O documento discute a Política Nacional de Alfabetização recém-lançada pelo governo brasileiro. Apresenta um breve histórico do lançamento da política e das polêmicas em torno do documento. Também discute a visão da política em relação aos programas e pesquisas anteriores de alfabetização no Brasil.
2. 2
Breve histórico
• Em abril, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto da Política Nacional de
Alfabetização (PNA), chamada de “Alfabetização acima de tudo”. Decreto nº
9.765, de 11 de abril de 2019.
• Desde o início já presenciamos polêmicas envolvendo o documento, como a
participação da família e o método escolhido para o processo de alfabetização.
3. 3
Em agosto, o MEC lançou o caderno da PNA. Tal documento
teve o objetivo de aprofundar termos que apareceram no
decreto, além de dados e referências que foram a base para a
elaboração do documento.
Segundo os especialistas que contribuíam para a PNA, “o
diferencial da política está em sua ‘base científica’ ”:
“Não é uma proposta puramente teórica, mas verificaremos o
que os estudos têm mostrado que é mais eficaz para
alfabetização e, a partir disso, faremos uma proposta teórica-
metodológica baseada em pesquisa” (Alessandra Gotuzo
Seabra, Professora de Pós-graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e especialista que contribuiu para a
PNA).
4. O caderno é fruto de discussões que aconteceram entre especialistas em
alfabetização e representantes do MEC em fevereiro.
“Cada especialista contribuiu com um pouco da sua área de pesquisa sobre
alfabetização e aprendizagem, levantando os pontos fundamentais que seria
importante pensarmos”, conta Augusto Buchweitz, Professor da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialista que
contribuiu para a PNA.
A partir dessas discussões e materiais enviados para referência, o MEC
organizou e redigiu os documentos. E de lá para cá, a polêmica só cresceu, pois
a política proposta rompe com as políticas e com os programas anteriores e por
essa razão tornou-se alvo de críticas e objeto de reflexão para vários estudiosos
e pesquisadores em alfabetização.
5. 5
Em outubro (de 22 a 25), ocorreu a I "Conferência
Nacional de Alfabetização Baseada em
Evidências (Conabe)".
O evento reuniu cientistas, professores e
palestrantes de vários países, que apresentaram
e discutiram entre si evidências científicas e
pesquisas sobre alfabetização, literacia e
numeracia.
O resultado dos debates será concentrado em um
relatório, o Relatório Nacional de Alfabetização
Baseada em Evidências (Renab), que será
publicado em abril de 2020"
Fonte: pna-o-que-o-mec-pensa-sobre-
alfabetizacao
6. “falas” do ministro de educação que marcaram a
conferência
“Os péssimos indicadores de
alfabetização do país são resultado
da doutrinação de governos
anteriores. A verdade é que a
educação no Brasil, se os governos
anteriores se preocupassem menos
em doutrinar, mas em ensinar a ler,
escrever, a fazer conta, talvez o
país não estivesse em último lugar
na América do Sul”.
"A palavra que me vem à
mente é liberdade, se libertar
de falsas percepções que
trazem atraso e sofrimento às
pessoas."
"A alfabetização no Brasil é
um desastre, os arautos que
se julgam sábios, supremos,
doutos em técnicas, são
charlatões, o que eles fizeram
está errado.“
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/insucesso-em-
alfabetizacao-e-efeito-de-doutrinacao-de-gestoes-passadas
7. 7
Impressões iniciais sobre a
Política Nacional de Alfabetização
A Política Nacional de Alfabetização revela duas faces que estamos vivendo,
quando o tema é política pública em Educação no Brasil: a face do autoritarismo e
a da mercantilização. Sem nenhum debate, empresários e especialistas, que
desde 2003 queriam impor o método fônico como única forma de alfabetizar (cf.
BRASIL, 2003), se aliaram a um governo nada democrático, para contrariar esse
direito constitucional que é o de escolas e docentes escolherem as metodologias
que julgam adequadas para ensinar qualquer conteúdo de ensino, tanto na
Educação Básica como na Superior. Esse direito constitucional parece não
interessar aos especialistas, empresários e políticos que formularam a PNA.
