Este trabalho tenta sensibilizar aos professores e professoras para a produção de
vídeo na escola, como ferramenta para o sucesso da Inclusão no Ensino
Fundamental e Médio, enquanto instrumento de motivação, objeto de estudo e
amplo poder de intervenção social, que precisa ser aproveitado e conhecido, para o
domínio de seus mecanismos, como linguagem e como tecnologia, para favorecer o
espírito crítico dos alunos, especialmente em relação às televisões comerciais.
Seus três capítulos, buscam estabelecer a inter-relação da Educação/
Comunicação, sob o paradigma de um novo campo de estudos, a Educomunicação,
apresentando: uma breve história da Escola, através dos tempos; a influência dos
Meios de Comunicação de Massa na Cultura, nos costumes e sobre a forma de
aprender e apreender o mundo; e, ainda, uma pedagogia da comunicação a serviço
da cidadania.
1. UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO – RIO DE JANEIRO
INTELIGÊNCIA EDUCACIONAL E SISTEMA DE ENSINO / IESDE - PR
PROGRAMA DE ESPECIALIZAÇÃO DOCENTE / CURITIBA - PR
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A PRODUÇÃO DE VÍDEO NA ESCOLA: INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO E APRIMORAMENTO DO SENSO CRÍTICO.
Gladis Xavier Maia
Triunfo, RS, julho de 2005.
2. GLADIS XAVIER MAIA
Aluna do Curso de Pós-Graduação em Educação Inclusiva
Turma 432200001 - Matrícula 004511
A PRODUÇÃO DE VÍDEO NA ESCOLA: INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO E APRIMORAMENTO DO SENSO CRÍTICO.
Trabalho monográfico de conclusão do
Curso de Pós-Graduação em Educação
Inclusiva (TCC), apresentado à UCB como
requisito parcial para a obtenção do título
de especialista em Educação Inclusiva,
sob a orientação da professora Maria das
Graças de Campos.
Triunfo, RS, julho de 2005.
3. 2
A PRODUÇÃO DE VÍDEO NA ESCOLA: INSTRUMENTO
DE INCLUSÃO E APRIMORAMENTO DO SENSO CRÍTICO.
Elaborado por Gladis Xavier Maia
Aluna do curso de Pós – Graduação em Educação Inclusiva da UCB
Foi analisado e aprovado com
Grau: ........................
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Membro
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Membro
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Professora Orientadora
Presidente
Triunfo, julho de 2005.
5. 4
Dedico este sonho aos meus pais,
primeiros mestres com os quais pude
contar e me ensinaram a ser uma pessoa
ética, aos demais educadores que integram
a minha longa carreira de estudante
e me ensinam a sonhar, e a todos os
meus, e aos outros alunos, razão de ser
deste trabalho e ao meu companheiro
Cli com quem pretendo tornar ação
boa parte das idéias aqui expressas.
6. 5
Agradeço ao Criador que tem me dado tempo
de vivenciar meus diversos tempos: de imaginar,
criar, rascunhar, revisar, copidescar, passar a
limpo e no prelo demorar, ou não, os textos todos
de minha vida,chegando harmoniosamente aos
hipertextos.
Agradeço à vida por dar-me também tempo de
estar vivendo entre videoclipes de todos os
tamanhos, gêneros e filosofias, especialmente
a da Inclusão.
7. 6
As escolas se dedicam a ensinar os saberes científicos, visto que
sua ideologia científica lhes proíbe lidar com os sonhos coisa
romântica!. Assombra-me a incapacidade das escolas para criar
sonhos.Enquanto isso, os meios de comunicação (principalmente a
TV), que conhecem melhor os caminhos dos seres humanos, vão
seduzindo as pessoas com seus sonhos pequenos, freqüentemente
grotescos. Assombra-me a capacidade desses meios para criar
sonhos. Mas de sonhos pequenos e grotescos só podem surgir um
povo de idéias pequenas e grotescas. Se o Ministério da Educação
for só um gerenciador dos meios escolares, será difícil ter esperança.
Pensei, então, que o ministério talvez tivesse o poder e imaginação
para integrar os meios de comunicação a um projeto nacional de
educação: semear os sonhos de beleza que se encontram no
nascedouro de um povo. Assim, realizaria a sua vocação política de
criar um povo.
Rubens Alves, in Carta ao Min.da Educ.Paulo Renato Paim.
8. 7
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................... 07
ABSTRACT.................................................................................................. 08
INTRODUÇÃO............................................................................................. 09
1. A ESCOLA PELOS SÉCULOS SECULORUM........................................ 16
1.1 Da informalidade oral, nos seus primórdios, à chamada educação
regular. ................................................................................................. 22
1.2 Da educação especial, ao espargir da educação inclusiva. ................. 32
1.3 Uma escola regular de especial qualidade para todos ou a escola
cidadã que sonhamos construir. ......................................................... 80
2. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA, ENQUANTO DESAFIO
CONTEMPORÂNEO À ESCOLA. ...................................................... 133
2.1 Um novo jeito de compreender, para além das disciplinas, através de
uma percepção holística. ................................................................... 147
2.2 Aprender e ensinar, com prazer, educando para os meios de
comunicação. ....................................................................................... 166
3. POR UMA PEDAGOGIA DA COMUNICAÇÃO, A SERVIÇO DA
FRATERNIDADE, NUMA SOCIEDADE INCLUSIVA. ...................... 181
3.1 Educomunicação, um paradigma em construção. .......................... 191
3.2 O vídeo como instrumento de inclusão, na formação de cidadãos
éticos, críticos e participativos............................................................... 201
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. ..... 218
APÊNDICES ............................................................................................. 223
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 275
9. 8
RESUMO
Este trabalho tenta sensibilizar aos professores e professoras para a produção de
vídeo na escola, como ferramenta para o sucesso da Inclusão no Ensino
Fundamental e Médio, enquanto instrumento de motivação, objeto de estudo e
amplo poder de intervenção social, que precisa ser aproveitado e conhecido, para o
domínio de seus mecanismos, como linguagem e como tecnologia, para favorecer o
espírito crítico dos alunos, especialmente em relação às televisões comerciais.
Seus três capítulos, buscam estabelecer a inter-relação da Educação/
Comunicação, sob o paradigma de um novo campo de estudos, a Educomunicação,
apresentando: uma breve história da Escola, através dos tempos; a influência dos
Meios de Comunicação de Massa na Cultura, nos costumes e sobre a forma de
aprender e apreender o mundo; e, ainda, uma pedagogia da comunicação a serviço
da cidadania.
Palavras-chave
Comunicação – Educação Inclusiva – Cidadania - Pedagogia - Vídeo
10. 9
ABSTRACT
The object of this work is to make teachers sensible to video production at school.
Video can be used as a tool for a successful inclusion in Elementary and Secondary
Education, as a motivation instrument, and an object of studies, with a wide social
intervention power. Likewise, it may be known and utilized as a language and
technology, and to facilitate the students’ criticism, specially concerning commercial
television.
The three chapters try to establish the Education/Communication interrelation
under the paradigm of a new field of studies, the Educommunication, which presents:
a brief School history through the years; the influence of the Mass Communication
Means on Culture, habits and ways of learning and understanding the world; and a
communication a pedagogy for citizenship as well.
Key words
Communication – Inclusive Education – Citizenship – Pedagogy – Video
11. 10
INTRODUÇÃO
Esta monografia é composta por uma revisão bibliográfica sobre: os Meios de
Comunicação de Massa – focalizando mais especificamente a TV comercial – e sua
influência sobre a Cultura como um todo, e o sujeito - em especial o sujeito
aprendente - numa inter-relação das áreas da Educação/Comunicação, através de
um novo campo de intervenção social, a Educomunicação; e o paradigma da
Inclusão.
Esta sistematização pretende sensibilizar aos professores e professoras para a
produção de vídeo na escola, como ferramenta de motivação para o sucesso da
Inclusão no Ensino Fundamental e Médio. Busca também construir um novo olhar
para o vídeo no seio da comunidade escolar, apontando-o como objeto de estudo e
amplo poder de intervenção social, que precisa ser aproveitado e conhecido, para o
domínio de seus mecanismos, enquanto linguagem e como tecnologia, para
favorecer o espírito crítico dos alunos, especialmente em relação às televisões
comerciais.
As mudanças pelas quais a sociedade contemporânea vem passando com
os avanços da tecnologia – especialmente em pleno contexto da implantação da
Inclusão na escola brasileira - preocupa a quantos se interessam pela eficiência do
ensino, na medida que ocasionam modificações vultosas nos campos da Educação
e da Comunicação. A primeira tornando-se obsoleta em seus métodos e enfoque e
12. 11
despreparada na qualificação de seus agentes e a segunda mostrando-se, por
vezes, perniciosa, principalmente por estar sujeita a regras do mercado que não
se coadunam com os valores da educação e da ética sustentados pelos
educadores.
Parece natural, que essas mudanças aproximem as duas áreas de
atuação - Educação e Comunicação - pelas necessidades convergentes que
suscitam e, isto já está acontecendo, através do trabalho de vários estudiosos
de ambas as áreas, em nível autodidata, com ou sem apoio público, na efetivação
de suas pesquisas e projetos envolvendo os meios de comunicação de massa,
especialmente junto ao NCE/ECA/USP Núcleo de Comunicação e Educação, da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, coordenado pelo
professor Dr. Ismar de Oliveira Soares, que vem trabalhando, através de
pesquisas, que visam reunir tudo que vem sendo desenvolvido nesta área, em
toda a América Latina e constituindo um novo campo de estudo, ou paradigma
nascente : a Educomunicação, a serviço do ensino.
Ao longo dos tempos, os recursos tecnológicos como o rádio e a televisão
tiveram muita dificuldade de serem absorvidos pelo campo da educação,
especialmente por seu caráter lúdico e mercantil, ocasionando a resistência dos
educadores em dialogar com a tecnologia, da mesma forma que a necessidade de
reverter-se este quadro para situar a escola mais para a vanguarda do que para a
obsolescência, é coisa para poucos inovadores, para não se falar revolucionários.
Os educadores que não atentam para esta obsolescência, parece não se darem
conta do fato de ser muito difícil resistir aos apelos da linguagem dos meios de
comunicação, com suas estratégias usadas para criar o apelo ao consumo,
embrulhadas em pura sedução e convencimento - especialmente na TV, que
conta com o reforço considerável da força da imagem em movimento. Estes
alheiam-se ao seu papel, enquanto formadores de opinião, pois exatamente por seu
caráter e pelas suas demais características, esta linguagem, precisa e deve ser
manipulada até a exaustão, enquanto objeto de estudo nas escolas.
