romântica e tragédia clássica: Drama romântico (características): -revela conflitos emocionais, muitas vezes em situação do quotidiano; -valoriza os sentimentos humanos das personagens; -apresenta acontecimentos de cariz sentimental e amoroso; -recorre à prosa em substituição do verso e utiliza uma linguagem mais próxima da realidade vivida pelas personagens. Tragédia clássica (características): -Efeitos sobre o público: inspira sentimentos de terror e piedade; -Personagens de alta estirpe (social ou moral); -Lei das 3 unidades: -Unidade de ação- a intriga deve ser simples, sem ações secundárias, aumentando assim a tensão dramática; -Unidade de espaço- toda a ação deve desenrolar-se no mesmo espaço; -Unidade de tempo- a duração da ação dramática não deverá exceder as 24horas. Página de 27 91
  • 28. Estrutura tripartida da ação: -Exposição- apresentação das personagens; esboço do conflito que surge associado a um mistério na origem das personagens, provocado pela força do destino. -Progressão dramática- desenvolvimento do conflito, originado pelo desafio das personagens à sua resolução (HYBRIS). O conflito encaminha-se progressivamente para um clímax, ponto culminante da ação trágica, em que se desvenda o mistério ligado a uma relação oculta (ANAGNÓRISE); o sofrimento das personagens que intensifica-se (PATHOS). -Desenlace/catástrofe- o fim das personagens é a morte (física, social ou afetiva). Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa.Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino, 21 anos depois da Batalha de Alcácer Quibir. Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante 7 anos mas em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar.Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação. Atos Estrutura externa Estrutura interna Ato I Cenas I-IV Cenas V-VIII Cenas IX-XII Informações sobre o passado das personagens Decisão de incendiar o palácio Ação: incêndio do palácio Ato II Cenas I-III Cenas IV-VIII Cenas IX-XV Informações sobre o que se passou depois do incêndio Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa Ação: chegada do romeiro Ato III Cena I Cenas II-IX Cenas X-XII Informações sobre a solução adotada. Preparação do desenlace. Desenlace Página de 28 91
  • 29. Importância do espaço na obra Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada: -luxo e elegância da época; -porcelana, charões, sedas, flores... -duas grandes janelas donde se avista o Tejo e Lisboa; -retrato de Manuel de Sousa Coutinho vestido com o hábito da ordem de S. João de Jerusalém; -comunicação com o exterior e o interior do palácio. Ato II- Palácio de D. João de Portugal, também em Almada: -salão antigo de gosto melancólico e pesado; -retrato da família e, em lugar de destaque, os de D. Sebastião, D. João de Portugal e de Camões; -reposteiros que impedem a vista para o exterior e a luz; -comunicação com a capela da Senhora da Piedade; Ato III- Parte baixa do palácio de D. João de Portugal: -lugar vasto e sem decoração nenhum; -comunicação com a capela da Senhora da Piedade; -decoração com símbolos de morte (esquife) e de dor (cruz, ornamentos característicos da Semana Santa). Página de 29 91 Simbologia: -a família vive em paz e aparente harmonia. -o retrato de Manuel de Sousa Coutinho transmite a serenidade da sua personalidade. -o incêndio e a consequente destruição do seu retrato tornar-se-ão um prenúncio da catástrofe. Simbologia: - a ausência de luz prevê a catástrofe final – o circulo fechado em que as personagens vão ficado encerradas, entregues à angústia, separadas do mundo e da luz, impedidas de fugir; - os retratos, para além de carácter nacionalista que transmitem, também evocam um passado extinto mas ameaçador, que dificulta o presente e, também o futuro. - a comunicação com a capela da Senhora da Piedade indicia já o final trágico e demolidor do Ato III, que aí ocorre. Simbologia: - o espaço é símbolo da morte e da impossibilidade de a superar. - a única saída para uma família católica que assume as convicções religiosas e sociais de forma clara e rígida é a renúncia ao mundo e à luz.