Não poderia haver avanços nas discussões, porque não houve discussão. O que
vemos é uma tentativa de imposição, feita na base da chantagem: só quem se
submetesse ao que o MEC impõe teria direito a verbas e à cooperação do governo
federal. Isso é escancaradamente antidemocrático.
Artur Gomes de Morais - UFPE
9. 9
Desses grupos de trabalho
envolvidos na elaboração da
PNA, nenhum contou com a
contribuição dos
pesquisadores dos grandes
centros de linguagem do
Brasil (CEEL, CEALE, IEL...)
10. I CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1 Cenário atual
1.2 Linha do Tempo:
Marcos Históricos e
Normativos
1.3 Um breve histórico
dos relatórios sobre a
alfabetização no Brasil e
no mundo
11. 11
No 1.1 CENÁRIO ATUAL, o documento apresenta os resultados da Avaliação
Nacional da Alfabetização e do PISA
No entanto, como aponta MICARELLO (2020), é necessária alguma clareza
sobre o que significa dizer que o Brasil tem resultados ruins nessas avaliações.
O PISA, por exemplo, é uma avaliação internacional, que visa a permitir que os
países percebam como estão posicionados em relação a outros. Seus
resultados devem interessar principalmente aos gestores e subsidiá-los na
tomada de decisões com base em evidências que essas avaliações produzem,
em diálogo com outras evidências que se produzem, por exemplo, pelas
avaliações nacionais.
Nessa parte do documento observa-se a nítida intenção em colocar os índices
a favor da política apresentada.
Não existe uma problematização do contextos educacionais dos países em
que as avaliações são aplicadas. Será que os programas e sistemas
educacionais são os mesmo que os nossos?
No caso da ANA, tivemos uma avaliação que visava (além da produção de
evidências) também contribuir para o monitoramento do maior programa de
formação de professores alfabetizadores que o país já teve, o PNAIC, que foi
descontinuado ainda nasegunda edição da ANA.
Então, como afirma Micarello (2020) nossos resultados não mudam porque
ainda não sabemos o que fazer com eles. Ou seja, não extraímos deles os
subsídios que eles podem oferecer para avançarmos numa maior
compreensão dos problemas que temos que enfrentar e do modo como
podemos enfrentá-los.
12. 12
•No 1.2 a PNA traz um tópico
denominado “Linha do tempo: Marcos
Históricos e Normativos, que tem por
objetivo apresentar os programas e as
políticas mais importantes na área da
alfabetização, já realizados no país.
13. A PNA APAGA da linha do tempo três grandes políticas voltadas para
alfabetização e linguagem do país
PCN - 1997
Para aprender a ler e a
escrever é preciso
pensar sobre a escrita,
pensar sobre o que a
escrita representa e
como ela representa
graficamente a
linguagem (BRASIL,
1999).
PROFA 2001
O PROFA resulta de um processo
iniciado com o lançamento dos
Parâmetros Curriculares Nacionais.
Esses estudos têm como base as
transformações nas práticas de
ensino da leitura e da escrita
ocorridas a partir de 1985 com as
pesquisas de Emília Ferreiro e Ana
Teberoski e a publicação da obra
psicogênese da língua escrita
(MENEZES, 2019).
PRÓ-LETRAMENTO 2007
A partir dos anos 1980, o conceito de alfabetização foi
ampliado com as contribuições dos estudos sobre a
psicogênese da aquisição da língua escrita,
particularmente com os trabalhos de Emilia Ferreiro e
Ana Teberosky. De acordo com esses estudos, o
aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao
domínio de correspondências entre grafemas e
fonemas (a decodificação e a codificação), mas se
caracterizaria como um processo ativo por meio do
qual a criança, desde seus primeiros contatos com a
escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a
natureza e o funcionamento da língua escrita,
compreendida como um sistema de representação
(BRASIL, 2008).
14. 14
• O apagamento dessas três políticas da linha do tempo
apresentada pela PNA, nos dá mais uma “pista” do que o
documento pretende “negar”: a alfabetização como um
processo.
15. 15
• No 1.3 identificamos um outro problema que merece destaque e,
quando analisado, nos permite dizer que a concepção de
alfabetização do decreto vai na “contramão total e absoluta” de
todos os documentos oficiais apresentados.
