Nosso irmão, colega da UFRJ, parceiro, Cangurólogo, Dr Luis Alberto Mussa Tavares acaba de lançar no I Simpósio Internacional de Neonatologia da UTI Neonatal do Hospital Nicola Albano, a segunda edição da obra "Poemas para Almas Apressadas".
É um presente que nos dá para junto com mães, pais e profissionais que cuidam dos bebês prematuros.
O livro nos brinda com palavras e imagens lindas que emocionam e confortam.
Obrigado Luís Alberto!
4. “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”
Um Índio
Caetano Veloso
3
5. 4
Apresentação
Uma canção amiga
Quinze milhões
Reconhecimento
Universalidade
A tempestade
Descobrimento
O Nascimento
O nascimento
Nascer prematuro
Amamentação
Amamentando
Mamiferozinho
Colostroterapia
A pega
O Cuidado Individualizado
A UTI Neonatal
Canção do exilio
A dor
Comunicação
O banho
O bebê na redinha
O ninho
Índice
12
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16
22
23
24
25
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31
32
34
35
36
37
30
6. 5
Enrolamento
Aproximação
Afastamento
Organizado
Desorganizado
A dose certa do som
Canção para te fazer sonhar
Canguruzinho
Espiritualidade
A lei de Deus
O manto
Aos que se foram
O Cuidador
O cuidador
Oração pelos meus cuidadores
Desabafo
A Prematuridade
Prematuridade
Os prematuros extremos
Trinta graminhas
Pequena para o colo, imensa para o coração
A Mãe Prematura
A mãe e o lho
Às mães de UTI
A Mãe prematura
Oração pelas mães de UTI
Quem cuida das mães de UTI?
Texto Final
A longa caminhada
Anexo
Uma declaração universal de direitos
Para o bebê prematuro
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40
46
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38
50
61
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7. Aymee, Paolla, Alice, Yasmin, Anna Clara, Nicolas, Asaph, Barbara,
Maria Rita, Agatha Vitória, Enzo, Maria Luiza, Jorge, Scarlet, Luiza,
Emmanuelly, Clara, Elisa, Levi, Theo, Valentina, Enzo, Maria Vitória,
Gabriel, Soa, Rafael, Pedro, João, Isadora, Kiara, Pietro, Maria Isis,
Leonan, Daniel, Emanuel, Miguel, Benjamin, Isabelly Victoria, Liz,
Bento, Renatinho, Cecilia, Antonia, Marina, João Pedro,
Celsinho,Leticia, Luisa e outra Elisa ...
Muitos nomes,
Um só signicado:
Muitas palavras em uma só palavra:
Amor...
Que não se mede,
Que não se esgota,
Que não se rende,
Que não tem tradução,
Amor que desaa qualquer explicação,
Amor de amar incondicionalmente,
Amor que não tem m
Nem distinção,
E que de tão imenso
Não se cabe,
E que transborda do coração...
Dedicatória
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8. A assistência prestada aos bebês nas UTIs Neonatais Nicola
Albano de Campos e Macaé é diferenciada. Não é só tecnologia,
são prossionais especializados, treinados e voltados para a
missão de entregar para os pais um bebê preparado para
sobreviver com maturidade para enfrentar os desaos diários.
Luis Alberto foi convidado para integrar a equipe e desenvolver um
trabalho junto com as mães, orientando e estimulando o
aleitamento materno.
Sua abordagem é carinhosa e tranquila, através da técnica,
paciência, dedicação e amor pelo que faz.
Assistimos diariamente o resultado do seu trabalho.
É graticante para todos tê-lo nas nossas unidades de
neonatologia.
Palavras de
Mar a Henriques*
*Martha Henriques é Diretora Administrativa do Grupo IMNE
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9. Prezado Luis Alberto,
Os avanços da neonatologia nos últimos 30 anos, que tivemos a
oportunidade e privilégio de acompanhar de perto, revolucionaram
nossos conceitos, melhoraram nossos cuidados e principalmente
elevaram os índices de sobrevida e qualidade de vida dos
prematuros, dando maiores chances para bebes e suas famílias e
mais esperanças para equipes de cuidadores.
A tecnologia, a eciência das pesquisas, a rapidez das
informações e o cuidado com a segurança dos pacientes são os
responsáveis por tudo que estamos vivendo como prossionais.
Mas tudo isto nos custou tempo, dedicação e muito estudo. Talvez,
quem sabe por isto, não tenhamos conseguido fortalecer as
relações tão bem denidas como as que existem entre lhos e
mães, que nos são ensinadas todos os dias dentro dos hospitais.
Hoje, com mais conhecimento das doenças e melhores recursos,
já conseguimos dedicar algum tempo para aprendermos sobre
estas relações.
Estamos, nós da UTI Neonatal Nicola Albano, tendo esta
oportunidade, o que é motivo de enorme alegria!
Obrigada a você por nos ajudar a contagiar toda a nossa equipe
com este propósito!
Com carinho,
Laura Dias*
*Dra Laura Afonso Dias é Neonatologista e Diretora Técnica
da UTI Neonatal Nicola Albano.
Mensagem da
Dra Laura Dias*
8
10. Apresentação do
Dr Ricardo Nunes
Ao colega Luis Alberto
Poesia é comunicação direto do coração do poeta para o coração
do leitor.
É poderosa porque de uma forma leve, usando palavras com ou
sem rima, nos leva a pensar.
Pensar sobre esses bebês que são “almas apressadas” como tão
bem nos fala o autor.
Apressadas mas competentes para sua idade gestacional, cada
uma com suas peculiaridades e com uma “fala” única que pode nos
dizer o que querem e o que precisam.
Para isso precisamos estar de olhos bem abertos e também com o
coração escancarado para entender e atender adequadamente
suas necessidades que agora são tão diferentes por não estarem
mais dentro da segurança e proteção do útero materno.
Precisamos contar cada vez mais com a parceria estreita com a
família, colostro, leite materno cru (da própria mãe) em abundância
e sem concorrência com nenhuma fórmula láctea. Precisamos
oferecer Cuidado Canguru, Cuidados Voltados para o
Desenvolvimento bem como diminuição do estresse, da dor e dos
ruídos. E por m, garantir alta em leite materno exclusivo e com bom
ganho de peso.
Sobre tudo isso nos fala o autor, com leveza e ao mesmo tempo
com grande profundidade, sabiamente impregnando de emoção
os diferentes assuntos, o que é de grande importância para facilitar
o aprendizado dos adultos.
Que a poesia de Luis Alberto possa ser mais uma forma,
provavelmente muito ecaz, de possibilitar a mudança do CUIDAR
DO para o CUIDAR COM, atingindo o maior número de corações
transformando-os para sempre!
* Dr. Ricardo Nunes é Médico pediatra no Hospital
Maternidade Fernando Magalhães Rio.
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11. A poética da
prematuridade
A prematuridade descrita em versos torna-se desvendada por
cores e tons que a dor insiste em esconder sob o drama e a crise.
O olhar da poesia é capaz de perceber a delicadeza da perda e a
luz que transilumina a ciência e suas ramicações.
É possível através da poesia, honrar o homem que guarda toda a
integridade e potencial de nossa espécie mas que se viu
atropelado pelo nascimento prematuro.
Prematuro não é o bebê. É seu nascimento.
A poesia tenta não abstrair-se em romantismo e losoa, mas
busca aproximar-se do outro lado de uma lua formada de ciência
e técnica, descobrindo-lhe o calor e o amor que a movimentam.
