1) O documento descreve uma ação penal contra um deputado federal por crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha relacionados a desvios de recursos de financiamentos do BNDES.
2) Os réus são acusados de estruturar um esquema de lavagem de dinheiro por meio de uma empresa de consultoria para desviar parte dos recursos dos financiamentos.
3) Um dos votos entende que as provas demonstram a participação do deputado no esquema criminoso, enquanto outros votos pediram a absol
Vereadora Amanda Nabeshima solicita informações sobre a criação do REFIS 2021
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Ementa: Penal e processo penal. Ação penal originária. Crimes contra o
sistema financeiro nacional, de lavagem de dinheiro e de formação de
quadrilha. Financiamentos obtidos junto ao BNDES. Desvio para finalidade
diversa da prevista no contrato. Destinação a terceiros. Participação de
deputado federal nos desvios dos recursos dos financiamentos. Contratos:
Prefeitura de Praia Grande/SP e Lojas Marisa. Depoimentos de corréus:
valor relativo. Ausente compromisso de dizer a verdade. Insuficiência das
declarações para gerar dúvida minimamente razoável. Solidez dos
documentos probatórios produzidos ao longo da instrução criminal. Provas
antecipadas coligidas em diligências cautelares de busca e apreensão,
interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário e fiscal, submetidas ao
contraditório. Validez para a condenação. Existência de provas robustas da
prática dos crimes definidos no art. 20 da lei 7.492/86 e art. 1º, VI, da lei 9.613
/98, na redação vigente à época dos fatos. Condenação. Formação de
quadrilha. Prova suficiente a afastar a caracterização de mero concurso de
agentes para a prática dos crimes específicos narrados na denúncia.
Demonstração, mediante evidências colhidas em mensagens eletrônicas e
diálogos captados ao longo da investigação, da existência de associação
estável e permanente, estruturada para a prática de crimes de lavagem de
dinheiro e de desvios de recursos de financiamentos concedidos pelo
BNDES. Denúncia julgada procedente .
V O T O
O Senhor Ministro Luiz Fux (Vogal): Senhora Presidente, eminentes
pares, ilustres representantes do Ministério Público e da defesa, senhoras e
senhores,
Cuida-se de ação penal, em face do Deputado Federal Paulo Pereira da
Silva, conhecido como “Paulinho da Força”, pela suposta prática de crime
contra o Sistema Financeiro Nacional, tipificado no art. 20 da Lei 7.492/86,
consistente no desvio de recursos de financiamento concedido por
instituição financeira, em concurso material com crimes de lavagem de
dinheiro (art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/1998) e de formação de quadrilha (art.
288, caput, do Código Penal).
A denúncia foi oferecida em 19.06.2012 (fls. 6963/6990, vol. 35) e
recebida em 08.09.2015 (fls. 7318/7362, vol. 36).
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Os fatos narrados remontam ao período de dezembro de 2007 a abril de
2008.
Segundo o Parquet , o Deputado Federal Paulo Pereira da Silva, em
associação com outros acusados (Alberto Pereira Mourão, Boris Bitelman
Timoner, Celso de Jesus Murad, Elza de Fátima Costa Pereira, Jamil Issa
Filho, João Pedro de Moura, José Carlos Guerreiro, Manuel Fernandes de
Bastos Filho, Marcelo Rocha de Miranda, Marcos Vieira Mantovani, Ricardo
Tosto de Oliveira. Carvalho, Wilson Carvalho de Oliveira e Wilson de
Barros Consani Júnior, que responderam a processo no primeiro grau de
jurisdição), agiu para obter, junto ao BNDES (contratos às fls. 2517/2529,
2533/2543, e fls. 2504/2516), financiamentos para a Prefeitura de Praia
Grande/SP, no montante de R$ 124.000.000,00 (cento e vinte e quatro
milhões), e para as Lojas Marisa S/A, no valor total de R$ 165.131.000,00
(cento e sessenta e cinco milhões, cento e trinta e um mil reais), com objetivo
de desviar referidos recursos da finalidade que legitimara a concessão dos
empréstimos.
Elementos de prova colhidos nos autos da investigação revelaram
indícios de que o Deputado Federal Paulo Pereira da Silva participava das
ações do grupo consistentes no desvio dos recursos do BNDES e se
beneficiava da partilha da "comissão" cobrada aos beneficiários dos
financiamentos.
O feito foi distribuído à Relatoria do Ministro Teori Zavascki.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia em
08.09.2015 (fls. 7318/7362, vol. 36).
Em sede de alegações finais (fls. 10687/10724, vol. 46, parte 02), a então
Procuradora-Geral da República requereu a condenação do réu pela prática
criminosa e, cumulativamente, postulou sua condenação ao pagamento de
danos morais decorrentes de seus atos, em valor correspondente ao triplo
do valor do dano material, com fundamento no art. 387, IV, do Código de
Processo Penal.
A Defesa, em suas alegações finais (fls. 10738/10850, vol. 46, parte 02),
suscitou as seguintes questões preliminares: a) a inépcia da denúncia; b)
ilicitude da ação controlada e contaminação da prova; c) ilicitude do
encontro fortuito de provas; e d) falta de fundamentação das decisões de
autorização e prorrogação da interceptação telefônica.
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No mérito, a Defesa alega, em primeiro lugar, que somente o tomador
do financiamento poderia cometer o delito do art. 20 da Lei nº 7.492/1986.
Ademais, sendo o delito formal, o recebimento de valores desviados seria
mero exaurimento do crime.
Relativamente ao financiamento concedido às Lojas Marisa, a Defesa
argumenta que não houve violação contratual, pois já havia previsão de
gastos com consultoria no projeto aprovado pelo BNDES. Além disso, a
efetiva prestação da consultoria estaria comprovada por e-mails trocados
entre a empresa responsável (PROGUS) e o BNDES, pela juntada do
contrato celebrado entre ambos e por auditorias realizadas por empresas
como Deloitte e KPMG.
