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25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico
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ECA
 
A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira
Willian Thiago de Souza Rodrigues
Resumo: A pedofilia pode ser identificada através do seu conceito clínico, identificando o pedófilo como uma pessoa doente e que precisa de acompanhamento médico.
Por outro lado, no sentido mais usual, a referida nomenclatura tem se aplicado para todos os casos que envolvem a relação sexual, direta ou não, entre um adulto e uma
criança. As formas de ação do agente pedófilo sob este aspecto são muito flexíveis, podendo ser desde a simples interação por meio de salas de conversação em sites na
internet até à relação forçada pela violência física, a qual muitas vezes resulta na morte da vítima. Tendo em vista que as vítimas nesses crimes são crianças e
adolescentes, e os mesmos, na maior parte das vezes, não possuem capacidade de reagir aos atos dos abusadores, passaram a existir fortes movimentos no sentido de
fortalecer a proteção ao menor. A Convenção sobre os Direitos da Criança veio, então, como um acordo entre nações, de suma importância, com vistas à proteção deste
seres‐humanos em desenvolvimento. Traçou uma linha de ação que proporcionou a criação, em nível de Brasil, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco
histórico na legislação nacional em termos de proteção ao menor. Contudo, por maiores que sejam os avanços legais, muitas vezes não são suficientes para que
acompanhem adequadamente as ações criminosas. Neste ínterim, surge o projeto de lei 250/2008 de iniciativa da CPI da pedofilia. A referida proposta legislativa visa a
cobrir as lacunas deixadas pelo ECA na proteção do menor abusado sexualmente. Apresenta‐se arraigada de grandes expectativas por parte da sociedade, resta saber até
que ponto será eficaz. [i]
Palavras‐chave: Pedofilia. Estatuto da Criança e do Adolescente. Convenção sobre os Direitos da Criança. Fato social.  Valor. Norma.
Sumário: Introdução; 1. Do fato social; 1.1.  As parafilias; 1.2. Origens históricas da pedofilia; 1.3. A pedofilia como fato social; 1.3.1. Considerações gerais; 1.3.2. O pedófilo
e o abuso sexual; 1.3.3. A pedofilia através do comércio sexual menores; 1.3.3.1. Prostituição Infantil; 1.3.3.2. Pornografia Infantil; 1.3.3.3. Tráfico de menores; 1.3.3.4.
Turismo sexual; 1.3.4. Ações pedófilas na internet; 1.3.4.1. Redes de confraternização pedófila; 1.3.4.2. A pornografia infantil na internet; 1.3.4.3. O intercâmbio on‐line:
caminho para a relação pedófila; 2. Do valor; 2.1. A pedofilia e sua valoração: o bem jurídico envolvido; 2.1.1. A liberdade sexual do menor; 2.1.2. As conseqüências das
práticas pedófilas para o menor; 3. Da norma; 3.1. A norma jurídica conforme a teoria tridimensional; 3.2. Fontes da norma jurídica: as origens do direito; 3.2.1. Fontes
materiais; 3.2.2. Fontes formais; 3.3. As normas de proteção ao menor; 3.3.1. A convenção sobre os direitos da criança; 3.3.2. A Constituição Federal de 1988; 3.3.3. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90); 3.3.4. A proposta legislativa brasileira; 4. As questões em debate no mundo; 4.1. Estados Unidos; 4.2. França; 4.3.
Inglaterra; Conclusão; Referências; Anexo A – Redação final do projeto de Lei 250/2008
Introdução
A cada dia que passa a população é assolada por um enorme número de notícias comunicando a ocorrência dos mais variados tipos de abusos sexuais contra crianças e
adolescentes. Como se não bastasse, a maioria desses abusos são cometidos, geralmente, por pessoas que teriam a responsabilidade de cuidar desses menores e de dar‐
lhes toda a assistência para que tivessem uma boa formação.
O abuso contra crianças e adolescentes possui muitas faces, dentre as quais se apresenta o abuso sexual. Este, quem sabe, o mais danoso ao menor, tendo em vista as
conseqüências que proporciona, pois consegue atingir o íntimo do desenvolvimento infanto‐juvenil.
Pois bem, neste trabalho se apresentará a aplicação prática da teoria tridimensional do direito do mestre Miguel Reale, seguindo o caminho do cientista jurídico. Isto é,
tomar‐se‐á como ponto de partida o fato social e como destino a norma, a qual será ocasionada pela valoração do primeiro.
Neste ínterim, ocorrerá a utilização de um fato social que através de sua valoração tende a criar uma norma jurídica. No caso desta monografia o fato escolhido foi a
pedofilia e suas diversas implicações sociais, visualizando quais as normas que são requeridas para que o Direito se ajuste à verdadeira situação axiológica do referido
tema.
Para se traçar o caminho proposto por Reale são necessárias noções mínimas acerca do que seja cada um dos conceitos – fato, valor e norma – de maneira que os mesmos
serão apresentados em capítulos distintos, tentando esmiuçar as respectivas implicações destes dentro do abuso sexual de menores e seus conexos.
A pedofilia será visualizada tendo em foco a situação de constante fragilidade jurídica que é vivenciada frente ao progresso dos crimes contra os menores, principalmente
quando é levada em conta a rede mundial de computadores e sua constante metamorfose evolutiva. No entanto, parece que  os agentes delitivos são mais rápidos no
acompanhamento desta tecnologia do que o legislador brasileiro, o que acaba favorecendo a atividade criminosa, e, no caso em discussão, no aumento das ações
pedófilas.
Neste entremeio, o exame da atuação pedófila, seus reflexos e valores perante a sociedade e os anseios legislativos da população em decorrência destes atos é de
grande relevância, posto que, o legislador como representante do povo, deve responder‐lhe de maneira apropriada, adequando o ordenamento jurídico à situação
histórico‐cultural que presencia. É necessário que os representantes do povo atuem de maneira satisfatória, visando cobrir as lacunas existentes no ordenamento jurídico
nacional no que concerne ao tema em estudo, visualizando os caracteres peculiares deste. Como exemplo pode ser citada a situação do consumidor das redes de
pornografia infantil, o qual na atual legislação não pode sofrer nenhuma repreensão pelo armazenamento sem fins lucrativos do material pornográfico infantil.
No primeiro capítulo deste trabalho será apresentado o fato social, sendo exposta a realidade fática da pedofilia, através da análise de seus agentes e das formas de
atuação dos mesmos. A investigação que será proposta neste primeiro momento buscará elucidar quem são as pessoas que efetuam os abusos sexuais, além de descrever
as diversas maneiras que são utilizadas para que a ação pedófila se concretize.
Numa segunda fase será exposto o aspecto valorativo do fato social em análise. Deste modo, será verificada qual é a definição deste valor pela doutrina e como ele
influencia na definição do bem jurídico, analisando‐se como este último se apresenta dentro dos crimes que envolvem a pedofilia, com especial enfoque para a liberdade
sexual do menor.
Por fim, visando concluir o caminho proposto pela teoria tridimensional de Miguel Reale, será estudada a norma jurídica e as orientações doutrinárias que a cercam para
que, no momento seguinte, seja possível o exame das normas existentes na atualidade que visam a coibir os atos pedófilos. Além de verificar a proposta legislativa
nacional frente ao tema e às questões controvertidas que estão se apresentando no cenário mundial.