13. 12
São educadores que parece que não levam em conta também que o vídeo pode
enriquecer a aprendizagem e a comunicação, facilitando a exposição de um tema.
Ao contrário das aulas expositivas ele é um método que aproxima, ao possibilitar a
releitura do cotidiano, com suas linguagens múltiplas, superpostas e interligadas,
auxiliando na informação, tornando a sua mensagem essencialmente sensorial e
visual, residindo aí a sua maior força. Atuando através da música, do desenho, da
fotografia, da palavra falada e escrita, do gestual, do teatro, da dança, etc.,
contemplando as Inteligências Múltiplas de Gardner ou a Inteligência Multifocal de
Augusto Cury,entre outras teorias.
Mais ainda porque na cabeça do aluno vídeo não é aula, umbilicalmente ligado
à TV ele relaciona-o ao prazer e lazer, colaborando para que o estudante
aprenda brincando por assim dizer, motivo pelo qual precisa ser aproveitada essa
expectativa positiva para atraí-lo para os assuntos que interessam ao
planejamento pedagógico.
Na opinião desta autora, a aprendizagem da “leitura” das peças publicitárias
veiculadas na TV é tão importante na formação de um telespectador crítico, quanto
o estudo e análise dos noticiários e das telenovelas, onde depois de estabelecidas
as diferenças entre ficção e realidade, podem ser discutidos os modelos de
comportamentos ali apresentados. Até porque uma parcela considerável da
população os copia e copiados podem virar hábitos que forjam espaços
alienígenos à cultura local, com sua peculiar criação de modas.
Se for levado em conta também que a produção de vídeo pode motivar todos os
alunos para o convívio escolar, com bastante intensidade – e o vídeo é muito bom
nisto - para brincarem de fazer televisão, enquanto aprendem, e, em especial
segurar aqueles alunos que, por apresentarem necessidades educativas, com
ou sem deficiência, se evadem da escola, por não se sentirem bem lá, devido aos
inúmeros insucessos, ou por medo de falhar.
E, se a inclusão implica em caminhar rumo à escola para todos, onde seja
celebrada a diferença e atendidas as NEE, através de uma pedagogia
centrada no aluno, dando oportunidades curriculares que se adaptem a sujeitos com
14. 13
diferentes interesses e capacidades, é inegável ainda que o vídeo tem mais
facilidade para abranger um leque maior de interesses.
Abra-se então às portas da escola para a sua majestade o vídeo. Pois a escola
inclusiva tem a responsabilidade de assegurar que o aluno deficiente seja um
membro integrante e valorizado na sala de aula ou no grupo e a produção de
vídeo pode inseri-lo de diversas formas, até mesmo como assunto, tema, matéria
de estudo - no caso o próprio deficiente pode ser entrevistado - ou seus
familiares, na sua impossibilidade - outras pessoas acometidas da mesma ou de
outras deficiências que são exemplos de superação ao conseguirem se inserir
satisfatoriamente na sociedade, suas famílias, a deficiência em si, os
especialistas que tratam dela e outros quaisquer elementos a ela ligados. A
Escola em si é tema de trabalho, a rua, a comunidade, o mundo, a vida, aqui e em
qualquer lugar.
O objetivo primordial desta monografia é aliar os estudos da autora, enquanto
professora de português, psicopedagoga e jornalista, com passagem pela TVE do
Rio Grande do Sul, nas funções de repórter, produtora e editora, para implementar
procedimentos voltados à apropriação dos meios e das linguagens de comunicação,
abrangendo os professores da Rede de Ensino de Triunfo que estão cursando as
duas turmas de pós-graduação de Educação Inclusiva do IESDE, com a finalidade
de capacitá-los como educomunicadores – profissionais aptos a elaborarem as
ações comunicativas de inter-relação da Educação/Comunicação no espaço
educativo, seja através da coordenação e gestão do processo ou assessorando os
outros Educadores no adequado uso dos recursos de comunicação ou, ainda,
promovendo ele(a) mesmo(a) o uso, cada vez mais intenso, da tecnologia de
produção de vídeo como um recurso tecnológico que facilita a produção cultural, o
resgate da cidadania e a inclusão da diversidade, na medida que remete o sujeito
singular para o espaço coletivo e plural da cultura e da comunicação.
Entenda-se a produção de vídeo no espaço educativo e na comunidade
circunscrita à Escola como recurso tecnológico: a serviço da formação de valores
solidários e democráticos para a transformação do ambiente em que vivem os
15. 14
alunos; instrumento apropriado ao desenvolvimento do currículo, seja através de
conteúdos programáticos, das mais variadas disciplinas ou através de projetos
que visem promover campanhas sociais e humanitárias, em prol da ética e da
mudança de comportamento em relação aos preconceitos de qualquer natureza;
ferramenta que contempla com maior facilidade os diferentes gostos, habilidades e
capacidades dos sujeitos , no processo de ensino-aprendizagem, já que possibilita
um trabalho bastante diversificado, envolvendo pré-produção, produção e pós-
produção, e várias linguagens e conseqüentes formas de apreender as mensagens
produzidas a serem comunicadas e re-trabalhadas, posteriormente.
Como já foi referido, esta monografia constitui-se, fundamentalmente, numa
revisão bibliográfica, acrescida das idéias da autora nos seus dois campos de
atuação. Os três capítulos, que a compõem, buscam estabelecer a inter-relação da
Educação/ Comunicação, à luz da Educomunicação.
Esta modalidade de pesquisa é muito comum na área de
ciências humanas e sociais tanta a Educação, como a comunicação, são
áreas sociais] dada à natureza do estatuto epistemológico que compõe
esta área. Seu objetivo é buscar compreender as principais
contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema-
problema, considerando-se a produção existente.
Horn e Diez (203, p. 73).
Para sua execução foram consultados diversos autores, conforme pode-se ver
nas referências bibliográficas, entre os quais destacam-se, na área da Inclusão:
Maria Teresa Egler Mantoan, Rosita Edler Carvalho, Susan e Willian Stainback, Piter
Mittler, Leny Magalhães Mrech, Romeu Kazumi Sassaki e Cláudia Werneck.Na área
de Comunicação o embasamento maior concentrou-se em: Pierre Babin e Marie-
France Kouloumdjian, Walter Bezerra, Edgar Morin, José Manuel Moran , Heloisa
Dupas Penteado e Ismar de Oliveira Soares.
O primeiro capítulo, traça uma breve história da Escola, desde os seus
primórdios, até os dias de hoje, dá conta de onde andavam os deficientes durante
16. 15
este percurso, fala da Escola Especial, da Inclusão e da escola acalantada nos
sonhos e cantada em prosa por esta autora. O segundo fala de um sujeito antes e de
um sujeito depois do advento da televisão, da influência dos Meios de Comunicação
de Massa na formação deste último e suas marcas deixada na Cultura, e ainda de
uma nova maneira de compreender, de aprender e apreender a vida. E o último
explicita uma forma de trabalhar-se com o vídeo na escola, para que a comunidade e
os cidadãos que a freqüentam tornem-se mais solidários, justos, participativos e
éticos, a caminho de uma sociedade inclusiva.
17. 16
O educador progressista não pode prescindir da pedagogia da
autonomia.Uma pedagogia fundada na ética, no respeito à dignidade e
à própria autonomia do educando. Como os demais saberes,este
demanda do educador um exercício permanente. E a convivência
amorosa com seus alunos. E na postura curiosa e aberta que assume
rosa
e,ao mesmo tempo, provoca os a se assumirem, enquanto sujeitos
provoca-os
sócio-histórico culturais do ato de conhecer, é que ele pode falar do
histórico-culturais
respeito à dignidade e autonomia do educando. [...] A compe
competência
técnico-científica e o rigor, de que o professor não deve abrir mão, no
científica
desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a
amorosidade necessária às relações educativas.
Paulo Freire (2003, p.10).
18. 17
1. A escola pelos séculos seculorum ...
Uma onda crescente de violência e guerras que assola o mundo, taxas elevadas
de juros, desemprego, poluição, falta de assistência à saúde e tantos desastres
ecológicos, ao final do século XX - e que se estendem nos primórdios do século XXI
- são, na opinião de Fritjof Capra - autor de O Ponto de Mutação e o Tal da Física, -
prenúncios de uma crise de percepção, que reúne tudo isto e muito mais de negativo
no e para o universo.
A descrição e a inserção do homem num mundo globalmente interligado, no
qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos
interdependentes necessita, para se efetivar, de uma perspectiva ecológica que a
visão mecanicista-newtoniana não oferece. Faz-se mister um paradigma que traga
no bojo uma nova visão da realidade. Uma mudança fundamental, na maneira de
pensar e na escolha de valores. Trata-se da visão holística, do grego holos:
totalidade. Refere-se a compreensão da realidade em função de totalidades
integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores.
Segundo Capra (1982), a nova visão do mundo sugerida pela física quântica não
é compatível com a sociedade atual; não reflete o harmonioso estado de
relacionamento que se observa na natureza. Para se alcançar tal estado de
equilíbrio dinâmico, seria necessário uma estrutura social e econômica radicalmente
diferente. Uma revolução cultural, na verdadeira acepção da palavra.
A sobrevivência de toda a civilização pode depender da realização de tal
19. 18
mudança. A vida está mudando - não mais paulatinamente, mas aceleradamente,
com o advento das novas tecnologias - e continuará a mudar num ritmo cada vez
mais estonteante. E, nesta transição, a quem cabe as maiores responsabilidades
para auxiliar a esclarecer, a compreender, a preparar para os novos tempos os
novos homens, se não a quem, a quantos, e a todos, que têm por incumbência
educar e em especial aos professores?
Quando a vida social mudava paulatinamente a ação educativa da família e da
Escola não oferecia maiores dificuldades. Aos filhos cabiam viver como os seus pais
e a estes como os seus avós. A educação podia se constituir na transmissão de
idéias, atitudes e sentimentos. Os valores já estabelecidos, quase que
uniformemente, iam também sendo transmitidos de geração a geração. A docilidade,
a conformidade, a passividade, por assim dizer, era a meta.
Mudaram os tempos, mudaram os valores. Conhecimentos, técnicas, padrões de
vida social e moral, tudo em fase de revisão. Torna-se necessário emergir das
famílias - e em especial dos bancos escolares - educandos com espírito crítico e
capacidade criadora para enfrentar a instabilidade que estas mudanças geram. Um
aluno confiante em si mesmo, em suas capacidades e possibilidades como indivíduo
e como membro de uma comunidade fraterna, que abrigue e de vez e voz a todos os
seus membros.