16. • Entretanto, o principal problema para que
as conquistas observadas no plano da pesquisa
acadêmica se traduzam em ações concretas, por
exemplo, de formação de professores, é a
descontinuidade das políticas públicas e a pouca
articulação entre elas.
Em outras palavras, enquanto a BNCC faz
uma “ponte” com as políticas anteriores, pois
recupera e reforça três importantes dimensões da
alfabetização:
• a importância das práticas sociais de leitura e
escrita;
• a inclusão das multimodalidades nos currículos;
• e a importância do trabalho sistemático de
escrita alfabética
A PNA vem contradizê-la, porque ela toma apenas
uma parte dessas dimensões, que é o trabalho
sistemático da escrita alfabética. Vimos, assim, que
a PNA “mais polariza do que cria uma possibilidade
de interlocução” (Maria José Nóbrega).
Sobre essa parte do documento, Micarello (2020)
tece a seguinte consideração:
O Brasil avançou muito na reflexão sobre o
ensino da leitura e da escrita nas últimas décadas. Um
marco importante desse avanço foram os Parâmetros
Curriculares Nacionais, publicados ainda na década de 90
do século 20, documento que consagrou uma virada
pragmática no ensino da língua tomando o texto como o
eixo desse ensino.
A Base Nacional Comum Curricular, documento
publicado mais recentemente, em 2017, e que orienta a
formulação de propostas pedagógicas pelos sistemas de
ensino e escolas, dá continuidade a esse avanço, ao
definir os campos de atuação da vida social nos quais
esses textos circulam como um importante critério para
demarcar a progressão no ensino da língua, que segue de
textos que circulam em esferas da vida cotidiana e
avança, ao longo das etapas de escolarização, em direção
em textos que circulam na esfera da vida pública.
17. 17
• Segundo Micarello (2020), o desenho original da BNCC previa que sua implementação se
fizesse articulada a políticas de formação de professores, de produção de materiais
didáticos, de infra estrutura das escolas e de avaliação. Nesse sentido, a Política Nacional
de Alfabetização (PNA) desconsidera essa trajetória de pesquisas e inciativas de formação
de professores e propõe um outro paradigma para o ensino da leitura e da escrita, que é
estranho tanto às instituições de pesquisa da área quanto à formação de professores.
• Ainda segundo a autora, ao propor a adoção de uma perspectiva metodológica única para
a alfabetização – os métodos fônicos de alfabetização - ela não apenas se contrapõe à
produção científica recente sobre o tema, mas ignora a diversidade que constitui a
realidade educacional brasileira. Nesse sentido, a PNA não contribui para que se avance
na melhoria do ensino da leitura e da escrita, mas promove um retrocesso numa trajetória
que vinha se mostrando consistente. Os problemas no ensino da leitura e da escrita,
relacionados à formação inicial e continuada de professores, à carreira docente, às
condições de infra estrutura das escolas, à articulação de ações entre os entes federados,
assim como outros que dizem respeito à educação brasileira, precisam ser tratados por
meio de ações articuladas e no diálogo com a diversidade que constitui o território e a
cultura nacional. A PNA caminha na contramão dessa perspectiva.
18. 18
• Sobre os seis pilares para garantir o sucesso da
alfabetização (consciência fonêmica, instrução
fônica sistemática, fluência em leitura oral,
desenvolvimento de vocabulário, compreensão
de textos e produção de escrita) e sua visão
reducionista.
19. 19
• 1. Consciência fonêmica: é o conhecimento consciente das menores unidades
fonológicas da fala (fonemas) e a capacidade manipulá-las intencionalmente. Para
desenvolver a consciência fonêmica, é necessário um ensino intencional e
sistematizado, que pode ser acompanhado de atividades lúdicas, com o apoio de
objetos e melodias. A consciência fonêmica conduz à compreensão de que uma
palavra falada é composta de uma sequência de fonemas
• 2. Instrução fônica sistemática: leva a criança a aprender as relações entre as letras
(grafemas) e os menores sons da fala (fonemas). “Fônica” é a tradução do termo
inglês phonics, criado para designar o conhecimento simplificado de fonologia e
fonética usado para ensinar a ler e a escrever. O ensino do conhecimento fônico se
mostra eficaz quando é explícito e sistemático (com plano de ensino que contemple
um conjunto selecionado de relações fonema-grafema, organizadas em sequência
lógica) (CARDOSOMARTINS; CORRÊA, 2008). Assim, as crianças aplicam na leitura
de palavras, frases e textos o que aprendem sobre as letras e os sons. Portanto, a
instrução fônica sistemática e explícita melhora significativamente o reconhecimento
de palavras, a ortografia e a fluência em leitura oral (MULDER et al., 2017; CARDOSO-
MARTINS; BATISTA, 2005).