Quanto ao financiamento concedido à Prefeitura de Praia Grande, alega
que a empresa PROGUS foi remunerada exclusivamente com recursos
privados, oriundos da Construtora TERMAQ, bem como que a consultoria
foi efetivamente prestada.
A Defesa acrescenta que o BNDES não detectou irregularidade alguma
nos contratos. Afirma, ainda, que o réu teria sido, na verdade, mera vítima
de tráfico de influência por parte de João Pedro Moura, que teria se valido
indevidamente do nome do acusado para obter os valores para si.
No que pertine ao delito de lavagem de dinheiro, a Defesa sustenta a
inadequação típica, na medida em que, ainda que se considerasse
caracterizado o crime do art. 20 da Lei nº 7.492/1986, não se demonstrou a
prática de atos voltados à ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido.
Por fim, quanto à imputação de formação de quadrilha (art. 288 do
Código Penal), a Defesa considera não ter sido narrada a permanência ou
estabilidade da associação criminosa, tampouco o dolo do réu de participar
da referida associação.
As preliminares foram afastadas, por unanimidade, na sessão em que
teve início o julgamento do presente feito.
Na sequência, o Relator, Ministro Alexandre de Moraes, e o Revisor,
Ministro Marco Aurélio, votaram no sentido da absolvição do réu, por falta
de provas suficientes para a condenação.
Em voto vista, o Ministro Roberto Barroso divergiu, julgando
procedente a ação penal.
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Também eu, senhora Presidente, a partir da detida análise das provas,
formei meu convencimento no sentido da procedência da ação penal ora
sob julgamento.
A meu sentir, não há margem para dúvida razoável quanto à
demonstração da participação do réu no esquema criminoso montado no
Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDES, para fins de desvios de
recursos obtidos a título de financiamento, valendo-se de empresas cuja
função era conferir aparência lícita aos desvios, forjando contratos
fraudulentos de “consultoria”.
Passo à fundamentação do meu voto.
A denúncia acusa o réu de pertencer a uma quadrilha articulada para
desviar valores de financiamentos concedidos pelo BNDES, em troca de
vantagens indevidas que variavam de 2% a 4%.
O acusado indicou, sucessivamente, dois representantes da Força
Sindical, Ricardo Tosto e João Pedro Moura, para o Conselho de
Administração do BNDES.
Segundo se extrai dos autos, João Pedro Moura era braço direito do réu
Paulinho da Força, agindo, diretamente, junto aos tomadores de
financiamentos ( in casu, as Lojas Marisa e a Prefeitura de Praia Grande)
para obter o repasse de parte dos recursos ao grupo criminoso. Além disso,
João Pedro era quem se encarregava dos contatos com o dono da empresa
de consultoria utilizada na lavagem de dinheiro, a Progus, de Marcos
Mantovani.
Um primeiro esclarecimento, antes de adentrar a análise dos fatos
criminosos em si.
A defesa alega que o réu teria sido, na verdade, mera vítima de tráfico
de influência por parte de João Pedro Moura e Marcos Mantovani, os quais
teriam se valido, indevidamente, do nome do acusado, para obter os valores
para si mesmos. Ou seja: eles teriam utilizado seu nome, para convencer os
empresários a repassar-lhes um montante maior do financiamento
concedido a suas empresas pelo BNDES.
Ocorre que os documentos apreendidos evidenciam que o nome do réu
Paulo Pereira da Silva constava da contabilidade do esquema, identificado
pela sigla P.A. Cópias de cheques destinados ao réu revelam que havia
adesivo identificando seu nome como destinatário. Mensagens trocadas
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entre um dos réus e sua filha, como veremos adiante, também revelam que
Paulinho da Força era destinatário de parte dos valores.
Ora, se o réu fosse mera vítima de tráfico de influência, para desvio de
parte dos recursos do BNDES repassados às empresas tomadoras dos
empréstimos – versão da defesa, que contou com a confirmação dos réus
João Pedro e Marcos Mantovani -, estes réus não colocariam bilhetes com as
iniciais de Paulo Pereira da Silva nos cheques que eles mesmos iriam
depositar; nem haveria mensagens de SMS, trocadas entre Mantovani e sua
filha, que veremos adiante, esclarecendo que Paulinho da Força seria o
destinatário de um dos cheques. A versão, como se constata da análise
detida dos autos, não faz o menor sentido e, por ser absurda, não é capaz, a
meu sentir, de gerar dúvida razoável.
Pois bem.
Para dar aparência de licitude ao recebimento/pagamento dos
montantes destinados aos integrantes do grupo criminoso, foi estruturado
(de modo a caracterizar associação estável e permanente) um esquema de
lavagem de dinheiro, articulado através de uma empresa de consultoria, a
Progus Investimento, Consultoria e Assessoria Ltda., controlada pelo réu
Marcos Mantovani, a qual emitia notas fiscais frias para o fim de receber
parte dos recursos obtidos a título de financiamento do BNDES. Os recursos
assim desviados da finalidade contratual que justificou a concessão do
empréstimo foram, em seguida, compartilhados entre os membros da
quadrilha.
Na versão da acusação, parte dos recursos de três contratos de
financiamento concedidos pelo BNDES através do mencionado esquema –
dois deles para a rede de Lojas Marisa; e outro para Prefeitura de Praia
Grande (SP) - teve por destinatário final o réu Paulo Pereira da Silva,
mediante esquema de lavagem de dinheiro.
Passo à análise da materialidade e da autoria.
DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E DE
LAVAGEM DE DINHEIRO
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O crime do art. 20 da Lei. 7.492/1986 teria se materializado pelo desvio
de recursos oriundos de financiamentos do BNDES, em proveito das Lojas
Marisa (fls. 2517-2529 e 2533-2543) e da Prefeitura de Praia Grande (fls. 2504-
2516).
Os administradores das Lojas Marisa envolvidos no delito e os agentes
públicos da Prefeitura de Praia Grande também foram acusados de
participação no delito (os processos correm no primeiro grau de jurisdição).
O tipo penal está assim redigido:
“Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou
contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por
instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para
repassá-lo:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.
A defesa alega que somente podem ser sujeitos ativos deste crime
aqueles que, por força do contrato assinado com instituição financeira
oficial ou por instituição credenciada a repassá-lo, têm o dever de aplicar os
recursos financiados na finalidade prevista.
Portanto, o crime não admitiria, como sujeitos ativos, pessoas estranhas
ao contrato de financiamento, o que, por si só, levaria à atipicidade dos
fatos imputados ao réu.
Pois bem.
É consabido que os delitos previstos na Lei 7.492/86 admitem coautoria
e participação.
Na esteira da jurisprudência desta Corte, o tipo penal do artigo 20 “
admite o concurso de pessoas, tanto na forma de coautoria quanto de
participação [...] bastando, para tanto, que se avalie da intenção dos
mesmos, já que o dolo é o elemento subjetivo do tipo " (HC 81852, Relator
(a): Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ de 14-06-2002)
In casu , a acusação é de participação do réu em esquema voltado ao
desvio de recursos concedidos a título de financiamento pelo BNDES – a
juros abaixo dos praticados no mercado. Os empresários tomadores dos
empréstimos comprometiam-se, previamente, a repassar um percentual aos
integrantes do esquema, contratando a empresa de consultoria que seria
encarregada de distribuir os valores desviados.
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Consectariamente, não há de se falar em atipicidade da conduta.
Passemos à análise dos desvios narrados na inicial.
I – AS PROVAS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
O réu Paulo Pereira da Silva teria sido beneficiário de dois cheques, no
montante de R$ 18.397,50 cada, oriundos de desvios de financiamentos
concedidos pelo BNDES para a Prefeitura de Praia Grande; e de outros dois
cheques, nos valor de R$ 82.162,93 e R$ 82.000,00, oriundos de desvios de
financiamentos concedidos pelo BNDES para as Lojas Marisa S.A.
Os financiamentos concedidos pelo BNDES, especificados na denúncia
como objeto dos desvios, foram firmados sequencialmente, nas mesmas
circunstâncias de tempo e lugar. Para as Lojas Marisa, houve dois
financiamentos: o primeiro, que havia sido concedido em 02/10/2006, foi
ligeiramente reduzido um ano depois, 25/10/2007 (de R$ 114 milhões para
R$ 112 milhões); mas, logo em seguida, em 14/02/2008, foi concedido novo
financiamento para a mesma empresa pelo BNDES, no montante de R$ 165
milhões. Os dois empréstimos se voltavam ao financiamento de abertura,
ampliação e reforma de diversas unidades espalhadas pelo território
nacional.
Para a Prefeitura de Praia Grande, o financiamento foi concedido no dia
04/12/2007. O financiamento concedido à Prefeitura de Praia Grande/SP
(contrato de 04/12/2007, às fls. 2504/2516, vol. 14) envolveu “ um crédito no
valor de R$ 123.914.000,00 ”, “ destinado à implantação do Projeto
Multissetorial Integrado Urbano em Áreas de baixa Renda no Município da
Estância Balneária de Praia Grande (SP), para execução de intervenções em
urbanização, acessibilidade e macrodrenagem ”.
Relativamente aos desvios do empréstimo obtido pela Prefeitura de
Praia Grande, consta do relatório de análise policial o seguinte (fls. 1680
/1681, vol. 08):
“ Os valores a serem desviados foram acertados, em parte, na
reunião da data de 21/01/2008, realizada no Gabinete da Prefeitura de
Praia Grande/SP. Segundo interceptações, estiveram presentes nesta
reunião, MANUEL, JOÃO PEDRO e ALBERTO P. MOURÃO (Prefeito
da Praia Grande/SP). Ato contínuo, após o término desta reunião,
Manuel e João Pedro retornaram para São Paulo, mais precisamente
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para a Casa Noturna WE, onde possivelmente ratificaram o acordo
manuscrito abaixo, rubricado por Manuel e encontrado na casa de
João Pedro (Observação: Ver também RIP 004/2008 de 24/01/2008 onde
consta toda a sequência de diálogos referenciando as porcentagens,
valores e participações de cada integrante da Organização Criminosa .
[...]). Comentários: Documento arrecadado na casa de João Pedro de
Moura, em São Sebastião da Gama/SP. O valor acima, de R$
130.000.000,00 corresponde ao valor aproximado liberado para a
Prefeitura de Praia Grande/SP, sendo a ‘comissão’ (valor desviado) da
Organização Criminosa de 2%, ou seja, R$ 2.600.000,00. Este montante
total foi então subdividido em dois grupos: 1. 50% - PROGUS; 50% -
PAULINHO, TOSTO e GASPAR; 2. 50%: MANECO, JAMIL, JP e
BORIS ”.
Observa-se, portanto, que a reunião na qual foram decididos os
percentuais dos desvios ocorreu em 21 de janeiro de 2008, na Prefeitura e,
em seguida, numa casa noturna – que foi utilizada para lavagem de parte
do dinheiro repassado ao esquema pela empresa contratada pela prefeitura,
a TERMAQ.
O acordo manuscrito, que indicava o percentual a ser desviado do
contrato (2%) e os percentuais cabíveis a cada grupo de partícipes do
esquema, foi encontrado em diligência de busca e apreensão na casa de João
Pedro.