  • 30. Os espaços vão-se progressivamente obscurecendo e afunilando (concentração espacial) tornando-se severos e despejados. O círculo que se vinha fechando desde o início do ato II encerra-se definitivamente, atirando as personagens para um abismo do qual é impossível sair. Maria morre, não suportando a vergonha de ser filha ilegítima e sabendo que a vida, sem o amor dos pais seria insuportável. Madalena e Manuel morrem para o mundo, renunciando à paixão que os unira. Tal como o tempo, o espaço assume logo desde início, um carácter pressagiador do desenlace final, contribuindo para a intensificação progressiva da tensão trágica. A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica Esta obra é caracteristicamente romântica, pela temática, pela ideologia e pelos valores que veicula: -A valorização do “eu” por oposição à sociedade- o percurso das personagens nomeadamente, Madalena e Maria ilustra o poder avassalador da sociedade face à liberdade individual; -O apelo à liberdade de decisão- presente sobretudo na figura de Manuel de Sousa Coutinho, que prefere sacrificar o bem- estar individual e familiar que entregar-se ao domínio espanhol. -A obsessão da morte/destruição- Maria e Madalena ficam aterrorizadas diante da eventual destruição da família, embora não o confessem uma à outra. -O nacionalismo/patriotismo- é revelado pela fé colocada no regresso de D.Sebastião para restaurar o país dos espanhóis e pela atitude patriotista de Manuel quando incendeia a sua casa para não ser ocupada pelos invasores. Há uma necessidade em valorizar a nacionalidade e o orgulho português. Os retratos de D.João e de D.Manuel transmitem um final trágicos (dois patriotas derrotados pelo destino) e o retrato de Camões e de D.Sebastião simbolizam a pátria e o orgulho nela (1o simboliza orgulho nacional e o 2o representa esperança). -A ligação amor/morte- a impossibilidade do amor, quer paternal, quer matrimonial, conduz à morte (física de Maria e espiritual de Madalena e de Manuel). O sebastianismo O Sebastianismo tornou-se um traço da personalidade nacional, que se caracteriza por viver das glórias do passado, acreditar numa solução que não envolva determinação na superação dos problemas e de aceitar passivamente o destino. Deste modo, o sebastianismo constitui-se como um movimento passadista e retrógrado, que se alimentam da grandeza passada e que espera a superação de mágoas do presente pela chegada providencial e fantástica de um herói. Sendo assim, nesta obra, a mensagem é claramente progressista, como se pode constatar pelo elogio da ação proativa de Manuel ao incendiar o seu palácio. Pode-se dizer que esta obra insere o sebastianismo como forma de crítica aquele sentimento passadista e preso a um passado que já não tem lugar no presente. Página de 30 91
  • 31. Personagens -D. Madalena de Vilhena é uma personagem psicologicamente afetada e que vive marcada por conflitos interiores pelo desaparecimento do primeiro marido e não consegue viver o presente devido a esse “fantasma”. Os sentimentos e a sensibilidade sobrepõe-se à razão e é uma mulher em constante sofrimento. Acredita em agoiros, superstições, dias fatais (a sexta-feira) e Deus. Surge também como “pobre mãe” e “coitada”, que se encontra em pânico, com pressentimentos de desgraça. É uma sofredora e tem um amor intenso e uma preocupação constante com a sua filha Maria, contudo o mais importante para ela é a sua felicidade e amor ao lado de Manuel de Sousa pois até o seu amor à pátria é menor do que o que sente por Manuel. É muito influenciada por Manuel de Sousa, sendo evidenciado no final da obra, pois esta aceita o convento como solução mas fá-lo seguindo Manuel. Esta personagem relaciona-se conjugalmente com outras duas de uma forma legal e de compromisso com D. João de Portugal, por outro lado a sua relação com Manuel de Sousa Coutinho é amorosa e por sua vez ilegal. Tem uma relação afetiva com Telmo e Maria, sendo Telmo um aio e Maria sua filha, mas ao contrário do que se possa pensar Maria assume um papel adulto em relação à mãe devido ao estado