A poética da prematuridade é o germen de um tempo de respeito
e de tratar com cuidado.
A poética da prematuridade é nossa esperança no amanhã que
sonhamos ontem.
Luis Alberto Mussa Tavares*
*Dr Luis Alberto Mussa Tavares
é médico pediatra integrante do
Grupo de Atenção ao Recem-nascido
e à Familia da UTI Neonatal Nicola Albano
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12. 11
Não há direitos autorais.
Este trabalho foi identicado como livre de restrições conhecidas
sob a lei de direitos autorais, incluindo todos os direitos conexos
e vizinhos.
Você pode copiar, modicar, distribuir e executar o trabalho,
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:
A palavra, depois de escrita, não tem dono,
Se ca guardada, não tem serventia,
Guardar a palavra é condená-la ao abandono,
Prender a palavra é subtrair-lhe a poesia...
A palavra, se guardada, é um Rei sem trono,
É um Pedro Alvares Cabral sem a Bahia,
Mas uma vez espalhada é quase como
Um folião disperso na folia...
Compartilhar a palavra é um mandamento
Que permite à palavra o livramento
E que tempera a palavra com alegria...
Compartilhar a palavra, incondicionalmente,
É permitir-lhe a liberdade inconsequente,
É entregar-lhe a sua carta de alforria...
13. Uma canção amiga
Livremente inspirada no poema “Canção Amiga”
do poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade
Eu preparo uma canção silenciosa
De um silêncio que quase cause inquietação,
Escrita sem palavra, inútil e dispendiosa,
Num idioma de pura percepção,
Eu preparo uma canção minuciosa,
Quase inaudível, mas sem desatenção,
Composta de arquitetura cuidadosa,
Delicadamente elaborada... Uma canção
Que faça acordar os homens poderosos
Para o poder dos gestos silenciosos
E para a força das palavras mansas...
Uma canção que se espalhe aos quatro ventos,
Que faça acordar os homens desatentos,
E adormecer as crianças...
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14. Somos quinze milhões de almas apressadas,
Nascidas antes do tempo que era para ser,
Quinze milhões de alguma forma condenadas,
Um número que não para de crescer,
Somos quinze milhões de almas deportadas
Para um cárcere de onde não se vê o sol nascer,
Longe dos braços das nossas mães, desconsoladas,
Com medo do que nos possa acontecer...
Quinze milhões de almas aprisionadas
Em casas de acrílico, padronizadas,
Sozinhas, cansadas de tanto sofrer...
Somos quinze milhões de almas cansadas,
Precisando demais ser abraçadas,
Quinze milhões querendo tanto viver...
Quinze milhões
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, estima-se que
a cada ano nascem no mundo quinze milhões de bebês prematuros.
E esse índice vem aumentando.
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15. E onde quer que estejas, pequenino,
E sob qualquer condição,
E ainda que seja incerto o teu destino
E a tua recuperação,
E ainda que a tua história, meu menino,
Pareça um ponto de interrogação,
Tudo tão tênue e frágil, nebuloso e no,
Tudo tão quase sem explicação,
Ainda assim, que em todos os lugares
Teus cuidadores te estendam seus olhares
Como quem se ajoelha perante um Rei,
E gentilmente, como a mão quando abençoa,
Que te reconheçam, pequenino, como pessoa
Diante da Grande Lei...
Reconhecimento
Todo prematuro tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa perante a lei. Artigo II da Declaração
Universal de Direitos do Bebê prematuro.
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16. É como se cada um deles fosse o único,
E cada outro fosse o mesmo um,
E não houvesse nenhum mais além,
E como se cada um deles fosse o outro,
E por não haver, por isso, mais nenhum
Além daquele um que já são todos,
Isso faz como se fossem inseparáveis,
E também, por conta disso, indivisíveis,
E o que for permitido a este um, que seja
Distribuído igualitariamente,
Sem diferenças, sem distinção,
Porque é como se cada um deles fosse o próximo,
E o direito de cada um deles fosse o mesmo
De todos os outros, sem discriminação...
Universalidade
Todo prematuro tem o direito ao tratamento estabelecido pela
ciência, sem distinção de qualquer espécie, seja raça, cor, sexo, ou
de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou qualquer outra condição. Assim, todo prematuro tem o direito de
ser cuidado por uma equipe multidisciplinar capacitada a
compreendê-lo, interagir com ele e a tomar decisões harmônicas
em seu benefício e em prol de seu desenvolvimento. Artigo IV da
Declaração Universal de Direitos do Bebê prematuro.
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17. Tempestade
A dor e seus signicados escondidos.
Às vezes é preciso ressignicá-la.
Para Livia Ressiguier, Aymee e Paolla
Às vezes ela tem nomes estranhos,
Palavras de difícil compreensão:
CPAP,
Surfactante,
Fototerapia,
Incubadora,
Resíduo,
Saturação...
Às vezes tem efeitos complicados,
Síndromes raras,
Malformação,
A tempestade,
Mas pode chamar de apneia,
Abalos,
Arritmia,
Convulsão...
Às vezes chega cheia de segredos,
Palavras de incompreensível tradução:
Prognósticos,
Sequelas,
Resistências,
Intolerâncias,
Diculdades de sucção...
A tempestade...
Às vezes tem sinônimos tão próprios:
Incubadora,
Venopunção,
Gavagem,
PICC,
Cateterismo,
Tomograas,
Bombas de infusão...
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18. Tempestade
A tempestade...
Começa às vezes como chuva na,
Garoa leve,
E aumentando,
Até que então
A chuva vai se fazendo mais intensa,
E vai crescendo, causando aição,
E chega com a força devastadora
De uma cachoeira,
De uma inundação,
E desarruma,
Fere,
Desconcerta,
Machuca,
E provoca
Grande confusão...
A tempestade,
Como um apocalipse,
A tempestade,
Estranha condição,
Que chega como quem vai destruir tudo,
Que chega causando devastação...
A tempestade...
Que chega
Desarticulando
A família inteira
Sem piedade,
Sem pausas,
Sem perdão:
A mãe,
O lho,
O pai,
O tio,
A tia,
O avô,
A avó,
A madrinha,
A sogra,
O irmão...
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19. Tempestade
A tempestade...
Estremecedora...
Como se fosse o estrondo de um trovão...
Que afeta a fé do crente,
A paz do justo,
A crença do que crê
Na salvação,
A tempestade como se fosse um tiro,
A tempestade,
Como uma infecção...
Até que um dia ela acalma,
Cedo ou tarde,
Reduzindo sua força
Como quem pede perdão,
Até que um dia
Ela se cansa
E dorme,
E perde sua capacidade de agressão,
E esvaziada,
Como quem se cansa,
E já sem vontade,
Como quem perde a paixão,
A tempestade
Que parecia eterna,
Se afasta,
Cede,
E já não dói mais não...
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20. Tempestade
É nessa hora
Que a Lei de Deus
Costuma se revelar
Com perfeição,
E toca o coração enfraquecido,
Suturando os retalhos
Desse coração,
Lavando as dores,
Enxugando as lágrimas,
Descansando o cansaço
E a exaustão,
A Lei de Deus
Depois da tempestade,
Trazendo bonança
E reconstrução...
E o que era frágil
Torna-se rme,
E o que era medo,
Consolação,
O que era morte
Torna-se vida,
O que era fuga
Torna-se prontidão,
E o que era quase incompreensível
Dores sem causas,
Causas sem razão,
A Lei de Deus torna fé inabalável,
E força indestrutível,
Sublimação,
E nasce assim,
Depois da tempestade
De nome estranho,
De estranha compreensão,
Dessa tempestade que desorganiza,
Provocando grande desarrumação,
E nasce assim, desse momento em diante,
Uma nova mãe,
E um novo lho, e então,
Uma nova família
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21. Tempestade
Realimentada,
Uma fé renovada...