No dia seguinte à reunião, em 22.01.2008, foi captado diálogo entre João
Pedro e Manuel Fernandes de Bastos Filho, dono da Casa Noturna WE,
tratando da necessidade de emissão de nota fiscal com a descrição “
consultoria para elaboração de projetos ” (fls. 211-212, vol. 1), para justificar
os repasses.
Em 23/01/2008, dois dias depois da reunião na sede da Prefeitura e no
dia seguinte ao referido diálogo, a PROGUS emitiu a Nota Fiscal 1077 (fls.
1682), de “ prestação de serviço de consultoria ” para a TERMAQ
TERRAPLANAGEM CONSTR. CIVIL E ESCAV. LTDA., no valor de R$
400.000,00.
Constata-se que o valor especificado na nota fiscal corresponde,
efetivamente, a 2% do primeiro repasse do BNDES, ou seja, os “ primeiros
20 milhões ” (fls. 2393, vol. 13). Este dado corrobora a informação do
referido “acordo manuscrito”, encontrado, em diligência de busca e
apreensão, na casa de João Pedro, no sentido de que 2% do total repassado
pelo BNDES seria desviado em proveito do grupo.
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No mesmo dia 23/01/2008, em que foi emitida a nota fiscal fria, foi
interceptado um diálogo entre dois investigados, indicando que o Prefeito
de Praia Grande “ pagaria conforme fosse recebendo ” do BNDES (fls. 2393,
vol. 13). Segundo o diálogo, “ Entrou 20 este mês, vai entrar 20 todo
bimestre , ele disse que vai até o final do ano ” (fls. 2394).
Ainda no dia 23/01/2008, data do primeiro repasse, o Deputado Federal
Paulo Pereira da Silva foi mencionado, nominalmente, no diálogo entre
Manuel Fernandes de Bastos Filho, proprietário da Casa Noturna WE, e
Boris Bitelman Timoner, diretor das Lojas Marisa, em que Manuel afirmou
que, “ De dois milhões e seiscentos, um milhão e trezentos seriam divididos
por Mantovani entre ele próprio, Ricardo Tosto, Paulinho e José Gaspar ”
(p. 218/221; p. 6965).
Como se observa, o diretor das Lojas Marisa, Boris Timoner, conhecia o
esquema de desvio antes da concessão do segundo financiamento pelo
BNDES, no total de R$ 165 milhões, em 14/02/2008.
Com efeito, os diálogos interceptados indicam que as Lojas Marisas já
faziam parte do esquema anteriormente. É o que se constata de trecho,
gravado no dia 26/12/2007, no qual Manuel Fernandes de Bastos Filho, dono
da Casa Noturna WE usada no esquema de lavagem, menciona, em
conversa com o funcionário da Prefeitura de Praia Grande, que “ no caso da
MARISA toda vez que sai o dinheiro o MANTOVANI desconta deles 15,8%
” (fls. 144), desconto correspondente aos custos de emissão da nota fiscal
fria.
O Relatório de Inteligência Policial nº 11/2008 revela que os cheques da
W.E. Bar e Restaurante entregues a Marcos Mantovani, da Progus seriam
destinados, entre outros, ao réu. Consta do Relatório que:
“ Em meados de fevereiro deste ano [2008], quatro cheques
emitidos pela W.E. foram entregues a Mantovani. Dois deles seriam
para o pagamento das parcelas de Ricardo Tosto e Paulo Pereira da
Silva . Mantovani depositou os cheques na conta bancária de sua
pessoa física , no Banco Bradesco. Antes, tirou cópia dos cheques e os
deixou no escritório da Progus, onde elas foram encontradas pelos
policiais (cópias a fls. 1690) ”.
Com efeito, além da PROGUS, de Marcos Mantovani, a Casa Noturna
W.E. Bar e Restaurante também serviu de intermediária na lavagem de
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dinheiro. A empresa emitiu, em 15/02/2008, dois cheques, que foram
depositados, no dia 18/02/2008, na conta do proprietário da PROGUS,
Marcos Vieira Mantovani.
O que há de relevante nos referidos cheques para a prova dos fatos
criminosos são os valores neles escriturados: ambos são no total de R$
18.397,50.
Ocorre que, na diligência de busca e apreensão realizada na sede da
PROGUS, foi encontrada uma planilha (fls. 2380, vol. 13), gravada no
computador da empresa, na qual:
(1) há referência direta à Nota Fiscal 1077 – emitida pela PROGUS para
justificar o recebimento de R$ 400 mil da Prefeitura de Praia Grande;
(2) elabora-se um cálculo de divisão do montante de R$ 400 mil, depois
de descontados os impostos;
(3) é deduzido o montante retido em benefício próprio por Marcos
Mantovani e das “ despesas de viagem do projeto pagas por Maneco ”
(dono da WE);
(4) finalmente, chega-se ao valor a ser distribuído aos “participantes”,
constando, ao lado das iniciais do réu (PA), bem como do corréu Ricardo
Tosto (RT), o montante de R$ 18.397,50.
Este é, exatamente, o valor dos cheques depositados na conta de
Mantovani por Manoel.
A robustecer, ainda mais, a prova de que o réu era um dos destinatários
finais dos recursos desviados do financiamento do BNDES, logrou-se
apreender, nas diligências de busca e apreensão, a cópia do referido cheque
emitido pela WE: nela, estava grampeado um papel manuscrito, com as
iniciais P.A., acompanhada de outro papel, em que constava, também
manuscrita, a identificação “Praia Grande” (fls. 1691 e 1693, vol. 8).
Os cheques foram depositados, no dia 18/02/2008 na conta de
Mantovani, que se encarregaria do repasse ao réu. Com efeito, no dia 20/02
/2008, Mantovani solicitou que sua filha preenchesse dois cheques, no valor
de R$ 18.397,50 cada um. Os diálogos interceptados entre eles revelam que
o réu, efetivamente, era o destinatário final do referido cheque, conforme
constou da planilha de controle antes mencionada (Relatório de Inteligência
Policial (RIP) 11/2008, fls. 1669/1796, vol. 08):
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‘[...]