Tudo aponta, nos dias de hoje, para uma época de revisão dos fins e dos meios
da Educação, que precisa deixar de ter o controle autoritário nas mãos. O
autoritarismo, enquanto detentor da verdade e do conhecimento, precisa dar lugar a
outros métodos e modelos que conduzam à criação de uma autoridade interna em
cada indivíduo, bem como à consciência de grupo, para que a expansão da
democracia e da cidadania, como sistema de vida, possa ser considerada um
objetivo e condição necessária ao desenvolvimento individual.
E hora de revisar, para poder suprir, a ação educativa da família, que vem
declinando do seu papel, consideravelmente. Com o afrouxamento da relação mãe-
filho, conseqüência do afastamento da mulher, pelo trabalho fora do lar, mais tarefas
20. 19
couberam à escola, que precisa, acima de tudo, formar alguém capaz de pensar e
agir por si mesmo, livremente, sem preconceitos e, através de decisões altruísticas,
preferindo o bem social à qualquer vantagem ou bem individual.
Paulo Freire, ao longo de sua vida e obra, e, em especial em A Pedagogia do
Oprimido, sempre enfatizou que se valoriza muito a consciência ingênua nas
escolas, em detrimento da consciência crítica. Segundo o educador, a transição de
um para o outro tipo de consciência, passa obrigatoriamente por um processo
educativo de conscientização, não havendo nada que mais impeça essa
conscientização do que uma educação que não jogue o educando às experiências
do debate e da análise dos problemas, lhe proporcionando condições de verdadeira
participação.
Enquanto na consciência ingênua há uma busca de compromisso, na
consciência crítica há um compromisso: o homem consciente tende a se
comprometer com a própria realidade. Na consciência fanática há uma entrega
irracional. O fanatismo é próprio do homem massificado. O indivíduo que age pela
consciência ingênua revela simplismo na interpretação dos problemas, não há
aprofundamento. Há uma tendência em aceitar as formas massificadoras de
comportamento, que podem levar ao fanatismo.
Quem possui consciência crítica indaga, investiga, força, choca, aceita e delega
responsabilidades. Sabe que é, na medida que é, e não pelo que parece. Procura
livrar-se dos preconceitos e está aberto a revisões.
Observando-se superficialmente a escola ficamos com a impressão de que
somente os mais aptos, os mais inteligentes e estudiosos têm acesso aos níveis
superiores do ensino. Parece natural que o a aluno fracassado se culpe e convença-
se de sua própria ignorância...
Falhando na sua tarefa pedagógica a escola passa a apontar cada vez mais uma
série de patologias nos estudantes. Mas o que é pedagógico e o que é patológico ?
Quem pode fazer este diagnóstico ? E a dimensão social onde se localiza ? Não dá
para esquecer que os alunos chegam à escola marcados por profundas
21. 20
desigualdades sócio-culturais, e, que ao tratá-Ios de forma idêntica está se
legitimando e reproduzindo estas desigualdades.
A Psicologia afirma que se alguém não quer aprender, não o deseja, por qualquer
motivo, não há aprendizado. O problema pode residir fundamentalmente no
professor ou no seu método, mas também naquilo que é ensinado, bem como numa
combinação entre diferentes proporções de tais elementos.
No início do século passado, Freud já colocava que um professor tem o poder de
influência sobre o aluno através de suas relações afetivas e não através de
conteúdos ministrados que o agradem ou possam interessá-Io. A motivação
subjacente de uma pessoa tem marcados efeitos, tanto sobre ela, como sobre seus
circundantes, nos dita a Sociologia.
Existem fatores que são motivos de grandes conseqüências sociais, tais como: a
luta pela liberdade e pela sobrevivência; a busca pela segurança; o desejo de vencer
na vida e alcançar os seus ideais; a aspiração por uma vida melhor... Certas
necessidades humanas universais, como: a necessidade de afeição, a de pertencer
a um grupo social, a de ser respeitado pelos outros, são fatores de interdependência
também.
Um grupo social - e a escola é parte integrante disto - deve prover não só as
necessidades individuais, que requerem satisfação, como também uma atividade de
grupo integrada e produtiva, na busca de homens e dias melhores, numa sociedade
inclusiva. Em casa, na Escola, na vida, precisamos perder o medo de dar e receber
sentimentos positivos.
Freqüentemente, mesmo em relação aos filhos, ama-se para controlar, ao invés
de amar porque se gosta deles. Rogers (1983) apresenta uma metáfora muito
compreensível a este respeito, dizendo que um dos sentimentos mais gratificantes
que conhece e que oferece possibilidades de crescimento está no fato de apreciar-
se alguém como se aprecia a natureza. Para ele, assim como para Freire, as
pessoas são infinitamente bonitas, como um pôr-do-sol, que ao ser admirado não
sofre nenhuma restrição. Ninguém fica a dizer-lhe:
22. 21
Diminua um pouco o tom de laranja no canto direito, ponha um
pouco mais de vermelho púrpura na base e use um pouco mais de rosa
naquela nuvem. Não faço isso. Não tento controlar um pôr-do-sol. Olho com
admiração a sua evolução. Gosto mais de mim quando consigo contemplar
assim um membro da minha família, equipe, ou meu filho, minha filha: meus
netos. Acredito que esta atitude tenha algo de oriental. Para mim é mais
gratificante.
Rogers (1983, 14).
Qualquer pessoa é uma ilha e só pode construir uma ponte para comunicar-se
com as outras ilhas se, primeiramente, dispor-se a ser ela mesma, e se lhe é
permitido ser ela mesma, como referenda Rogers (1961) “Descobri que é quando
posso aceitar outra pessoa, o que significa especificamente aceitar os sentimentos,
as atitudes e as crenças que a constituem como elementos integrantes reais e vitais,
que eu posso ajudá-la a tornar-se pessoa: e julgo que há nisto um grande valor.”
(p.235).
Que bom que os professores da escola inclusiva conseguissem esse olhar de
Rogers, para verem e trabalharem com seus alunos, numa escola de especial
qualidade para todos.
23. 22
Escola é o local onde as gerações se encontram, se entendem se
reconhecem como parte de um todo humano e social indivisível,
desenvolvendo juntos a técnica, a intuição a flexibilidade e a arte de
formar, entre si, parcerias indispensáveis pa o futuro da nação. Nesse
para
modelo de escola as dificuldades e as limitações (reais, temporárias ou
não) de cada estudante, funcionam como estímulo para o enfrentamento
dos desafios da vida comunitária, que com certeza transcendem os limites
do ensinamento que as salas de aula, hoje, proporcionam aos alunos .
sinamento
Werneck (1999, p. 153).
24. 23
1. 1 Da informalidade oral, nos seus primórdios, à chamada educação regular.
Desde os primórdios da civilização, dentre as práticas humanas que mais se
destacam, está a educação, provavelmente, pela profundidade de sua influência na
existência dos homens. Por isso mesmo, a educação precisa, além de ser praticada,
ser pensada em seus sentido e significado, tanto para as pessoas, como para a
sociedade. E, no atual momento, no que diz respeito, em particular, a educação
brasileira, a hora é de se repensar o processo e re-significá-la, em plena crise,
quando não satisfaz nem a uma, nem a outra dimensão. Na troca de paradigmas,
iminente, a Escola Inclusiva pede passagem à Escola Tradicional, que reinou até
quase o final do século XX.
Carvalho (2004), referindo-se às correntes históricas na área da Educação relata
que a Pedagogia da Exclusão tem origens remotas, condizentes com a concepção
de homem e de mundo que esteve em vigor, ao longo dos tempos.
Na Antigüidade Primitiva a Educação era essencialmente para a satisfação das
necessidades. Espontânea, calcada na imitação e na verbalização. Era igual para
todos, todos eram alunos e todos eram educadores.
Na Antiguidade Clássica, destacava-se o pensamento pedagógico grego, que
deixou raízes singulares, na medida que, até hoje, é destacado seu avanço para a
época. A par do avanço, a cultura grega excluía as mulheres e os pobres. A
25. 24
Educação Integral – formação do corpo e do espírito do homem – era destinada
apenas aos homens livres, os guerreiros e escravos não tinham direito ao processo
educacional “acadêmico”. Da mesma forma a Cultura Romana, no mesmo período,
também excluía os escravos da Educação Integral.
Na Idade Média, a bagagem greco-romana mesclou-se com as idéias cristã e a
Educação letrada destinava-se ao clero e à nobreza. Os trabalhadores aprendiam
pela tradição oral, apenas a cultura da sobrevivência. Foi nessa época, no século
XIII, que surgiu a primeira universidade. Novamente a cultura do corpo não era
importante.
Em paralelo - nessa mesma época - segundo Casarin (1997), os valores da
Grécia Antiga, consideravam qualquer deformidade humana como ira divina, ameaça
ao rei ou à comunidade. Diante disso, as crianças portadoras de deficiência eram
expostas, o que significava que eram abandonadas à própria sorte para morrerem. A
exposição era um ritual de purificação, que tinha como fim a expulsão dos seres
maléficos. Caso os deficientes sobrevivessem, ao período de exposição,
transformavam-se em seres benéficos, redentores para a sociedade que os banira.
Édipo e Perseu, são exemplos de exposição na Grécia.
Com o advento do Cristianismo, os portadores de deficiência passam a ser filhos
de Deus e assistidos em suas necessidades básicas, mas não havia qualquer
preocupação com seu desenvolvimento e com a sua educação.
No Renascimento, houve uma revalorização das idéias pedagógicas greco-
romanas, tornando a Educação mais prática e retomando a cultura do corpo. A
Educação continuava como privilégio do clero, dos nobres e agora da burguesia
emergente.
A idade Moderna foi palco da ascensão de uma nova e poderosa classe que se
rebelava contra os modelos vigentes. O homem mais interessado pela natureza
passa a estudar: Astronomia, Matemática, Artes, Medicina, Biologia, dentre outras
áreas. A Revolução Francesa marcou o período do Iluminismo, caracterizado pelo
26. 25
apego dos pensadores à racionalidade e às lutas em favor das liberdades
individuais, contra o absolutismo do clero e da nobreza.
A teoria educacional decorrente desses ideais pode ser considerada
revolucionária para a época, porque afirmava os direitos do indivíduo e se apoiava
no humanismo igualitário, recomendando que o processo civilizatório deveria ser
universal; “[...] lamentavelmente, a desejada universalidade, mais uma vez não se
referia a todos indistintivamente, pois os lemas eram: às classes dirigentes,
educação para governar; à classe trabalhadora, educação para o trabalho.” Carvalho
( 2004, p. 23).
Quanto aos portadores de deficiência, na Idade Média, prevalecia a seu respeito
uma ambivalência bem considerável. Podiam tanto ser tidos como pessoas
escolhidas para missões divinas especiais, como também seres dominados por
forças malignas, idéia dos supersticiosos. Portanto seu destino podia resultar em
proteção ou sacrifício.