Reconstrução...
E tudo então
Ganha um signicado:
A dor,
O medo,
A separação,
As palavras angustiantes,
Como tomograa,
As palavras dolorosas,
Como dissecção,
E os sentimentos,
Como a ansiedade,
A insegurança,
A saudade,
A incerteza,
A desolação...
E tudo então,
Desde aí, ganha um sentido,
E a tempestade
Cumpre assim sua função,
E é nessa hora que se compreende
Que Deus manteve sempre a Sua mão
Estendida,
Protegendo,
Alimentando,
Nada aconteceu
Sem Sua permissão,
Nenhuma dor,
Nenhum choro,
Nem lamento,
Nenhuma piora,
Nenhuma recuperação,
A Lei de Deus,
O Grande Regimento,
A Lei de Deus,
A grande explicação...
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22. Tempestade
Por isso
A poesia
Compreende
A tempestade
Como um instrumento,
A tempestade
Como uma lição,
A tempestade
Como um chamamento,
A tempestade
Como uma ressignicação.
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23. Descobrimento
Abancado à minha escrivaninha em Campos dos Goytacazes,
No meu apartamento próximo ao centro,
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido,
Com o computador palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei
Que lá na Unidade Neonatal, meu Deus,
Não tão longe daqui,
Na solidão da sua prematuridade,
Um menino pequenino e magro,
Quase sem cabelo cobrindo-lhe os olhos,
Depois de mamar no peito de sua mãezinha,
Faz pouco se deitou na incubadora, e está dormindo...
E esse prematuro é brasileiro que nem eu.
Releitura de um poema homônimo de Mario de Andrade
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24. O Nascimento
Todos os prematuros nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência. Possuem vida anterior ao
nascimento, bem como memória, aprendizado, emoção e capacidade
de resposta e interação com o mundo a sua volta. Artigo I da
Declaração Universal de Direitos para o Bebê Prematuro.
Porque desde a barriga da mãe
O bebê escuta,
Entende,
Gosta,
E até reclama,
E dorme,
E acorda,
E ri,
E chora,
E cheira,
Reage,
Sente dor,
E sonha,
E ama,
É um ser humano completo
À sua maneira...
Por conta disso, que seja
Dignamente tratado,
Por conta disso, que seja
Respeitado,
Por conta disso, cuidador,
Cuidado...
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25. Nascer prematuramente
Nascer prematuramente, antes do quando,
Nascer antes do tempo de poder,
Quando era o tempo de estar se preparando,
E ainda sem o preparo de nascer,
Nascer prematuramente, ir respirando
Sem ter ainda pulmões para responder,
O corpo ainda se organizando,
E tudo ainda para se desenvolver,
Nascer prematuramente, um desao:
Ruído, dor, calor, solidão, frio,
E o medo do que vai acontecer,
Nascer prematuramente, o sofrimento
Descaracterizando o nascimento
Que é como nunca deveria ser...
A vida às vezes se antecipa e arrasta para
junto de si danosas consequências.
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26. A mãe prematura e a hora tão sonhada
De trazer seu bebê ao seio para mamar...
Custou, mas nalmente ela parece preparada...
Custou, mas nalmente chegou o dia de tentar...
O bebê prematuro, após longa caminhada,
Parece estar pronto para o tempo de gostar
Do colo da mãe, da hora da mamada,
Da vida que parece começar a melhorar...
E entre espasmos musculares e descargas
Neuro-hormonais, o leite, em gotas vagas,
Começa a surgir da mama, e vai brotando...
O bebê prematuro, a mãe prematura,
E seu momento imaculado de ternura...
É coisa de Deus esses dois se amamentando...
Amamentando
A vida guarda possibilidades imensas. É preciso aproveitá-las.
É preciso protegê-las. É preciso permiti-las existir e crescer.
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27. Mamiferozinho
Somos mamíferos
Que Deus te proteja,
Mamiferozinho,
Das mamadeiras,
Das chucas e dos bicos
Sempre que te forem oferecidos sem razão,
E acorde os médicos,
E as fonos,
E os enfermeiros,
Para a necessidade
De tua proteção...
Que te afaste das chupetas,
Mamiferozinho,
Oferecidas sem prescrição,
E faça da mama da mamãe
Sua grande opção,
E que te distancie
Dos bicos ortodônticos
E dos siliconados,
Sem exceção...
Que Deus te permita,
Mamiferozinho,
O leite materno
Para tua satisfação,
E nas diculdades,
Meu amiguinho,
Que o leite humano
Do Banco de Leite
Seja lembrado
E não te falte não...
Que a gota de colostro,
Mamiferozinho,
Seja tua dose
De proteção,
Que seja a gota de teu sustento,
Que seja teu alimento
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28. Mamiferozinho
E salvação...
Que seja escrita assim dessa maneira
A história da tua recuperação:
Amor,
Calor,
Leite materno,
Vida,
Apego,
Afeto,
Crescimento são...
Que Deus te permita,
Mamiferozinho,
A busca,
A grande boca,
A pega,
A sucção,
A língua canolada
E protraída,
A vida
Em minuciosa exatidão...
E que tu cresças, mamiferozinho,
Orgulhoso dessa nobre condição,
Amamentado
E cuidado com carinho,
Semente boa
Da próxima geração...
Que Deus te guarde,
Mamiferozinho,
Que te guie
E não te solte
Da Sua mão,
Que esteja sempre contigo,
Mamiferozinho,
Meu doce
E pequenininho
E grande irmão...
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29. Não precisa de muita coisa. Quase nada.
Somente a mãe do bebê pode fazer.
Uma gotinha de colostro suavemente aplicada,
Uma gotinha na boca. Que poder!
Não precisa de muita coisa. Uma mamãe dedicada
E uma equipe prossional que permita acontecer.
Uma gota. Um prematurinho. Uma equipe entusiasmada.
E a vida, naquela gota, mandando ver...
É a mãe prematura cuidando da sua cria,
Oferecendo sua gota colostral de energia,
Estimulando a imunidade de seu prematurinho...
Uns chamam a isso Colostroterapia,
Outros aproveitam para escrever poesia,
Mas a mãe prematura chama isso de carinho...
Colostroterapia
Tratamento e cuidado envolvendo técnica e amor.
Ciência e arte a serviço da vida.
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30. A pele pronta: cor, temperatura,
O cheiro, como o arquiteto da procura,
Os movimentos bem direcionados...
O olhar atento, a língua canolada,
Exteriorizada, preparada,
O instinto dispensando aprendizados...
Ávido e lúcido, o recém-nascido
Como se usasse seu sexto sentido
Movimenta lentamente as mãos, o rosto,
E segue silencioso nessa entrega:
A entrega da busca a desaguar na pega
Do seio sob a gota de colostro...
A pega
O melhor início.
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31. A UTI Neonatal
Por entre equipos, e leitos, e sensores,
E monitores, e bombas de infusão,
A tecnologia aliviando as dores,
A esperança alimentando o coração,
Por entre antibióticos e perfusores,
Coletas rastreando a infecção,
Prossionais e procedimentos salvadores,
Pais e bebês esperando a salvação,
A UTI Neonatal, assustadora,
Tentando ser a mão renascedora,
Tentando ser o manto que alivia,
A UTI Neonatal, porto seguro,
Oásis da esperança em um futuro,
Misto de amor e tecnologia...