1.  Do fato social
Fato social é um conceito básico da sociologia e da antropologia. Foi alcunhado pelo francês Émile Durkheim no seu livro As Regras do Método Sociológico em 1895. Refere‐
se a todo comportamento ou idéia presente num grupo social que é transmitido de geração em geração para cada indivíduo pela sociedade (DE PAULA, 2003, online).
“Podem ser chamados de fatos sociaisQuase todos os fenômenos que ocorrem dentro de uma sociedade. Tratam‐se das formas de agir, pensar e de sentir que exibem a
notável propriedade de existência fora da consciência individual”.
Estes tipos de comportamento ou de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, mas estão equipados com um poder imperativo e coercitivo ao abrigo dos quais
se impõem, querendo o indivíduo ou não.
A opinião pública se opõe a qualquer ato que a ofende, através da vigilância que pratica sobre o comportamento dos cidadãos e as sanções específicas que podem ser
aplicadas.
“DOs partidários e um individualismo absoluto, afirmam que o indivíduo é autônomo, que é diminuído quando se diz que não depende apenas de si. No entanto, em
sentido contrário, o conceito de fato social de Durkheim traz uma definição na qual as idéias e tendências não são elaboradas pela pessoa, mas sim impostas pelo
exterior” (Sena, 2006, online).
Por outro lado, sabe‐se que nem toda imposição social é inevitavelmente exclusiva da personalidade individual. A sociedade é considerada como um todo maior que a
soma das pessoas que a compõem. Por sua vez, é recriada em maior ou menor medida por estes, de maneira que a maioria estabelece as práticas e juízos morais a serem
seguidos sem que deva ser previamente discutido.
O Fato social possui algumas características de acordo com Durkheim, que, segundo a enciclopédia on‐line Wikipédia, podem ser assim definidas:
“Coercitividade ‐ característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram. Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que
obrigam os indivíduos a cumpri‐los.
Exterioridade ‐ esta característica transmite o fato desses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ou seja ao fato de virem do exterior e de serem
independentes das suas consciências.
Generalidade ‐ os fatos sociais existem não para um indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber a generalidade pela propagação das tendências dos
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grupos pela sociedade, por exemplo.” (2008).
O não acatamento a um fato social pode levar o indivíduo a exclusão do grupo social que pertence por não ter seguido a conduta padronizada pela sociedade. Nas
práticas externas o não acatamento pode ser uma causa de sanção que, dependendo da gravidade da transgressão considerada pela sociedade, pode ir desde a simples
reprovação moral até a aplicação de castigos e sanções penais. A gravidade está em relação direta com a importância relativa do fato social e sua vigência, associado a um
estado de decadência, estabilidade ou ascensão.
Contudo, segundo a doutrina sociológica de Durkheim o próprio crime pode ser considerado um fato social normal, tendo em vista que não existiu sociedade onde não
houvessem delinqüentes, de maneira que este fato só poderá ser considerado patológico quando, pelo seu exagero, ele ameaça a própria sociedade. A pedofilia, neste
sentido, passa a ser considerada como fato social, visto que, embora considerada uma ação contrária ao que se tem atualmente por comportamento normal, é praticada
por um grande número de pessoas com características que são externas aos seus praticantes. Pode‐se chamá‐la de fato social negativo.
1.1.  As parafilias
O conceito do termo parafilia está ligado às perversões sexuais, ou transtornos da sexualidade, os quais não se enquadram dentro dos padrões de comportamento sexual
aceitáveis por determinada sociedade num dado momento histórico‐cultural. Pode‐se dizer que as parafilias são condutas sexuais que se opõem ao que é convencionado
como normal por cada sociedade
Clinicamente, pode‐se dizer que:
“As Parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e
causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
[...] são descritas pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Quarta Edição (DSM‐IV), da Associação Psiquiátrica Americana, como transtornos sexuais com
impulsos, fantasias ou comportamentos sexuais intensos e recorrentes em geral envolvendo objetos não‐humanos, juntamente com o sofrimento e humilhação de si mesmo
ou de um parceiro ou ainda de filhos ou outras pessoas que não concordem. 
Esses sintomas devem ocorrer durante um período de pelo menos seis meses. Os impulsos, fantasias ou comportamentos causam tensão clinicamente significativa ou
comprometimento nas áreas social, ocupacional ou outras.” (PSIQWEB, 2008, online)
Dentre as parafilias elencadas pelo manual de diagnósticos da Associação de Psiquiatria Americana encontram‐se além da pedofilia, outros transtornos como, por exemplo,
o exibicionismo, o fetichismo e o sadismo. Todos com as duas características essenciais para se definir uma parafilia de acordo com o manual: a presença de intensas e
repetidas fantasias sexuais e o conseqüente mal‐estar clínico significativo ou dano social, laboral ou de outras áreas importantes da atividade do indivíduo.
Deve‐se ter sempre em consideração que as imagens ou fantasias parafílicas podem ser estímulo de excitação sexual para uma pessoa sem isso chegar a ser uma parafilia.
Por exemplo, a roupa íntima feminina costuma ser excitante para muitos homens, porém só poderá ser considerada uma parafilia quando o indivíduo seja afetado por elas
de uma forma excessiva.
Outrossim, vale ressaltar que nem toda a parafilia é de interesse do Direito Penal, visto que nem todas afetam a sociedade. Dessa forma, embora excessivas sob critérios
clínicos, as parafilias podem não ter relevância ao ponto de ser fixada qualquer forma de reprovação. Neste sentido, temos o fetichismo, que na maior parte das vezes
envolve um objeto inanimado para a realização sexual e não acarreta a vitimização de nenhum indivíduo.
1.2. Origens históricas da pedofilia
Embora o índice de reprovação da pedofilia na atualidade seja alto, a existência desse comportamento como uma atitude normal e tolerável foi comum no passado. Na
antiguidade clássica a pedofilia se estendeu pelo Egito, Assíria, Pérsia, Arábia e, principalmente, Grécia e Roma.
Na Grécia a pedofilia, ou melhor, a pederastia era algo socialmente aceito. Platão, no seu diálogo sobre o amor, intitulado “O Banquete” (2002), fala do amor pelo efebo,
os quais eram meninos que acompanhavam aos veteranos da milícia para absorve‐lhes o espírito militar e uma aptidão física ideal. Não se separavam deles nem para
dormir, em troca acabavam os efebos por proporcionar‐lhes a satisfação de desejos eróticos. Nesta obra Platão também faz a análise de sua entrega a Sócrates, que foi
seu professor.
Roma, como herdeira da cultura grega, também importou a influência conceitual e valorativa da pedofilia, lá os efebos eram chamados de concubini e serviam aos seus
senhorios de maneira a satisfazer suas necessidades sexuais ‐ eram como escravos do sexo.
Por fim, outros povos que colocaram a pedofilia em grande evidência durante boa parte da história foram os chineses, com  o tráfico de crianças para os pedófilos, e os
muçulmanos, com a fuga à pedofilia para suprir necessidades sexuais que não podiam exercer por convicções religiosas.