Entretanto, a ambigüidade presente na Grécia Antiga e na Idade
Média, ainda pode ser observada nos dias de hoje. Pessoas envolvidas
com portadores de deficiência mostram atitudes de aproximação e de
afastamento, aceitação e rejeição. Nota-se no ambiente familiar uma
tentativa de proporcionar autonomia, mas com proteção e cuidado
excessivos, o que não favorece a experimentação e o desenvolvimento.
Também entre os profissionais há uma ênfase na autonomia e
integração, mas o que se nota é uma proliferação de serviços super-
especializados que podem impedir que as pessoas portadoras de
deficiência tenham uma vivência de ambientes ‘normais’ que facilitariam
um processo natural de integração.
Casarin ( in MANTOAN 1997, p. 216).
A partir do século XIX surgem os Projetos Positivistas e os Socialistas, baseados
nos ideais Iluministas. Com o Positivismo foi atribuído à Educação e à Ciência a
capacidade de renovar os costumes e reorganizar a sociedade: “Ordem e
Progresso”! Segundo os ideais do Positivismo há a necessidade de que haja homens
27. 26
de sensibilidade (para refletirem) e homens de ação. Teoria segregacionista e
elitista, que prevalece ainda fortemente até nossos dias, “explicando, (sem
absolutamente justificar) a elitização da educação e a conseqüente exclusão a que
nossos aprendizes estão sujeitos, ou porque não chegam às escolas ou porque
delas saem, prematuramente, e indevidamente qualificados para o exercício da
cidadania.” Carvalho (2004, p. 24).
Mas, do Positivismo cabe ressaltar o benefício da introdução da “crítica” no
pensamento pedagógico, bem como a influência que exerceu no movimento
escolanovista, nos anos 30, cuja essência constituiu-se no aprender fazendo numa
escola ativa, que perdura nas correntes teóricas mais recentes.
Já o movimento pedagógico socialista originou-se – na segunda metade do
século XX – como oposição à concepção burguesa, com um viés eminentemente
político. Nascido nas camadas populares, objetivando a democratização do ensino,
desmistificou-se o otimismo da Escola Nova. Paulo Freire e Ira Shor citados por
Carvalho (2004) observaram que a escola tanto poderia servir para a construção da
cidadania como prática libertadora, como para as práticas de dominação, o que
parece mais freqüente.
A autora, na obra citada, observa ainda que apesar das críticas ao modelo
escolanovista, ele trouxe contribuições importantes, especialmente na questão das
metodologias de ensino, tais como as inovações que levaram o rádio, a TV, o vídeo
e o computador para a sala de aula e sua conseqüente rede de informações jamais
imaginadas antes.
No estágio Pós-moderno a escola reproduz o status quo vigente, na medida em
que alimenta os movimentos geradores da desigualdade social. Entendendo como
Carvalho, que acredita que a educação é tanto um ato pedagógico como político, e
que o traço mais marcante, nas correntes teóricas atuais, no âmbito da educação, é
a valorização da pessoa do educando, enquanto aprendiz e ser histórico, político e
social - isto é, como cidadão – tem-se muita esperança na mudança ocasionada
pela troca de paradigma no terreno da educação, que ora se processa.
28. 27
Com a responsabilidade de fazer a mediação entre o indivíduo e a sociedade, a
escola apresenta-se, nos dias atuais, como uma das mais importantes instituições,
por ter na sua práxis a responsabilidade de fazer a mediação entre o indivíduo e a
sociedade. Ao transmitir - através da cultura - modelos sociais de comportamento e
valores éticos, ela permite que a criança socialize-se, eduque-se, humanize-se,
perceba o seu bem estar - e o do próximo também - como responsabilidade sua.
Convém lembrar que essa instituição chamada escola nem sempre existiu e
também não foi fruto de uma descoberta, mas uma invenção social do homem!
Portanto, deve servir a ele, interessar-se por ele e ajudar na sua construção.
Há tempos atrás, como já foi referido, o saber era transmitido de outra forma,
cabia aos mais velhos ensinarem aos mais moços o que sabiam fazer, o meio social
era o contexto educativo. Foi só na Idade Média que a educação tornou-se produto
da escola, como é hoje. Com esta finalidade, pessoas especializaram-se na tarefa
de transmitir o saber, em espaços específicos, reservados para essa atividade
destinada às elites. O ensino serviu aos nobres e depois à burguesia e, com raras
exceções, continua, até os dias de hoje, servindo às classes estabelecidas no alto da
pirâmide social.
Nos seus primórdios, o desempenho principal da escola era o ensino das
atividades executadas pelos grupos dominantes da sociedade. Isso fez dela um
lugar de aprendizado: da guerra, das atividades cavalheirescas, do saber intelectual,
humanístico ou religioso.
As revoluções do século XIX trouxeram transformações à escola, sendo a
principal delas a tendência à universalização. O estudo deixa de ser privilégio da
aristocracia e da igreja. A escola muda para atender a demanda que a Revolução
Industrial trouxe no seu bojo, ao sofisticar o trabalho com a implantação de
máquinas, exigindo do trabalhador o aprendizado da tecnologia. A escola ganha
então importância com suas novas funções no preparo da mão-de-obra.
29. 28
A luta pela democratização da escola, empreendida pelas classes trabalhadoras -
até então alijadas desta instituição - foi um outro fator gerador de mudanças. A
classe trabalhadora organizada, passa a exigir o direito de ter seus filhos na escola,
o direito à cultura e ao conhecimento dominantes, não deixando à escola outra
alternativa a não ser a de abrir suas portas às classes sociais menos privilegiadas.
Estes fatores contribuíram para que ela adquirisse as características que possui
atualmente. Tornou-se uma instituição da sociedade, que trabalha a serviço desta
mesma sociedade e por ela é sustentada, com a finalidade de preparar as crianças
para viver no mundo adulto.
Na escola a criança aprende a trabalhar, a assimilar as regras sociais, os
conhecimentos básicos, os valores morais coletivos, enfim, os modelos de
comportamento considerados adequados pela sociedade em cada época. A escola é
a forma moderna de operar esta transmissão.
Na verdade a escola como instituição social estabelece um vínculo ambíguo com
a sociedade. É parte dela e por isso trabalha para ela formando os indivíduos
necessários à sua manutenção. No entanto, é também tarefa desta mesma
escola zelar pelo desenvolvimento da sociedade, para transformar o mundo e
torná-lo um novo mundo, mais humano, mais igualitário, mais harmônico, mais ético,
visando o bem comum.
Diante deste desafio, ela não pode mais ficar presa ao passado, à tradição. E isto
abre um espaço para o surgimento de uma escola crítica e inovadora:
transformadora, que, para tanto, precisa conhecer a sociedade, os seus modelos e
valores, a ciência com as suas novas tecnologias, seus inventos que devem servir,
acima de tudo, ao homem e não apenas ao capital.
Ao partir das diversidades culturais presentes na sociedade, a escola – a pública,
mais especialmente – precisa estar pronta para dar conta de qualquer criança ou
jovem, independente de sua condição de classe social e cultural, etnia, raça,
religião.
30. 29
Não há mais como se tolerar a interpretação errônea, dada muitas vezes, nas
salas de aula – porque leva facilmente à discriminação – quando o professor trata
como deficiência do aluno as suas diferenças culturais. Esta falta de tato e preparo,
por parte do professor não é mais cabível em pleno século XXI, pois implica na
despotencialização da criança.
E, quanto aos realmente deficientes, a escola também precisa estar aberta para
recebê-los, para suprir suas Necessidades Educativas Especiais, NEE, pois eles
também merecem fazer parte da comunidade em que se inserem e não estarem
mais segregados em Escolas Especiais. O sonho é uma Escola Regular de Especial
Qualidade para Todos. O sonho é transformar a escola num lugar para onde se vai
feliz –ou em busca da felicidade – diariamente, para ensinar aprendendo e aprender
ensinando, num lugar para se estudar e se trabalhar contentes.
E para isso, é necessário que a escola realize uma proposta pedagógica mais
comprometida, que dê vez e voz também às crianças das classes populares e as
com NE, que muitas vezes se entediam ou se revoltam com as tarefas que lhe são
impostas na sala de aula.
A escola precisa estar mais atenta para trabalhar em consonância com os
conhecimentos, os valores, as maneiras de ser e estar no mundo que estas
crianças constroem no seu cotidiano. Elas precisam falar a mesma língua ou serem
entendidas nas suas linguagens, precisam contar a sua história no meio escolar,
para poderem acreditar na luta por uma sociedade mais igualitária, fraterna e
solidária, uma Sociedade Inclusiva.
A escola tem que ouvir e compartilhar das múltiplas vozes que se cruzam na sala
de aula, advindas de uma cultura híbrida, constituída das interações realizadas pelos
alunos em diferentes espaços e tempos, onde eles vivem, trabalham, brincam e
estudam. Uma escuta sensível para a história das crianças que estão na escola e
ao mesmo tempo já enfrentam o trabalho, na luta pela sobrevivência, por exemplo,
pode construir um outro olhar para esta realidade que, compreendida, pode ser
trazida para a sala de aula enriquecendo o ambiente escolar.
31. 30
Os novos tempos exigem uma escola democrática, voltada para a formação de
sujeitos cidadãos. Uma escola competente na construção do conhecimento,
enquanto processo que se constrói e reconstrói permanentemente, fruto da ação
individual e interativa dos sujeitos com o outro. Um conhecimento socialmente útil,
que respeita as questões culturais, os saberes e as experiências das comunidades,
criando condições para a produção e o acesso aos novos saberes, e ao
conhecimento socialmente produzido e sistematizado, contraposto à concepção de
conhecimento pronto e acabado, que pode ser guardado, transmitido e acumulado,
bancário, no dizer de Paulo Freire.
Os tempos escolares atuais recheados de evasão e repetência gritam por uma
nova escola. Uma escola que propicie práticas coletivas de discussão, garantindo a
participação de toda a comunidade escolar. Uma escola que centralize o poder
nas definições do seu projeto escolar. Uma escola que lute pela superação de todo
tipo de opressão, discriminação, exploração. Uma escola que expanda os valores
éticos de liberdade, respeito à diferença e à pessoa humana, solidariedade e
preservação do meio ambiente.
Do ponto de vista prático há um consenso, quase que geral, de que a escola não
pode mais fechar os olhos diante dos dramas de nossa realidade: os preconceito, os
tabus, a ignorância, o analfabetismo funcional, as guerras, a devastação ambiental,
o racismo, a intolerância, as drogas, a violência, a incidência de doenças
sexualmente transmissíveis, a gravidez precoce e muitos, muitos outros problemas-
temas ...