Uma grande escola de valorização da vida
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32. Minha terra tem carinhos
Em que eu gosto de deitar.
As vozes que aqui me tocam
Não me tocam como lá.
Minha terra tem mais gosto,
Mais ternura, mais sabores,
De um silêncio com mais vida
Carregadinha de amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem cantigas
Delicadas de ninar...
Minha terra tem delícias
Que tais não encontro eu cá.
Em cismar -sozinho, à noite-
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem carinhos
Em que eu posso descansar.
Não permita Deus que eu custe
A retornar para o meu lar,
E desfrutar dos primores
Que não encontro por cá;
Para escutar as cantigas
Da minha mãe me ninar...
Canção do Exílio
Livre criação sobre poema homônimo de Gonçalves Dias
Nenhum prematuro será arbitrariamente exilado de seu
contexto familiar de modo brusco ou por tempo prolongado. A
preservação desse vínculo, ainda quando silenciosa e discreta
é parte fundamental de sua vida. Artigo III da Declaração
Universal de Direitos para o Bebê Prematuro.
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33. Por que é que você chega sempre assim, estabanada,
Desinibida, desarrumada,
Causando tanta desorganização?
Por que é que é sempre tão sem paciência,
Por que se comporta com tanta displicência,
Por que é que age com tanta desatenção?
Por que é que é sempre assim tão turbulenta,
Por que é que chega sempre com tormenta,
Como o Katrina?
Por conta de que tanta adrenalina?
E se eu cuidasse de você, dor,
Com o mesmo cuidado de quem cuida de um amor?
E se tratasse você com mais respeito?
E se eu me preparasse
Pra toda vez que você chegasse
Encontrasse tudo pronto, do seu jeito?
E se eu arrumasse tudo com carinho,
Tudo do seu jeitinho?
Você caria contente?
Você se comportaria de um modo diferente?
A dor
Nenhum prematuro será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante. Sua dor deverá ser sempre
considerada, prevenida e tratada por meio dos processos
dispnibilizados pela ciência atual. Nenhum novo procedimento
doloroso poderá ser iniciado até que o bebê se reorganize e se
restabeleça da intervenção anterior. Negar-lhe esse direito é crime
de tortura contra a vida humana. Artigo VI da Declaração Universal
de Direitos para o Bebê Prematuro.
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34. A dor
Então, minha amiga dor, combinamos assim:
Eu cuido de você, você cuida de mim,
E a gente não se descuida nem se maltrata...
Eu me preparo pra sua chegada,
Você se aproxima bem mais arrumada,
E a gente não se machuca nem se mata...
Quem sabe um dia a gente não se entende,
Você me compreende?
Será que está bom assim dessa maneira?
Nós temos um acordo, companheira?
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35. Ensina-me a compreender tuas vontades
E a entender o que dizes com o olhar,
Ensina-me a valorizar tuas verdades
E a perceber tua forma de falar,
A descobrir tuas singularidades,
E a responder quando tua voz chamar,
A respeitar tuas diculdades,
Ensina-me a aprender a te ajudar...
E um dia, quando eu compreender teus gestos,
E souber diferenciar os teus protestos
Das tuas necessidades de aproximação,
Então, exatamente nesse dia,
Será como descobrir tua poesia,
Será como desvendar teu coração...
Comunicação
Ao professor Ricardo Nunes.
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36. Não é para ser um procedimento estressante,
Não é para o bebê gritar, assustado,
O banho deve ser um momento relaxante,
Um cuidado aplicado com cuidado.
Não é para ser um procedimento apavorante,
Que deixa o bebê que o recebe, agitado,
Chorando, irritado, respiração ofegante,
Um bebê limpinho, mas um bebê esgotado.
O banho deve ser como o carinho:
Sempre chegar bem devagarinho,
E, de tão bom, fazer o bebê dormir...
O banho bom que cuida relaxando,
Que nem precisa ser todo dia, só de vez em quando,
Como um recreio, para o bebê se divertir...
O banho
O banho deveria ser um sinônimo de alegria.
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37. Parece que está de férias, relaxando,
Parece que se esquece um pouco da exaustão,
O bebê na redinha, o bebê descansando,
O bebezinho, como se fosse verão,
Parece que gosta, parece que está sonhando,
Parece que se nem se importa com a solidão,
É bom relaxar assim de vez em quando,
Faz bem para o corpo, faz bem para o coração,
Porque o bebê, quando passa um tempo na rede,
É como um beduíno quando mata sua sede,
É como um astronauta quando põe seus pés no chão,
É como passar um m de semana na Bahia,
É como ouvir Jobim, é como ler poesia,
É como ser o dono da varinha de condão...
O bebê na redinha
Nenhum prematuro deverá, sob qualquer justicativa, ser submetido a
procedimento estressante apliado de forma displicente e injusticada
pela Euipe de Saúde, sob pena de a mesma ser considerada
negligente, desumana e irresponsável. Artigo IXda Declaração Universal
de Direitos para o Bebê Prematuro.
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38. Chama-se ninho,
Mas poderia se chamar carinho,
O que seria de mais fácil compreensão,
Uma coroa feita de panos,
Um bebê ajeitadinho,
Chama-se ninho,
Mas poderia se chamar
Organização,
O bebê ca mais calmo,
Fica mais tranquilo,
Melhora a cor,
E a respiração,
A mãe percebe,
O prossional percebe,
Chama-se ninho,
Mas poderia se chamar
Satisfação,
Ajuda o tônus,
Previne o stress,
Favorece a calma,
Para a amamentação,
Faz um bem danado
Para o bebezinho,
Chama-se ninho,
Mas poderia ser chamado
Proteção...
O ninho
Para Talitha Comaru
37
39. Envolto em panos,
Organizado,
Mantendo os membros
Em exão,
A cabeça,
O corpo
E os membros alinhados,
Enrolamento:
Suave contenção.
Nenhum movimento
Desperdiçado,
Nenhuma procura
Por contato
Em vão,
O toque,
O tato,
O estímulo adequado,
E assim
Os dias
Melhores serão...
Enrolamento
Para Raquel Tamez
38
40. Olhe meus olhos abertos chamando,
Fale comigo, toque minha mão,
Sinta meus movimentos procurando,
Perceba que eu quero atenção,
Repare bem: eu nem estou chorando,
Não estou bocejando também não,
Fale comigo, eu estou chamando,
É minha chance de comunicação,
Então me fale coisas boas, cante,
Me conte histórias, fale mais, me encante,
Invente algumas palavras de brincar,
Aproxime-se de mim, não tenha medo,
Que eu vou lhe contar um segredo:
Eu também sei me comunicar...
Aproximação
Aos bebês de quem cuidei e cujos sinais despercebi.
39
41. É muito estímulo para o meu pensamento.
Às vezes eu necessito descansar.
Silêncio,
Porque eu preciso de um tempo
Para me organizar,
É muita informação ao mesmo tempo,
Por isso eu tento de vez em quando
Me afastar,
A vida vivida exageradamente
É estímulo não contingente,
Preciso às vezes me preservar...
Eu fecho meus olhos,
Cubro meu rosto,
Eu perco a direção do meu olhar,
Eu não consigo responder
Se perguntado,
É como se eu fosse
Para outro lugar...
Afastamento,
Porque às vezes é necessário
A gente ir para poder voltar,
Idas e vindas
De um itinerário
Por onde a vida inteira
Vai passar...