mental de Madalena. -Maria de Noronha é uma personagem fisicamente frágil e fraca de 13 anos.Também apresenta um carácter puramente inocente e angelical e sendo psicologicamente muito forte. Maria tem uma relação muito forte com Telmo devido à sua crença no regresso de D. Sebastião. É uma personagem nobre, de inteligência precoce, muito culta, intuitiva e perspicaz.Também é muito curiosa pois aparenta querer saber de tudo, e uma romântica: é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa, patriota, crente em agoiros e uma sebastianista. É a vítima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de se sentir filha ilegítima (morre tuberculosa). Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado fidalgo que se orienta por valores universais como a honra, a lealdade, a liberdade, é um patriota, forte, corajoso, e decido, mas não acredita em agoiros. Contudo, esta personagem evolui de uma atitude interior de força, de coragem e segurança para um comportamento de medo, de dor, sofrimento, insegurança e piedosa mentira no ato III quando teme pela saúde da filha e pela sua condição social. Os seus sentimentos são muitas vezes sobrepostos à razão (normalmente deve-se á sua preocupação com doença da sua filha). Manuel de Sousa é um bom pai e um bom marido, pois ao longo do texto demonstra muita preocupação para com estas personagens. No final da obra demonstra-se decido como noutros momentos, com o facto de abandonar tudo (bens, vida) para se refugiar no convento. É de referir que Manuel de Sousa não sente ciúmes pelo passado de Madalena e considera-o um honrado fidalgo e um valente cavaleiro, dizendo mesmo que considera D.João um homem honrado e que honra a sua memória. A sua relação com Telmo é muito afastada, visto que,Telmo é um serviçal normal e não existe nenhuma intimidade,Telmo atreve-se a dizer coisas a Madalena que não diz a Manuel de Sousa. Página de 31 91
  • 32. Telmo é um criado caracterizado como extremamente leal ao seu primeiro amo, D. João de Portugal, e acredita piamente no seu regresso. Não consegue perdoar Madalena pelo seu segundo casamento e mostra o maior desprezo por Manuel, apesar de ser o confidente de Madalena e Maria.Telmo é fiel, dedicado e é a ligação entre as duas famílias (os dois maridos de Madalena) e a chama viva do passado que alimenta os terrores de Madalena. Esta personagem é muito crítica, cria juízos de valor e é através dele que a consciência das personagens é fragmentada, este vive num profundo conflito interior pois sente-se divido entre João e Maria, não sabendo o que fazer. Apercebe-se mais tarde que ama mais Maria que o seu antigo amo. O romeiro/D. João de Portugal é um nobre cavaleiro, que está ausente fisicamente durante o I e II ato da peça. Contudo, está sempre presente na memória, palavras e nas esperanças de Telmo que paira sobre aquela família, na consciência (sombra das angústias) de Madalena, nas palavras de Manuel e na intuição de Maria. D. João é caracterizado direta e indiretamente, esta caracterização é tanto física como psicológica. É sempre lembrado como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei. Quando regressa, na pele do Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é implacável, destrói uma família e a sua felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse destino. Resta-lhe então a solidão, o vazio e a certeza de que ele já só faz parte do mundo dos mortos. D. João é uma figura simbólica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos. Representa também o presente, a pátria morta e sem identidade na mão dos espanhóis, e é também a imagem da pátria cativa. Frei George é uma personagem tipo e apenas tem a função de mostrar o que a igreja deveria de assumir. Frei George é irmão de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É também confidente de Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível” pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. João era vivo. É uma figura moderadora, que procura harmonizar o conflito e modera os sentimentos trágicos. Acompanha sempre a família, é