A realidade das escolas de hoje deixa ao século XXI o desafio de colocar a
Pedagogia a serviço das metas educacionais, visando o equilíbrio entre o sujeito
cognoscente e o sujeito social, consciente, equilibrado e responsável. A revisão dos
projetos pedagógicos e as reformas curriculares legitimam-se pela busca de uma
nova relação entre o homem e o conhecimento, rumo à democratização do saber e
sua transformação numa bússola capaz de nortear a formação de posturas críticas e
as tomadas de decisão. Seja no plano teórico, seja na dimensão prática. A educação
32. 31
do futuro clama pela aproximação entre o ser e o saber, pelo rompimento dos muros
que separam a escola do mundo. O desafio que hoje se coloca, ultrapassa a esfera
da simples aquisição de conhecimento para dar sentido e aplicabilidade ao que é
aprendido.
E, para que a escola esteja cumprindo o papel que lhe é destinado, a cada
época, é necessário que ela própria se constitua em um espaço permanentemente
aberto à formação, a especialização e a atualização dos seus educadores, visando
a maior qualificação da ação pedagógica. Considerando-se isso, do ponto de vista
teórico, os educadores não podem mais desconsiderar a contribuição de
importantes teorias que dão conta da função do ambiente social no desenvolvimento
e na aprendizagem.
Espera-se, que todos reflitam sobre: que escola é essa que se está apresentando
às crianças que - em sua essência ativas e curiosas - quando chegam à sala de
aula perdem a vontade aprender ?
33. 32
Um dia escola será só escola. Nem especial,
integradora ou inclusiva. Sociedade? Sociedade. E ponto.
Trabalho, apenas trabalho. Estamos dispensando adjetivo.
Por enquanto, não pulemos etapas. Para incluir é preciso
reconhecer. Ainda!
Werneck (1999, p. 25).
34. 33
1.2 Da educação especial, ao espargir da educação inclusiva.
Cláudia Werneck (1999) faz uma bela analogia política sobre os preconceitos no
seio da sociedade que tanto atrapalham e dificultam a existência de um mundo
inclusivo, onde todos tenham direito de viver a sua individualidade, direito a ter vez e
voz. A jornalista diz que é muito difícil escalar o muro do preconceito e, ao descer,
pular para o outro lado, porque se aprende a subir nele desde criança. E também
porque do outro lado está: a informação, o novo, o desconhecido que chega a dar
medo e - ao mesmo tempo - parece até piegas, de tão libertador que é. Quem sobe
o tal muro pode: olhar lá de cima, comparar as paisagens, analisar as possibilidades
e até permitir-se a sonhar. Talvez, um dia, até salte para o outro lado! Mas, mesmo
quando alguém salta do muro do preconceito, pelo mesmo lado que subiu, já desce
uma pessoa diferente. Que se saiba esperar é o convite!
O genuíno sentido do respeito vai além da generosidade, por isso é tão difícil
solicitar ou exigir que alguém tenha um comportamento respeitoso. O respeito tem
que nascer do desejo e pressupõe uma relação sistemática e de interação entre
quem respeita e é respeitado.
A escola deveria ser um lugar do encontro de gerações para se entenderem e se
reconhecerem como parte de um todo humano e social indivisível, um lugar onde os
alunos, juntamente com os professores desenvolvessem a técnica, a intuição, a
flexibilidade e a arte de formar, entre si, parcerias indispensáveis no presente e,
35. 34
quiçá se entendessem até o futuro. As dificuldades, as limitações reais de cada
estudante, temporárias ou não - funcionariam como estímulo para o enfrentamento
do desafio da vida comunitária que, com certeza, transcende os limites do
ensinamento que as salas de aula, ao longo dos tempos, tem proporcionado aos
alunos. "Como convencer as pessoas de que elas têm necessidade de ter
necessidade de lutar por um mundo inclusivo? Tal proposta pressupõe enfrentar a
mais solitária das revoluções: a humana." Werneck (1999, p. 226)
As sociedades preferem ser lembradas mais por suas identidades do que por
suas diferenças. Quando a diferença é uma deficiência, isso se agrava mais. É como
se a humanidade tivesse um irrefutável padrão de qualidade. A história comprova
que pessoas muito diferentes da média - na aparência ou no modo de ser - têm sido
vistas como deslizes da natureza. Quem não lembra, por exemplo, do Carnaval do
Rio de 1997, quando a Unidos do Porto da Pedra - cujo samba-enredo, de Mauro
Quintana, tinha como tema a loucura? Na ocasião, o carnavalesco levou para o
sambódromo os usuários dos serviços psiquiátricos dos hospitais Pinel e Jurujuba,
porque ficou sabendo que o sonho de muitas pessoas consideradas loucas era sair
numa escola de samba... O carnavalesco não vacilou em tornar o desejo daquela
comunidade em realidade, encontrando uma forma prazerosa e inteligente de
romper com alguns mitos, especialmente o de que os loucos são necessariamente
perigosos. Muitos participantes da Escola confessaram que nunca haviam estado tão
perto dessas pessoas e muitos se encantaram com o samba no pé e com a
harmonia que a maioria deles demonstrou durante o desfile.
A relação entre normalidade x anormalidade prega verdadeiras peças nos mais
incrédulos. Oliver Sacks, professor, neurologista, famoso contador de histórias e
autor de bem-sucedidos livros, entre eles Um Antropólogo em Marte, citado por
Werneck (1997, p.78 – 80), narra alguns casos interessantes que demonstram essas
(in)congruências .
Num deles, um pintor expressionista abstrato, famoso e que sofrera um
acidente onde perdera a visão das cores, passando a só enxergar em preto,
branco e cinza, vivia desesperado, temendo não recuperar mais a perfeição
da visão. Guardava a sete chaves o segredo da deficiência,até que um dia,
36. 35
ao voltar para casa, de carro, assiste a um pôr-do-sol, que o fez
conscientizar-se de que estava vivendo uma experiência inédita, para outro
ser humano. Mais tarde, quando lhe foi oferecida a possibilidade de recuperar
a visão das cores, através de uma cirurgia, negou-se a fazê-Ia. Iniciou, em
paralelo, uma nova fase de seu trabalho e a mídia continuou sem saber da
verdadeira razão por que o pintor que tanto amara as cores decidiu aboli-Ias
de suas telas.
Sacks relata que no século XVIII, na região costeira de Massachussets, nos
EUA, a cada bebê nascido um era deficiente auditivo, o que levou toda a
população a aprender a língua dos sinais. Nos dias atuais, quando os
habitantes dessa região referem-se aos seus antepassados, ninguém é
lembrado como surdo, mas como avô, pai ou outro tipo de parentesco, como
um intelectual ou outra característica.
No Canadá um em cada quatro habitantes nasce com a síndrome de
Tourette, uma alteração genética que causa distúrbios de comportamento e
cria uma série de constrangimentos sociais. Os portadores da síndrome
sofrem de tiques convulsivos e mímicas involuntárias freqüentes. Enquanto
em outras comunidades, adultos, nessas condições, são internados como
doentes mentais, Sacks diz que naquela localidade há escritores,
matemáticos, músicos, atores, disc-jóqueis, operários, assistentes sociais,
mecânicos e atletas tourétticos. E, pasmem, até cirurgiões. No livro citado
descreve inclusive a rotina de um que acompanhou por diversos dias, quando
esteve estudando o caso, o médico americano Carl Bennett.
As deficiências, os distúrbios e as doenças limitantes, com todas as suas formas
e marcas, parecem ser tão antigas quanto a própria humanidade. Alguns exemplos
de discriminação institucionalizada divulgados pela publicação Idéias Práticas em
Apoio ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, do Dísability Awareness ín
Actíon , citados por Werneck (1977. pp. 184 - 187) dão conta da barbárie vivida em -
não somente naquela, mas em várias épocas - por essa população, descritas a
seguir:
No dia 20 de maio de 1993, em San Salvador, a polícia disparou seus rifles
sobre um grupo de cinco mil pessoas deficientes que faziam uma passeata
37. 36
em prol de cuidados médicos e de outros benefícios. Três pessoas foram
mortas e outras tantas ficaram feridas. Cerca de 30 foram detidas, incluindo
duas em cadeiras de rodas, que foram arrastadas ao longo das ruas pela
polícia.
Ganhou força na Alemanha Ocidental, no ano de 1989, uma campanha cruel
de violência contra as pessoas deficientes e outros grupos minoritários.
Instituições residenciais foram atacadas por bombas incendiárias, crianças
foram impedidas de participar de excursões escolares, pessoas com
deficiência auditiva foram espancadas por desordeiros só por estarem usando
a língua de sinais.
Na África do Sul, quase metade da população de crianças com algum tipo de
deficiência nunca foi à Escola e 70% das pessoas vistas como deficiente:
jamais obtiveram emprego.
Há países na América latina nos quais as pessoas cegas são impedidas de
votar ou de se candidatarem a eleições públicas.
Nas palavras da autora: “Como a deficiência vai se tornar uma questão social se
nem chega a ser questão humana?” Werneck(1999, p. 187).
O tema Educação Inclusiva não é neutro, suscita sempre opiniões favoráveis e
opiniões desfavoráveis. Mrech (1999) aborda o assunto como constituindo mais um
paradigma dentre os seis da Educação Especial, a saber: o Paradigma da
Segregação; o da Desadaptação Social; o Paradigma da Prevenção ou
Psicopedagógico; o Paradigma da Integração; o da Inclusão; e o Paradigma da
Psicanálise.
Para a autora citada, muitas das discussões atuais no Brasil, a respeito do tema,
minimizam sua importância, atribuindo-lhe um sentido mais ético e politicamente
correto, do que propriamente à importância da sua fundamentação científica e
teórico-prática. Opositores – para ela – pertencentes ao Paradigma da Segregação,
Prevenção ou Integração, que vêem a Inclusão apenas como uma moda sem
fundamentação alguma. Mas, ao contrário:
“A Educação Inclusiva não surgiu ao acaso. Ela é um produto
38. 37
histórico de uma época e realidades educacionais contemporâneas . Uma
época que exige que nós abandonemos muitos dos nossos estereótipos
e preconceitos, na identificação do verdadeiro objeto que está sendo
delineado em seu bojo.”
Mrech (1999,p.03).
Mesmo as pessoas menos informadas a respeito sabem que um trabalho
socialmente produzido é sempre coletivo, que acontece através de muitas reuniões,
comissões, associações, movimentos, manifestações, requerimentos. Tomadas de
posição, projetos, programas e assemelhados, que transformam o que poderia ter
continuado a ser um problema privado, particular, num problema social, público.
