O documento descreve a vida e obra do dramaturgo brasileiro Jozè Joaquim de Qampos Leão Qorpo-Santo, que nasceu há 179 anos em Triunfo, Rio Grande do Sul. Apesar de ter sido considerado louco e ter sua obra ridicularizada durante sua vida, atualmente é reconhecido como um gênio adiante de seu tempo que retratou de forma crua e realista a sociedade gaúcha do século XIX. Sua obra continua sendo encenada e estudada por abordar temas como homossexualidade de forma pione
Homenagem a Qorpo-Santo no aniversário de 179 anos de seu nascimento
1. Há quase dois séculos nascia um ilustre triunfense
incompreendido em vida e celebrado após a morte
Gladis Maia
do Decálogo do Jornalista
“Sempre foi nossa opinião que para alguém poder redigir uma folha deve
possuir ou reunir em si as seguintes qualidades ou dons: 1ª – Não mentir;
não injuriar; nem caluniar a pessoa alguma. 2ª - Ter tido sempre ilibada
conduta, quer como homem público se o tem sido; quer como homem
particular. (...) 6ª - Conservar sempre certa firmeza de Caráter; brio; e
dignidade.7ª – Que seja homem dotado de probidade e honra. 8ª - Que
tenha a precisa coragem para censurar os maus atos , e a indispensável
imparcialidade para louvar os bons. 9ª - Que tenha sempre diante dos
olhos – mais o interesse público que o particular, não vendendo por isso
mesmo as colunas do seu jornal – a miseráveis, ou malignos
especuladores.”Qorpo-Santo
Cercado de riso e sarcasmo durante o seu meio século de existência, nascia há 179 anos atrás,
no dia 19 de abril de 1829, em nossa cidade, então chamada de Vila do Triunfo, um mito que
se chamou na sua ortografia particular: Jozè Joaquim de Qampos Leão Qorpo-Santo. Falava-
se dele como um louco, que escreveu poesias doidivanas. Escarnecido em vida, não foi
poupado nem mesmo depois de morto, até que a crítica teatral o designasse como um gênio
adiante de sua época e por isso mesmo incompreendido a seu tempo.
Insano ou não – quem poderá dizer com certeza que não o é? - o certo é que sua obra chegou
até nós, mais viva do que nunca, e faz sucesso pelos palcos de muitos teatros em diversos
países, tal qual a França.
2. Nada ao gosto da época em que viveu, suas comédias não eram românticas, nem no tema,
nem na linguagem, muito menos na atmosfera gerada. Apresentavam situações conflituosas
peculiares à sociedade gaúcha do século XIX.
Sob o ponto de vista da expressão verbal, seus textos são verdadeiramente surpreendentes:
desprezam por completo a linguagem ornamental, os rapapés tão comuns ao melhor estilo dos
escritores da época.
Sua literatura eivada de um fundo autobiográfico expressa-se em um tom cru e áspero. Um
realista que parece vingar-se da sociedade e dos desacertos humanos. “O louco manso das
margens do Guaíba” emprega palavras ou expressões cujo sentido nem sempre prima pela
semântica, mas pelo valor melódico encantatório, segundo Guilhermino César, um estudioso
de sua obra.
O riso que o cercou, o escárnio que perseguiu Qorpo-Santo e a pouca cultura do meio, não
deixaram perceber que ele havia alcançado, por entre as pausas da sua “insanidade” uma coisa
raríssima: autenticidade literária. Nada por baixo dos panos, em sentido metafórico ou literal.
Ao contrário dos seus contemporâneos, sua literatura busca motivação e moldura no erotismo,
sem disfarces.
Pressionado pelos tabus, pelas praxes sexuais e cânones morais da sociedade brasileira
escravocrata e latifundiária do século XIX, o mestre-escola fez de sua obra de dramaturgo o
estuário dos conflitos de sua geração, de modo confuso e tumultuário. Ninguém fôra tão longe
antes dele, no seu impulso confessional. Os autores da sua época escreviam tal qual se
apresentavam os álbuns de família, bem arrumadinhos e posados, oferecendo um retrato
convencional de si mesmos e de seus parentes.
Dêem-no como genial ou como louco, deve-se no entanto ressaltar a essencial qualidade de
Qorpo-Santo: a sua singularidade, palavra definida por Machado de Assis como “o espantante
agradável”; e por Arthur de Oliveira como um “saco de espantos”.
Ele foi implacável no combate à desordem ortográfica vigente em sua época, reinante ainda
em nossos dias. Após escrever muitas de suas peças, colocando a letra que mais se
aproximava do fonema para grafar as palavras, voltou a encarar o assunto com o objetivo de
traçar regras práticas que levassem à simplificação gradual da ortografia portuguesa, coisa que
intelectuais do porte de um Howais, no Brasil e tantos outros em Portugal tentaram há pouco
e ainda não o conseguiram...
Poeta, professor, jornalista, teatrólogo, editor, Qorpo-Santo escreveu muito em sua fúria
incontida, pondo a nu coisas que o teatro brasileiro ignorava à sua época, como por exemplo a
homossexualidade e fundou um gênero: o teatro nonsense ou teatro do absurdo, descoberto
pelos europeus muitos anos mais tarde.
Reivindicamos para o homem de letras da Vila do Triunfo, um lugar entre os maiores
dramaturgos da Língua Portuguesa, merecido, com certeza. Que de onde ele esteja proteja aos
seus conterrâneos em geral, e em especial, àqueles que querem desnudar a sua vida e obra,
para vê-la com o reconhecimento merecido em sua terra natal, através da Fundação que leva o
seu nome.
Publicado em abril de 2008, nos jornais O farrapo e Sentinela do Jacuí, de Triunfo/RS.