[Carol] - Estes cheques da sua conta de R$ 18.397,50 vai ser
nominal?
[Marcos] - Não e não pode ser cruzado
[Carol} – Certo. Um é para o Ricardo Tosto e o outro é pra quem?
Vou fazer aquela planilha de controle.
[Marcos] – pa.
[Carol] – pa?
[Marcos] Paulinho ” (fls. 1694, vol. 08, RIP 11/2008; denúncia, fls.
6975).
Evidencia-se, assim, que o réu Paulo Pereira da Silva era o beneficiário
final de percentual dos valores desviados de financiamentos do BNDES.
Marcos Mantovani emitiu, em 20/02/2008, dois cheques sequenciais –
993 e 994, ambos em benefício de Leite Tosto e Barros Advogado. Assoc. e
no valor idêntico de R$ 18.397,50 (fls. 2330/2331).
O fato de não ter sido emitido em nome do réu como destinatário final
não é suficiente para afastar a conclusão de que foi ele seu beneficiário,
tendo em vista a dinâmica dos fatos e todo o conjunto probatório até aqui
evidenciado.
Pouco depois, no mês de março, o nome do réu foi novamente
mencionado, em diálogo de 17/03/2008, em que Manuel conversou com
Mantovani: “ Manuel informou que saíram os quatro milhões faltantes (da
primeira parte do financiamento do BNDES, de vinte milhões). Destes, R$
92.110,00 iriam para Mantovani. Ele comentou que também teria a parte do
‘Ricardo’ e do ‘Paulinho’ (fls. 29/30) ” (p. 6965).
Consta do Exame Pericial n. 12/2011 a análise de um cheque, número
1069, novamente no valor de R$ 18.397,50 , emitido por Mantovani, sócio da
Progus, o qual foi “ depositado no dia 28/03/2008 na conta do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa Política, Social e Cultural do
Trabalhador, entidade ligada ao referido parlamentar ” (fls. 6978).
O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa Política, Social e
Cultural do Trabalhador tem sede no mesmo edifício da Força Sindical e é a
ela vinculado.
O Instituto Brasileiro também recebeu, da PROGUS, dois cheques, n
4705 e 4869, nos valores de R$ 82.162,93 e R$ 82.000,00, emitidos e
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depositados, respectivamente, em 28/03/2008 (mesma data do depósito do
cheque de R$ 18.397,50) e 04/04/2008 , ambos referentes a desvios do
financiamento obtido pelas Lojas Marisa junto ao BNDES.
Com efeito, a primeira parcela do financiamento foi creditada em
17.03.2008 , no total de quase R$ 40 milhões. Neste dia, consta diálogo entre
Mantovani e Manuel, no qual mencionam o nome do réu Paulo Pereira da
Silva como destinatário de parte do valor a ser desviado (fl. 658, vol. 3).
Segundo as planilhas, nesta primeira liberação, no valor de R$
39.848.526,54, o percentual ajustado da comissão foi de 1,97%, que,
deduzidos os impostos, resultou num valor líquido de R$ 657.303,44
desviado pelo grupo criminoso.
Deste montante, o total de R$ 82.162,93 foram destinados ao réu Paulo
Pereira da Silva, segundo planilhas apreendidas pela Autoridade Policial na
sede da PROGUS.
Deveras, além do diálogo, o computador apreendido na sede da
PROGUS também guardava uma planilha com as divisões referentes a este
desvio: desta planilha, consta exatamente o valor a ser destinado a “PA
/GA” (o réu Paulo Pereira da Silva e seu assessor, José Gaspar), com a
anotação do montante R$ 82.162,93 (fls. 1746, vol. 8; fls. 1.753, vol. 8; fls.
2.291, vol. 13). O canhoto do cheque nº 4.705, também apreendido na sede
da PROGUS, traz a anotação PA e indicação do valor de R$ 82.162,93 (fl.
1.747, vol. 8). Na mesma data e em cheque de numeração sequencial, o
mesmo valor foi emitido em favor de Ricardo Tosto, segundo as iniciais
anotadas no canhoto do cheque.
Logo depois, em 19/03/2008, foi liberada a segunda parcela do
financiamento, no total de R$ 41 milhões. O montante destinado ao réu foi
calculado em R$ 82.000,00. Para efetuar o pagamento, a PROGUS emitiu, no
dia 31/03/2008, o cheque nº 4869, no valor de R$ 82.000,00 (fl. 6.995, vol. 35),
que foi creditado na conta do Instituto Brasileiro em 04.04.2008. Vale
ressaltar que, no mesmo dia 31 de março, a PROGUS emitiu outros dois
cheques, sequenciais ao que beneficiou o réu Paulo Pereira da Silva (nº 4870
e nº 4871), nos valores de R$ 42.000,00 e R$ 40.000,00, respectivamente.
ambos compensados em favor da empresa Millennium de Investimentos
Imobiliários Ltda., referentes ao aluguel do imóvel ocupado pelo escritório
de RICARDO TOSTO (fls. 2.333/2.352 e 2.619, vol. 14).
Portanto, o depósito, na conta do Instituto Brasileiro, dos cheques
identificados, na contabilidade do grupo criminoso, como destinado ao Réu
13. PlenárioVirtual-minutadevoto-05/06/2016:58
13
Paulo Pereira da Silva, leva à conclusão de que, assim como o cheque
anterior, no montante de R$ 18.397,50, também depositado na conta do
Instituto, o réu se valeu do Instituto como etapa final do esquema de
lavagem de dinheiro, para dissimular a real propriedade dos valores.