Os eixos básicos da Educação Inclusiva foram construídos a partir da luta pelos
direitos humanos, da Pedagogia Institucional, do movimento de
desinstitucionalização manicomial e da emergência da Psicanálise.
Em 1964, baseada nos ensinamentos de Sigmund Freud, e Jaques
Lacan, Maud Mannoni [ psicanalista francesa, que trabalhava já em
1949 com crianças deficientes demonstrando o quanto tem sido
apreendidas de uma forma estigmatizante pela nossa cultura] publicou
o livro que ia fundamentar a maior parte destes novos olhares em relação
a crianças deficientes mentais, psicóticas, autistas, etc: A Criança
Atrasada e a Mãe.” [ aposto explicativo da autora deste trabalho].
Mrech (1999,p. 05).
A Psicologia, por sua vez, a partir do trabalho de Mannonni, passou a questionar
a aplicação direta do conceito de deficiência à criança, revelando que a criança
portadora de deficiência é muito maior que o quadro clínico onde tentam encaixá-la.
De 1964 a 1968, o mundo inteiro foi palco, no meio universitário – e também fora
dele – do movimento em defesa dos Direitos Humanos aplicado a todos os sujeitos,
visando a garantia do seu acesso e ingresso nos processos sociais e educativos.
Esses movimentos sociais representavam a retomada prática da luta pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
39. 38
Conforme Mrech (1999), esses movimentos revelam o papel estratégico que a
Educação vinha ocupando - ao longo de décadas - de processos estigmatizadores.
Não teria sido por acaso que na década de 60 emergiu na França a Pedagogia
Institucional ou Pedagogia Revolucionária, cujas raízes se encontram no movimento
freinetiano e no grupo de Situacionistas Internacionais.
A Revolução de Maio de 68 derrubou o sistema de cátedras, que elevava a figura
do professor em detrimento do alunos; enquanto os situacionistas propiciavam a
emergência de um novo conceito de Educação: o de situação, extraído de autores
como Henri Wallon e Jacques Lacan.
O situacionismo revela a importância de não se localizar mais o sujeito
isoladamente, mas dentro de seu contexto social – a situação ou ambiência – onde o
sujeito se encontra colocado. Ficou instituído então, a dificuldade de separar-se onde
o sujeito começa e o ambiente termina.
Assim, não é ao acaso que o conceito nuclear em Educação Inclusiva seja o
ambiente menos restritivo. A evolução do sujeito depende do ambiente ou da
situação em que se encontra. São eles que criam ou não as condições
necessárias para o seu desenvolvimento.
Mrech (1999, p. 06).
Fato este que a Pedagogia Institucional foi a primeira a perceber, dando importância
ao contexto educacional em que o aluno era visto e trabalhado na escola, conforme
a situação, ele poderia ou não se desenvolver.
Segundo Mrech(1999), os movimentos de desinstitucionalização e anti-psiquiatria
ocorridos nas décadas de 60 e 70 revelaram a importância de situações saudáveis
para o bom andamento dos sujeitos, dando-lhes o direito de participar de uma forma
mais ampla e digna dos contextos sociais comuns.
Estes são fatos históricos que comprovam que a Educação Inclusiva tem seu
incubadouro num problema social maior, um problema público relacionado com a
maneira como os deficientes tem sido tratados ao longo da civilização, quando: na
40. 39
Pré-história, eram literalmente jogados fora, assim que eram paridos; passando pela
Idade Antiga, onde eram muitas vezes presos nos porões; indo para a Idade Média,
época em que eram exorcizados ou queimados vivos, para afastar as crenças
daquele tempo de que eram endemoniados; seguindo o seu calvário pela Idade
Moderna, quando a deficiência obtém a categoria de patologia, fazendo-se então o
uso de medicamentos para tratá-los; e, chegando, finalmente, aos dias atuais,
onde a luta continua pela sua inclusão na escola regular e na sociedade que o vem
segregando ao longo dos séculos e, hoje, já bem próximos de obterem a conquista
dos seus direitos de cidadãos respeitados.
A exclusão dos deficientes, construída na sociedade, e especialmente na escola,
é similar às formas com que os Estados se organizam com relação à doença mental,
às maneiras com as quais dentro da sociedade civil se reage à doença mental, e
também com as formas com que dentro das famílias se interage com a doença
mental explícita, Mrech (1999).
O que se tornou evidente no campo da Saúde, também foi se evidenciando
dentro do contexto mais amplo da Educação, tal como a história mais recente da
Educação Especial revela. As articulações mais amplas em relação aos novos
rumos da Educação Especial – em sua vertente mais socializada – datam de 1968,
quando a UNESCO solicitou um relatório a um grupo de especialistas sobre a
situação da Educação Especial em quatro países, signatários dos modelos
educacionais mais avançados na área: a Suécia e os países nórdicos, a antiga
União das Repúblicas socialistas – atual Rússia, os Estados Unidos da América e o
Uruguai.
Na opinião destes grupos, os objetos da Educação Especial, destinada às
crianças com deficiências mentais, sensoriais, motoras e afetivas são muito similares
aos da Educação Geral, ou seja, possibilitar ao máximo, o desenvolvimento
individual das aptidões intelectuais, escolares e sociais. Os membros do grupo
apontaram que o ideal seria estabelecer um Plano de Educação para cada criança,
desde a mais tenra idade, dotando aos programas de flexibilidade conveniente para
cada caso. (UNESCO, 1968, apud MRECH, 1999).
41. 40
Ainda segundo Mrech (1999), foi na década de 60 que nos países nórdicos
surgiu pela primeira vez, o Princípio da Normalização aplicado aos portadores de
deficiência, numa tentativa de lidar com as instituições de uma forma menos
estigmatizadora. Na Suécia, a partir de 1968, já era possível se encontrar crianças
deficientes sendo introduzidas no Sistema Municipal de Ensino.
Nos Estados Unidos, naquela época, os deficientes eram deixados pelos pais nas
instituições que faziam o atendimento contínuo do deficiente, escolas residenciais e
asilos. Constatou-se que este tipo de atendimento não funcionava.
Em 1967 o Congresso votou a Joint Commisssion on Mental Health of Children,
que criava serviços especializados para as necessidades da criança, nas áreas da
Saúde, Educação e Seguridade Social. Surge então os serviços comunitários
destinados às crianças e uma ênfase maior no papel da Educação nas áreas
cognitiva, afetiva e social dos alunos.
No entanto, foi só em 1975 que surge nos EUA a primeira lei pública em defesa
dos deficientes. A Lei Pública – nº 94 -142 de 1975 – chamada de Ato de Educação
a Todas as Crianças Portadoras de Deficiência, que garantia os serviços de
Educação Especial; Fundos Federais para auxiliar os Estados na educação dos
deficientes; procedimentos e requisitos de auditoria para uma administração
transparente, em todos os níveis do governo; e assegurava que as decisões e
serviços aos deficientes fossem realizados adequadamente. Através dela, toda
criança deficiente passou a ter acesso a um ensino de qualidade.
E já em 1986 os Serviços de Educação Especial e Reabilitação do
Departamento de Educação dos EUA tornou possível que as crianças deficientes
leves e moderadas fossem inseridas nas classes regulares, junto com os alunos
comuns.
Em 1991 surgiu o IDEA – Ato de Educação – para os Indivíduos com
deficiências, ampliando a Lei Pública 94 – 142, com a qual a criança deficiente norte-
42. 41
americana só sai da classe regular, se a natureza da severidade do seu caso assim
o exigir.
E em 1997 – a Lei Pública 105 - 17 passou a garantir: educação pública e
gratuita para os deficientes; que os pais devem ser notificados quando seu filho vai
ser avaliado na escola, e, não só passam a ter o direito de saber o resultado, mas
de questioná-lo. Os pais tem que consentir a respeito de todos os procedimentos
usados pela escola e podem obter uma avaliação independente que questione os
resultados da escola.
As barreiras ao deficiente nos EUA foram sendo derrubadas, não só na escola,
mas a sociedade como um todo passou a ser menos restritiva, em temos
arquitetônicos e legais, garantindo aos deficientes e seus pais uma série de
prerrogativas para enfrentar os problemas que a deficiência ocasiona.
Uma coisa que é preciso que se tenha conhecimento, é que o conceito de
Educação Inclusiva não se encontra explicitado em nenhum dos documentos
principais da legislação norte-americana. Conforme explica Mrech (1999), ele está
presente apenas no espírito das leis. Mas, em contrapartida, em todas as leis há
referências explícitas ao princípio do ambiente menos restritivo, que significa que os
deficientes deverão ser educados junto com os ditos normais. O encaminhamento
para as classes especiais, a escolarização separada ou a remoção do aluno
deficiente do ensino regular só serão efetivadas se for absolutamente incompatível a
sua permanência numa modalidade de ensino.
Se, inicialmente, a Normalização – que consiste em o deficiente desenvolver um
tipo de vida tão normal quanto possível – foi tida como um achado, dentro do
Princípio de Integração, onde o aluno deficiente tem que se adaptar aos parâmetros
da normalidade, se enquadrando aos pré-requisitos da classe, posteriormente houve
a ruptura com o Paradigma pois, se o aluno não conseguisse, tinha que ir para a
Educação Especial, onde acabava sendo considerado doente. E, como os
deficientes eram incapazes de se adaptar aos moldes da normalidade que lhe eram
impostos socialmente, eram culpabilizados pelos seus próprios problemas.
43. 42
Revisado o Paradigma, passa-se á Inclusão, paradigma que não espera mais
que o deficiente se adapte aos alunos normais. O que é visado é que ele atinja o
máximo de sua potencialidade junto com os colegas normais. Com isso, fica-lhe
garantido o direito de sua atuação singular. São os normais então é que têm que
aprender a conviver com os deficientes. O Paradigma da Inclusão não vê o problema
no sujeito, mas na forma como o sujeito e a sua deficiência é concebido no
ambiente social; reconhece a especificidade do sujeito e não a sua deficiência,
vendo os rumos do processo de seu desenvolvimento centrado no contexto social.
A quebra de barreiras para tornar o ambiente menos restritivo tem que
ultrapassar os muros da escola, a comunidade e a própria sociedade num todo
precisam ser inclusivas. Considerando todos esses aspectos, os partidários da
inclusão crêem que é necessário garantir, desde o início, ao deficiente o atendimento
junto às crianças normais, quanto mais cedo e mais perto possível de sua residência
na comunidade melhor. As pesquisas têm demonstrado que a melhoria da qualidade
de vida dos deficientes está relacionada diretamente a três aspectos básicos: a
necessidade de ter emprego, de conseguir um lugar na comunidade e de possuir
amigos.