conciliador, pacificador e impõe uma certa racionalidade, procurando manter o equilíbrio no meio de uma família angustiada e desfeita. A dimensão trágica De acordo com a classificação de Frei Luís de Sousa pelo próprio autor, a peça apresenta características que a aproximam quer do drama romântico quer da tragédia clássica. -Principais características trágicas da obra: -número reduzido de personagens; -personagens de elevado estatuto social e moral; -ação única e que converge para o desenlace trágico; -concentração temporal (progressão temporal, até culminar na madrugada da morte ou separação da família); -concentração espacial (progressão espacial, terminando na Igreja de S. Paulo dos Domínicos); -vestígios do coro da tragédia clássica, nas personagens Telmo e frei Jorge; -presença de momentos e indícios trágicos. Página de 32 91
  • 33. Os indícios trágicos são sinais da fatalidade que se avizinha. Os indícios ou presságios podem surgir sob a forma de acontecimentos, comportamentos, comentários, alusões ou informações que nem sempre são entendidos pelas personagens como sinais trágicos. Ao longo da ação de Frei Luís de Sousa, há várias situações e elementos que contribuem para a criação de um ambiente de medo e de suspeita e que funcionam como uma espécie de preparação para o desenlace trágico. Simbologia -Os retratos – primeiro remetem para uma força espiritual e física, depois, o retrato queimado de Manuel é prenuncio da catástrofe final que destrói a família. O retrato de Camões representa glória das letras. O retrato de D.João simboliza o fantasma ameaçador que regressa do passado para aniquilar o presente. -A concentração espacial – o progressivo afunilamento e obscurecimento do espaço simboliza o caminhar inexorável para a tragédia final, deixando as personagens sem saída. -A decoração dos espaços – a decoração dos espaços vai-se tornando mais despojada, mais melancólica, impossibilitando o contacto com o exterior. -Os números – 7 é o algarismo que domina quase todas as referências e simboliza a totalidade. Maria tem 13 anos, número associado ao azar. -O dia da semana – sexta feira, dia aziago para Madalena. -A concentração temporal – o afunilamento progressivo do tempo simboliza a impossibilidade de fuga das personagens ao destino já traçado. Amor de perdição, Camilo Castelo Branco A obra como crónica da mudança social -Crítica ao ser vs. parecer. -Critica à sociedade do séc. XIX -Denúncia dos privilégios das classes superiores. -Condenação dos casamentos por conveniência. -Oposição a uma sociedade repressiva e retrógrada, associada ao poder de instituições como a justiça e a igreja. - Defesa da liberdade individual e da valorização dos ideais nobres. A estrutura da obra Introdução -Apresentação da entrada de Simão Botelho na Cadeia da Relação do Porto, condenado ao degredo na Índia. -Referência sucinta à história triste de Simão, que se resume na frase «Amou, perdeu-se e morreu amando». -Reflexões do narrador sobre a história trágica de Simão. Capitulo I -Apresentação da família de Simão Botelho. -Caracterização de Simão que aos 15 anos era rebelde e estudante em Coimbra. Página de 33 91
  • 34. Capitulo II e III -Simão e Teresa (filha de Tadeu Albuquerque) veem-se pela primeira vez e apaixonam-se. -As famílias de Simão e Teresa opõem-se ao amor dos jovens, devido ao ódio entre ambas. -Tadeu de Albuquerque pretende casar Teresa com o seu sobrinho Baltasar. Capitulo IV -Teresa recusa o casamento e o pai decide encerrá-la num convento. -Escrita de uma carta a Simão, na qual Teresa explica a sua situação. -Simão regressa a Viseu e fica alojado em casa do ferrador João da Cruz. Capitulo V-IX -Breve encontro entre Teresa e Simão. -Mariana, filha de João da Cruz, apaixona-se por Simão. -Baltasar prepara uma emboscada a Simão e este é ferido. Simão consegue fugir com a ajuda de João da Cruz que matam os dois criados de Baltasar. -Tadeu decide encerrar Teresa num convento em Viseu. Simão fica em casa de João da Cruz que devia um favor ao pai de Simão. -Mariana cuida de Simão em casa de João da