O acúmulo de provas salta aos olhos: o valor dos cheques é o mesmo,
idêntico ao montante que foi calculado pela PROGUS para destinação aos
partícipes dos desvios, dentre eles o réu Paulo Pereira da Silva; as
mensagens trocadas entre os investigados e os diálogos interceptados
corroboram a destinação dos valores; bilhetes encontrados grampeados aos
cheques indicam ter se tratado de desvio de recursos oriundos do
financiamento do BNDES.
A meu sentir, os fatos e provas corroboram a denúncia:
(a) Os dois cheques da casa de prostituição W.E. Bar e Restaurante cujas
cópias foram apreendidas na PROGUS estavam identificadas por bilhetes
contendo as iniciais RT e PA, seus números são sequenciais e os valores são
idênticos, datados de 15/02/2008, data da conversa entre João Pedro e
Mantovani, na qual Mantovani “ confirma com João Pedro o recebimento
do dinheiro da Praia Grande. Mantovani diz que já separou a parte do RT e
do PA e que ele e João iriam levar juntos (conversa do dia 15.02.2008 às
17h52min). Os cheques 993 e 994, elaborados pela filha de Mantovani em 20
de fevereiro, pela manhã (ver fls. 25 do RIP 11), foram levados por
Mantovani e João Pedro ao escritório de Ricardo Tosto ”.
(b) De fato, Marcos Mantovani emitiu, em 20/02/2008, dois cheques
sequenciais – 993 e 994, ambos em benefício de Leite Tosto e Barros
Advogado. Assoc. e no valor idêntico de R$ 18.397,50 (fls. 2330/2331), sendo
certo que a planilha indicava que um deles era destinado a Paulo Pereira da
Silva, assim como a mensagem de Mantovani a sua filha e os diálogos
interceptados.
(c) Em março de 2008, “ quando entrou a segunda parcela do
financiamento da Praia Grande, novos cheques de Mantovani foram
emitidos em favor de Ricardo Tosto e Paulo Pereira da Silva. E nos mesmos
valores, R$ 18.397,50. Ver o extrato da conta de Mantovani, anexo, com
compensação dos cheques nos dias 24 de março e 28 de março. É dedutível
que estes cheques foram levados pessoalmente por Mantovani a Tosto, no
dia 24 de março, na mesma oportunidade em que o primeiro levava
também os de R$ 82.162,93, relativos à Marisa (lembre-se, Mantovani esteve
no escritório de Ricardo Tosto naquele dia 24). Tanto que os de Tosto, de 82
14. PlenárioVirtual-minutadevoto-05/06/2016:58
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e 18 mil, foram compensados no mesmo dia 24 de março. E os de Paulinho
(Instituto Brasileiro), de 82 e 18 mil, compensados no dia 28 de março .
Seguem, agora, as fotocópias destes dois cheques restantes, citados no
parágrafo anterior, entregues a Ricardo Tosto, como pagamento da segunda
parcela proveniente do desvio do financiamento da Praia Grande ” (fls.
2301).
(d) Verifica-se, das cópias dos cheques relativos aos desvios do
financiamento da Praia Grande, que mais uma vez as folhas são sequenciais
– 1069 e 1070 –; emitidas na mesma data – 18/03/2008 -; e no mesmo valor –
R$ 18.397,50. O cheque 1069 foi emitido nominal ao Instituto Brasileiro, que
serviu de laranja para o réu Paulinho da Força; e o cheque 1070, nominal ao
Leite Tosto e Barros Adv. Assoc. Os dois cheques são de titularidade de
Marcos Mantovani (fls. 2301/2302).
(e) Exatamente na mesma data, 18/03/2008, a empresa PROGUS, de
Marcus Mantovani, emitiu os cheques sequenciais 4704 e 4705, ambos no
idêntico valor de R$ 82.163,93, o primeiro em benefício do Leite, Tosto e
Barros Adv. Assoc. e o segundo em benefício do Instituto Brasileiro (fls. 2314
/2315).
(f) Constata-se, nos termos do relatório policial (fls. 2617/2618, v.
denúncia, fls. 6980), que o Instituto Brasileiro era mera fachada para
beneficiar o réu Paulinho da Força: “o cheque foi efetivamente compensado
na conta de uma ONG que funciona no mesmo prédio da Força Sindical, no
dia 28 de março de 2008 (o destinatário final era Paulo Pereira da Silva,
tendo a ONG sido utilizada no processo de lavagem de dinheiro)” (fls.
6980). Cuida-se da mesma ONG em que foi depositado o cheque anterior,
Instituto Brasileiro (fls. 2618/2621). Além disso, o nome do réu Paulinho
consta das planilhas como destinatário final dos valores, e não o Instituto
Brasileiro, que, portanto, serviu de cobertura (fls. 1745; cf. denúncia, fls.
6982).
(g) Ainda no que pertine aos desvios do contrato de financiamento da
Marisa, o Exame Pericial 12/2011 destaca “ que o Deputado Paulo Pereira da
Silva se beneficiou de R$ 164.162,93, mediante dois cheques n 4705 e 4869,
no valor de R$ 82.162,93 e R$ 82.000,00, emitidos pela empresa Progus
Investimentos Consultoria e Assessoria Ltda. e depositados,
respectivamente, em 28/03/2008 e 04/04/2008 na conta do Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento e Pesquisa Política, Social e Cultural do Trabalhador,
entidade ligada ao referido parlamentar ” (fls. 6982).
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15
O réu, em seu interrogatório, alegou inocência. Afirmou que seu nome
fora utilizado indevidamente por João Pedro Moura, que pretendia, com
isso, obter maiores valores nas negociações ilícitas junto ao BNDES. Disse,
ainda, que não possuía ligação com o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento e Pesquisa Política, Social e Cultural do Trabalhador.
