SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
Baixar para ler offline
Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII
1
Textos de Fundo Mítico nos Livros de Linhagens
Os Livros de Linhagens (1282-90),
a que no século XVI se deu também
o nome de Nobiliários, são quatro
obras escritas durante a Idade Média
onde se descreve a genealogia das
principais famílias nobres no reino,
tanto em linha recta como colateral.
São como árvores genealógicas
comentadas. O primeiro, também
chamado Livro Velho e o quarto,
conhecido como Nobiliário do
Conde D. Pedro de Barcelos, estão
completos. Dos restantes chegaram até nós apenas fragmentos (Segundo de Linhagens,
ou Segundo Livro Velho, e Terceiro Livro de Linhagens, ou Nobiliário da Ajuda). O
Livro do Conde D. Pedro de Barcelos é o mais desenvolvido dos quatro, tendo o autor
pretendido apresentar um resumo da história universal. D. Pedro, Conde de Barcelos,
era filho natural de D. Dinis e bisneto de Afonso X. Os Livros de Linhagens foram
publicados no século XIX por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta
Historica, volume dedicado aos Scriptores. Conservamos quatro Livros de Linhagens:
I. Livro Velho: É anónimo, conservou-se completo e é também o mais antigo.
Contém uma relação de pessoas com os seus cruzamentos, descendência... Os
comentários são muito breves e a prosa menos ágil do que noutros livros de
linhagens.
II. II Livro Velho: A obra mais extensa, mas que se limita á catalogação de
genealogias. Não se conservou de forma completa. Introduz elementos que,
desde o ponto de vista contemporâneo, são fantásticos.
III. Nobiliário da Ajuda: Denomina-se assim porque o manuscrito esteve
encadernado com o Cancioneiro da Ajuda. Também não se conservou de forma
completa.
IV. IV Livro de Linhagem ou Nobiliário do Conde D. Pedro: Contém o Nobiliário
da Ajuda na íntegra. É muito mais extenso, contém mais comentários e mais
pormenorizados. Mesmo chega a constituir um complemento das crónicas1
.
Contém um prólogo do Conde D. Pedro no que se declara quais são as intenções
da obra, às que denomina sete coisas ou sete razões:
1. “Criar amor e amizade entre os nobres e fidalgos de Espanha”.
2. Dar a conhecer às famílias o tronco de que descendem e os seus
parentescos.
3. Contribuir à união de todos os fidalgos na luta contra os infiéis.
4. Mostrar a cada fidalgo os nomes dos seus antepassados e alguns feitos
dignos de memória, para criar um sentimento de orgulho.
5. Proporcionar aos reis a possibilidade de dar reconhecimentos ou títulos
pelas façanhas dos avôs dos fidalgos (à maneira póstuma).
1
C. Michaëlis recorre a ele para identificar trovadores e jograis.
Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII
2
6. Dar a conhecer os impedimentos matrimoniais para evitar casamentos
nulos e incestos.
7. Lembrar aos nobres os direitos e obrigações que herdaram em relação aos
mosteiros.
Além disso, os Livros de Linhagens contêm textos de fundo mítico que estão
intimamente relacionados, por exemplo, com as lendas das moiras encantadas,
narrativas de tradição oral do norte de Portugal e País Basco, que surgem por vezes com
a configuração de serpente ou de cabra. Mas há também elementos que apontam para o
carácter universal destas lendas. Assim, a união de um humano com uma divindade com
a condição de respeito de um interdito encontra-se já nos Brahmana, livros sagrados
indianos, e no mito de Eros e Psiché. Dois exemplos destacados de lendas empregadas
no Nobiliário do Conde D. Pedro são
 A lenda de Dona Marinha, que explica a origem da família dos
Marinhos a partir dum ser sobre natural, uma sereia. Tem-se relacionado com a
lenda da Ondina da mitologia nórdica, a Melusina (ser que é metade mulher e
metade serpe) ou com a origem marinha da Afrodite.
 A lenda da Dona Pé de Cabra, com a que se explica a origem da
família Lopez Haro de Biscaia a partir duma mulher que é metade humana e
metade cabra.
A mitologia indo-europeia chama a estas narrativas
melusianas, por referência à Melusina, uma espécie de
espírito da água: A Melusina casou com um príncipe
humano, a quem ajudou a adquirir grande poder. Porém,
quando ele rejeitou satisfazer-lhe um único pedido, ela
desapareceu do mundo humano com um longo e triste
grito, um aviso contra o esquecimento humano das leis
naturais.
Os textos das lendas empregadas nos Livros de Linhagens para legitimar a importância
de uma família nobre constituem fixações escritas a partir da oralidade. Posteriormente
retornaram à oralidade, produzindo-se versões diferentes (cf. a versão recolhida no
século XIX por Alexandre Herculano).
No período da produção dos textos destas lendas, as cidades medievais
passavam pelo processo de expansão territorial. As pessoas que transitavam por elas não
só traziam o movimento comercial, mas também influências culturais. Estamos nos
alvores do surgimento da burguesia, começam a fundar-se as universidades e as
entidades jurídicas. Isto implica uma necessidade de um registro confiável, que pudesse
ser consultado no futuro e que estabelecesse oficialmente as relações formais da época.
Não é por acaso que os textos que antecederam esse período eram predominantemente
documentos oficiais. É também importante ter em conta que os textos destas lendas