Cruz. Capitulo X -Simão vai ao encontro de Teresa, quando a jovem parte do convento de Viseu para o convento de Monchique, no Porto. -Simão mata Baltasar. -Simão é preso. Capitulo XI-XX -Mariana continua ao lado de Simão, na prisão. -É condenado à forca. -Teresa chega ao convento de Monchique, no Porto, e toma conhecimento da condenação de Simão. -Doença de Teresa que anseia pela morte, apesar de Simão, através de Mariana, a incentiva a não desistir. -Decisão de Tadeu em trazer a filha de volta para Viseu quando sabe do estado frágil dela, e quando sabe que que Simão está também na cidade do Porto. -Recusa de Teresa em fazer a vontade do pai. -Assassínio de João de Cruz. -Simão é condenado ao degredo por 10 anos e Mariana tem intenção em acompanhá-lo. -Suplica de Teresa para que Simão não aceite o degredo e que cumpra o tempo na cadeia onde já esta. -Partida de Simão para a Índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado da morte de Teresa. Página de 34 91
  • 35. Conclusão ◆Morte de Simão passados 10 dias e suicídio de Mariana, que se atira ao mar na companhia do corpo do seu amado. Simão e o narrador O autor, Camilo Castelo Branco, criou uma história onde cruza ficção e algumas notas biográficas. Simão Botelho e o autor/narrador partilham o mesmo destino – ambos são presos pelo mesmo motivo: o amor. -Titulo – Amor de Perdição→Obra de Ficção- História do amor proibido de Simão e Teresa, culminando em desfecho trágico. - Subtítulo - Memória de uma família→Sugestão de relato histórico e familiar verídico - Camilo estava preso na Cadeia da Relação do Porto e encontrou, no livro de registos de entradas na cadeia, o registo de condenação ao degredo (para a Índia) do seu tio, Simão Botelho. Para acentuar o caráter verídico do seu relato, o narrador recorre: - à transcrição de documentos - à referência a datas. Construção do herói romântico: Simão Botelho -Estatuto nobre. -Sentimentos fortes: – antes de amar: rebelde, marginal e violento; – ao amar (amor-paixão) – apaixonado, sincero, fiel, obstinado na defesa da sua honra de amante perseguido, excessivo no amor e no ódio; veia poética (cf. cartas escritas na prisão); morre de amor. -Transformação pela paixão. Teresa de Albuquerque (heroína romântica) -Estatuto nobre. -Jovem, pura e frágil (mulher-anjo). -Sentimentos fortes – amor-paixão (vive o amor intensamente e morre de amor); obstinação na recusa de aceitar a autoridade paterna. Mariana (heroína romântica) - Nobreza de sentimentos – sofre em silêncio por amor (amor não correspondido); abnegação, generosidade, dedicação. -Indiferença em relação à sociedade. -Morte por amor (suicídio). Página de 35 91
  • 36. Relações entre personagens: Teresa: Mariana: - apaixonada por Simão; -apaixonada por Simão; - corajosa perante o seu pai. -cúmplice dos dois amantes Página de 36 91 Simão: -apaixonado por Teresa; -fiel aos seus princípios. Família Botelho: - Domingos Botelho: Oponente da relação entre o filho e Teresa, visto que o pai desta é seu inimigo. -D. Rita Preciosa: Maternal e preocupada com o filho, é incapaz de se opor à decisão do marido. - Irmãos de Simão: Indiferentes ao irmão, sendo que apenas Rita (tia que acolheu Camilo após a morte da mãe) se preocupa com Simão. Família Albuquerque: - Tadeu de Albuquerque: Oponente da relação entre a sua filha e simão, visto que o pai deste é seu inimigo. -Teresa Albuquerque: jovem de 15 anos, rica, herdeira e bonita, revela uma força de carácter excepcional para a época, quando se opõe às decisões do seu pai. - Baltasar Coutinho: convencido, prepotente e egoísta, não se conforma de a prima o ter ignorado. Outras personagens: -Mariana: Apaixonada por simão, mesmo sabendo que não é correspondida, sacrifica o seu amor próprio ao partir com ele para o degredo, anulando, com a morte de simão, a sua vida. -João Cruz: Protetor de Simão, por dívida de gratidão para com o pai dele, Domingos Botelho. -Mendiga: intermediária entre os amantes, entregando e recolhendo as cartas. -Corregedor: sensível à coragem de Simão, troca a pena para o degredo, em vez da forca.
