Os transtornos alimentares possuem fatores predisponentes, precipitantes e mantenedores. Estudos genéticos mostram que transtornos alimentares são mais comuns em familiares de pessoas com esses transtornos. A pesquisa genética mudou o foco do tratamento para dar mais atenção a sinais precursores e incluir a família.
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Abeso 2012 - Etiologia dos Transtornos Alimentares
1. Alimentação
Claudia Cozer – Doutora em Endocrinologia
pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo; membro da Diretoria da ABESO.
Fernanda Pisciolaro – Nutricionista
do Ambulatório de Transtorno Alimentar
(Ambulim) do Hospital das Clínicas da FMUSP;
membro do Departamento de Psiquiatria e
Transtornos Alimentares da ABESO.
O
s transtornos alimentares
possuem etiologia multi-
fatorial, resultado da inte-
ração de vários fatores que afetam o
início e a perpetuação da doença. Es-
ses fatores se dividem em predispo-
nentes, precipitantes e mantenedo-
res. Entendemos por predisponentes
aqueles que aumentam as possibili-
dades da pessoa ter um transtorno
alimentar como, por exemplo, ten-
dência à obesidade, eventos adversos
(abuso sexual, perdas importantes,
Etiologia dos
Transtornos Alimentares
bullying), genética, padrão familiar
e fatores sócio-culturais (padrões de
beleza rígidos, culpa ao se alimentar
etc). Os precipitantes são responsá-
veis pelo início dos sintomas e, na
grande maioria dos casos, relaciona-
dos à prática de dietas. Os mantene-
dores são responsáveis pela perpetu-
ação ou não da doença.
Dentre os fatores biológicos en-
volvidos, podemos observar algu-
mas alterações de neurotransmisso-
res, como serotonina, dopamina e
noradrenalina, sendo, porém, pouco
conclusivo se tai alterações são pré-
vias ao desenvolvimento do transtor-
no alimentar ou decorrem da restri-
ção alimentar ou de padrões caóti-
cos envolvendo as compulsões ali-
mentares.
Estudos em genética têm cada
vez mais examinado o papel da he-
reditariedade e da genética no desen-
volvimento de transtornos alimen-
tares. Frequentemente encontrados
em vários membros da mesma famí-
lia, são de 3 a 10 vezes mais comuns
em parentes de indivíduos que so-
frem de um transtorno alimentar. A
pesquisa genética mudou o foco do
tratamento dos transtornos alimen-
tares, dando uma atenção maior aos
sinais precursores, buscando a pre-
venção e a inclusão da família no tra-
tamento.
A adolescência é um período de
aumento de risco de desenvolvimen-
to dos transtornos alimentares, em
que intensas transformações físicas
e sociais ocorrem, assim como mu-
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2. danças no comportamento alimen-
tar que, por sua vez, recebe influ-
ências da autoimagem, autoestima,
aceitação corporal, necessidades fi-
siológicas e individuais, preferências,
valores, amigos, relações familiares,
cultura, ambiente social e escolar,
mídia, modismo e experiências ad-
quiridas ao longo da vida.
O bullying, frequentemente pre-
sente nas escolas, pode ser caracteri-
zado como ações repetidas e inten-
cionais, sem motivo claro, que cau-
sam dor e angústia, que são facili-
tadas pela dificuldade de aceitação
das diferenças, tornando tais indiví-
duos foco de ato violento, frequen-
temente levando-os à depressão e a
baixa autoestima. Um estudo feito
por Griffiths et al. (2006) mostrou
que a obesidade em meninos e me-
ninas pode ser um importante alvo
para o bullying, e que tais jovens es-
tão mais propícios a terem proble-
mas com ansiedade, baixa autoesti-
ma, depressão, timidez e alterações
comportamentais. O bullying pode
também levar os jovens ao desenvol-
vimento tanto de obesidade quanto
de transtornos alimentares.
Alguns fatores psicológicos po-
dem ser citados como padrões co-
muns em pessoas com transtornos
alimentares, tais como perfeccionis-
mo, distorções cognitivas, rigidez
de comportamento, necessidade de
manter controle absoluto, impulsi-
vidade, autocrítica muito elevada e
baixa autoestima.
A autoestima pode ser caracteri-
zada como um juízo pessoal que a
pessoa tem sobre si e expressa repul-
sa ou aprovação sobre si. Caso seja
depreciada, pode estar relacionada à
depressão, suicídio, ansiedade e sen-
timentos de inadequação. Na associa-
ção com os transtornos alimentares,
tais pacientes tendem a buscar um
corpo “perfeito” ou um peso extrema-
mente baixo, na busca por uma me-
lhora em sua autoestima, o que certa-
mente não acontece com a mudança
corporal, muitas vezes cronificando a
situação alimentar transtornada.
Alguns estudos têm mostrado que
na infância e adolescência valoriza-se
muito a aparência física e que as prá-
ticas restritivas aumentam a insatis-
fação com a imagem corporal. Mui-
tos deles auto caracterizam-se como
obesos, mesmo quando eutróficos, e
as meninas com IMC maior tendem
à menor autoestima e desejam um
corpo mais magro. Além disso, mui-
tas das crianças que desejam emagre-
cer acreditam que este é o desejo de
seus pais. Uma revisão realizada por
Haines e Neumark-Sztainer (2006)
retratou que cerca de 60% das me-
ninas e 29% dos meninos tinham o
desejo de perder peso.
Dos fatores preciptantes ao desen-
volvimento dos transtornos alimenta-
res, ou seja, que marcam o início do
transtorno, podemos verificar que a
prática de dietas é o fator isolado de
maior evidência. As dietas levam ao
estado de fome, diminuição do me-
tabolismo, aumento da eficiência no
armazenamento de energia – que leva
a maior ganho de peso por cada calo-
ria consumida -, diminuição na taxa
de perda de peso a cada dieta, aumen-
to na taxa de reganho de peso, além
de causar letargia, irritabilidade, e ob-
sessão pela comida.
Alguns fatores são também cita-
dos como mantenedores dos trans-
tornos alimentares, quando esses já
estão instalados. A presença de dis-
torções cognitivas, as purgações, os
distúrbios de imagem corporal, ga-
nhos secundários com o transtorno
alimentar, padrões psicológicos e fa-
miliares, além das questões sócio-
-culturais são exemplos.
A identificação dos fatores de
risco para o desenvolvimento de
transtornos alimentares pode ajudar
na sua prevenção, principalmente
quando falamos de uma população
mais jovem. c
“A pesquisa genética mudou o foco do tratamento dos transtornos alimentares, dando uma atenção
maior aos sinais precursores, buscando a prevenção e a inclusão da família no tratamento”.
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