Afastamento
Aos bebês de quem cuidei, desrespeitando, sem perceber,
sua necessidade de reorganizar-se.
40
42. Parece tranquilo o menino, aconchegado,
O sono leve, a boa saturação,
O tom da pele suavemente rosado
Após ter tolerado bem a sucção,
O tônus muscular bem regulado,
A boca sugando os dedinhos da mão,
O movimento sincronizado,
Sinais de boa oxigenação,
Organizado. Economizando energia,
A que ele precisa para vencer a septicemia,
A que ele vai usar na amamentação,
Organizado. A possibilidade de harmonia,
Como um certicado de garantia,
Como uma base de sustentação.
Organizado
Para Graciela Basso
41
43. O corpo completamente desregulado:
Bradipneia, taquicardia,
A pele pálida, o tronco arqueado,
A testa franzida, alguma hipertonia,
A mão na face, o punho cerrado,
Pletora, moteamento, bradicardia,
As mãos abertas com os dedos espaçados,
Sinais dramáticos da má siologia...
Desorganizado. Desperdício de energia.
Como uma máquina que perde a garantia,
Como uma conta além das contas a pagar...
Desorganizado. E muitas vezes bastaria
Organizá-lo para reverter a economia
Que o faz gastar sem ter para gastar...
Desorganizado
Para os lhos do meu descuido
42
44. Nem tão discreta quanto a voz soprada,
Nem tão barulhenta quanto a explosão,
Não precisa ser pequenina feito o nada,
Nem exagerada, de chamar atenção,
Nem tão delicada quanto a voz sussurrada,
Nem tão avassaladora quanto o furacão,
Nem tão sutil que nem possa ser notada,
Nem tão imensa que cause confusão,
A dose certa, a dose calculada
Para poder receber a resposta esperada,
É isso que a gente chama comunicação.
A dose certa do som. Nem multiplicada,
Nem dividida demais. A dose adequada.
A dose certa do som. As outras não.
A dose certa do som
Todo prematuro tem direito inalienável ao silêncio que o permita
sentir-se o mais próximo possível do ambiente sonoro intrauterino,
em respeito a seus limiares e à sua sensibilidade. Qualquer fonte
sonora que desrespeite esse direito será considerada criminosa,
hedionda e repugnante. Artigo VIIIda Declaração Universal de Direitos
para o Bebê Prematuro
43
45. Canção para te fazer sonhar
Todo prematuro tem direito ao repouso, devendo por isso ter
respeitados seus períodos de sono supercial e profundo que
doravante serão tomados como essenciais para seu desenvolvimento
psíquico adequado e sua regulação biológica. Interromper de forma
aleatória e irresponsável sem motivo justicado o sono de um prematuro
é indicativo de maus-tratos. Artigo VIIda Declaração Universal de
Direitos para o Bebê Prematuro
Descansa, anjo... Eu cuido do teu sono...
Repousa tranquilo teu coração,
Dorme suave. Nada lá fora
Pode te ameaçar o sono agora,
Descansa, ca leve, sai do chão...
Descansa, anjo, que eu te protejo
Dos olhos da bruxa, do bicho papão,
Descansa que eu te cuido com desvelo,
Descansa, já não há mais pesadelo,
Descansa, eu te dou minha proteção...
Eu cuido para que nada te aconteça,
Nada apareça de ruim que te incomode:
Nenhum barulho, nenhum ruído,
Nenhuma coisa má, nenhum perigo,
Nada te assuste, nada te acorde...
Dorme tranquilo. Deixa que eu te cuido:
Nem muito frio, nem muito calor,
Nenhum barulho ou conversa exagerada,
Dorme, eu me entendo com a madrugada,
Dorme, eu me entendo com o Criador...
E nem que para isso eu me desdobre
E até me esqueça eu mesmo de dormir,
E passe a noite te vigiando,
E passe a noite inteira te cuidando,
E a noite passe sem eu sentir...
44
46. Canção para
te fazer sonhar
Por isso descansa, eu cuido do resto:
Da dor, do desconforto, do cansaço...
Nada te preocupa mais... Descansa...
Dorme teu sono, pequena criança,
E o que for preciso deixa que eu faço:
Apago as luzes, reinvento a noite,
E mudo algumas coisas de lugar
Trocando turbilhão por calmaria,
E transformando dor em poesia
Só para te ver descansar...
E co imaginando coisas boas
Esperando teu despertar:
Um toque suave, gentil e apropriado,
Uns truques para a dor sair do teu lado,
E algumas músicas para cantar...
Descansa, eu te preparo essa alegria:
Silêncio, ninho, sono, enrolamento,
O colo materno juntinho o tempo inteiro,
Dengo, carinho, um xodozinho, um cheiro,
E um mundo inteiro de acolhimento...
Por isso guarda a calma delicada,
Nada de mal vai te acontecer...
Eu dou um susto na bruxa malvada,
Dorme tranquilo, anjo, porque nada
Eu vou deixar mais te fazer sofrer...
Descansa, anjo, eu cuido de tudo,
Descansa, anjo, pode deixar,
Descansa que eu te cuido com carinho,
Descansa e guarda bem esse versinho
Que eu preparei para te fazer sonhar.
45
47. Canguruzinho
Meu canguruzinho,
Acolhido pelo conforto do seu ninho,
Sereno,
Silencioso
E sossegado...
Tão bom saber
Que você não está sozinho,
Tão bom perceber você
Bem acompanhado,
Porque, meu canguruzinho,
Nenhum outro cantinho
É mais gostoso e mais delicado
Do que esse seu cantinho,
Meninozinho,
E nem cantinho nenhum
Mais abençoado...
Cantinho feito de amor
E de calor,
Banhado a leite materno,
Cantinho delicadamente planejado...
Cantinho único,
Meu canguruzinho,
Que é para ser vivido,
Curtido
E perpetuado...
Quem vê você assim
Pequenininho,
Adormecido em seu ninho
E sossegado,
Ao Professor Hector MartinezGomes
46
48. Canguruzinho
Não faz ideia do tamanho da sua história,
Não imagina o que você tem suportado,
Quase nem é capaz,
Meu companheiro,
De enxergar o tamanho verdadeiro
Da sua trajetória
E do peso que você carrega,
Resignado,
Do útero materno
Ao nascimento,
Do nascimento até esse colinho,
Meu canguruzinho,
Esse colinho que é seu sustento,
Esse sustento
Que é seu caminho...
Esse caminho
Que é seu legado...
Meu pedacinho de gente,
Meu gigante,
Seu exemplo é impressionante
E comovente,
Justo por isso
Absolutamente contagiante,
Meu super-herói diferente...
Meu pequenino grande viajante,
Meu sempre bastante amiguinho,
Meu bom companheirinho, e o mais constante,
E o mais desconcertante,
Meu canguruzinho...
47
49. A lei de Deus
O prematuro que não consegue respirar,
A gestante que dá à luz na entrada do Hospital,
Os níveis de bilirrubina que insistem em não baixar,
A imagem sugestiva de uma lesão cerebral,
A sepsis que continua a se agravar,
A insuciência cardíaca resistente ao digitálico,
O cateterismo que não para de sangrar,
O prematuro que não acha vaga numa UTI Neonatal,
E a Lei de Deus, sem defeitos, sem rasuras,
Vai se cumprindo entre dores e amarguras,
Entre lamentos, lágrimas e feridas,
E embora às vezes nos confundindo,
Segue, intocada e pura, se cumprindo,
Dando outro signicado às despedidas...