  • 37. Amor-paixão: -O amor-paixão se concretiza na morte dos amantes, que enfrentam a violência repressiva das leis familiares e religiosas; -O amor é elevado a um patamar sagrado, em que há a redenção pelo sofrimento e o perdão dos pecados; -O amor transpõe barreiras físicas, instituindo-se para além da morte. -O destino domina esta personagens, incapazes de concretizarem os seus caminhos individuais. O amor que une Simão e Teresa leva a que os dois jovens se comportem de forma violadora, desafiando os limites sociais e familiares impostos. No entanto, é possível escapar ao Destino implacável que se abate sobre estas personagens e que, ao mesmo tempo, eleva este amor à dimensão espiritual. Linguagem e estilo O narrador: Como já foi visto anteriormente, o titulo e o subtítulo sugerem duas dimensões – a ficcional e a memorialista – e desta forma destacam-se dois tipos de narrador, o narrador-autor e o narrador enquanto porta-voz da ficção. O narrador-autor evidencia-se em dois momentos: →na introdução fala na primeira pessoa (“folheando [...] li”) →nas linhas finais da conclusão, quando identifica Manuel Botelho como seu pai. O narrador da ficção tem as suas marcas presentes quando: →narra com evidente comoção a história dos amores trágicos; →se comove com as ações das personagens ou quando as elogia; →tece comentários pessoais; →interpela o leitor com a intenção de suscitar a sua reflexão. O narrador, ora é relator, ora observador critico. Intervém ao longo da obra através dos comentários, parando o relato para tecer considerações pessoais. Diálogos: Nota-se que a preocupação de Camilo em conseguir o efeito de verdade através dos diálogos que marcam os momentos quer de tensão, quer de paixão, quer de sofrimento amoroso. Os diálogos são também instrumentos únicos de descodificação das características especificas de determinado grupo social, nomeadamente nobreza/burguesia (com registo cuidado) e do povo (com a linguagem coloquial e familiar). Concentração temporal da ação: Página de 37 91 Introdução: “Amou” Desenvolvimento: “perdeu-se ” Conclusão: “morreu amando” -Referência a dados biográficos de Camilo. -Apresentação global do infortúnio de Simão -Amor de Simão e Teresa – correspondido, mas proibido. -Amor de Mariana por Simão – não correspondido. -Assassínio de Baltazar Coutinho. -Condenação de Simão ao degredo. -Ida de Teresa para o convento. -Morte de Teresa Morte de Simão. Suicídio de Mariana.
  • 38. Os Maias, Eça de Queirós Contexto histórico-cultural A Segunda metade do século XIX: Na década de 50 assistiu-se a um grande desenvolvimento das vias de comunicação e a um progresso económico. Esta época de estabilidade política ficou conhecida por Regeneração. Este desenvolvimento económico deu-se graças a Fontes Pereira de Melo, tendo sido o iniciador de uma política de implementação de infra-estruturas, tais como: caminhos-de-ferro, estradas, pontes, telégrafo, etc... designada por "fontismo". No entanto, esta política não foi pacífica nem igual para todos, uma vez que se verificaram desequilíbrios entre o interior e o litoral. O contexto cultural: Enquanto o crescimento económico progredia, os padrões estético-literários vigentes na época dominados ainda pelo ultra- romantismo e pela sua figura emblemática permaneceram iguais. A década anterior à publicação de Os Maias foi a mais polémica da História da Literatura, foi marcada por uma série de revoluções: a) o idealismo cede lugar ao positivismo; b) o romantismo é violentamente atacado pelo realismo; c) o realismo clarifica os grandes males sociais; d) a arte literária é entregue ao serviço da revolução de mentalidades. Eça de Queirós terá demorado cerca 8 anos para escrever a obra Os Maias, tendo sido publicada a 2 de Junho de 1888. Isso poderá explicar o afastamento progressivo, à medida que a ação avança, do romantismo para o naturalismo/ realismo. No inicio da obra, Eça é fortemente influenciado pelas teses naturalistas (meio, educação, hereditariedade), assim como elege o destino como responsável pelo desenlace trágico da família Maia. A obra foi atacada por fortes críticas quanto à sua extensão e outros fatores, tanto por críticos como também pelo próprio Eça. A Questão Coimbrã O "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas foi fortemente elogiado por Castilho numa publicação de um prefácio, no qual Castilho aproveitou para censurar um grupo de jovens de Coimbra que acusa de exibicionismo, obscuridade propositada e de tratamento de temas que nada tinham a ver com a poesia. Desse grupo faziam parte Teófilo Braga e Antero de Quental. Antero de Quental decidiu responder a Castilho com uma Carta intitulada "Bom Senso e Bom Gosto" que acabou por sair em folheto. Formou-se assim um conflito entre Castilho e Antero de Quental. Castilho defendia a arte pela arte, enquanto para Antero, a arte deveria estar entregue ao serviço das transformações sociais. A Geração de 70 Um grupo de jovens intelectuais da Universidade de Coimbra formado por Antero de Quental, Eça de Queirós,Teófilo Braga, Alberto Sampaio, Oliveira Martins, entre outros, responderam às inventivas dos seus adversários e realizaram um conjunto de atividades científicas, literárias e artísticas. Estes jovens opunham-se contra a ordem conservadora e retrógrada, pondo assim em questão toda a cultura portuguesa. Página de 38 91
