Amamentação e desenvolvimento sensório psico-motor dos lactentes: “Trilhos anatômicos”, bases neurais da motricidade do sistema estomatognático e suas repercussões sistêmicas.
O lactente é preparado para a amamentação desde a décima segunda semana de gestação, quando inicia o ato reflexo de deglutir o líquido amniótico. A região do encéfalo responsável pela elaboração desses primitivos atos motores é o tronco encefálico. O RN adquire controle motor no sentido céfalo caudal. Isso se dá porque a deposição de mielina obedece à mesma direção. Acrescente-se o fato de o aumento expressivo dos prolongamentos de neurônios ocorrer, principalmente, até os 2 anos de idade. A amamentação, que deve ser mantida pelo menos até que o lactente complete 24 meses de vida, ou mais, funcionaria como uma forma de estimulação perfeita durante esse período crítico do desenvolvimento motor. No lactente, fase em que predominam as ações motoras do orbicular dos lábios e do bucinador (inervados pelo facial), a deglutição é visceral. Entre 7 e 8 meses de idade ocorre a erupção dos dentes incisivos decíduos. O contato inter incisal deflagra a mudança de dominância motora do facial para a do trigêmeo. O padrão de deglutição muda de visceral para somático. Os músculos masseter, pterigoideo medial e temporal (inervados pelo trigêmeo) fazem parte da linha profunda anterior e se comunicam com o occipto frontal (inervado pelo facial), limite cranial da linha superficial posterior. A atuação conjunta dessas duas linhas miofasciais permite que o lactente abandone sua postura flexora com o fortalecimento gradual da musculatura extensora. A amamentação promove, portanto, um adequado sincronismo das ações motoras estimuladas pelos nervos facial e trigêmeo, cujos núcleos se situam no tronco encefálico e estabelecem contato com diversas vias neurais importantes para a organização dos movimentos. Influência o tônus neuromuscular, a postura e o desenvolvimento motor do lactente.
Juliana de Magalhães Faria, Antonio de Padua Ferreira Bueno, Marcus Renato de Carvalho.
Publicado na Revista Fisioterapia Ser • vol. 18 - nº 4 • 2023.
Juliana é Fisioterapeuta em instituições públicas e/ou
privadas há 22 anos, onde adquiriu experiência na área da Saúde e Educação, Pediatria, Fisioterapia em reabilitação de bebês e crianças com problemas neurológicos, estimulação sensório psicomotora, correção postural, reabilitação de pacientes com limitações ortopédicas e neurológicas...
Especialista em Atenção Integral à Saúde Materno-infantil na Maternidade Escola da UFRJ onde iniciou esse artigo que começou com o seu TCC em 2006-7.
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
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Amamentação e desenvolvimento
sensoriopsicomotor dos bebês:
“Trilhos anatômicos”, bases neurais da
motricidade do sistema estomatognático e
suas repercussões sistêmicas.
Breastfeeding and sensoripsychomotor development
of babies: “Anatomical trails”, neural bases of the
stomatognathic system’s motricity and its systemic repercussions
Juliana de Magalhães Faria1
, Antonio de Padua Ferreira Bueno2
, Marcus Renato de Carvalho3
1. Graduação – UFRJ – Janeiro 2000, Monitoria
– UFRJ – Instituto de Ciências Biomédicas,
Aprimoramento profissional RPG/RPM – Ree-
ducação Postural Global pelo Reequilíbrio Pro-
prioceptivo e muscular. CBF – UNI Sant, Anna
– SP, Fisioterapeuta Especialista em Assistên-
cia Integral à saúde materno infantil pela UFRJ.
2. Orientador. Ortodontista – Trabalha com Te-
rapia Crâniossacral.
3. Co-orientador. Docente da Faculdade de Medi-
cina da UFRJ, Editor do www.aleitamento.com
Endereço para correspondência:
Instagram: @Julianamfaria.fisio
Recebido para publicação em 08/11/2023 e acei-
to em 27/11/2023, após revisão.