Para Patch Adams
48
50. O manto
E quando a dose já não zer mais efeito,
E o coração parar de responder,
E pelos protocolos não houver mais jeito
E não restar mais nada o que fazer,
E quando o possível já tiver sido feito,
E o corpo já der sinais que vai morrer,
E o coração bradicadizar dentro do peito,
E a vida ir parecendo se perder,
Então não seja aquele que desiste,
Mesmo diante da morte iminente a vida existe,
E se existe vida, ainda há muito o que tentar,
Por isso cobre com teu manto de amor a despedida,
Como um último gestual de amor à vida
Como a derradeira forma de cuidar...
Para Ana Cláudia Quintana Arantes
49
51. Aos que se foram
Agora só o silêncio ocupa o espaço
Aonde o bebê prematuro agonizava,
Como se fosse o sono de um cansaço,
Um poema inteiro escrito sem palavra...
Agora só o silêncio em seu abraço
Aonde tudo em torno se agitava...
Silencio, castigante como um mormaço,
A voz da vida quando se calava...
Respirador, ambu, adrenalina,
Laringoscópio, tubo, dopamina,
Os convidados da despedida...
Agora só um vazio. O resto cessa.
Já não há correria. Não há pressa.
Silencio onde ainda há pouco havia vida...
50
Porque às vezes não se consegue permanecê-los ente nós.
Para Maria Julia Miele
52. O cuidador
Tanta palavra,
Tanto trabalho,
Tanto diagnóstico
Avassalador,
Tanta cultura
Entre a dor e a cura,
Tanta procura
Pelo m da dor,
Tanta rotina,
Tanto medicamento,
Tanto equipamento
De alto valor,
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso,
Aparentemente,
É suciente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador...
É necessário
Mais do que a técnica,
Mais do que a máquina
Ou do que o título
De Doutor...
51
Aos prossionais que se dedicam à arte de cuidar e tratar a dor alheia
53. O cuidador
52
A tecnologia
Não acaba com a tristeza,
O antibiótico
Não trata o sofredor...
É necessário
Revirar o dicionário
Para encontrar
Uma fonte de calor
Que afaste o medo
E faça companhia
Sem se importar
Com nome, idade ou cor...
Uma fonte de força
Que se baste
E que sem ela
Tudo seja fraco
E enganador.
Experimente algum dia
Não ter nada,
Além de um simples olhar
Confortador,
Além de um aperto de mão
Ou de um sorriso,
Além de um gesto
Doce e apoiador...
Experimente nesse dia
Não ter nada,
E esse dia será
Revelador
54. O cuidador
53
Porque não será preciso
Mais que nada
Se, tendo nada,
Você tiver amor...
Então essa é a palavra
Amor
Que não se aprende nos cursos
De graduação,
Que não se encontra nos manuais
Nas teses
Essa é a palavra
Amor
Então
A vida sem amor
É como a terra salgada
Mas que pode ser transformada
Se ela for
Tocada pelo amor
Que a tudo agrada,
Amor essencial,
Absoluto amor,
Amor que
Aparentemente
É suciente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador...
55. Papai do Céu,
Cuida dos meus cuidadores com cuidado
Para que eles não me faltem com a atenção,
Eu tenho sofrido, Papai do Céu, um bocado,
Nesses meus dias de internação:
Noites inteiras tenho passado acordado,
Dias inteiros mergulhados em solidão,
Tudo em minha volta parece exagerado:
A luz, a dor, o som, a movimentação...
Cuida dos meus cuidadores nesses dias
De condutas técnicas, de rotinas frias,
Que os lápis de cor não conseguem colorir...
Cuida com cuidado dos meus cuidadores,
Para que as dores por detrás das minhas dores
Possam também ir deixando de existir...
54
“Às vezes é solitário viver”
Caetano Veloso
Oração pelos
meus cuidadores
56. Eu não preciso da sua mão exagerada,
Da sua rotina não contingente
Que trata de mim como se eu não fosse nada
Ou como se eu não estivesse na sua frente,
Que larga minha vida desorganizada,
Que ignora meu choro de forma displicente
Como se não enxergasse minha alma apertada,
Como se eu não fosse gente...
Eu não preciso da sua rotina
Que me reduz à necessidade ou não de dopamina,
Ou como se eu não tivesse sentimento nem vontade...
Eu não preciso da sua negligência,
Desumanidade travestida de ciência,
Como se eu não pertencesse à humanidade...
55
Desabafo
Ao cuidador descuidado de cada dia
57. A prematuridade
O olhar capaz
De julgá-la incapaz
Por tão somente
Ver nela sinais
De delicadeza
E fragilidade,
Deixa escapar,
Por olhar sem olhar,
E de perceber
O que há de maior
Na prematuridade:
O gigante escondido
Em corpo frágil,
A persistência
Ante a desolação,
A Resistência,
A vontade,
O banho de ânimo,
E a promessa de vida
Que mora
Em seu coração...
Para a pequena Bárbara cuja
“ausência nos enche a todos com sua presença”
56
58. Uns nascem
Com vinte e poucas semanas,
Às vezes um pouco mais,
Outros pesando
Seiscentas gramas,
Às vezes um pouco menos,
Desaando tudo que estudamos,
Contrariando tudo que sabemos,
Subvertendo tudo que planejamos,
Necessitando de tudo quanto conhecemos,
São eles,
Os prematuros extremos,
Tão delicados,
Tão sozinhos,
Tão pequenos,
Que muitas vezes nós nos assustamos
Quando os vemos
Assim,
Entre tubos,
E os,
E acrílicos
E drenos,
Nós muitas vezes nem acreditamos,
E outras tantas
Nos surpreendemos,
E aprendemos
Que esses prematuros extremos
De quem cuidamos,
Tão frágeis,
Tão difíceis,
Tão serenos,
São muito mais fortes do que imaginamos,
E fazem muito mais
Do que nós fazemos...
57
Os prematuros extremos
Para Thais Lazzeri
59. 58
Os prematuros
extremos
Jesus, toma conta,
E ameniza as penas
Das mães prematuras extremas
E de seus lhos,
Moços pequenos,
Tão frágeis,
Tão dóceis,
Tão menos,
Com quem nós nos habituamos
Tão perto de nós
Que quase sentimos
Como se tivéssemos sido nós
Que os trouxemos,
Por quem, tantas vezes lutamos
E com quem tantas vezes nos envolvemos,
Passando horas e horas,
E às vezes dias,
Tentando o quanto podemos.
Jesus toma conta
De nossos maninhos
Miudinhos,
Que nos acostumamos a chamar
Como aprendemos,
Jesus toma conta
Dos prematuros extremos...
60. 59
Mil trezentos e vinte, mil trezentos e cinquenta,
Trinta graminhas essenciais,
A progressão, que é vagarosa e lenta,
Trinta graminhas a mais,
Sessenta, setenta, oitenta, e então noventa,
Tão pouco e tanta diferença faz,
Como se fosse a medalha de quem tenta...
Trinta graminhas fundamentais...
E a cada grama, um Everest inteiro,
Como quem cruza a fronteira, como quem chega em primeiro,
Como quem ganha a sua carta de alforria...
Trinta graminhas de felicidade...
Trinta graminhas tentando a liberdade...
Trinta graminhas a mais de cada dia...
Trinta graminhas
Para Benjamin, Emanuel e Miguel
61. 60
Pequena demais para o colo,
Imensa para o coração,
Rostinho delicado,
Pele na,
Repare o tamaninho da sua mão...
Pequena demais para a foto,
Imensa para a emoção...