Sobre essa historicidade da pedofilia disserta Olavo Carvalho:
“Na Grécia e no Império Romano, o uso de menores para a satisfação sexual de adultos foi um costume tolerado e até prezado. Na China, castrar meninos para vendê‐los
a ricos pederastas foi um comércio legítimo durante milênios. No mundo islâmico, a rígida moral que ordena as relações entre homens e mulheres foi não raro
compensada pela tolerância para com a pedofilia homossexual. Em alguns países isso durou até pelo menos o começo do século XX, fazendo da Argélia, por exemplo, um
jardim das delícias para os viajantes depravados.” (2002, online)
Diante disto, vê‐se que a pedofilia não é um tema enfrentado pela atualidade, mas, pelo contrário, serviu como base das mais variadas culturas da antiguidade e sofreu,
no decorrer dos tempos, constantes transformações sob o  ponto de vista valorativo social, bem como no desenvolvimento de suas práticas. Os agentes mudaram, a
justificação é outra, mas sua existência atravessa as décadas em momentos sócio‐culturais dos mais variados.
1.3. A pedofilia como fato social
1.3.1. Considerações gerais
O fato social refere‐se a um comportamento proposto pela sociedade de maneira impositiva, mas que pode ser respeitado ou não pelo indivíduo.
No caso da pedofilia temos um comportamento de relevância social que vai em sentido contrário às regras morais de comportamento impostas pela sociedade
contemporânea.
Este comportamento pode ser identificado sob, no mínimo, dois aspectos: sob uma ótica psicológica, tendo em vista os distúrbios e transtornos que afetam o indivíduo que
é clinicamente pedófilo; e sob o aspecto jurídico, incluindo neste último os que exercem ou proporcionam o abuso sexual infantil em situações ocasionais e específicas,
sem que tenham um desvio compatível com a definição clínica da pedofilia.
O conceito de pedofilia deriva do idioma grego e significa originariamente “amor por crianças”. Na atualidade se considera a pedofilia como um transtorno sexual de
índole clínica definido como atração sexual de um adulto por crianças de qualquer sexo.
A pedofilia como categoria clínica possui um horizonte limitado e específico, pois o termo pedofilia em seu sentido médico designa‐se ao adulto que padece de um
transtorno da personalidade consistente em mostrar um interesse sexual centrado expressamente em crianças que ainda não chegaram à puberdade.
Considerada uma parafilia típica, a pedofilia tem sido erroneamente identificada com a pederastia; ainda que se reconheça a existência de uma evidente proximidade
entre ambos os termos. Defini‐se a pederastia como a relação homossexual com penetração entre homens. Deduzindo‐se, então, que a pederastia como prática
homossexual masculina pode conter entre as suas manifestações a relação entre homens adultos e crianças, sendo a variável pedófila da pederastia, estabelecendo‐se,
assim, o ponto de contato entre ambas as categorias. Por esse outro ângulo de análise se aceita uma identificação factual entre as versões de ambos fenômenos,
caracterizando‐se estes tipos específicos pela coincidência na existência de crianças vítimas do sexo masculino e de homens adultos como sujeitos ativos do abuso sexual.
Embora seja importante e necessário reconhecer determinados hábitos comportamentais de conotação pedófila, deve‐se especificar o fato de que as pessoas portadoras
deste tipo de perturbação sexual não pertencem exclusivamente a uma classe ou estrato social, e pelo contrário, se distribuem por todo o entrelaçado social,
comportando‐se como indivíduos aparentemente normais e em muitos casos com uma plena integração social e comunitária (TRINDADE, 2007, p. 62).
1.3.2.   O pedófilo e o abuso sexual
Os pedófilos podem se transformar em exploradores sexuais da infância e converterem suas fantasias em atos reais, porém nem todos necessariamente realizam esse
passo para o ato. E, por outro lado, nem todos aqueles que exploraram sexualmente as crianças são necessariamente pedófilos no sentido clínico. Por estas razões é mais
adequado e esclarecedor utilizar o termo agressor sexual para descrever as pessoas que mantém relações sexuais com menores, já que este conceito inclui os pedófilos,
mas não se limita somente a eles.
Dentre os abusadores o maior perigo encontra‐se naqueles indivíduos nos quais os menores confiam por natureza, podendo ser um amigo da família, alguém que realiza
atividades direcionadas à infância ou alguém que desempenha uma profissão idealizada pelas crianças, como um bombeiro, um policial, etc. Este tipo de agressão sexual
proveniente de pessoas supostamente confiáveis gera cicatrizes profundas, matizadas no infante sob a forma de sentimentos de culpa e angústia.
Fazendo‐se uma análise superficial, poder‐se‐ia definir o pedófilo como um sujeito abusado previamente na sua infância, que, como conseqüência disso, desenvolve
condutas abusivas. A esse respeito, é pertinente contra‐argumentar: ‐ como apesar da maioria das vítimas de abuso sexuais na infância serem mulheres elas representam
justamente a absoluta minoria entre os agressores? Além disso, muitos homens que foram violentados na infância não se tornam abusadores.
É importante salientar as profundas assimetrias de poder existentes no abuso sexual de menores, as quais desenvolvem‐se com a manipulação através do engano ou o
secretismo por meio da ameaça, o qual deixa a vítima num estado de total desamparo frente ao abusador. O desfrute que os agressores afirmam sentir não guarda
relação somente com os desejos puramente sexuais, como também pela sensação de ter controle total sobre a vítima e que ela não tenha possibilidade de opor‐se ao
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mesmo.
Finkelhor (1984 apud Trindade, 2007, p. 38) propôs um modelo com quatro precondições onde estão inclusos variados fatores envolvendo os agentes do abuso sexual:
“1) Motivação: que é o desejo de abusar sexualmente de uma criança, e nela se incluem:
Congruência emocional: o abusador procura satisfazer uma necessidade emocional;
Excitação sexual: o abusador está condicionado pela atração sexual a crianças ou a sexo não‐consensual;
Bloqueio: o abusador tem de manejar bloqueios internos e externos para poder estabelecer relações sexuais com pessoas adultas.
2) Inibições internas: que dizem respeito à superação dos inibidores internos e implica que o abusador dê, a si mesmo, a permissão de abusar sexualmente de uma
criança, geralmente elaborando a auto‐justificação infundada de que isso não é prejudicial a ela ou que constitui algo natural. Dessa maneira, o abusador libera a sua
motivação.
3) Inibições externas: que se referem à superação dos inibidores externos que podem estar impedindo o abuso sexual. Com a retirada de inibidores externos, criam‐se
oportunidades para que o abuso aconteça.
4) Resistência: que trata da superação das defesas da criança.”
Dentro do perfil do abusador é possível, também, identificar várias modalidades para exercer a agressão. Geralmente este tipo de abuso se realiza por meio de enganos
e manipulações. No entanto, é possível observar que alguns agressores utilizam violência física para submeter suas vítimas e causam danos corporais que podem chegar à
morte.
Sem que seja o mais comum, este último tipo de agressor é, sem dúvida, o mais visível socialmente, devido à divulgação sensacionalista de suas ações pelos meios de
comunicação. Isto é problemático, pois pode esconder as características da maioria dos agressores e, com isso, reduzir as possibilidades de prevenção social de suas ações.
Neste sentido, pode‐se dividir os agressores sexuais ou pedófilos em dois grandes grupos (AZEVEDO E GUERRA, 1999):
Circunstanciais: Não apresentam uma preferência sexual pelas crianças, mas praticam o sexo com elas por não possuírem limites morais e por satisfazer um desejo de
experimentar uma relação sexual com jovens. Alguns agressores também podem seduzir‐se por situações nas quais o sexo com crianças se apresenta como algo
extremadamente acessível e normal, e contribui para incentivar o turista a deixar de lado suas próprias idéias sobre a idade de consentimento e relação entre crianças e
as atividades sexuais. A exploração sexual da infância passa, então, a ser considerada pelo turista como um estilo de vida na época das férias e pode desenvolver um
padrão de conduta de personalidade abusadora.