Revisão
Resumo
O bebê é preparado para a amamentação desde a décima segunda semana de
gestação, quando inicia o ato reflexo de deglutir o líquido amniótico. A região do
encéfalo responsável pela elaboração desses primitivos atos motores é o tronco
encefálico. O neném adquire controle motor no sentido cefalocaudal. Isso se dá
porque a deposição de mielina obedece à mesma direção. Acrescente-se o fato de
o aumento expressivo dos prolongamentos de neurônios ocorrer, principalmente,
até os dois anos de idade. A amamentação, que deve ser mantida pelo menos até
que o lactente complete vinte e quatro meses de vida, ou mais, funcionaria como
uma forma de estimulação perfeita durante esse período crítico do desenvolvi-
mento motor. No lactente, fase em que predominam as ações motoras do orbicular
dos lábios e do bucinador (inervados pelo facial), a deglutição é visceral. Entre
cinco e oito meses de idade ocorre a erupção dos dentes incisivos decíduos. O
contato interincisal deflagra a mudança de dominância motora do facial para a do
trigêmeo. O padrão de deglutição muda de visceral para somático. Os músculos
masseter, pterigóideo medial e temporal (inervados pelo trigêmeo) fazem parte da
linha profunda anterior e se comunicam com o occiptofrontal (inervado pelo fa-
cial), limite cranial da linha superficial posterior. A atuação conjunta dessas duas
linhas miofasciais permite que o bebê abandone sua postura flexora com o forta-
lecimento gradual da musculatura extensora. A amamentação promove, portanto
um adequado sincronismo das ações motoras estimuladas pelos nervos facial e
trigêmeo, cujos núcleos se situam no tronco encefálico e estabelecem contato com
diversas vias neurais importantes para a organização dos movimentos. Influencia
o tônus neuromuscular, a postura e o desenvolvimento motor do lactente.
Palavras-chave: amamentação, sistema estomatognático, tônus neuromuscular,
postura, desenvolvimento motor.
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Abstract
The infant is prepared for breast-feeding since the tenth week of pregnancy, when it starts the reflection act of swallowing
the amniotic liquid. The brain area responsible for activating theses primitive motor acts is the brain stem. The infant acquires
motor control in the course brain-caudal. This happens because the deposition of myelin obeys to the same course. Including
the fact of a meaningful increase of the nerves occur, mainly, until 2 years old. The breast-feeding, which should be kept for
at least until the nursing infants turns twenty-four months old, or older, it will work as a way of a perfect impulse along the
critical period of the motor development. In the nursing infant, time that the motor actions of the orbicular of the lips and the
buccinator muscle (innervated by facial), the swallowing is visceral. Among fifth and eighth months old happens the eruption
of the dropping fore tooth. The internal incisor teeth contact starts the facial motor dominance to the trigeminal nerve. The
swallowing standard changes from visceral to somatic. Masseter, medial pterygoid, and temporal muscles (innervated by
the trigeminal) take part of the former deep line and communicate with the occipitofrontal (innervated by the facial), cranial
limit of the posterior superficial line. The mutual action of these two myofascial lines allow that the infants leave their flexor
posture with the gradual strength of the extensor muscles. The breast-feeding promotes, thus, an appropriate synchronism
of motor actions incited by the facial and trigeminal nerves, which nucleous are located in the brain stem and have contact
with several neural via important to the organization of the movements. Influence the muscular tone, the posture and motor
development of the nursing infant.
Keywords: breast-feeding, stomatognathic system, neuromuscular tone, posture, motor development.
Introdução
O bebê nasce prematuro ainda que sua gestação seja de
nove meses. O recém-nascido é o mamífero mais dependente
de sua mãe em comparação as outras espécies. Existe uma
relação simbiótica entre mãe e filho que vai se amenizando
de acordo com o amadurecimento das habilidades motoras
do lactente, saindo do padrão de deglutição visceral ou in-
fantil para o padrão de deglutição somático ou maduro. As
vias neurais aferentes dos nervos facial e trigêmeo recebem
e conduzem as informações que levam às ações motoras
envolvidas na amamentação e deflagram estímulos para di-
versas vias neurais que liberam movimentos e sensações no
corpo todo do recém-nascido. O bebê só estaria pronto para
nascer com quatro meses de vida pós-natal, porém seu ta-
manho seria incompatível com o espaço do trajeto a ser per-
corrido durante o parto normal. Desta forma, após um nasci-
mento natural, a melhor maneira de ajudar o recém-nascido
a se adaptar ao novo mundo, seria esperar o cordão umbilical
parar de pulsar para depois corta-lo, assim o bebê receberia
oxigênio até aprender a respirar. Em seguida, é fundamen-
tal permitir o aleitamento materno na primeira hora após o
parto, pois o contato pele a pele, o cheiro de sua mãe, e a
ação de coordenar respiração, preensão, sucção e deglutição,
provendo o leite produzido exclusivamente para o lactente,
favorecem o seu adequado crescimento e desenvolvimento.