eram produzidos para a elite, que dominava o código escrito e que ostentava o poder
político, económico e social da época.
Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII
3
A Dama do Pé de Cabra
Este dom Diego Lopez era muy boo monteyro, e estando huum dia em sa armada e
atemdemdo quamdo verria o porco ouuyo cantar muyta alta voz huuma molher em çima
de huuma pena: e el foy pera la e vioa seer muy fermosa e muy bem vistida, e
namorousse logo della muy fortemente e preguntoulhe quem era: e ella lhe disse que era
huuma molher de muito alto linhagem, e ell lhe disse que pois era molher d'alto
linhagem que casaria com ella se ella quisesse, ca elle era senhor naquella terra toda: e
ella lhe disse que o faria se lhe prometesse que numca sse
santificasse, e elle lho outorgou, e ella foisse logo com
elle. E esta dona era muy fermosa e muy bem feita em
todo seu corpo saluamdo que auia huum pee forcado
como pee de cabra. E viuerom gram tempo e ouueram
dous filhos, e huum ouue nome Enheguez Guerra, e a
outra foy molher e ouue nome dona. E quando comiam de
suum dom Diego Lopez e sa molher assemtaua ell apar de
ssy o filho, e ella assemtaua apar de ssy a filha da outra
parte. E huum dia foy elle a seu monte e matou huum
porco muy gramde e trouxeo pera sa casa, e poseo ante
ssy hu sia comemdo com ssa molher e seus filhos: e
lamçarom huum osso da mesa e veerom a pellejar huum
alaão e huuma podemga sobrelle em tall maneyra que a
podenga trauou ao alaão em a garganta e matouo. E dom
Diego Lopes quamdo esto uyo teueo por millagre e synousse
e disse «samta Maria vall, quem vio numca tall cousa!» E
ssa molher quamdo o vyo assy sinar lamçou maão na filha e
no filho, e dom Diego Lopez trauou do filho e nom lho quis leixar filhar: e ella rrecudio
com a filha por huuma freesta do paaço e foysse pera as montanhas em guisa que a nom
virom mais nem a filha.
Depois a cabo de tempo foy este dom Diego Lopez a fazer mall aos mouros, e
premderomno e leuaromno pera Tolledo preso. E a seu filho Enheguez Guerra pesaua
muito de ssa prisom, e veo fallar com os da terra per que maneyra o poderiam auer fora
da prisom. E elles disserom que nom sabiam maneyra por que o podessem aver,
saluamdo sse fosse aas montanhas e achasse sa madre, e que ella lhe daria como o
tirasse. E ell foy alaa soo em çima de seu cauallo, e achoua em çima de huuma pena: e
ella lhe disse «filho Enheguez Guerra, vem a mym ca bem sey eu ao que ueens:» e ell
foy pera ella e ella lhe disse «veens a preguntar como tiraras teu padre da prisom.»
Emtom chamou huum cauallo que amdaua solto pello momte que avia nome Pardallo e
chamouo per seu nome: e ella meteo huum freo ao cauallo
que tiinha, e disselhe que nom fezesse força pollo dessellar
nem pollo desemfrear nem por lhe dar de comer nem de
beuer nem de ferrar: e disselhe que este cauallo lhe duraria
em toda sa vida, e que nunca emtraria em lide que nom
vemçesse delle. E disselhe que caualgasse em elle e que o
poria em Tolledo ante a porta hu jazia seu padre logo em
esse dia, e que ante a porta hu o caualo o posesse que alli
deçesse e que acharia seu padre estar em huum curral, e que
o filhasse pella maão e fezesse que queria fallar com elle,
que o fosse tirando comtra a porta hu estaua ho cauallo, e que desque alli fosse que
A Dama Pé de Cabra. Argumento
de Jorge Magalhães, baseado na
obra de Alexandre Herculano.
Lendas de Portugal em Banda
Desenhada, Lisboa: Asa 1989.
Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII
4
cauallgasse em o cauallo e que posesse seu padre ante ssy e que ante noite seria em sa
terra com seu padre: e assy foy. E depois a cabo de tempo morreo dom Diego Lopez e
ficou a terra a seu filho dom Enheguez Guerra.
In Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores, pp. 258-259
Dona Marinha
O primeiro foi ũu cavaleiro boo que houve nome D.
Froiam, e era caçador e monteiro. E andando ũu dia
em seu cavalo per riba do mar a seu monte, achou ũa
molher marinha jazer dormindo na ribeira. E iam com
ele tres escudeiros seus, e ela, quando os sentio,
quise-se acolher ao mar e eles forom tanto empos ela,
ataa que a filharom, ante que se acolhesse ao mar. E
depois que a filhou a aqueles que a tomarom fe-a
poer em ũa besta e levou-a pera sua casa.
E ela era mui fermosa, e el fe-a bautizar, que lhe nom caia tanto nome nem ũu como
Marinha, porque saira do mar; e assi lhe pôs nome, e chamaram-lhe dona Marinha. E
houve dela seus filhos, dos quaes houve ũu que houve
nome Joham Froiaz Marinho.
E esta dona Marinha nom falava nemigalha. D. Froiam
amava-a muito e nunca lhe tantas cousas pode fazer
que a podesse fazer falar. E ũu dia mandou fazer mui
gram fugeira em seu paaço, e ela viinha de fora, e
trazia aquele seu filho consigo, que amava tanto como
seu coraçom. E dom Froia foi filhar aquele filho seu e
dela, e fez que o queria enviar ao fogo. E ela, com
raiva do filho, esforçou de braadar, e com o braado
deitou pela boca ũa peça de carne, e dali adiante falou.
E dom Froia recebeo-a por molher e casou com ela.
In Narrativas dos Livros de Linhagens, selecção, introdução e comentários por José
Mattoso. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1983, 70-73.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Prosa medieval: lendas dos Livros de Linhagens