Preferenciais: apresentam uma preferência definida e clara pelo sexo com crianças. Este tipo de pessoa apresenta uma desordem de personalidade que lhe motiva a
busca por companheiros sexuais imaturos e vulneráveis. Os agressores preferenciais constituem uma pequena minoria dentro do grupo de agressores sexuais, mas podem
abusar potencialmente de um grande número de menores. Não são homogêneos em sua forma de agir, mas podem ser identificados em três grandes tipos de conduta:
a) Os sedutores que utilizam o afeto, a atenção e os presentes para atrair as vítimas. São capazes de esperar grandes períodos de tempo enquanto seduzem as crianças
até que estas aceitem o abuso e usam a ameaça e a violência para evitar que revelem o acontecido.
b) Os introvertidos têm dificuldades para se relacionar com os menores. Mantêm um nível mínimo de comunicação com eles e tendem a procurar crianças desconhecidas
e extremamente pequenas.
c) Os sádicos constituem o grupo mais numeroso. Conseguem a satisfação sexual através do dano a suas vítimas. Este tipo de agressor pode utilizar a força física para
persuadir a criança, incluindo o seqüestro e, em alguns casos, o assassinato posterior.
Finalmente, esses indivíduos possuem uma constante de negação sobre a culpabilidade de seus atos, que os conduz a deslegitimar a versão das vítimas, culpando‐as por
uma suposta sedução, a negar os fatos ou simplesmente a seguir abusando delas sem que exista reprovação ou censura. Essa é uma das características mais comuns
presentes nos autores de delitos sexuais contra as crianças. Alegam que os menores buscam conscientemente a atividade sexual com o adulto e que consentem
explicitamente nas relações (o menor teria escolhido livremente essa forma de vida).
1.3.3.   A pedofilia através do comércio sexual de menores
Nos últimos anos tem se expandido a exploração sexual de crianças através do mercado negro do sexo, na mesma proporção que aumenta a demanda pedófila, o que
ocasiona uma indústria em ascensão e que converteu o sexo num bem de alto potencial de transação (LANDINI, 2006, online).
Devido essa alta demanda pedófila, o mercado negro da exploração sexual de menores tornou‐se algo altamente rentável, isto se confirma com o fato de que não só
“empresários” que trabalham por conta própria estão envolvidos, mas, pelo contrário, as máfias internacionais que empregam métodos sistemáticos de captação dentro
de uma rede muito bem organizada e coesa que costuma estar envolvida em outras atividades delitivas.
Esse comércio exploratório sexual da criança pode ser dividido em quatro grandes grupos: a prostituição infantil, a pornografia infantil, o tráfico de menores e o turismo
sexual. Todas estas manifestações estão estritamente vinculadas e muitas vezes se complementam.
1.3.3.1.   Prostituição Infantil
É assim considerada a utilização de criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer outra retribuição.
A prostituição de crianças e adolescentes terá sempre o caráter de atividade forçada e é considerada como uma forma contemporânea de escravidão.
Essa atividade é uma variável do abuso sexual no qual o cliente pedófilo deduz comodamente que o pagamento do sexo com o menor supõe um simples comércio, uma
negociação e nada mais, em conseqüência disto não se identifica como um abusador ou explorador , só se considera um consumidor a mais neste mercado, tudo isso
estruturado numa total indiferença moral perante o menor prostituído.
1.3.3.2.   Pornografia infantil
Pode ser assim definida toda a representação, por qualquer meio, de um menor, dedicado a atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou toda a exposição dos
órgãos sexuais de uma criança em filmagens primordialmente dedicadas ao sexo.
Constitui uma variável dos crimes sexuais que se perpetua no tempo e que prolonga a situação abusiva enquanto esses materiais pornográficos continuem sendo usados.
Essa pornografia pode ser tanto visual – quando expõe o menor em ato sexual explícito, real ou simulado, ou em uma exibição obscena dos órgãos genitais para o prazer
de um usuário, incluindo a produção, a distribuição e o uso desse material – quanto auditiva – quando estas atividades de exposição privilegiam a voz do menor.
Os danos que a pornografia causa às crianças vão além do abuso direto dos menores usados no processo de elaboração do material pornográfico, as implicações aumentam
progressivamente, de maneira que essa pornografia original promove, com seu efeito excitante, novos abusos infantis, pois atua como estímulo erótico gerador de uma
demanda pedófila maior neste mercado sexual.
1.3.3.3.   Tráfico de menores
De acordo com a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores este pode ser definido como “a subtração, a transferência ou retenção, ou a tentativa
de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos” (Art. 2º, alínea b). Este tráfico é considerado um dos mais lucrativos para o
mercado negro, sendo superado apenas pelo de drogas e armas, é uma indústria que movimenta milhões de dólares.
Pode‐se dizer que o tráfico de menores é um modelo de escravidão moderno, apresentando uma das formas mais desprezíveis quando se direciona a fins sexuais, embora
não seja menos desprezível qualquer outra finalidade para o exercício desta atividade criminosa.
1.3.3.4.   Turismo Sexual
O turismo sexual pode ser definido como o turismo organizado com fins de estabelecer relações sexuais de caráter comercial. Dessa forma, os turistas sexuais são aquelas
pessoas que no curso de suas viagens de férias estabelecem relações sexuais exploradoras nos países e regiões que visitam.
1.3.4.  Ações pedófilas na internet
O mundo tem experimentado nas últimas décadas um assombroso salto em seu desenvolvimento tecnológico. A tecnologia digital e seus espetaculares avanços geram um
fenômeno que permeia a sociedade e se manifesta infalível em todos os aspectos da vida moderna. Este vertiginoso progresso científico tem reduzido as distâncias,
podendo‐se afirmar que hoje vive‐se numa aldeia global, pois com uma velocidade incrível  se conecta a qualquer parte do mundo, graças à existência da internet.
No entanto, paradoxalmente, esta rede tão útil para a comunicação tem se convertido numa faca de dois gumes, pois está sendo utilizada por indivíduos inescrupulosos
para distribuir e receber materiais de conteúdo sexual através do ciberespaço. A facilidade de acesso e seu baixo custo propiciam a extensão desses produtos perniciosos
para uma enorme quantidade de pessoas no planeta, alcançando uma internacionalização instantânea dos mesmos.
O conteúdo sexual da internet se apresenta em inúmeras páginas da web que incluem textos, imagens e conversações entre usuários.  Abrange avisos publicitários,
fóruns e outras formas de comunicação e vai desde a pornografia ligeiramente provocadora até a mais pesada e ofensiva.
25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico
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Quanto ao conteúdo sexual, a internet apresenta sua nocividade quando promove especificamente o sexo com menores. Nesse caso, a rede é usada para o serviço da
pedofilia, proporcionando a satisfação dos indivíduos que sofrem de pedofilia clínica e aos que são pedófilos ocasionais.
Com certeza a pedofilia não é um fenômeno da idade moderna. Como visto em momento anterior, manifestou‐se desde a antiguidade. Porém, esses desvios sexuais se
encontravam isolados e silenciados pelo ostracismo e a severa crítica social, no entanto o surgimento da tecnologia digital e da internet tem propiciado um fenômeno de
confraternização e apoio mútuo, produto da celeridade, multilateralidade e anonimato das comunicações atuais.