20. 20
• 3. Fluência em leitura oral: é a habilidade de ler um texto com
velocidade, precisão e prosódia. A fluência libera a memória do
leitor, diminuindo a carga cognitiva dos processos de
decodificação para que ele possa concentrar-se na compreensão
do que lê. A fluência torna a leitura menos trabalhosa e mais
agradável. É desenvolvida em sala de aula pelo incentivo à
prática da leitura de textos em voz alta, individual e
coletivamente, acrescida da modelagem da leitura fluente.
• Professores e coordenadores pedagógicos devem levar em
consideração, no processo de alfabetização, as pesquisas que
indicam o número médio de palavras lidas com fluência ao final
de cada ano do ensino fundamental I (EHRI et al., 2001;
OLIVEIRA, 2008; RASINSKI; PADAK, 2005).
21.
22. 22
• 4. Desenvolvimento de vocabulário: Tem por objeto tanto o vocabulário receptivo e expressivo,
quanto o vocabulário de leitura. Os leitores iniciantes empregam seu vocabulário oral para
entender as palavras presentes nos textos escritos. Um vocabulário pobre constitui um obstáculo
para a compreensão de textos. Por isso é recomendável que, antes mesmo de ingressar no
Ensino Fundamental, a criança seja exposta a um vocabulário mais amplo do que aquele do seu
dia a dia.
• 5. Compreensão de textos: é o propósito da leitura. Trata-se de um processo intencional e
ativo, desenvolvido mediante o emprego de estratégias de compreensão. Além do domínio
dessas estratégias, também é importante que o aluno, à medida que avança na vida escolar,
aprenda o vocabulário específico necessário para compreender textos cada vez mais complexos.
A compreensão não resulta da decodificação. São processos independentes. Por isso é possível
compreender sem ler, como também é possível ler sem compreender. A capacidade de
decodificação, no entanto, é determinante para a aquisição de fluência em leitura e para a
ampliação do vocabulário, fatores que estão diretamente relacionados com o desenvolvimento
da compreensão (MORAIS, 2013)
• 6. Produção de escrita: Diz respeito tanto à habilidade de escrever palavras, quanto à de
produzir textos. O progresso nos níveis de produção escrita acontece à medida que se consolida
a alfabetização e se avança na literacia. Para crianças mais novas, escrever ajuda a reforçar a
consciência fonêmica e a instrução fônica.
23. 23
Conforme Silva (2013), Zesiger (1995) e Ajuriaguerra et al.
(1979), a produção de escrita abrange diferentes níveis:
• Nível da letra: caligrafia; envolve a planificação, a programação e a
execução de movimentos da escrita.
• Nível da palavra: ortografia; envolve operações mentais que permitem
saber, por exemplo, que /mãw/ se escreve “mão” (e não “maum”).
• Nível da frase: consciência sintática; envolve a ordem das palavras, as
combinações entre as palavras e a pontuação.
• Nível do texto: escrever e redigir; refere-se à organização do discurso e
envolve processos que não são específicos da língua escrita, como a
memória episódica (memória de fatos vivenciados por uma pessoa), o
processo sintático e semântico.
24. 24
• De entrada, é necessário relembrar que há mais de 30 anos, isto é, desde
1986, Artur Gomes de Morais já defendia um ensino de alfabetização que
promovesse a consciência fonológica. Segundo este autor (2019), há mais
de três décadas, já se fazia isso no Ciclo de Alfabetização da Rede
Municipal de Recife, conforme encontramos em seu livro Consciência
Fonológica na Educação Infantil e no Ciclo de Alfabetização (MORAIS,
2019).