D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história pptAna Paiva
 
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história pptAna Paiva
 
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40luisprista
 
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da hora
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da horaLiteratura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da hora
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da horaDouglas Maga
 
Trovadorismo e humanismo
Trovadorismo e humanismoTrovadorismo e humanismo
Trovadorismo e humanismorosangelajoao
 
Antropofagia e Tradução Cultural I
Antropofagia e Tradução Cultural IAntropofagia e Tradução Cultural I
Antropofagia e Tradução Cultural IBurghard Baltrusch
 
Trovadorismo
TrovadorismoTrovadorismo
TrovadorismoSeduc/AM
 
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen becre-palmeiras
 
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptx
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptxPalestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptx
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptxMichaelWinetzki2
 
Literatura portuguesa
Literatura portuguesaLiteratura portuguesa
Literatura portuguesacassab96
 
Trabalho topónios
Trabalho topóniosTrabalho topónios
Trabalho topóniosRaquel Silva
 
Literatura Portuguesa Trovadorismo
Literatura Portuguesa TrovadorismoLiteratura Portuguesa Trovadorismo
Literatura Portuguesa TrovadorismoJomari
 

Semelhante a Prosa medieval: lendas dos Livros de Linhagens (20)

Poster projecto galaico português
Poster projecto galaico portuguêsPoster projecto galaico português
Poster projecto galaico português
 
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
 
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
 
DUQUE ESTRADA- ORIGEM DO SOBRENOME PARTE 1
DUQUE ESTRADA- ORIGEM DO SOBRENOME PARTE 1DUQUE ESTRADA- ORIGEM DO SOBRENOME PARTE 1
DUQUE ESTRADA- ORIGEM DO SOBRENOME PARTE 1
 
Quinhentismo
QuinhentismoQuinhentismo
Quinhentismo
 
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40
Apresentação para décimo ano de 2017 8, aula 39-40
 
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da hora
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da horaLiteratura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da hora
Literatura Trovadorismo Humanismo by Trabalho da hora
 