As ações pedófilas pela internet se manifestam sob diversas modalidades, onde serão analisadas três, tendo em vista a relevância perante o tema proposto no presente
trabalho. Serão analisadas a criação de redes de confraternização pedófila, o intercâmbio e desfrute da pornografia propriamente dita, além da relação on‐line entre os
menores e os pedófilos.
1.3.4.1.   Redes de confraternização pedófila
Analisando cada uma destas modalidades separadamente pode‐se afirmar que as redes pedófilas possuem tentáculos em nível mundial e servem para propiciar o contato
entre indivíduos consumidores de sexo infantil. Estas redes perseguem vários objetivos: usar as facilidades da comunicação para o apoio recíproco; promover a pretendida
legalização de seus atos pervertidos; a permuta de pornografia infantil e a promoção dos mais promissórios “paraísos” turísticos para fins sexuais pedófilos.
Produto das facilidades comunicativas, os pedófilos utilizam as conversações pela rede visando a troca de textos, fotografias e vídeos, elaborando avisos publicitários
visando o intercâmbio de informação referente aos seus interesses nos menores. Os laços de fraternidade que se estabelecem pela internet os ajudam psicologicamente
a escapar de sentimentos de culpa e evitar o isolamento, conquistando por sua vez o necessário anonimato de suas ações ilícitas. Também visam satisfazer seus egos na
demonstração para outros pedófilos de suas “proezas” e “conquistas”. Os contatos pela rede proporcionam a socialização de seus mais íntimos e desviados pensamentos
num processo de auto‐afirmação e auto‐valorização em que se definem como pessoas normais, rodeadas e conectadas com indivíduos semelhantes que sentem e pensam
de maneira idêntica.
Algumas destas redes, nas quais se organizam os pedófilos, perseguem, dentre outras finalidades, transformar opiniões críticas a respeito de suas inclinações sexuais,
chegando ao ponto de proporem mudanças legislativas em seu favor, auto‐proclamando‐se como um setor sexual minoritário vítima de uma desconsiderada e irracional
intolerância social. Utilizam como base de seus discursos a liberdade de pensamento e expressão refletida no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e
reconhecida por todas as Constituições modernas.
Outro dos objetivos destas redes pedófilas na internet consiste em proporcionar conselhos e recomendações mútuas em torno dos destinos turísticos que facilitam, sem
maiores riscos, o acesso a crianças, chegando a recomendar os agenciadores do sexo infantil. Com o incremento no uso da internet para o negócio do sexo e do abuso
sexual contra menores, o número de páginas na rede que contém informação sobre como e para onde podem viajar os pedófilos têm aumentado drasticamente.
1.3.4.2.   A pornografia infantil na internet
A internet possibilita os mais variados desfrutes sexuais para os pedófilos, uma dessas modalidades está representada pela pornografia infantil propriamente dita.  Em
nenhum outro momento os pedófilos tiveram tamanha facilidade para acessar material pornográfico que envolva crianças. Não precisam mais correr riscos e perigos para
satisfazerem seus instintos sexuais. Antes, para obter e armazenar material desse nível, esses agentes criminosos tinham que fugir dos “olhos” da polícia e das aduanas,
tendo grandes chances de serem pegos.
As novidades tecnológicas da comunicação proporcionam as facilidades ideais para as ações pedófilas, basta possuir um servidor e sem abandonar seus domicílios,
preservando o anonimato, este indivíduos “navegam” pelo ciberespaço na busca de documentação sexual que envolva crianças. Nesta senda, a internet se converte no
veículo comunicativo ideal para concretizar a produção e o consumo da pornografia infantil, como modalidade de exploração comercial e sexual infantil.
Os pedófilos, preferencialmente os clinicamente considerados como tal, se satisfazem ao colecionar compulsivamente fotografias e gravações de áudio e vídeo, onde se
verificam abusos sexuais com menores nos quais participam eles mesmos ou outros adultos; materiais que ao circular pelas vias da rede mundial de computadores
solidificam este fenômeno que é a pornografia infantil digital.
1.3.4.3.   O intercâmbio on‐line: caminho para a relação pedófila
O uso atual de menores com fins de relação sexual já não se localiza somente nas conhecidas e habituais “zonas de tolerância” da prostituição, quase sempre situadas
nas principais cidades dos países pobres. Nada está a salvo da ameaça que representam os pedófilos na busca de crianças para sua satisfação sexual, o que acaba
ocorrendo pelo uso da internet como instrumento de localização e captação desses materiais dedicados a este fim.
Neste sentido, é necessário expor a vulnerabilidade que possui a nova geração, a partir da imensa extensão dos usuários da internet que envolvem também e
preferencialmente as crianças e adolescentes, os quais possuem maiores capacidades que os adultos para assimilar e adquirir habilidades nas técnicas digitais, além de
serem muito receptivos à benéfica influência educacional que emana do uso deste instrumento que é a rede de computadores. 
Esta capacidade comunicativa e de aprendizagem ofertada pela internet está majoritariamente a serviço das crianças do primeiro mundo, tendo em vista que nos países
pobres os menores não possuem nem mesmo condições satisfatórias para sua subsistência, ficando, portanto, menos evidente a corrupção desses infantes pela internet.
No entanto, nos países em desenvolvimento, como é caso do Brasil, os índices de pornografia infantil através da internet são alarmantes.
“Cerca de mil novos sites de pedofilia são criados todos os meses no Brasil. Destes, 52% tratam de crimes contra crianças de 9 a 13 anos, e 12% dos sites de pedofilia
expõem crimes contra bebês de zero a três meses de idade, com fotografias.” (OPINIÃO E NOTÍCIA, 2006, online).
Por razões econômicas e de potencialidade tecnológica as crianças e adolescentes de países em desenvolvimento se encontram em situação mais vulnerável em relação
às ações pedófilas que usam a internet como centro de operações, na busca da satisfação de suas inclinações sexuais. Uma das formas pela qual os infantes podem ser
afetados por essas ações consiste em ter acesso à pornografia convertendo‐se em objeto dela mesma. Isto poderia distorcer seu sentido  de normalidade quanto ao que é
correto e incorreto no plano do sexo, pois a exposição reiterada a material pornográfico infantil possibilita que com seu desenvolvimento psíquico em construção, estes
menores assumam como normal a atividade pornográfica, criando modelos de comportamento e experiências de aprendizagem altamente nocivos.
Outra das formas que corporificam o abuso sexual pedófilo pela internet consiste em persuadir as crianças para que permitam ser filmadas ou fotografadas através da
“web cam”, passando a ser sujeitos da pornografia. Esta variável supõe a interação on‐line que usada de forma reiterada busca desenvolver sentimentos de confiança do
menor no seu interlocutor pedófilo, o qual em geral começa sua sedução com conversas correntes de amizade e pouco a pouco se direciona para o tema sexual, até
eliminar qualquer resistência do menor. O maior perigo aparece quando o pedófilo visa a mudança do ambiente de seu intercâmbio com a criança da realidade virtual
para a realidade fática, mediante a realização de encontros pessoais entre ele e o menor, pondo em perigo a segurança física dessa criança, quando não lhe ocasiona a
morte, pois muitas vezes o abusador elimina o menor para ao mesmo tempo apagar as possibilidades de ser reconhecido criminalmente.