Pelinhos espalhados pelo corpo,
Dedinhos do tamaninho de um grão,
Pequena demais para a incubadora,
Imensa na sua força de superação:
Tubos,
Acessos,
Fototerapia,
E uma grande quantidade de medicação...
Miudinha,
Mas é como fosse um gigante,
Aparentemente toda frágil...
Só que não...
Porque é pequena demais para os registros antropométricos,
E, no entanto,
Tão imensa,
Que quase não permite
Tradução...
Pequena para o colo,
imensa para o coração
Para Anna Clara
62. 61
A mãe e o lho, a dura realidade:
A dor, a saudade, o medo, a impotência...
A distância machucando a maternidade,
A maternidade alimentando a sobrevivência.
A mãe e o lho, e entre os dois, a tempestade,
E a UTI Neonatal toda feita de ciência.
A mãe e a sua dor maior que a humanidade...
O lho e a sua dor banhada em obediência...
A mãe e o lho, almas despedaçadas,
Vidas que era pra estarem juntas, separadas,
Como se estivessem condenadas ao escuro...
Que Deus ilumine e proteja seus caminhos,
Para que não se sintam assim, sozinhos,
A mãe prematura e seu lho prematuro...
A mãe e o lho
Para Cintia e Asaph
63. 62
Mães delicadas, maravilhosas,
Mães prematuras do meu coração,
Mães dedicadas, mães cuidadosas,
Mães que se alimentam de vida e paixão...
Mães que são como o perfume das rosas
Tocando a nossa emoção...
Mães privilegiadas, mães dadivosas,
Mães de um sorriso que não tem explicação...
Que Deus esteja sempre do seu lado,
Mantendo esses corações iluminados,
Que ensinam o que é o amor à Terra inteira...
Muito obrigado por tudo, mães queridas,
Que tocam com seu amor as nossas vidas
E com sua força tão verdadeira...
Para cada mãe prematura que encontrei na caminhada...
Às mães de UTI
64. 63
A mãe prematura do bebê prematuro,
Nascida antes do que era para ser,
Como quem antecipa o seu futuro,
Como quem torna-se sem perceber...
A mãe prematura do bebê prematuro,
E a luta por seu bebê sobreviver...
Às vezes tudo é tão sombrio e escuro,
Tudo tão frio, tão sem amanhecer...
A longa dor de quem aguarda a cura,
Como quem, sem saber o que, procura,
E assim, nessa procura, se desfaz...
Segura nas mãos de Deus, mãe prematura...
Segura nas mãos de Deus, que te segura...
Segura nas mãos de Deus, e segue em paz...
A mãe prematura
Para Vera Lucia, mãe de Leticia
65. 64
Papai do Céu, toma conta das mães de UTI,
Cuida de aliviar seu sofrimento,
Faz com que elas nunca desistam de sorrir,
E traz para elas alívio e alento...
Papai do Céu, não lhes permita nunca desistir,
Faz da sua fé seu alimento,
Prepara seus corações para o que há de vir,
Envolve-as com ternura e acolhimento,
E abençoa suas vidas, Pai amado,
Que é uma só com a do lho internado,
Esperando a cura, esperando a volta ao lar...
Cuida das mães de UTI, mães preciosas,
Cuida das mães de UTI, mães dolorosas,
Tão precisadas de seu cuidar...
Oração pelas mães de UTI
Silêncio e oração.
66. 65
Quem cuida das mães de UTI
Que esperam por seus lhos, assustadas?
Quem toma-lhes as mãos, frágeis e trêmulas?
Quem seca-lhes as lágrimas sentidas?
Quem abranda-lhes as feições apavoradas,
E as suas noites de sono mal dormidas,
E os seus dias inteiros, pensativas,
E as suas horas inteiras, angustiadas?
Quem cuida das mães de UTI
Que oram por suas crianças internadas?
Quem descobre seus medos escondidos?
Quem compreende suas culpas descabidas?
Quem dá voz às suas vozes paralisadas?
E os seus corações que mal se aguentam,
Quem ouve, quem entende, quantos tentam?
Quem dá colo a sua dor desgurada?
Quem cuida das mães de UTI
Que sabem pensar em seus lhos e em mais nada?
Quem oferece-lhes repouso e abrigo?
Quem dá um pouco de paz e de água fresca?
Quem torna suas esperanças renovadas?
Quem mostra que há luz por entre os sustos?
Quem observa essa suavidade dos seus rostos?
Quem doa seu tempo a essas mães despedaçadas?
Quem cuida das mães de UTI?
A todas as mães de UTI do mundo inteiro
67. 66
Quem cuida das
mães de UTI?
Quem cuida das mães de UTI
Que decoram de seus lhos suas risadas?
Que caminham lento por entre monitores,
Que esbarram em incubadoras, distraídas,
Que aprendem palavras estranhas, pouco usadas,
Que tocam seus bebês em berços aquecidos,
Que enxergam detalhes quase despercebidos,
Que cultivam felicidades adiadas?
Quem cuida das mães de UTI
Que vivem pros seus lhos, agoniadas?
Quem explica sua força contagiante
Capaz de fazê-las sorrir, mesmo se tristes,
Esperançando as horas arrasadas?
Quem cuida das mães de UTI, mães silenciosas,
Quem cuida das mães de UTI, mães preciosas,
Quem cuida das mães de UTI, mães extremadas?
68. 67
Aqui estamos,
De longe viemos...
Um longo e cansativo itinerário...
Foram inúmeras as vezes que choramos,
Foram inúmeras as dores que sofremos,
E, no entanto,
Tudo parece ter sido
Absolutamente necessário
Para que chegássemos até aqui:
As lágrimas, a aição, o desespero,
As noites intermináveis sem dormir,
Os descaminhos sem sol por que passamos,
E as fraquezas de quase desistir...
Tudo absolutamente necessário
Para que acabássemos por descobrir
Tantas lições de vida, acolhimento,
Amparo, apoio, sustentação,
Solidariedade abrandando o sofrimento,
Perseverança alimentando o coração...
Tudo absolutamente necessário...
E imaginar que imaginávamos o contrário
Quando a nossa vida cuidou de desabar,
E tudo em volta, de repente, sem sentido...
Quando faltou o chão, de repente, de pisar...
A longa caminhada
Considerações nais
69. 68
A longa
caminhada
Foram dias inteiros tentando descobrir,
E noites sem dormir nem acordar...
Um sofrimento diário,
E, no entanto,
Parece que absolutamente necessário
Para que mobilizássemos nossas energias
Por dias e dias e dias e dias,
E muitas vezes
Até por meses,
Entre tomograas e ultrassonograas,
Entre hipoglicemias e hiperglicemias,
E anemias e arritmias
E outros tantos sinônimos de dor...
Fomos bordando assim nosso calvário,
E hoje,
Parece que tudo
Foi absolutamente necessário,
E nada absolutamente sem valor...
Porque a fraqueza nos fez fortalecidos,
A dor nos desenhou mais resistentes,
As ameaças tornaram-nos mais vivos
E tanta angústia, mais persistentes...
Fortalecemo-nos dos afetos dos queridos:
Esposo, esposa, pais, irmãos, parentes,
Luzes para que não quedássemos perdidos,
Sustento para que não tombássemos descrentes...
E a dor que nos fez tantas vezes tão sozinhos,
Atormentando nossos caminhos,
Fazendo nosso coração quase apagar,
70. 69
A longa
caminhada
Foi a mesma dor, condição transformadora,
Que com sua força renovadora
Nos motivou a continuar
E a mesma dor que nos fez tão diminuídos,
Foi a dor que nos tornou fortalecidos,
E nos mostrou o caminho de saída,
E a mesma dor que tentou-nos derrotados,
Foi a dor que nos trouxe hoje, renovados,
Valorizando mais que nunca a própria vida...