Metodologia
Foram realizados estudos de revisão bibliográfica de li-
vros, artigos, monografias e material didático oferecido por
cursos correlacionando a organização dos movimentos com
a ação das vias neurais envolvidas no processo de preensão,
sucção, respiração e deglutição. Observações clínicas na área
de Reeducação Postural Global pelo reequilíbrio propriocep-
tivo e muscular (RPG-RPM) analisando a relação existente
entre oclusão e postura. Avaliação do binômio mãe-bebê du-
rante o processo de amamentação, avaliando a qualidade de
movimentos que o lactente executa à medida que melhora a
preensão e a sucção na mama.
Resultados e discussão
Existe uma correlação entre oclusão e postura. As vias
neurais do trigêmeo e do facial participam de ações moto-
ras durante a amamentação que proporcionam um adequa-
do equilíbrio craniofacial. A organização de mudanças no
padrão de deglutição visceral ou infantil para o padrão de
deglutição somático ou maduro, associada a alterações pos-
turais que são perceptíveis, demonstrando a organização do
corpo em forma de linhas miofasciais. Dessa forma, a ama-
mentação estimula um adequado desenvolvimento senso-
riopsicomotor do lactente, de modo que nenhum outro re-
curso utilizado para alimentar o bebê consegue proporcionar.
Desenvolvimento
De acordo com Jerusalinsky (2006, p. 60)1
, Winnicott
(2005; 2006)2
e Lacan (1998)4
, o bebê humano, mesmo nas-
cendo após nove meses de gestação, deve ser considerado
prematuro, porque só estaria pronto para nascer com quatro
meses de vida pós-natal. Em virtude da imaturidade, nesse
período há uma relação simbiótica entre mãe e filho, pois o
bebê ainda se acha dentro do útero materno. Nessa fase de seu
desenvolvimento, ele ainda não se percebe como um sujeito.
Os primeiros reflexos nervosos se iniciam entre a oitava
e a nona semana de vida intra-uterina, exatamente na região
oronasal, sendo que o reflexo de deglutição se inicia em torno
da décima segunda semana com a ingestão de líquido amni-
ótico. Por causa dessa precocidade neurorreflexa, o neonato
apresenta movimentos mais coordenados na boca. As ações
neuromusculares inerentes à amamentação contribuem para
que ele vá gradativamente definindo sua individualidade.
O desenvolvimento sensoriomotor ocorre no sentido ce-
falocaudal e occiptofrontal sendo que o tronco encefálico é
a primeira estrutura encefálica a se desenvolver (Cernach,
2006)5
. Nessa estrutura estão os núcleos dos nervos trigêmeo
e facial que inervam os músculos envolvidos nos atos de pre-
ensão, sucção e deglutição, característicos da amamentação.
A amamentação funciona como a forma mais perfeita
e fisiológica de estimular o desenvolvimento sensoriopsico-
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motor do bebê. Por isso, ela deve ser mantida até seis meses
de idade, de forma exclusiva e, até dois anos de idade ou
mais, associada a outros alimentos que deverão ser gradual-
mente introduzidos.
De trinta semanas de gestação até oito meses de vida
pós-natal ocorre o período crítico de mielinização dos neurô-
nios. Do sexto mês de vida intrauterina até dois anos de vida
pós-natal ocorre, em maior intensidade, o prolongamento
dos neurônios, do local de sua última divisão mitótica até a
região onde se localizarão definitivamente no córtex (Cer-
nach-2006)5
. Dessa forma e de modo geral, a via aérea do
bebê se libera em prono (com dias de vida) e ele se arrasta
por volta de 4 meses, engatinha e senta com 6 meses, fica em
posição ortostática aos 9 meses com apoio e anda sem apoio
por volta de um ano de idade (Bueno, 1997)6
.