Os pedófilos que usam a internet, com fins de satisfação sexual com menores, tomam distância e se afastam psicologicamente de sua nociva conduta, na medida em que
sua ação se dilui, pois boa parte dos casos ocorre com crianças desconhecidas, fato que facilita o não aparecimento nos agressores de sentimentos de culpa.
O evidente e acelerado avanço do fenômeno da pedofilia através da internet tem gerado em contrapartida uma resposta da sociedade mundial, consistente na
organização de um movimento internacional integrado por diferentes ONG’s e Comitês Nacionais de Ação, os quais ostentam como objetivo chamar atenção para o
problema e desenvolver uma consciência de luta na proteção dos menores frente a esta crescente ameaça. Estas organizações reconhecem que o principal terreno de
luta é o próprio ciberespaço e em consonância se começa a estruturar uma vigilância eletrônica de alcance mundial.
Neste sentido, os próprios mecanismos da internet propiciam a ação dos vigilantes on‐line encarregados de detectar sites de conteúdo pedófilo e denunciá‐los
rapidamente. Existem ainda sites especializados que recebem denúncias de qualquer pessoa frente a uma agressão sexual ou existência de páginas eletrônicas de
conteúdo pedófilo. Esta vigilância inclui a elaboração e comercialização de programas especializados que tem por objeto permitir aos pais controlar o material que chega
aos seus lares e ao qual seus filhos podem ter acesso, de maneira que podem aproveitar os benefícios educacionais da internet.
2. Do valor
O valor que se buscará identificar aqui está intimamente ligado a idéia de consciência coletiva, proposta pela sociologia, tendo Émile Durkheim como  principal
representante teórico, revelando a preponderância do coletivo sobre o individual, deixando em segundo plano as aspirações e desejos inerentes a cada indivíduo.
Esta explicação sociológica do valor, no entanto, deve ser complementada pelo elemento histórico presente na constituição do mesmo, ao passo que o valor refere‐se a
força moral dominante em determinada sociedade  com o respectivo contexto histórico‐cultural. Segundo este entendimento tem‐se um grau de valoração para cada fato
social, podendo este ser normal ou não, dependendo do entendimento dominante na sociedade naquele momento histórico específico. O indivíduo, de maneira a
conservar‐se na sociedade, acaba tendo que “acatar” as orientações desta coletividade, ao ponto de ter frustrados os seus interesses quando contrários às “regras” de
convivência determinantes no seu meio social. Seria o valor um sinônimo da aspiração unificada de um determinado grupo social, definindo um ideal, não como uma
utopia, mas pelo contrário, refletindo apelos reais decorrentes da dinamicidade inerente à vida em sociedade.
Vale ressaltar a grande relevância que deve ser dada à questão referente à dinâmica social, visto que interfere diretamente na determinação de conceitos e valores
preponderantes em dado momento histórico, podendo alterar entendimentos, de sorte que fatos considerados normais em certa época passam a ser repudiados em
outra. Como ilustração desta evolução podemos citar a escravidão dos negros africanos pela aristocracia brasileira nos tempos do império, a qual era encarada como uma
atitude plenamente normal, sendo inclusive fator de engrandecimento social , visto que quanto maior o número de escravos que uma pessoa possuísse maior também
seria o status de poder perante seus pares. No entanto, a escravidão, com o passar dos tempos, passou a ser contrária aos ideais de liberdade e dignidade que hoje têm
a prerrogativa de direitos fundamentais.
Ao tratar deste conceito histórico de valor é interessante fazer alusão ao grande jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, defensor desta historicidade cultural do valor, como
pode ser visto a seguir:
“No plano da História, os valores possuem objetividade, porque, por mais que o homem atinja resultados e realize obras de ciência ou de arte, de bem e de beleza,
jamais tais obras chegarão a exaurir a possibilidade dos valores, que representam sempre uma abertura para novas determinações do gênio inventivo e criador. Trata‐se,
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porém, de uma objetividade relativa, sob o prisma ontológico, pois os valores não existem em si e de per si, mas em relação aos homens, com referência a um sujeito.
Não se entenda, porém, que os valores só valham por se referirem a dado sujeito empírico, posto como sua medida e razão de ser. Os valores não podem deixar de ser
referidos ao homem como sujeito universal de estimativa, mas não se reduzem às vivências preferenciais deste ou daquele indivíduo da espécie: — referem‐se ao homem
que se realiza na História, ao processas da experiência humana de que participamos todos, conscientes ou inconscientes de sua significação universal.” (REALE, 2002, p.
208)
Incontestável a importância das informações prestadas pelos psicólogos ao explicarem o valor, ressaltando o indivíduo como um ser único e independente que possui
desejos e interesses que lhe tendenciam para um determinado comportamento e valoração das coisas, demonstrando este valor através de um grau de preferibilidade,
fazendo suas escolhas de acordo com o nível de satisfação que pode ser atingido. Alvaro Tamayo, neste sentido, aduz:
“Os valores implicam necessariamente uma preferência, uma distinção entre o importante e o secundário, entre o que tem valor e o que não tem. Assim, a essência
mesma dos valores parece ser permitir a sua hierarquização. A organização hierárquica de valores pressupõe que o indivíduo não se relacione com o mundo físico e social
como um observador que assiste a um espetáculo, mas com um ator que participa, que toma partido, que se envolve nele”. (2007,online).
Porém esta avaliação psicológica expõe apenas o aspecto singular da valoração, deixando de lado as questões referentes aos desejos e interesses da coletividade, a forma
que as orientações do grupo se impõem ao indivíduo e o porquê da aceitação deste em seguir esta orientação.
De maneira a responder algumas dessas  questões apresenta‐se a sociologia, a qual expõe o valor como um ideal proposto pela sociedade e que tem poder de impor‐se
contra os interesses individuais dos seus integrantes, utilizando como fundamento algo semelhante à idéia de bem comum.
Contudo, estes conceitos, embora necessários para a compreensão do que é o valor, não conseguem encerrar a discussão, e vêm a ser complementados pela teoria
histórico‐cultural dos valores, visto que somente a partir dela é que se aceita a influência determinante do contexto histórico‐cultural para a definição das aspirações e
desejos de um grupo social. Sendo o homem um agente em constante evolução e que tem como necessidade vital básica a interação com os outros membros de seu
grupo, é inconcebível a idéia de que seus valores sejam estáticos.
Dessa forma, conclui‐se que o valor pode ser definido como a orientação dada pela sociedade em um momento histórico‐cultural específico determinando a atuação do
homem médio no seu convívio com os demais, obrigando‐o a agir dessa forma mesmo que contrária ao seu desejo e interesse individual, sobrepondo‐se a este, visando
atender o interesse da coletividade.
2.1. A pedofilia e sua valoração: o bem jurídico envolvido
Para que se possa analisar a pedofilia e sua valoração partir‐se‐á, primeiramente, para a discussão referente ao bem jurídico, especialmente o bem jurídico penal,
verificando, em seguida, qual o bem que é afetado quando ocorre o abuso sexual dos menores.
Existem coisas que em decorrência do convívio social   acabam por ter valores elevados, tendo em vista o potencial para satisfazer as necessidades, desejos e aspirações
dos integrantes de determinado meio, tomando para si a situação de bem, e quando esta situação passa a ser tutelada pelo direito, passa à condição de bem jurídico.