• Também cabe ressaltar que as pesquisas em alfabetização que vinham
guiando nossas práticas até então, nunca apostaram num aprendizado
“espontâneo e assistemático” no ciclo de alfabetização. Pelo contrário,
segundo Morais (2019), há um bom tempo que as pesquisas vêm
“censurando” esse delírio de aposta num “aprendizado espontâneo” e
criticando o que apontávamos como outro delírio, o da “ditadura do texto”,
que consistia na censura a qualquer ensino que promovesse a reflexão
sobre palavras isoladas.
• Mas isto – a defesa da promoção da consciência fonológica e do ensino
sistemático de relações entre sons e letras, quando as crianças já as
compreendem – não implica, de modo algum, que estejamos “alinhados”
com a visão reducionista e supostamente inovadora dos “6 pilares” da PNA.
25. 25
Por quê?
• Em primeiro lugar, porque a PNA tem uma visão bastante simplista de
consciência fonêmica. Temos evidências de que muitas das
habilidades que um método fônico típico não são necessárias para
uma criança compreender o sistema alfabético e que, quando os
aprendizes conseguem resolver, por exemplo, as tarefas de
segmentação de uma palavra em fonemas ou as de adição ou
subtração de fonemas no início de palavras, o que eles fazem é
pensar sobre a sequência de letras (e não de fonemas das palavras),
porque já alcançaram uma hipótese alfabética e já dominam várias
relações fonema-grafema. Ou seja, tal como nós, adultos, aqueles
alfabetizandos já lançam mão de uma “consciência gráfica” e não
apenas ficam “manipulando fonemas” para resolver aquelas tarefas
esdrúxulas.
26. 26
• Em segundo lugar, temos evidência de que as crianças podem
ser ajudadas a compreender o princípio alfabético sem já serem
massacradas com “aulinhas” sistemáticas sobre relações entre
grafemas e fonemas, de modo repetitivo e controlado. O que os
defensores da PNA chamam de “instrução fônica sistemática”
nos parece uma camisa de força, fundamentada numa
perspectiva associacionista de aprendizagem. Dizem que aquela
instrução é baseada numa “sequência lógica” e retrucamos que
aqueles especialistas a enxergam como tal (“lógica”), porque
tratam a criança como mera receptora e reprodutora de
informações prontas e não querem investigar o que ela, nossa
criança-aprendiz, pensa sobre letras, sílabas, palavras e textos.
27. 27
• Se é óbvio que a ampliação do vocabulário é um requisito para
que os leitores principiantes avancem em sua compreensão
leitora, precisamos ver que a concepção de compreensão e
produção de textos escritos adotada pelos autores da PNA sofre
de reducionismos idênticos aos que abraçam ao enfocar o
aprendizado do SEA (sistema de escrita alfabética).Tal como se
vê em diferentes passagens do texto da PNA (pp. 28, 33, 34) os
atuais especialistas que ajudaram a redigir a autoritária proposta
do MEC tendem a ver a compreensão de leitura como algo que
só deveria ser priorizado após o domínio da “decodificação” e da
“leitura fluente” de palavras soltas.
28. 28
• Desconsideram toda a literatura psicolinguística e os estudos
sobre letramento e leitura, que demonstram o quanto a escuta de
textos lidos pelo professor - com posterior conversa sobre tais
textos - desde o final da Educação Infantil, ajuda as crianças a
desenvolverem estratégias de compreensão leitora antes de
terem autonomia na leitura de palavras. O estudo experimental
feito por Fontes e Cardoso-Martins (2004) é uma boa evidência
de que um ensino intencionalmente planejado para promover a
compreensão de textos escritos lidos pela professora é, sim,
muito eficaz para desenvolver diferentes habilidades de
compreensão de textos escritos entre alunos do final da
Educação Infantil, ainda sem terem alcançado uma hipótese
alfabética.