Segundo Mrech (2000) atrelado ao Paradigma da Inclusão houve o surgimento
de um novo tipo de Pedagogia, a chamada Pedagogia da Diversidade, Pedagogia
das Diferenças ou Pedagogia Diferencial, propondo uma leitura mais aprofundada
dos processos de aprendizagem de cada aluno. O que é visado basicamente são as
características próprias de cada sujeito e não mais o contexto de grupos ou classes
sociais.
Da mesma forma, o conceito de NEE tem passado por uma reformulação
profunda, deixando de ter a conotação de uso como sinônimo de criança com
deficiências físicas ou mentais e passando a ser remetido ao processo próprio de
cada criança, sem ligar-se ao de um grupo ou categoria específico. Com isso
salvaguarda-se o lugar de cada criança como única no processo de ensino-
aprendizagem. Baseado nesses pressupostos, o PEI, Programa ou Plano de Ensino
44. 43
Individual tem sido a alternativa mais escolhida pelo professor que trabalha no
Paradigma da Inclusão para avaliar os seus alunos.
Mas, segundo Geraldo Bueno, citado por Mrech (1999), para que a inclusão
venha a dar certo nas escolas brasileiras, que apresentam altos níveis de repetência
, de evasão e baixos níveis de aprendizagem - como comprovam as estatísticas -
torna-se necessário que tanto os sistemas de Educação Especial como os de Ensino
Regular se adeqüem à nova ordem e colaborem entre si, construindo práticas
políticas, institucionais e pedagógicas, que garantam a qualidade de ensino não só
aos alunos com NEE, mas a todos os alunos do Ensino Regular.
Fica claro que a simples inserção de alunos com NEE, nos sistemas regulares
de ensino, sem qualquer apoio ou assistência aos sistemas regulares de ensino,
acabará fatalmente em fracasso. Querendo ou não, o movimento de inclusão no
Brasil já começou, como afirma Mrech:
Ele já está sendo implantado em nossas escolas através da inclusão
incipiente de alunos que apresentam NEE. Mas, mais ainda através da
crescente desativação dos serviços estaduais e municipais de Educação
Especial. Uma inclusão incipiente ou integrada não-planejada na rede
regular de ensino. Uma inclusão que não é ainda decidida e adotada, no
plano da consciência pelos educadores tanto do ensino comum quanto do
ensino especial.
Mrech (2000, p.19).
Além da denúncia acima, a autora alerta ainda para alguns cuidados que
precisam ser tomados por parte dos governos, em todos os níveis:
No Brasil, diferentemente do que se acredita geralmente, nós
lutamos e educamos muito mais, através de fatores inconscientes
do que conscientes. As nossas ações são muito mais não-planejadas
do que planejadas. O que acaba ocasionando efeitos deletérios no
campo educacional. [...] Estas formas de atuação inconscientes,
por parte dos educadores brasileiros acabam acarretando os efeitos que
todos nós conhecemos: a construção do fracasso escolar e da
estigmatização de alunos.
45. 44
Mrech (2000, p.19).
Diferentemente dos EUA, onde os professores do Ensino Regular já foram
trabalhados para lidar com os alunos que pensam e agem diferentes; aqui os
professores do Ensino Regular sequer foram capacitados a lidar com o chamado
aluno normal, quanto mais com aquele que apresenta diferenças ou deficiências.
Com mais esta dívida secular, o Brasil desponta no século XXI com uma Educação
Inclusiva de fachada, embora muitos vejam o Paradigma da Inclusão como formado
por idéias românticas,fora do contexto da realidade, não se iludam, pois ela faz parte
de uma realidade sócio-econômica maior do que a mais inovadora tendência da
Educação, explica Mrech :
Este sistema vem se dando conta de que estigmatiza e exclui a seus
participantes. O paradigma da Inclusão é apenas mais uma tentativa do
sistema social, econômico e político de consertar, através de medidas
reformistas, aos seus desacertos. [...] para nós o Paradigma da Inclusão é a
resposta do próprio sistema à exclusão maciça dos participantes dentro do
modelo econômico atual.
Mrech (2000, pp. 19 - 20) .
A autora explica que a sociedade atual está mudando de modelo econômico, de
um capitalismo industrial baseado em produtos palpáveis, para um capitalismo
simbólico, onde a base é a indústria cultural e o consumo é o de produtos
simbólicos, tais como aqueles produzidos pelas novas tecnologias da informação e
da comunicação. O modelo da sociedade do século XXI aponta para uma sociedade
globalizada, onde a informática e a Internet ocupam um lugar de destaque máximo.
Não há como discordar de Mrech, quando afirma que a proposta da Inclusão não
está a acontecer apenas porque é politicamente correta e apresenta princípios
éticos. Ela traz também em seu bojo outros interesses, postulados e princípios deste
modelo social, político e econômico. A sociedade do 3º milênio está centrada sobre a
informação, que será o grande eixo articulador do futuro, “A informação é atualmente
o produto de maior consumo. Não é ao acaso que a informática e a Internet tenham
se desenvolvido muito. Elas são as fundações desta nova sociedade.” Mrech (2000,
46. 45
p. 21)
Se no passado o consumo era dirigido a produtos concretos, tais quais os
modelos educacionais previamente estabelecidos, hoje a sociedade do futuro
emergente exige o consumo de produtos simbólicos, imagens, signos, etc. E os
deficientes não podem mais ser alijados desse processo e desse consumo. Num
mundo em que, dos cartões magnéticos dos bancos ao uso de computadores, a
Informática e a Internet estão na vida da humanidade, como um todo, é preciso que
se perceba a mudança que está ocorrendo nos sistemas educacionais, onde o eixo
central não é o saber a partir de um modelo tradicional.
Os professores e os alunos precisam ser preparados para aprenderem a conviver
uns com os outros, num mundo que está em constante mutação, o que provoca uma
série de transformações nos sujeitos. Um mundo onde a convivência pacífica passa
a ser cada vez mais necessária entre os sujeitos de todas as espécies. Esta
sociedade vem sendo gestada a décadas, como pode-se perceber nas palavras do
mago da Informática, Alvin Tofler, já em 1983:
Em vez de apenas recebermos o novo modelo mental da realidade,
nós agora somos impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto
coloca um enorme fardo para nós. Mas também conduz á maior
individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como da
cultura. Alguns de nós rebentam sob a nova pressão ou se recolhem à
apatia ou à raiva. Outros emergem como indivíduos bem formados,
crescendo continuamente, competentes, capazes de operar, por assim
dizer, num nível mais alto. [...] Acima de tudo isto, a desmassificação da
civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela
um enorme salto na quantidade de informação, que todos trocaremos uns
com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos
tornando uma “sociedade da informação”.
Alvin Tofler in Mrech (2000, p. 21).
A Inclusão no Brasil é um caminho sem volta, quer as pessoas se apaixonem ou
não pelo seu paradigma, pois no primeiro e no segundo mundos os alunos normais e
os deficientes já estão coligando em rede mundial. Mrech (2001) ao abraçar a causa
47. 46
da Educação Inclusiva, como possibilidade na sociedade contemporânea brasileira,
defende a manutenção da Educação Especial, pois é nela que vamos encontrar os
profissionais para fazer a passagem dos professores do Ensino Regular para a
Educação Inclusiva. Mas acha importante que os professores do Ensino Especial
revejam sua prática, que não pode mais se orientar pelo modelo da Integração , pois
não se trata mais de reeducação, nem do modelo médico de deficiência. Seria um
tempo de parceria e não mais de cada qual do seu lado, professores da Educação
Especial e da Educação Regular.
A finalidade maior da Educação consiste em auxiliar na construção do homem,
no desabrochar de seu potencial criador, produtor e de organizador social. Ela é
poderosa no sentido de ratificar ou retificar as formas de pensar. Isto não somente
com referência aos alunos, mas também aos professores e todos os que se
envolvem com ela, como os pais, funcionários e comunidades circunscritas às
escolas.
A Educação Inclusiva surgiu como alternativa para a educação de pessoas com
NEE e suas vidas em sociedade e representa um passo muito importante que pode
ser dado no sistema educacional de forma global, envolvendo todas as crianças e
jovens, enquanto alunos, e estendo-lhes o sentimento de pertença. Nas palavras de
Naun Kunc, Citado por Freitas e Castro (s.d., p. 03), devemos: “assegurar que todos
os estudantes comecem a aprender que o ‘pertencer’ é um direito, não um status
privilegiado que deva ser conquistado.”
Em se tratando do atendimento de alunos com NEE em escolas da rede regular
de ensino, é necessário que se atente para a Inclusão não virar sinônimo de mero
acesso de alunos com deficiência na classe. Como alerta Mendes, citado por Prieto
(2003, p. 04): “ao mesmo tempo que o ideal de inclusão se popularize, e se torne
ponto de discussão obrigatório para todos os interessados nos direitos dos alunos
com necessidades educacionais especiais, surgem as controvérsias, menos sobre
seus princípios e mais sobre as formas de efetivá-las.”
Ainda segundo Mendes, hoje se pode identificar duas correntes na perspectiva
48. 47
da Educação Inclusiva com propostas divergentes sobre qual é a melhor forma de
educar crianças e jovens com necessidades educacionais especiais. De um lado
encontram-se os que defendem a proposta de inclusão advogando que a melhor
colocação seria a na classe regular, mas admitindo a possibilidade de serviços de
apoio ao atendimento na classe comum e os recursos educacionais especiais
paralelos ao ensino regular. E de outro lado, a proposta de inclusão total que prevê a
colocação de todos os estudantes, independentemente do grau e tipo de
incapacidade, na classe comum da escola próxima à sua residência e eliminação
total do atual modelo de prestação baseado num continuum de serviços de apoio de
ensino especial.
Para Aranha (2001) a inclusão escolar “prevê intervenções decisivas e incisivas,
em ambos os lados da equação: no processo de desenvolvimento do sujeito e no
processo de reajuste da realidade social. [Assim],[...] além de se investir no processo
de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que
garantam o acesso e a participação da pessoa na vida comunitária, através da
provisão de suportes físicos, psicológicos sociais e instrumentais.” (grifos desta
autora ).
No Brasil, desde a Constituição Federal de 1988, os documentos oficiais legais e
complementares, de normatização ou de orientação à política educacional, prevêem
que, aos alunos com NEE, sejam garantidos a Educação e o atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 “Embora priorizando o
atendimento integrado às classes, escolas ou serviços especializados para atender
aos alunos que deles necessitarem, em complementação ou substituição ao
atendimento educacional nas classes comuns” (LDB 9394/96, art. 58 § 1º, apud
PRIETO , 2003).