A filosofia empresta o conceito de bem em seu sentido amplo ao dizer que:
“(...) bem é a palavra tradicional para indicar o que, na linguagem moderna, se chama valor. Um bem é um livro, um cavalo, um alimento, qualquer coisa que se possa
vender ou comprar; um bem também é beleza, dignidade ou virtude humana, bem como a ação virtuosa, um comportamento aprovável. (...) A palavra pode ainda num
significado mais específico, num recorte, se referir à moralidade, isto é, dos mores, da conduta, dos comportamentos humanos intersubjetivos, designando,assim, o valor
específico de tais comportamentos.” (Abbagnano, 1998, p. 107)
Dentre as variadas orientações históricas que se propuseram a explicar a gênese do bem jurídico devemos dar especial enfoque a duas tendências: os
transcendentalistas, que numa corrente jus naturalista apresentam o bem jurídico como uma criação da própria natureza das coisas, presente na vida  social e cultural
dos indivíduos; e os imanentistas, os quais alegam que o bem jurídico está dentro sistema jurídico, na própria norma jurídica, inexistindo antes desta (BUSATO, 2003, p.
54).
No início do século XIX, segundo Juarez Tavares (2002, p. 182), é que vêm a tona os primeiros conceitos de bem jurídico. Birnbaum foi o primeiro a ser contrário às teses
de que o Direito penal defendia somente direitos. Segundo ele o delito não era uma lesão ao direito, como pretendiam os defensores do contrato social, mas sim uma
ofensa a um bem que o Estado tinha o dever de proteger, visto que o direito em si não pode ser objeto de ataque do delinqüente, mas sim o bem que é defendido por
este direito, ou seja, o bem que se originou e desenvolveu  na constante interação social humana e que passou a ser necessariamente tutelado pela ordem jurídica, mas
que não se confunde com esta, pois existia antes dela.
De acordo com Tavares ( 2002, p.187), Binding ao tratar do assunto, através de uma ótica positivista, apresentou o bem jurídico limitando‐o ao Estado e ao Direito. Neste
sentido o bem jurídico, em vez de ser reconhecido pela norma, é criado por ela. O Estado passa a dar valor legal a algo e o incluí no rol dos bens jurídicos. Nesta análise
o bem jurídico é pendente da apreciação legislativa, sem a qual é apenas um bem.
Von Liszt, seguindo a teoria transcendentalista, indo de acordo com o raciocínio de Birnbaum caracterizou o bem jurídico pela sua presença pretérita ao Direito,
afirmando que este serve de instrumento protetivo àquele (BUSATO, 2003, p. 55).
As maiores críticas encontradas em torno das teorias expostas acima, conforme Zafaroni (2004, p. 437), residiam na incapacidade que elas possuíam em limitar o ius
puniendi do Estado. A corrente positivista apresentava uma dependência do Estado perante o legislador, visto que somente após a valoração legislativa é que o bem
poderia ser caracterizado como jurídico e capaz de ser tutelado penalmente. Já a corrente transcendentalista, devido a sua amplitude, acabava por não dar vetores
precisos para que se pudesse analisar quais os bens jurídicos passíveis de serem defendidos pelo Direito penal.
Ainda, de acordo com o autor, a sociologia ao explicar o bem jurídico enfatiza que para ele ser considerado como tal precisa, antes de qualquer coisa, ser um bem no seu
sentido amplo, ou seja, precisam ser algo valioso para um indivíduo ou comunidade. Nesta linha podemos citar Roxin e Jescheck.
Dentre as explicações sociológicas do bem jurídico devemos comentar o funcionalismo sistêmico que classifica como objeto de tutela legal tudo aquilo que serve para a
manutenção do sistema social. Essa corrente trouxe consigo a idéia da disfuncionalidade sistêmica, na qual o comportamento que fosse diferente dessa sistematização
deveria ser vedado pela sanção penal. Foi encarada com certo receio, tendo em vista seu caráter reducionista do bem jurídico ao encará‐lo como mero instrumento de
perpetuação do sistema social (ZAFARONI, 2004, p. 438).
Ao interpretar a teoria do funcionalismo sistêmico Zafaroni enfatiza a diferença existente entre o “bem jurídico lesionado ou afetado” e o “bem jurídico tutelado”,
informando que somente o primeiro é passível de proteção pelo direito penal, pois é inviável a proteção deste último, tendo em vista a necessidade de agressão ao bem
jurídico para que exista uma sanção penal. Afirmando, dessa forma, que o Direito penal como meio protetivo do bem jurídico só pode exercer sua função depois de
ocorrida a lesão ou perigo a esse bem. Contudo, essa intervenção penal só seria cabível se o bem jurídico atingido esteja dentre aqueles com uma função essencial para
o desenvolvimento do sistema.
Ainda na busca do conceito de bem jurídico encontramos a divisão entre a teoria monista e a dualista de bem jurídico. Os primeiros concebem o bem jurídico como um
único elemento, englobando tanto os interesses individuais quanto os da coletividade. Já os dualistas dividem em bem jurídico individual e coletivo, apresentando entre
características bem diferenciadas.
Dentre os defensores da teoria monista apresenta‐se uma divisão: a teoria monista coletiva que  defende a existência de bem jurídico individual somente se este bem
estiver no interior de um interesse maior para a coletividade, prevalecendo, dessa maneira, o coletivo sobre o individual; e a teoria monista personalista, que por seu
turno, identifica o bem jurídico coletivo somente quando este serve para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, preponderando este interesse personalíssimo em
relação à coletividade (Zafaroni, 2004, p. 439).
Esta última teoria se apresenta como a mais adequada, tendo em vista estar em maior consonância com o Estado Democrático de Direitos, onde deve ser dada prioridade
aos interesses individuais, de maneira a não corrermos o risco de, na defesa de interesses coletivos, ofendermos direitos fundamentais do ser humano. Neste sentido é
que Zaffaroni (2004, p. 439) apresenta o seu conceito de bem jurídico penal, enfatizando a disponibilidade deste bem, a qual só pode ser considerada dentro de uma
teoria monista personalista. Segundo o jurista “bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado,
que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”
2.1.1.   A liberdade sexual do menor
A sexualidade humana constitui porção pertencente ao desenvolvimento da personalidade e se expressa mediante manifestações biológicas, psicológicas e sociais que
evoluem de acordo com o grupo social a que pertence o indivíduo.
A sexualidade está presente em todo o ciclo vital humano e se caracteriza por um fenômeno permanente, sui‐generis e variável que começa com o nascimento e termina
com morte, expressando‐se diferenciadamente de acordo com as diferentes etapas do desenvolvimento humano em cada sociedade, em cada cultura e em cada pessoa.
Precisamente na etapa infantil, objeto de estudo neste momento, a sexualidade se caracteriza pela auto‐exploração, o descobrimento do próprio corpo e a construção da
identidade sexual. Se durante este período vital se introduz os menores em práticas e atividades sexuais não adequadas para sua idade, gera‐se uma agressão na
evolução saudável de sua sexualidade, provocando seqüelas afetivas e cognitivas de repercussões incalculáveis para o desenvolvimento futuro.