Quando o bebê mama no peito, seus lábios ficam everti-
dos ao prenderem a aréola. A língua se mantém em contato
com a mama, realizando um movimento ondulatório, para
retirar o leite da mama e perfazer a deglutição. O mamilo
aumenta três vezes de tamanho, estimulando todo o palato.
Com o uso de mamadeiras, isso não acontece, seja qual for
á forma de bico utilizado (Bueno, 1991; Deodato, 2005)6,7
.
Quando o bebê nasce, sua alimentação tem de ser liqui-
da – idealmente o leite materno –, cuja ingestão se processa
com um tipo de deglutição denominada visceral ou infantil.
Nessa fase do desenvolvimento, os diversos movimentos ne-
cessários à deglutição na região oral se devem principalmen-
te à ação dos músculos periorais (orbicular dos lábios e buci-
nador, principalmente), inervados pelo nervo facial (Bueno,
1997; Deodato, 2005)6,7
.
No intervalo entre os cinco e os oito meses de idade,
quando ocorre a erupção dos dentes incisivos decíduos, co-
meça a mudança no padrão de atividade neuromuscular no
sistema estomatognático: o padrão de deglutição passa a ser
somático ou maduro (Bueno, 1997; Deodato, 2005)6,7
. O
contato entre os bordos incisais de incisivos decíduos supe-
riores e inferiores deflagra reflexos que envolvem os mús-
culos masseter, pterigóideo medial, temporal, responsáveis
principais pela mastigação, de modo que o nervo trigêmeo
passa a ter dominância funcional em relação ao nervo fa-
cial no tocante à fase oral da deglutição. Quando a dentição
decídua se completa com a erupção dos segundos molares
decíduos, o processo de mudança na atividade neuromuscu-
lar deve se consumar com o estabelecimento do padrão de
deglutição somático.
A mudança do padrão de deglutição é um evento de-
senvolvimental na área do sistema estomatognático que tem
uma relação sistêmica significativa com o desenvolvimento
postural e da coluna vertebral, além da coordenação da de-
glutição com a respiração nasal.
A normalidade funcional do sistema estomatognático
pode ser determinada pelo tríplice fechamento bucal, que
consiste na existência simultânea dos contatos interlabial,
línguopalatal (área importante para a propriocepção cons-
ciente) e linguovelar. Juntamente com o contato interincisal
essas são as áreas de maior atividade reflexógena na boca.
No neonato, a amamentação proporciona a estimulação de
todas essas áreas, o que propicia a necessária estimulação
do crescimento craniofacial e das articulações temporoman-
dibulares. Ao mesmo tempo, ativa movimentos em todo o
corpo do bebê que levam ao desenvolvimento das curvaturas
secundárias da coluna, do tônus e da postura (Bueno, 1997)6
.
A dinâmica funcional da amamentação contribui para o
desenvolvimento da coluna vertebral e da postura, visto que
o bebê, ao preender o complexo mamiloareolar deve fazer
abertura completa de sua boca, realizando também uma ex-
tensão na coluna cervical.
A relação da amamentação com a postura corporal pode
ser explicada pelo conceito de trilhos anatômicos que, se-
gundo Myers (2003)8
, consiste num sistema de estruturas
miofasciais. O recém-nascido apresenta uma postura em fle-
xão, devido a hipertonia nos membros e hipotonia no tronco
(Bueno, 1997)6
. A coluna vertebral apresenta as curvaturas
primárias, as cifoses dorsal e sacrococcígea.
Como o bebê deglute o líquido amniótico desde a 12.ª
semana de gestação a musculatura envolvida na deglutição,
na inspiração, os rotadores internos e os adutores dos mem-
bros são mais tônicos e, no seu limite cranial, fazem parte
da linha anterior profunda, inervada pelo trigêmeo e pelo
facial (Myers, 2003)8
.
No bebê, essa linha anterior profunda deve ser fortaleci-
da pela amamentação que estimula a coordenação das ações
de respiração, preensão, sucção, e deglutição, e abre caminho
para a extensão do corpo, pela ação do nervo facial, que inerva
o occiptofrontal, limite cranial da linha superficial posterior.