O mais importante para a efetivação da verdadeira Inclusão no seio das escolas
da sociedade parece ser a vivência de sentimentos e atitudes de respeito ao outro
na sua diversidade enquanto cidadão. Para que esse direito se viabilize cabe à
sociedade garantir-lhes o acesso educacional diz Aranha (2001), referindo-se
49. 48
especificamente aos portadores de deficiências, advogando que cabe à sociedade
oferecer os serviços que os cidadãos com deficiência necessitarem (nas áreas física,
psicológica, educacional, social e profissional). Mas lhe cabe também garantir-lhes o
acesso a tudo de que dispõe, independente do tipo de deficiência e grau de
comprometimento apresentado pelo cidadão.
Ou seja, numa Educação Inclusiva, para que se viabilize o cumprimento do
direito de todos à Educação, algumas medidas se fazem necessárias, tais quais: as
condições requeridas por alguns alunos que demandam, em seu processo de
aprendizagem, auxílios ou serviços não comumente presentes na organização
escolar, tais quais, a oferta de materiais; a eliminação de barreiras arquitetônicas e
de mobiliário, as de comunicação e sinalização e as de currículo; a metodologia
adotada; e, o que é fundamental: a garantia de profissionais especializados, bem
como a formação continuada para o conjunto do magistério.
A Educação para Todos deve prever o atendimento à diversidade de
necessidades e características da comunidade escolar, nas palavras de Souza e
Prieto, partindo-se da premissa que:
[...]o princípio norteador é a crença na possibilidade desenvolvimento
do ser humano, tratando-se as diferenças individuais como deve prever
ainda uma educação de qualidade que garanta a permanência de todo
aluno na escola durante o processo de apropriação e produção do
conhecimento , que possibilita sua participação efetiva na sociedade,
fatores condicionantes do processo de escolarização que precisam ser
considerados quando se tem compromisso de educação para todos.
Souza e Prieto (apud PRIETO, 2003, p. 09) .
Uma escola inclusiva, portanto, além de ser a escola aberta a todos que a
procurarem, deve constituir-se num lugar do qual todos fazem parte, em que todos
são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros
membros da comunidade escolar, para que suas necessidades educacionais sejam
satisfeitas. O objetivo maior da Educação Inclusiva deve fazer com que a escola
atue, através de todos os seus escalões, para possibilitar a integração das criança
que fazem parte da comunidade.
50. 49
Porém, quando se fala em Escola Inclusiva no Brasil, diante dos estrondosos
níveis de evasão e de reprovação, especialmente no tangente à escola pública,
convém que se atente também para a teoria da escola como produtora do fracasso
escolar, à luz da Teoria da Reprodutividade, do sociólogo francês Pierre Bordieu.
Segundo Barros (1996), o insucesso escolar de alunos pobres não é causado por
suas características psicológicas, por sua “incapacidade para aprender”, mas pela
forma de trabalhar da escola, pela sua própria estrutura. Pela teoria reprodutivista, a
escola constituiria-se no aparelho reprodutor do Estado, que ao atender apenas aos
interesses da classe social dominante, ao valorizar somente os padrões culturais
destas classes, discriminaria os conhecimentos dos menos afortunados, Seria, por
assim dizer, uma produtora de desigualdades, reforçando a divisão de classes
sociais.
A Escola tem desenvolvido - conforme Barros (1996) - várias formas de
discriminação sutil, mas persistente, contra o aluno desprivilegiado.
As crianças das classes trabalhadoras têm sido muito prejudicadas
pela educação determinada pela sociedade de classes. A existência
dessa situação tem sido anunciada por alguns educadores como foi o
caso de Paulo Freire, que denunciava essa e outras injustiças sociais
com relação às oportunidades de estudar e à educação das classes
populares. A maioria dos professores infelizmente não se dá conta de sua
participação nessa injustiça. Atua sem compreender que a escola é um
instrumento que trata de modo desigual as classes sociais e que
prejudica com isso uma parte dos alunos.[...] De certo modo, ele,
professor, é tão vítima dessa realidade social quanto o aluno.
Barros (1996, pp. 23 e 29).
Psicólogos, sociólogos e estudiosos da educação que estudam o fracasso escolar
descrevem em suas pesquisas que muitas vezes observaram crianças pobres que
trabalham para ajudar no sustento do lar e que, na vida real, demonstram grande
facilidade para o cálculo, na escola acabam sendo reprovados em matemática.
Esses pesquisadores falam da grande potencialidades das crianças que são
percebidas por eles, mas que acabam sendo abafadas na escola. Eles acusam a
51. 50
reprovação escolar como sendo um mecanismo perverso utilizado pela escola, com
a participação ativa do professor, sobretudo o das escolas públicas.
Considerando-se o acima exposto, é tácito que nas escolas de ensino regular, às
vésperas de abrirem suas portas em definitivo para a inclusão, predominam formas
de organização do trabalho escolar que não se alinham na direção de uma escola de
qualidade para todos os alunos.
A questão central, na concepção de Mantoan, está no como criar contextos
educacionais capazes de ensinar todos os alunos, apesar de suas diferenças, na
luta para vencer a exclusão, a competição, o egocentrismo e o individualismo, traços
tão comuns na sociedade de hoje. Para ela – bem como para a autora deste trabalho
- o papel da escola é repensar sua prática pedagógica que deve nortear-se pela
ética, pela justiça e pelos direitos humanos, tripé que sempre sustentou o ideário
educacional mas que nunca teve tanto peso e implicação como nos dias atuais.
Como ela refere:
[...] em sua busca de uma nova fase de humanização e de
socialização, que supere os pressupostos hegemônicos do liberalismo,
baseado na interatividade, na superação de barreiras físicas, psicológicas
espaciais, temporais, culturais e acessível a todos. Recriar o modelo
educativo. A emergência dessa nova sociedade alerta os educadores
sobre a contribuição da escola na formação dos que viverão em um
mundo diferente, que já desponta.
Mantoan (s.d., p.04).
Com sua fé e otimismo, a educadora convida aos professores para reverterem
uma situação que até hoje a educação não deu conta, ou seja, mudar o mundo e
torná-lo mais humano. Como fazê-lo? Deixando para trás o primado do conteúdo
curricular na escolarização, dando maior importância a interatividade entre os
alunos,entre as disciplinas curriculares, entre a escola e o seu entorno, entre as
famílias e o projeto escolar. Através de uma aprendizagem centrada, ora destacando
o racional, ora o intuitivo e o sensorial, ora o social e o afetivo dos alunos. Com o
auxílio de práticas e métodos onde predominam as co-autorias, a experimentação, a
52. 51
cooperação entre alunos, professores, pais e comunidade.
Mantoan (s.d) fala de uma instituição em que todas as crianças aprendam a ser
pessoas e onde o sucesso da aprendizagem esteja relacionado com a exploração
dos talentos de cada um, centrada nas possibilidades e não nas dificuldades dos
alunos.Outra exigência passa pelo rompimento das barreiras curriculares e das
fronteiras disciplinares, através da integração dos saberes, decorrentes da
interdisciplinaridade. O rumo é a policompreensão da realidade e a multiplicidade de
saberes. Que a avaliação seja uma análise do percurso de cada estudante do ponto
de vista de suas competências para resolver problemas de toda ordem.
O desenvolvimento humano constrói-se em relação com o meio e com os outros.
As diferenças com suas singularidades conjugam-se para a construção de uma
sociedade inclusiva sem precedentes, onde todos têm direito à sua individualidade.
Cada criança aprende no seu ritmo, com estratégias diversificadas, mas em conjunto
com os seus pares. O conceito de inclusão deve ser aprendido de forma mais ampla,
porque qualquer criança, em qualquer altura da sua vida escolar e/ou extra-escolar,
pode passar por dificuldades educativas e/ou sociais e será com seus pares que
ultrapassará mais facilmente essa fase, perseguindo o seu desenvolvimento.
Cada criança durante o seu desenvolvimento está apta a contribuir para o
desenvolvimento das outras, porque o ser humano desenvolve-se em interação
social, especialmente através da cooperação entre pares. Até porque, como anuncia
Mantoan:
A escola não pode continuar anulando e marginalizando as
diferenças nos processos através dos quais forma e instrui os alunos e
muito menos desconhecer que aprender é errar, ter dúvidas, expressar,
dos mais variados modos, o que sabemos, representar o mundo a partir
de nossas origens, valores, sentimentos.[...] A exclusão escolar
manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase sempre o
que entra em jogo é a competência do aluno, o qual sofre as
conseqüências de um jogo desigual, de cartas marcadas pelo
autoritarismo e poder arcaico do saber escolar, Já não é preciso ser
muito avançado ou mesmo radical [...] para se ensinar a compartilhar, a
53. 52
complementar a cooperar e a ser solidário nas escolas”.
Mantoan (s.d.,p.02).
A Inclusão é o modo ideal de garantir a igualdade de oportunidades e permitir que
crianças portadoras de deficiência possam relacionar-se com outras crianças e
estabelecer trocas para poderem crescer. Na imitação e no espelhamento, elas e as
outras crianças se desenvolvem. A igualdade nos relacionamentos não permite
trocas e traz estagnação ao desenvolvimento, são necessárias exemplos que as
façam superar suas dificuldades e despertar suas potencialidades. Como já foi visto,
os princípios da Inclusão vão além de inserir crianças com NEE na rede regular de
ensino, passam necessariamente por uma ampla revisão do Sistema Educacional.
Fica claro que na escola inclusiva há a necessidade de medidas de atendimento
especializado a todos que precisam – incluindo por isso mesmo não só as crianças
portadoras de deficiência mas as excluídas por outras NEE. Faz-se mister trabalhar
com as crianças e jovens como seres únicos em suas individualidades,
reconhecendo suas diferenças e dando atendimento às suas necessidades. Como
refere Gardner (1994), em sua Teoria das Inteligências Múltiplas: os indivíduos
“Possuem diferentes tipos de mentes, e por isso aprendem, lembram, desempenham
e compreendem de modos diferentes.” (p.14)
Assim como a proposta da Educação Inclusiva, essa teoria propõe o
reconhecimento das diferenças individuais e a adequação dos educadores às
diferentes formas de aprendizagem, desempenho e compreensão dos alunos.
Sugere abordagens variadas com finalidades de atender aos aprendentes que não
se enquadram no sistema formal de ensino, não porque não possuam
compreensões significativas, mas porque são excluídos daquele sistema.
Existem contradições quanto à dimensão da inteligência. Enquanto alguns
estudiosos acreditam numa capacidade única e consideram o intelecto como um
todo, há os que abordam a multiplicidade das capacidades e funções do intelecto do
ponto de vista da fragmentação. Enquanto uns vêem a inteligência como privilégio
de alguns, outros a vêem como características comuns a todos os indivíduos. Ao