29. 29
Letramento x Literacia
• O termo letramento é associado ao trabalho de Magda Soares por
dois programas do MEC: o Pró-Letramento e o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). A referida autora define
letramento como “o desenvolvimento das habilidades que
possibilitam ler e escrever de forma adequada e eficiente, nas
diversas situações pessoais, sociais e escolares em que
precisamos ou queremos ler ou escrever diferentes gêneros e tipos
de textos, em diferentes suportes, para diferentes objetivos, em
interação com diferentes interlocutores, para diferentes
funções” (glossário ceale, do centro de alfabetização, leitura e
escrita).
30. 30
O que é literacia (Pna, p. 21)
• Literacia é o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
relacionados à leitura e à escrita, bem como sua prática produtiva. Pode
compreender vários níveis: desde o mais básico, como o da literacia
emergente, até o mais avançado, em que a pessoa que já é capaz de ler
e escrever faz uso produtivo, eficiente e frequente dessas capacidades,
empregando-as na aquisição, na transmissão e, por vezes, na produção
do conhecimento (MORAIS, 2014).
• O conceito de literacia vem-se difundindo desde os anos 1980 e nas
políticas públicas se reveste de especial importância como fator para o
exercício pleno da cidadania. É termo usado comumente em Portugal e
em outros países lusófonos, equivalente a literacy do inglês e a littératie
do francês. A opção por utilizá-lo traz diversas vantagens, pois é uma
forma de alinhar-se à terminologia científica consolidada
internacionalmente.
32. 32
• Alfabetização versus letramento
• “Primeiro temos que definir os conceitos para podermos entendê-los. Alfabetizar é levar uma criança ou
adulto a ser capaz de ler e escrever com autonomia tudo aquilo que está escrito, quer tenha sentido ou não,
quer conheçamos a palavra ou não. Estar alfabetizado é ser capaz de ler e escrever tudo o que é coerente
com a língua, é ser capaz de decodificar na leitura e de recodificar na escrita. E tudo isso de maneira
autônoma, porque se eu preciso de um tutor toda vez em que for ler algo, então não estou alfabetizado. Mas
apenas isso não é suficiente para ser considerado letrado. Letrado é alguém que vai para além da
decodificação autônoma e passa para um processo de identificação automática da palavra. Eu sou letrado
quando leio uma palavra e imediatamente o seu significado salta a minha cabeça. Porém, ainda sobre
letramento, na verdade não gosto nada deste termo. Ele foi inventado no Brasil. No meu país, por exemplo,
não existe. Lá, utilizamos o termo literacia. No Brasil, o termo letramento nasceu na década de 1980, com
Magda Soares – se não estou enganado – para designar a leitura como prática social. Bom, é claro que a
leitura é uma prática social. Mas quando queremos explicar os fenômenos da leitura, temos que considerar
aspectos cognitivos. Por isso, letramento é um termo que não faz sentido na ciência da leitura – ele não
existe na ciência da leitura. É um termo que, intencionalmente, imprime um viés ideológico para a questão da
alfabetização, que deveria ser tratada por uma perspectiva científica”.
33. 33
O que diz a PNA sobre a troca do
termo?
• “A definição de letramento utilizada na base é extremamente ampla e até por
isso se decidiu usar a definição literacia para focar no aspecto específico do
desenvolvimento da habilidade fundamental da leitura”, (BUCHWEITZ, 2019).
34. 34
• No entanto, há o receio de que os professores, acostumados com o
termo letramento, pensem que se trata de ago diferente, quando na
verdade são termos semelhantes que provêm da mesma origem do
inglês literacy.
• Mudou-se o termo para literacia como se fosse outra coisa,
desconsiderando que o termo que os professores conhecem é
letramento. “
35. 35
Para finalizar...
• No início do mês de maio deste ano, o Ministério da Educação
elaborou minuta de Edital para compra e distribuição de livros
didáticos e de livros de literatura para creches e pré-escolas.
• Para nossa tristeza, mas não espanto, este edital está
fundamentado em uma concepção de Educação Infantil
preparatória para o Ensino Fundamental, prevê a compra e
distribuição de livros didáticos para crianças da pré-escola e
possui uma concepção de literatura como instrumento didático,
prioritariamente destinado à transmissão de conteúdos
escolares ou como artefato de utilidade imediata para formar
determinados valores e comportamentos considerados
adequados e socialmente aceitos.