À medida que o bebê adquire controle anteroposterior
(linha superficial anterior – linha superficial posterior), ad-
quire também o controle motor da cabeça. Começa então a
pegar os objetos na linha média, pela ação das linhas dos
membros superiores. Inicia o rolar em bloco, pelas linhas la-
terais. Começa a arrastar e engatinhar, pelas linhas oblíquas
e funcionais, preparando-se para andar, ao dissociar as cin-
turas (Myers, 2003)8
.
Através da intercomunicação central do nervo facial
com a via vestíbulo espinal, a extensão do corpo é ativada,
formando assim as curvaturas secundárias da coluna verte-
bral, as lordoses cervical e lombar (Myers, 2003)8
.
O controle central da sensibilidade do sistema estoma-
tognático é realizada pelos núcleos do nervo trigêmeo (3 nú-
cleos sensitivos) e do nervo facial (Machado, 2006)9
. Situa-
dos no tronco encefálico esses núcleos recebem e integram
os estímulos físicos e químicos aferentes, através da subs-
tância reticular. Dando sequência às conexões centrais, os
sistemas piramidal e extrapiramidal são ativados, liberando
estímulos motores para todo o corpo. Por isso à medida que
o bebê prende melhor o complexo mamilo areolar, ele realiza
movimentos de flexão em extremidades e movimentos alter-
nados nos membros.
Os núcleos sensitivos dos nervos trigêmeo e facial são
elaboradores das aferências recebidas na área do sistema es-
tomatognático. Através da amamentação, o bebê recebe estí-
mulos físicos (propriocepção, tato, pressão, vibração, calor,
audição) e químicos (olfação e gustação). Esses estímulos
são enviados ao córtex cerebral, na maioria das vezes, via
tálamo e voltam ativando as vias eferentes (sistema pirami-
dal e extrapiramidal). Com a erupção dos incisivos decíduos
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(por volta de cinco a oito meses de idade), a língua sai de
uma posição de contato com os lábios em repouso e se posi-
ciona mais posteriormente, elevando-se e tocando no palato
duro na altura da papila incisiva. Concomitantemente, o bebê
passa a ter consciência do próprio corpo e de sua individuali-
dade, através da ativação da área de propriocepção conscien-
te (Bueno, 1991)6
. Facilitando o desenvolvimento da pro-
priocepção consciente, e a saída de uma postura em flexão,
fortalecendo de dentro para fora (linha profunda anterior, li-
nha superficial posterior, linha superficial anterior, linha dos
membros superiores, linhas oblíquas e linhas funcionais), a
amamentação também colabora para que a simbiose entre
mãe e filho vá se “amenizando” lentamente (Jerusalinsky,
2006; Goos, 2010)1,10
.
A postura em extensão do adulto se estabelece por volta
dos dois anos de idade, quando o valgo fisiológico se desfaz,
e as patelas se voltam para frente. (Myers, 2003; Machado,
2006; Doretto, 2005)8,9,11
.
O processo de coordenação da deglutição e da respira-
ção nasal ocorre porque o bebê é obrigado a respirar pelo
nariz, visto que seus lábios ficam evertidos ao prenderem a
aréola, vedando assim a entrada de ar pela boca.
O neonato deve ser amamentado, ora do lado direito e,
depois do lado esquerdo. A cabeça deve ser posicionada no
ângulo do cotovelo do membro superior de sua mãe, sendo
levado ao seio por ela, mantendo sua barriga em contato com
a dela. O bebê experimentará a sensação de transferência de
peso nos dois dimídios. A mão que está no lado não depen-
dente explora o corpo materno. Com isso, o lactente aprende
a reconhecer o ambiente e a transferir o peso com os dois
dimídios. Um ouvido fica um pouco ocluído no ângulo do
cotovelo de sua mãe, enquanto o outro é liberado para estí-
mulos auditivos, mais intensos. O contato visual entre mãe
e filho é constante. Dessa forma, a criança recebe múltiplas
aferências ao mesmo tempo. A interação com a mãe duran-
te a amamentação enseja estímulos de calor, tato, pressão,
vibração, visão, audição, gustação, além da estimulação do
palato com a postura e a movimentação corretas dos lábios e
da língua. Dessarte, ao ser estimulado ao reconhecimento do
seu próprio corpo, o bebê aprende a definir o lugar que ele
ocupa em sua família e no mundo.