Lendas,Tradições
Lendas,TradiçõesLendas,Tradições
Lendas,Tradições
 
Trovadorismo e humanismo
Trovadorismo e humanismoTrovadorismo e humanismo
Trovadorismo e humanismo
 
Antropofagia e Tradução Cultural I
Antropofagia e Tradução Cultural IAntropofagia e Tradução Cultural I
Antropofagia e Tradução Cultural I
 
Trovadorismo
TrovadorismoTrovadorismo
Trovadorismo
 
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen
A Saga de Sophia de Mello Breyner Andresen
 
Pedro E InêS
Pedro E InêSPedro E InêS
Pedro E InêS
 
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptx
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptxPalestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptx
Palestra 4 - Influência judaica na cultura brasileira.pptx
 
Literatura portuguesa
Literatura portuguesaLiteratura portuguesa
Literatura portuguesa
 
Trabalho topónios
Trabalho topóniosTrabalho topónios
Trabalho topónios
 
Pedro e inês
Pedro e inêsPedro e inês
Pedro e inês
 
Classicismo videoaula
Classicismo  videoaulaClassicismo  videoaula
Classicismo videoaula
 
Literatura Portuguesa Trovadorismo
Literatura Portuguesa TrovadorismoLiteratura Portuguesa Trovadorismo
Literatura Portuguesa Trovadorismo
 
Memorial Do Convento
Memorial Do ConventoMemorial Do Convento
Memorial Do Convento
 

Último

INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorEdvanirCosta
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFtimaMoreira35
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...licinioBorges
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxferreirapriscilla84
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéisines09cachapa
 
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdfA QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdfAna Lemos
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Ilda Bicacro
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇJaineCarolaineLima
 
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfProjeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfHELENO FAVACHO
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?AnabelaGuerreiro7
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
Historia da Arte europeia e não só. .pdf
Historia da Arte europeia e não só. .pdfHistoria da Arte europeia e não só. .pdf
Historia da Arte europeia e não só. .pdfEmanuel Pio
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 

Último (20)

INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
 
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdfA QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
 
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdfProjeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
Projeto de Extensão - ENGENHARIA DE SOFTWARE - BACHARELADO.pdf
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
Historia da Arte europeia e não só. .pdf
Historia da Arte europeia e não só. .pdfHistoria da Arte europeia e não só. .pdf
Historia da Arte europeia e não só. .pdf
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 