Alegou, ainda, que seu imóvel foi adquirido licitamente e declarado no
IRPF.
Os corréus João Pedro Moura (fls. 10.056/10.105) e Marcos Mantovani
(fls. 34/70, Apenso 21) confirmaram a versão do réu de que utilizaram
indevidamente seu nome e o de outras pessoas, a fim de aumentar os
montantes que receberiam a título de comissão sobre os financiamentos
concedidos pelo BNDES.
Entendo que os depoimentos orais, prestados por corréus que, como se
sabe, não se submetem ao compromisso de dizer a verdade, não possuem
força suficiente para afastar a solidez das provas documentais produzidas
nestes autos.
As provas, embora colhidas na fase do inquérito, revelam natureza de
prova antecipada, porquanto obtidas mediante medidas cautelares de busca
e apreensão, interceptação de comunicações telefônicas e quebra de sigilos
bancário e fiscal. Sua validade para o julgamento do mérito demanda que
sejam submetidas ao contraditório e à ampla defesa, o que foi devidamente
atendido no presente feito, razão pela qual devem ser consideradas para a
formação do livre convencimento.
A participação do réu nos desvios de recursos obtidos mediante
financiamento do BNDES é cristalina.
Não se cuida, aqui, de mera indicação de Conselheiros do BNDES,
tampouco de mera referência ocasional ao seu nome por parte de
investigados, para obter vantagens maiores nos desvios, junto aos
empresários tomadores dos empréstimos. Ao contrário: o nome do réu
consta da contabilidade, de canhotos de cheques, de diálogos entre vários
réus – inclusive entre aqueles que ele alega terem usado seu nome
indevidamente, em circunstâncias nas quais seria absolutamente
desnecessário referir ao seu nome como destinatário dos valores, como nas
trocas de mensagens e em planilhas de distribuição dos valores, de uso
interno.
In casu , os autos revelaram a existência de verdadeiro conluio por meio
do qual os mesmos agentes – entre eles: o réu Paulo Pereira da Silva,
16. PlenárioVirtual-minutadevoto-05/06/2016:58
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Marcos Mantovani (sócio da Progus), Manuel Fernandes de Bastos Filho
(sócio da WE Bar e Restaurante), João Pedro Moura (ex-assessor do réu e ex-
conselheiro do BNDES), Boris Bitelman Timoner (diretor das Lojas Marisa)
e Ricardo Tosto (então Conselheiro do BNDES na vaga destinada à Força
Sindical) – receberam, em seu proveito, parte dos recursos de
financiamentos concedidos pelo BNDES para a Prefeitura de Praia Grande
/SP e as Lojas Marisa.
As provas dos desvios encontram-se materializadas nos cheques
emitidos pelas empresas Progus e WE Bar e Restaurante, envolvidas no
esquema de lavagem de dinheiro e que tiveram o réu como beneficiário,
conforme evidenciado pelo rastreamento do dinheiro bem descrito nos
relatórios de análise anteriormente citados.
Os depósitos na conta bancária da ONG Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento e Pesquisa Política, Social e Cultural do Trabalhador,
sediada na Força Sindical e vinculada aos interesses do réu, estão
fartamente vinculados aos recursos de origem ilícita – coincidência de
datas, cheques sequenciais, mensagens de texto juntadas aos autos; cópias
dos cheques contendo as iniciais do réu e uma delas com os dizeres:
“Paulinho-Praia Grande”; diálogos interceptados ao longo da investigação
que indicam a destinação de parte dos recursos ao réu; e finalmente, os
depósitos na conta da ONG sediada na Força Sindical e vinculada aos
interesses do réu. Em síntese, o Exame Pericial n. 12/2011 revela que os
cheques 993 e 994, ambos de Mantovani, emitidos no dia 20/02/2008, no
mesmo valor (R$ 18.397,50), nominais ao escritório de Ricardo Tosto, estão
diretamente vinculados aos cheques 927 e 928, da W.E. Bar e Restaurante,
respectivamente identificados com as iniciais PA e RT, datados de 15/02
/2008, no mesmo valor (R$ 18.397,50); o cheque 1069, no valor de R$
18.397,50, emitido por Mantovani, sócio da Progus, foi “ depositado no dia
28/03/2008 na conta do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa
Política, Social e Cultural do Trabalhador, entidade ligada ao referido
parlamentar ” (fls. 6978). Além disso, o mesmo exame pericial revela o
depósito “ de R$ 164.162,93, mediante dois cheques n 4705 e 4869, no valor
de R$ 82.162,93 e R$ 82.000,00, emitidos pela empresa Progus Investimentos
Consultoria e Assessoria Ltda. e depositados, respectivamente, em 28/03
/2008 e 04/04/2008 na conta do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e
Pesquisa Política, Social e Cultural do Trabalhador, entidade ligada ao
referido parlamentar ” (fls. 6982).
Diante do acúmulo de provas, não sobeja dúvida razoável quanto à
constatação de que o réu, efetivamente, foi um dos beneficiários finais do
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esquema de desvio dos financiamentos concedidos pelo BNDES à Prefeitura
de Praia Grande/SP e às Lojas Marisa e de lavagem de dinheiro.
Deveras, resta mais do que evidenciado o uso de interpostas pessoas
jurídicas, em toda uma cadeia voltada a ocultar a origem e destino dos
recursos desviados do BNDES, a materializar a prática do crime de lavagem
de dinheiro.
DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA
Resta analisar se o conluio entre os réus configura crime autônomo, de
formação de quadrilha (associação criminosa), ou se os fatos de limitam a
mero concurso de agentes, ocasional, episódico.
Entendo que as provas dos autos apontam para a estabilidade e
permanência da associação criminosa, ao longo de vários meses, a afastar a
mera caracterização do concurso de agentes para a prática de delito certo e
determinado.