  • 39. A difusão do realismo em Portugal A difusão do "pensamento moderno" foi facilitada pela ligação ferroviária entre Coimbra e Paris assim como pela contestação dos jovens intelectuais ao poder instituído, quer pela Universidade, quer pelos representantes das "literaturas oficiais" sediados em Lisboa. Para a divulgação das novas ideias e críticas sociais e políticas, foram organizadas várias conferências, "Conferências do Casino", o programa conferia a realização de 10 conferências, mas no entanto foram interrompidas pelas autoridades não permitindo que Eça proferisse o seu trabalho (4a conferência) intitulada "O Realismo como Nova Expressão de Arte". Pluralidade de ações: -Ação principal→Amores de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal) -Ações secundárias→Amores de Pedro e Maria Monforte (intriga secundária); Romance de Ega e Raquel Cohen; Romance de Carlos com a Gouvarinho. Complexidade do tempo Tempo histórico Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens, refletindo até acontecimentos cronológicos históricos do país. N' Os Maias, o tempo histórico é dominado pelo encadeamento de três gerações de uma família, cujo último membro - Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronológica situa-se entre 1820 e 1887, aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende cerca de 70 anos. Página de 39 91 Nivel (ou planos) da ação Intriga > Os Maias (título) →Principal- Carlos e Maria Eduarda →Secundária – Pedro e Maria Monforte Ação trágica: incesto (intriga principal), destino, peripécia, presságios, peripécia, reconhecimento, catástrofe. Crónica de Costumes> Episódios da Vida Romântica (subtítulo) →Jantar nos Gouvarinho; Jantar no Hotel central; Episódios dos jornais; Corridas de Cavalos; Sarau da Trindade.
  • 40. Tempo psicológico O tempo psicológico é o tempo que a personagem assume interiormente. É o tempo filtrado pelas suas vivências subjetivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É o tempo que se alarga ou se encurta conforme o estado de espírito em Complexidade do tempo Este romance não apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo contrário, uma estrutura complexa na qual se integram três tipos de tempo: tempo histórico, tempo do discurso e tempo psicológico. No romance, encontram-se algumas ações onde se destaca a existência de tempo psicológico, como por exemplo, nas horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e “estúpidas”, ou quando, no último capítulo, em que Carlos e Ega visitam e completam o velho Ramalhete (1887) e refletem sobre o passado e o presente, e numa das intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia, recorda o tempo passado e comenta “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”. O tempo psicológico introduz a subjetividade, o que põe em causa as leis do naturalismo. Tempo do discurso Por tempo do discurso entende-se aquele que se deteta no próprio texto organizado pelo narrador, ordenado ou alterado logicamente, alargado ou resumido. Na obra, o discurso inicia-se no outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela Europa, após a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa. Pelo processo de analepse, o narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de Afonso da Maia, educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia e sua formatura em Coimbra) para recuperar o presente da história que havia referido nas primeiras linhas do livro. Esta primeira parte pode considerar-se uma novela introdutória que dura quase 60 anos. Esta analepse ocupa apenas 90 páginas, apresentadas por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histórico é muito mais longo do que o tempo do discurso. Do outono de 1875 a janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o Ramalhete - existe uma tentativa para que o tempo histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja idêntico ao tempo do discurso - cerca de 600 páginas - para tal Eça serve-se muitas vezes da cena dialogada. O último capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10 anos, Ega se encontra com Carlos em Lisboa. Página de 40 91