E a vida, como uma dádiva sagrada,
É o bem maior que em sua caminhada
Os nossos lhos vão preservando...
Vão resistindo, heróis, a tempestades,
Saindo ilesos de calamidades,
Vão escapando, vão se salvando...
E a vida, como uma graça alcançada
Por cada um deles nessa jornada,
É o bem maior que cada um vai conquistando,
Vestidos de esperanças e vontades,
Superando, como heróis, diculdades...
É a dor que em paz vai se transformando...
Aqui estamos.
Foi como se o coração parasse o calendário
E o tempo desistisse de passar,
E, no entanto,
Tudo parece ter sido absolutamente necessário
Para que chegássemos
A essa hora,
E hoje, a esse dia,
Completa e inteiramente renovados,
Dispostos como nunca a continuar...
71. 70
A longa
caminhada
Crescemos.
Com a dor que enfrentamos, amadurecemos,
Amadurecidos, aprendemos a compartilhar
A nossa dor com a dor de toda gente,
E foi isso que nos fez seguir em frente
E nos deu força pra perseverar...
Crescemos.
A dor que um dia nos fez sentir pequenos,
Foi a mesma que nos ensinou a caminhar...
Uma lição de se aprender diariamente...
Uma lição de durar eternamente...
Um aprendizado que se chama amar...
72. 71
Uma Declaração Universal
de Direitos para o Bebê Prematuro
Artigo I
Todos os prematuros nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência. Possuem vida anterior ao
nascimento, bem como memória, aprendizado, emoção e
capacidade de resposta e interação com o mundo a sua volta.
Artigo II
Todo prematuro tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido
como pessoa perante a lei.
Artigo III
Nenhum prematuro será arbitrarimente exilado de seu contexto
familiar de modo brusco ou por tempo prolongado. A preservação
desse vínculo, ainda quando silenciosa e discreta é parte fundamental
de sua vida.
Artigo IV
Todo prematuro tem o direito ao tratamento estabelecido pela ciência,
sem distinção de qualquer espécie, seja raça, cor, sexo, ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer
outra condição. Assim, todo prematuro tem o direito de ser cuidado
por uma equipe multidiscipinar capacitada a compreendê-lo, interagir
com ele e a tomar decisões harmônicas em seu benefício e em prol de
seu desenvolvimento.
Artigo V
Todo prematuro tem direito à liberdade de opinião e expressão,
portanto deverá ter seus sinais de aproximação e afastamento
identicados, compreendidos, valorizados e respeitados pela equipe
de cuidadores. Nenhum procedimento será considerado ético
quando não levar em conta para a sua execução as necesssidades
individuais de contato ou recolhimento do bebê prematuro.
73. 72
Artigo VI
Nenhum prematuro será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante. Sua dor deverá ser sempre
considerada, prevenida e tratada por meio dos processos
dispnibilizados pela ciência atual. Nenhum novo procedimento
doloroso poderá ser iniciado até que o bebê se reorganize e se
restabeleça da intervenção anterior. Negar-lhe esse direito é crime de
tortura contra a vida humana.
Artigo VII
Todo prematuro tem direito ao repouso, devendo por isso ter
respeitados seus períodos de sono supercial e profundo que
doravante serão tomados como essenciais para seu desenvolvimento
psíquico adequado e sua regulação biológica. Interromper de forma
aleatória e irresponsável sem motivo justicado o sono de um
prematuro é indicativo de maus-tratos.
Artigo VIII
Todo prematuro tem direito inalienável ao silêncio que o permita sentir-
se o mais próximo possível do ambiente sonoro intrauterino, em
respeito a seus limiares e à sua sensibilidade. Qualuer fonte sonora
que desrespeite esse direito será considerada criminosa, hedionda e
repugnante.
Artigo IX
Nenhum prematuro deverá, sob qualquer justicativa, ser submetido a
procedimento estressate apliado de forma displicente e injusticada
pela Euipe de Saúde, sob pena de a mesma ser considerada
negligente, desumana e irresponsável.
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Artigo X
Todo prematuro tem direito a perceber a alternância entre claridade e
penumbra, que passaraão a representar para ele o dia e a noite.
Nenhuma luz intensa permanecerá o tempo inteiro acesa, e nenhuma
sombra será impedida de existir sob a alegação de monitorização
contínua sem que os responsáveis por esses comportamentos
deixem de ser considerados displicentes, agressores e de atitude
dolosa.
Artigo XI
Todo prematuro tem direito, uma vez atingidas as condições básicas
de equilíbrioe vitalidade, ao amor materno, ao calor materno e ao leite
materno, que lhe serão oferecidos pelo Método Mãe-Canguru. Caberá
à Equipe de Saúde prover as condições estruturais mínimas
necessárias a esse vínculo esasencial e transformador do ambiente
prematuro. Nenhum prossional ou cargo de comando, em nenhuma
esfera, tem a prerrogativa de impedir ou negar a possibilidade desse
vínculo que é símbolo da ciência tecnocrata redimida.
Artigo XII
Todo prematuro tem direito a ser alimentado com leite de sua própria
mãe, ou na falta dela, de outra mulher, tão logo suas condições
clínicas o permitirem. Deverá sua sucção corretamente trabalhada
desde o início da vida e caberá à Equipe de Saúde garantir-lhe esse
direito, afastando de seu entorno bicos de chupetas, chucas ou
qualquer outro elemento que venha interferir negativamente em sua
sucção saudável, bem como assegurar-lhe seu acompanhamento por
prossionais capacitados a facilitar esse processo. Nenhum custo
nanceiro será considerado demasiadamente grande quando
aplicado com esse m. Nenhuma fórmula láctea será
displicentemente prescrita, e nenhum zelo será descuidadamente
aplicado sem que isto signique desatenção e desamparo. O leite
materno, doravante, será considerado e tratado como parte
fundamental da sua vida.
Luis Alberto Mussa Tavares
Publicada originalmente em 30 de abril de 2008
no site www.quasepoesia.blogspot.com
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O Autor
Filho dos professores Clóvis e Hilda, quarto dos cinco lhos do casal,
nasci no dia 6 de setembro de 1959 em Campos dos Goytacazes onde
vivi a infância e adolescência até minha partida para o Rio de Janeiro
onde completei minha formação prossional.
Médico pediatra graduado pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro em 1984, desde meu retorno à cidade Natal exerci minha
prática envolvido com o nascimento, a prematuridade, o aleitamento
materno e, alguns anos mais tarde, com o Método Mãe Canguru e o
que passou a ser conhecido como cuidado humanizado.
Dividindo meu tempo entre a medicina e a palavra, guardo meus
poemas no blog www.quasepoesia.blogspot.com
Possuo vários textos publicados, a maior parte deles voltados para o
cuidado humanizado e o aleitamento materno.
Acredito na hipótese humana cuidando da espécie humana.
Já vivi mais do que ainda vou viver, mas prero não colocar nessa
conta a poesia, a vontade, a esperança de dias melhores e a
disposição de vê-los e fazê-los acontecer.
Aprendi e acredito que as pessoas valem mais pelo que distribuem do
que pelo que guardam.
Pretendo chegar ao m da linha tendo devolvido à vida tudo que a vida
me ofereceu farta e graciosamente durante a minha passagem por
esse planeta. E porque nenhuma denição é completa, termino aqui
esse breve relato.