Prosa medieval: lendas dos Livros de Linhagens

  • 1. Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII 1 Textos de Fundo Mítico nos Livros de Linhagens Os Livros de Linhagens (1282-90), a que no século XVI se deu também o nome de Nobiliários, são quatro obras escritas durante a Idade Média onde se descreve a genealogia das principais famílias nobres no reino, tanto em linha recta como colateral. São como árvores genealógicas comentadas. O primeiro, também chamado Livro Velho e o quarto, conhecido como Nobiliário do Conde D. Pedro de Barcelos, estão completos. Dos restantes chegaram até nós apenas fragmentos (Segundo de Linhagens, ou Segundo Livro Velho, e Terceiro Livro de Linhagens, ou Nobiliário da Ajuda). O Livro do Conde D. Pedro de Barcelos é o mais desenvolvido dos quatro, tendo o autor pretendido apresentar um resumo da história universal. D. Pedro, Conde de Barcelos, era filho natural de D. Dinis e bisneto de Afonso X. Os Livros de Linhagens foram publicados no século XIX por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta Historica, volume dedicado aos Scriptores. Conservamos quatro Livros de Linhagens: I. Livro Velho: É anónimo, conservou-se completo e é também o mais antigo. Contém uma relação de pessoas com os seus cruzamentos, descendência... Os comentários são muito breves e a prosa menos ágil do que noutros livros de linhagens. II. II Livro Velho: A obra mais extensa, mas que se limita á catalogação de genealogias. Não se conservou de forma completa. Introduz elementos que, desde o ponto de vista contemporâneo, são fantásticos. III. Nobiliário da Ajuda: Denomina-se assim porque o manuscrito esteve encadernado com o Cancioneiro da Ajuda. Também não se conservou de forma completa. IV. IV Livro de Linhagem ou Nobiliário do Conde D. Pedro: Contém o Nobiliário da Ajuda na íntegra. É muito mais extenso, contém mais comentários e mais pormenorizados. Mesmo chega a constituir um complemento das crónicas1 . Contém um prólogo do Conde D. Pedro no que se declara quais são as intenções da obra, às que denomina sete coisas ou sete razões: 1. “Criar amor e amizade entre os nobres e fidalgos de Espanha”. 2. Dar a conhecer às famílias o tronco de que descendem e os seus parentescos. 3. Contribuir à união de todos os fidalgos na luta contra os infiéis. 4. Mostrar a cada fidalgo os nomes dos seus antepassados e alguns feitos dignos de memória, para criar um sentimento de orgulho. 5. Proporcionar aos reis a possibilidade de dar reconhecimentos ou títulos pelas façanhas dos avôs dos fidalgos (à maneira póstuma). 1 C. Michaëlis recorre a ele para identificar trovadores e jograis.
  • 2. Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII 2 6. Dar a conhecer os impedimentos matrimoniais para evitar casamentos nulos e incestos. 7. Lembrar aos nobres os direitos e obrigações que herdaram em relação aos mosteiros. Além disso, os Livros de Linhagens contêm textos de fundo mítico que estão intimamente relacionados, por exemplo, com as lendas das moiras encantadas, narrativas de tradição oral do norte de Portugal e País Basco, que surgem por vezes com a configuração de serpente ou de cabra. Mas há também elementos que apontam para o carácter universal destas lendas. Assim, a união de um humano com uma divindade com a condição de respeito de um interdito encontra-se já nos Brahmana, livros sagrados indianos, e no mito de Eros e Psiché. Dois exemplos destacados de lendas empregadas no Nobiliário do Conde D. Pedro são  A lenda de Dona Marinha, que explica a origem da família dos Marinhos a partir dum ser sobre natural, uma sereia. Tem-se relacionado com a lenda da Ondina da mitologia nórdica, a Melusina (ser que é metade mulher e metade serpe) ou com a origem marinha da Afrodite.  A lenda da Dona Pé de Cabra, com a que se explica a origem da família Lopez Haro de Biscaia a partir duma mulher que é metade humana e metade cabra. A mitologia indo-europeia chama a estas narrativas melusianas, por referência à Melusina, uma espécie de espírito da água: A Melusina casou com um príncipe humano, a quem ajudou a adquirir grande poder. Porém, quando ele rejeitou satisfazer-lhe um único pedido, ela desapareceu do mundo humano com um longo e triste grito, um aviso contra o esquecimento humano das leis naturais. Os textos das lendas empregadas nos Livros de Linhagens para legitimar a importância de uma família nobre constituem fixações escritas a partir da oralidade. Posteriormente retornaram à oralidade, produzindo-se versões diferentes (cf. a versão recolhida no século XIX por Alexandre Herculano). No período da produção dos textos destas lendas, as cidades medievais passavam pelo processo de expansão territorial. As pessoas que transitavam por elas não só traziam o movimento comercial, mas também influências culturais. Estamos nos alvores do surgimento da burguesia, começam a fundar-se as universidades e as entidades jurídicas. Isto implica uma necessidade de um registro confiável, que pudesse ser consultado no futuro e que estabelecesse oficialmente as relações formais da época. Não é por acaso que os textos que antecederam esse período eram predominantemente documentos oficiais. É também importante ter em conta que os textos destas lendas eram produzidos para a elite, que dominava o código escrito e que ostentava o poder político, económico e social da época.