Deveras, há identidade dos agentes participantes na divisão das tarefas
criminosas, além de estabilidade e permanência na prática dos crimes entre
2007 e 2008.
A atuação se deu mediante desvios de financiamentos do BNDES e do
estabelecimento de uma estrutura profissionalizada e permanente de
lavagem de dinheiro, voltada a automatizar os desvios e a dissimulação da
origem criminosa dos recursos, o que não seria alcançado sem a necessária
societas delinquentium .
A organização revela a existência do que Nélson Hungria denomina de
“ vontade continuada de um esforço comum” (HUNGRIA, Nelson.
Comentários ao Código Penal . Vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 1954, p.
178), tratando-se de delito de mera atividade, que dispensa a prática de
outros crimes para consumar-se.
Ademais, como é cediço, não é necessário que todos os membros da
quadrilha estejam reunidos, ou mesmo se conheçam, para a configuração
do crime. Na lição doutrinária de Sebastián Soler, não é preciso “ que essa
associação se forme pelo ajuste pessoal e direto dos associados. Basta que o
sujeito esteja consciente em formar parte de uma associação cuja existência
e finalidades lhe sejam conhecidas. Não é preciso, em consequência, o ajuste
pessoal, nem o conhecimento, nem a reunião em comum, nem a unidade de
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lugar. Os acordos podem ser alcançados por meio de emissários ou de
correspondências ” (SOLER, Sebastián. Derecho penal argentino . T. III.
Buenos Aires: TEA, 1952).
Por esta razão é que, para a tipificação da conduta, suficiente se revela o
dolo eventual, conforme abalizada doutrina (PRADO, Luiz Régis. Curso de
direito penal brasileiro . Vol. 3 – Parte especial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 654).
In casu , o réu estabeleceu vínculo permanente e estável com o grupo
criminoso, valendo-se, principalmente, de João Pedro e Ricardo Tosto, para
manter-se associado ao esquema de desvios e de lavagem de dinheiro
engendrado através da empresa dos réu Marcos Mantovani (PROGUS) e
Manuel Fernandes de Bastos Filho (Casa Noturna WE), além do Coronel
Wilson de Barros Consani Júnior, segurança do réu que, aparentemente,
assim como Ricardo Tosto, obteve informações privilegiadas sobre o
andamento das investigações; e de Boris Bitelman Timoner, diretor das
Lojas Marisa que, desde 2006, mantinham contrato de financiamento com o
BNDES e, do que se extrai dos diálogos, efetuava desvios reiteradamente
em proveito do grupo criminoso (trecho gravado no dia 26/12/2007, no qual
Manuel Fernandes de Bastos Filho, dono da Casa Noturna WE, menciona
que “ no caso da MARISA toda vez que sai o dinheiro o MANTOVANI
desconta deles 15,8% ”, fls. 144. Este diálogo ocorreu antes do segundo
financiamento concedido pelo BNDES às Lojas Marisa - em 14/02/2008 e
cujas primeiras parcelas foram depositadas em 17 e 19/03/2008, com o
subsequente desvio, em 28/03/2008, de mais de R$ 164 mil reais para o réu).
Deveras, o réu era mencionado nos diálogos internos do grupo
criminoso, como aquele a quem prestavam contas e deviam sempre destinar
parte dos valores, a evidenciar que era membro da quadrilha narrada na
denúncia. Em alguns e-mails, Mantovani chega a pedir a uma interlocutora
que votasse no seu candidato, Paulinho da Força.
É verdade que, na inspirada expressão do jornalista Fernando Gabeira, “
Nos trópicos […] são necessários muitos acontecimentos bizarros para as
pessoas acharem que algo está diferente ”.
In casu , a sucessão cronológica dos desvios, dos cheques emitidos, dos
diálogos e mensagens, bilhetes e planilhas, coligidos mediante minuciosa
instrução probatória, torna manifesto que o réu efetivamente praticou os
delitos que lhe foram imputados.
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Por todo o exposto, concluo que a ação penal é procedente também no
que tange ao crime de formação de quadrilha.
DISPOSITIVO
Ex positis , julgo comprovadas a materialidade e a autoria delitivas e,
consectariamente, condeno o réu Paulo Pereira da Silva pela prática, em
concurso material, dos crimes definidos no art. 20 da Lei 7.492/86, duas
vezes, em continuidade delitiva; crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, VI,
da Lei 9.613/98, na redação em vigor à época dos fatos), duas vezes, em
continuidade delitiva; e do crime de formação de quadrilha (art. 288 do
Código Penal, na redação em vigor à época dos fatos).
No que tange à dosimetria, acompanho o voto divergente do Ministro
Roberto Barroso, no total de 3 anos e 6 meses de reclusão, com 141 dias-
multa para os crimes do art. 20 da Lei 7.492/86; 4 anos e 8 meses de reclusão,
além de 85 dias-multa, para os crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º, VI da
Lei 9.613/98); e 2 (dois) anos de reclusão, pela prática do crime de formação
de quadrilha.
Considerando que a pena assim fixada ultrapassa 8 anos, em razão do
concurso material, fixo o regime inicial fechado.
Nos termos da jurisprudência desta Corte, tratando-se de regime de
cumprimento de pena incompatível com o livre exercício da função
parlamentar, deve ser expedido ofício à Mesa da Câmara dos Deputados
para que declare a perda do mandato, que é automática na hipótese.
Por fim, acompanho o voto do Ministro Roberto Barroso quanto às
penas acessórias da Lei 9.613/98, ao dever de ressarcimento dos danos
materiais causados ao erário (art. 91, II, do Código Penal), à imposição de
pagamento das custas processuais e à comunicação da condenação ao
Tribunal Superior Eleitoral, para as finalidades legais.
É como voto.