  • 41. Complexidade do espaço Na obra os Maias a Ação decorre em diferentes Espaços físicos, Sociais e Psicológicos. a) O Espaço Físico é o local onde se desenrola a narrativa (um país, uma cidade, uma casa, etc). Página de 41 91 Espaço geográfico: -Coimbra: espaço de boémia estudantil, artística e literária; espaço de formação de Carlos cuja existência surge ainda marcada pelo Romantismo que a sua geração procura rejeitar. Ambiente propício ao diletantismo e ociosidade. -Lisboa: é o espaço com maior importância na obra, isto é, é o local onde ocorrem os principais acontecimentos. As ruas, as praças, os hotéis, os locais de convívio, os teatros são caracterizados como personagens ao longo da obra. Lisboa é o símbolo da sociedade portuguesa da Regeneração, incapaz de se modernizar (obras da Avenida da Liberdade) e que agoniza na contemplação de um passado glorioso. -Sintra: A ida a Sintra de Carlos, Cruges e Alencar constitui um dos momentos mais poéticos hilariantes da obra. Sintra é o paraíso romântico perdido, é o refúgio campestre e purificador. -Santa Olávia: É um local de extrema importância para as personagens, sendo como refúgio aos problemas e um local calmo que proporciona um ambiente agradável para pensamentos. Espaços interiores: -Ramalhete: a degradação do edifício acompanha o percurso da família e a passagem de Carlos por Lisboa, sendo considerado um marco referencial importante. Símbolo desse percurso é a descrição do jardim (aspecto simbólico oposto ao racionalismo naturalista): -1o momento: o jardim tem um aspecto de abandono e degradação; corresponde ao desgosto de Afonso após a morte de Pedro; - 2o momento: é o renascimento da esperança, renovação da casa por Carlos; -3a momento: «areado e limpo, mas sombrio e solitário», simboliza o fim de um sonho e a morte de uma família. -O consultório: A descrição do consultório revela-nos algumas facetas de Carlos: diletantismo, entusiasmos passageiros, projectos inacabados. -A casa de Dâmaso: a sua excentricidade faz um contraste com a personalidade mesquinha e cobarde de Dâmaso e com a sua embaraçada aflição no episódio da carta. -A Vila Balzac: A caracterização da casa remete para a própria personalidade de Ega. Os móveis escolhidos, nomeadamente a cama, acentuam a exuberância afectiva e erótica de Ega o espelho à cabeceira insinua a extravagância, um temperamento exibicionista e narcisista. -O Hotel Central/ a casa da rua de S. Francisco/ a Toca: Carlos tenta descobrir facetas da personalidade de Ma Eduarda através da observação dos objectos que a rodeiam. A decoração da Toca simboliza a excentricidade, a anormalidade e a tragédia que caracterizarão as relações de Carlos e Ma Eduarda. Foi à entrada desse Hotel que Carlos e Maria Eduarda se terão avistado pela primeira vez.
  • 42. O Espaço Psicológico está relacionado com as personagens pois traduz uma atmosfera de ordem psicológica, que se projeta nos comportamentos destas. Vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através do monólogo interior, manifestando- se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência, ocupando também Ega lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o leitor, dando conta dos estados de alma, dos personagens, dos pensamentos, da corrente da sua consciência. A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas personagens como personagens modeladas. A presença do espaço psicológico implica, obviamente, a presença da subjectividade, pondo em causa a estética naturalista. O Espaço psicológico consegue-se através do(a) sonho, memória, imaginação e emoção. O Espaço Social são os lugares e ambientes em que se proporciona a análise dos comportamentos das personagens, pois aí elas denunciam os seus tiques e os seus vícios (ex. jantar nos Gouvarinho, a corrida de cavalos, ...) Personagens: Página de 42 91
  • 43. Afonso da Maia ▪ Caracterização física: Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o nariz curvo e a pele corada. O cabelo era branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das idas heróicas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque". ▪ Caracterização psicológica: Provavelmente a personagem mais simpática do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em conversas com os amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que é pobre e fraco.Tem altos e firmes princípios morais. Morre de desgosto, quando descobre os amores incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho Portugal que contrasta com o novo Portugal – o da Regeneração – cheio de defeitos. É os sonho de um Portugal impossível por falta de homens capazes. É o ponto de equilíbrio da família. É a ele que o filho entrega Carlos após a fuga de Maria Eduarda. Pedro da Maia ▪ Caracterização física: Era pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo árabe". Valentia física. ▪ Caracterização psicológica: Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional.Tinha assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho". O autor dá grande importância à ligação desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua semelhança psicológica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrograda. O seu único sentimento vivo e intenso foi a paixão que sentia pela mãe. Apesar da robustez física é de uma enorme cobardia moral (como demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e falha como homem. Página de 43 91