  • 3. Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII 3 A Dama do Pé de Cabra Este dom Diego Lopez era muy boo monteyro, e estando huum dia em sa armada e atemdemdo quamdo verria o porco ouuyo cantar muyta alta voz huuma molher em çima de huuma pena: e el foy pera la e vioa seer muy fermosa e muy bem vistida, e namorousse logo della muy fortemente e preguntoulhe quem era: e ella lhe disse que era huuma molher de muito alto linhagem, e ell lhe disse que pois era molher d'alto linhagem que casaria com ella se ella quisesse, ca elle era senhor naquella terra toda: e ella lhe disse que o faria se lhe prometesse que numca sse santificasse, e elle lho outorgou, e ella foisse logo com elle. E esta dona era muy fermosa e muy bem feita em todo seu corpo saluamdo que auia huum pee forcado como pee de cabra. E viuerom gram tempo e ouueram dous filhos, e huum ouue nome Enheguez Guerra, e a outra foy molher e ouue nome dona. E quando comiam de suum dom Diego Lopez e sa molher assemtaua ell apar de ssy o filho, e ella assemtaua apar de ssy a filha da outra parte. E huum dia foy elle a seu monte e matou huum porco muy gramde e trouxeo pera sa casa, e poseo ante ssy hu sia comemdo com ssa molher e seus filhos: e lamçarom huum osso da mesa e veerom a pellejar huum alaão e huuma podemga sobrelle em tall maneyra que a podenga trauou ao alaão em a garganta e matouo. E dom Diego Lopes quamdo esto uyo teueo por millagre e synousse e disse «samta Maria vall, quem vio numca tall cousa!» E ssa molher quamdo o vyo assy sinar lamçou maão na filha e no filho, e dom Diego Lopez trauou do filho e nom lho quis leixar filhar: e ella rrecudio com a filha por huuma freesta do paaço e foysse pera as montanhas em guisa que a nom virom mais nem a filha. Depois a cabo de tempo foy este dom Diego Lopez a fazer mall aos mouros, e premderomno e leuaromno pera Tolledo preso. E a seu filho Enheguez Guerra pesaua muito de ssa prisom, e veo fallar com os da terra per que maneyra o poderiam auer fora da prisom. E elles disserom que nom sabiam maneyra por que o podessem aver, saluamdo sse fosse aas montanhas e achasse sa madre, e que ella lhe daria como o tirasse. E ell foy alaa soo em çima de seu cauallo, e achoua em çima de huuma pena: e ella lhe disse «filho Enheguez Guerra, vem a mym ca bem sey eu ao que ueens:» e ell foy pera ella e ella lhe disse «veens a preguntar como tiraras teu padre da prisom.» Emtom chamou huum cauallo que amdaua solto pello momte que avia nome Pardallo e chamouo per seu nome: e ella meteo huum freo ao cauallo que tiinha, e disselhe que nom fezesse força pollo dessellar nem pollo desemfrear nem por lhe dar de comer nem de beuer nem de ferrar: e disselhe que este cauallo lhe duraria em toda sa vida, e que nunca emtraria em lide que nom vemçesse delle. E disselhe que caualgasse em elle e que o poria em Tolledo ante a porta hu jazia seu padre logo em esse dia, e que ante a porta hu o caualo o posesse que alli deçesse e que acharia seu padre estar em huum curral, e que o filhasse pella maão e fezesse que queria fallar com elle, que o fosse tirando comtra a porta hu estaua ho cauallo, e que desque alli fosse que A Dama Pé de Cabra. Argumento de Jorge Magalhães, baseado na obra de Alexandre Herculano. Lendas de Portugal em Banda Desenhada, Lisboa: Asa 1989.
  • 4. Literatura Portuguesa: Prosa Medieval Século XIII 4 cauallgasse em o cauallo e que posesse seu padre ante ssy e que ante noite seria em sa terra com seu padre: e assy foy. E depois a cabo de tempo morreo dom Diego Lopez e ficou a terra a seu filho dom Enheguez Guerra. In Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores, pp. 258-259 Dona Marinha O primeiro foi ũu cavaleiro boo que houve nome D. Froiam, e era caçador e monteiro. E andando ũu dia em seu cavalo per riba do mar a seu monte, achou ũa molher marinha jazer dormindo na ribeira. E iam com ele tres escudeiros seus, e ela, quando os sentio, quise-se acolher ao mar e eles forom tanto empos ela, ataa que a filharom, ante que se acolhesse ao mar. E depois que a filhou a aqueles que a tomarom fe-a poer em ũa besta e levou-a pera sua casa. E ela era mui fermosa, e el fe-a bautizar, que lhe nom caia tanto nome nem ũu como Marinha, porque saira do mar; e assi lhe pôs nome, e chamaram-lhe dona Marinha. E houve dela seus filhos, dos quaes houve ũu que houve nome Joham Froiaz Marinho. E esta dona Marinha nom falava nemigalha. D. Froiam amava-a muito e nunca lhe tantas cousas pode fazer que a podesse fazer falar. E ũu dia mandou fazer mui gram fugeira em seu paaço, e ela viinha de fora, e trazia aquele seu filho consigo, que amava tanto como seu coraçom. E dom Froia foi filhar aquele filho seu e dela, e fez que o queria enviar ao fogo. E ela, com raiva do filho, esforçou de braadar, e com o braado deitou pela boca ũa peça de carne, e dali adiante falou. E dom Froia recebeo-a por molher e casou com ela. In Narrativas dos Livros de Linhagens, selecção, introdução e comentários por José Mattoso. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1983, 70-73.