A amamentação é, portanto, de todos os pontos de vista,
o método mais fisiológico e eficaz de favorecer o adequado
desenvolvimento sensoriopsicomotor do bebê e com o leite
de melhor qualidade, feito exclusivamente para ele, (Deoda-
to, 2005; Carvalho, 2005)7,12
.
Conclusão
Os primeiros reflexos nervosos se iniciam entre a oitava
e nona semana de vida intrauterina, exatamente na área oro-
nasal. O lactente apresenta movimentos mais coordenados
na boca, por isso, ele descobre sua individualidade através
das ações neuromusculares que a amamentação proporciona.
Estudos comprovam a ligação entre oclusão e postura.
Por exemplo, quando uma pessoa possui o hábito de mas-
tigar apenas de um lado, seu corpo tende a se inclinar para
esse lado. Quando o maxilar se encontra em posição muito
anterior em relação à mandíbula e à base do crânio, a ca-
beça sofre um deslocamento anterior, a cervical se retifica,
há uma diminuição da cifose dorsal e o centro de gravidade
se desloca para frente. Por outro lado, no caso da mordida
cruzada, todas as curvaturas da coluna sofrem retificação, fa-
zendo com que o centro de gravidade sofra um deslocamento
para a região posterior.
Desse modo, trigêmeo e facial recebem, comparam e
integram grande parte das informações exteroceptivas con-
duzidas pelos pares de nervos cranianos ao tronco encefá-
lico. A maioria das aferências, de alguma forma, chega ao
tálamo, segue para o cortex cerebral, onde são elaboradas as
respostas motoras conscientes (Bueno, 1991)6
. E estimulam
movimentos no corpo do bebê, se comunicando com as vias
facilitadoras de motoneurônios alfa e gama (sistema pirami-
dal movimentos de flexão em extremidades do corpo; via
corticorreticuloespinal anterior - com a mesma função do
sistema piramidal) e com a via inibidora de motoneuronios
alfa e gama (via corticorreticuloespinal lateral que propor-
ciona melhor qualidade das ações motoras).
Enfim, os movimentos decorrentes das atividades do tri-
gêmeo e do facial durante a amamentação ajudam a formar
as curvaturas secundarias da coluna vertebral e favorecem
o desenvolvimento sensoriopsicomotor dos lactentes, atra-
vés de estimulação completa das vias neurais envolvidas na
elaboração de movimentos no corpo do bebê. Fortalecendo
gradualmente a sua musculatura extensora, o bebê abando-
na a postura em flexão, fisiologicamente, à medida em que
se organiza, realizando dissociação de cinturas escapular e
pélvica para poder deambular com equilíbrio e ter reações
posturais adequadas durante o processo de mielinização dos
neurônios e de migração neuronal.
Esse fenômeno acontece durante a mudança do padrão
de deglutição infantil ou visceral para o padrão de degluti-
ção somático ou maduro que se concretiza com a mudan-
ça de dominância neuromuscular do nervo facial para a do
nervo trigêmeo.
Figura 1: Mamada com correta apreensão do complexo mami-
lo-areolar, posicionando o mamilo entre os rodetes gengivais
e os lábios, fazendo um selamento competente anterior e um
competente posterior, quando atinge a zona de união do véu do
palato mole com o palato duro e a língua ocupa quase totalmen-
te a cavidade oral. VI: válvula nasal, V2: válvula de selamento
anterior, V3: válvula do selamento oral posterior (úvula), V4:
válvula da epiglote, V5: língua e V6: laringe. (Deodato, V.)7
.
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Figura 2: Zonas de maior atividade reflexógena na área bucal:
(1) Contacto interlabial; (2) Contacto interincisal; (3) Contacto
linguopalatal; (4) Contacto linguovelar. (Bueno, A.P.deF.)6
Figura 4: As alternâncias entre as curvaturas primárias e secun-
dárias da coluna podem ser observadas à medida que se esten-
dem por toda a parte dorsal do corpo. A LSP ascende por trás de
todas essas curvaturas. (Myers, T.W.)8
Figura 3: Linha Profunda Anterior. (Myers, T.W)8
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