Essa violência contra a identidade sexual e de nefastas conseqüências para as crianças é cometida, em muitos casos, como visto no primeiro capítulo, por indivíduos
adultos com determinadas características e inclinações sexuais anormais, conhecidos comumente como pedófilos e que sem qualquer sensibilidade quanto à condição
assimétrica  na qual o menor se encontra atuam considerando‐o apenas como um objeto de satisfação para seus desejos.
Deve‐se verificar que a liberdade sexual como bem jurídico penalmente tutelado tem como característica principal a possibilidade de determinar com quem se deseja
ter a relação sexual. Outrossim, pode‐se dizer que essa característica tem como elemento nuclear a vontade, ou seja, é necessário que as pessoas envolvidas na relação
tenham interesse que o ato se consume. No entanto, nem toda a vontade pode ser considerada válida, pois quando em uma das extremidades da relação sexual está
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inserida uma criança ou adolescente impõe‐se que o seu consentimento seja avaliado.
Tendo em vista a situação especial da criança e do adolescente no meio social, devido a seu estado de ser‐humano em desenvolvimento, o legislador pátrio abordou a
questão do consentimento nas relações de abuso sexual considerando presumida a violência quando este ocorrer contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos. Quanto a
esta idade de consentimento existem algumas divergências. De maneira que alguns doutrinadores entendem ser o mais adequado que a presunção fosse considerada
somente quando a vítima estivesse na faixa etária de 0 (zero) a 12 (doze) anos, que segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde ao período que o ser‐
humano pode ser considerado criança.
Além de defender os 12 (doze) anos como idade de consentimento, Ricardo Breier (2007, p.103) tece outras críticas à forma de tratamento brasileira ao tema da
liberdade sexual  e a presunção de violência dizendo:
“Com a análise dos parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais referente à matéria sobre liberdade sexual, constata‐se que tais posições não são unânimes no
Brasil. Há necessidade de uma descrição típica taxativa que determine o limite para a lesão à liberdade sexual, diversa de uma mera presunção, o que irá limitar a
interpretação do julgador.”
Porém, não é concebível o entendimento de que apenas a liberdade sexual seja objeto de tutela quando ocorre o abuso sexual contra uma criança ou adolescente, visto
que não é somente o consentimento do menor que é violado, ou ludibriado. Sua visão de mundo é alterada. Além disso, quando são divulgadas imagens e vídeos destes
atos o menor passa a ter também a sua imagem afetada.
Neste sentido, Breier (2007, p. 102) relata o posicionamento da doutrina portuguesa:
“Entendem alguns autores que o bem jurídico a ser tutelado, nos casos de abusos sexuais de crianças, não é somente a liberdade sexual ou o critério de auto‐
determinação da vítima, mas igualmente o livre desenvolvimento da personalidade sexual da criança.”
Como se nota existe uma complexidade de bens jurídicos a serem tutelados quando o assunto é a pedofilia. Não basta que o legislador brasileiro vise proteger o menor
considerando apenas a liberdade sexual, visto que dessa forma estará restringindo a possibilidade de proteger o menor de acordo com suas peculiaridades.
2.1.2.   As conseqüências das práticas pedófilas para o menor
O tamanho da gravidade das seqüelas que a criança abusada sexualmente pode apresentar  depende de vários fatores, dentre os quais se encontram: o tipo de agressão,
a severidade da violência ou coação usada, o grau da relação com o agressor, o desenvolvimento da personalidade do infante, a reiteração ou não do abuso, o apoio
familiar , etc. Os efeitos nefastos podem ser de vários  tipos e em função disso adquirem diversas classificações, por exemplo: existem autores que dividem as seqüelas
do abuso sexual em: seqüelas físicas e seqüelas psicológicas. Outros partem do critério da duração das conseqüências, fracionando as seqüelas em seqüelas de longo
prazo e seqüelas de curto prazo.
No plano físico apresentam‐se as dores corporais próprias das lesões geradas no decorrer do abuso sexual violento ao menor, a possível transmissão de enfermidades
venéreas, a possibilidade de aquisição de AIDS, etc.
Os efeitos psicológicos por seu turno,embora não sejam visíveis, pertencem ao grupo dos mais duradouros. Os transtornos mantais se manifestam nos planos emocional,
cognitivo e comportamental. Sem fazer distinção entre estes planos podemos enumerar, por exemplo, os estados ansiosos e depressivos, o desenvolvimento de fobias
associadas a determinados estímulos decorrentes de lembranças do abuso sofrido, problemas de auto‐confiança, sentimentos de insegurança, etc. No plano
comportamental manifestam ações geralmente  agressivas, problemas de relacionamento, condutas sexuais promiscuas, etc.
Definitivamente, o abuso sexual gera nas crianças um dano profundo na auto‐estima; as vítimas aumentam sua dor e tragédia percebendo‐se a si mesmas como seres
estigmatizados. Não é segredo nenhum que a ação dos abusadores sexuais comprometem gravemente o desenvolvimento do menor e afrontam os direitos fundamentais
deles como seres humanos.
O desenvolvimento do menor é profundamente abalado, sua personalidade é direcionada para um conhecimento distorcido do mundo. Cezar Bitencourt (2007, p. 898)
explica muito bem o quão importante é a adequada formação da personalidade e como ela pode ser afetada:
“Há várias formas de se perverter a boa formação dos jovens, desde o aliciamento para a vida sexual precoce até o cometimento de crimes. Lembremos, pois
fundamental, que a formação da personalidade ocorre, de forma decisiva e concentrada, durante a adolescência. Personalidade [...] constitui o papel que
desempenhamos em sociedade, formando o conjunto dos caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. A personalidade é a síntese do “eu”,
compondo o núcleo inconfundível de cada indivíduo. A ela devem‐se os valores e a particular visão do mundo de cada um. Revela a individualidade humana, com as
escolhas e preferências dadas a determinado caminho ou a certo modo de agir.”
Diante do exposto, faz‐se necessária a devida coerção penal para os agentes pedófilos, com vistas a não permitir que a criança ou adolescente sofra o abuso e tenha o seu
desenvolvimento prejudicado. Porém, deve‐se analisar todo os bens jurídicos envolvidos neste abuso para que a penalização seja adequada e proporcional às suas
conseqüências.
3. Da norma
3.1. A norma jurídica conforme a teoria tridimensional
O grande jusfilósofo Miguel Reale quando faz sua reflexão sobre o Direito partiu da concepção de que o homem é um ser social e histórico, e que se move dentro de uma
realidade específica que é a cultura, da qual resulta sua experiência social, que tem diferentes variáveis, uma das quais é a experiência jurídica. Esta experiência
jurídica é bilateral, porque compromete a duas ou mais pessoas simultaneamente, estabelecendo mutuas obrigações para as partes, algumas das quais são de ordem
pública, ou seja, impostas pelo Estado. Estas obrigações bilaterais que constituem o cerne da experiência jurídica do homem se movem dentro de um universo essencial
que tem três elementos primordiais: fato, valor e norma. É fato porque o homem faz parte de uma realidade social, relações e objetos; valor, uma vez que o axiológico é
uma dimensão humana específica que o projeta ao valioso, ao justo; norma, porque estas relações estão reguladas por regras, emanadas do Estado com caráter
imperativo‐atributivo.
Para o doutrinador, só esta tríplice dimensão do fato, valor e norma constitui um verdadeiro complexo fático‐axiológico‐normativo, que identifica uma realidade única e
indissolúvel e que é o mundo próprio do Direito.
Grande relevância desta teoria de Reale está no aspecto lógico da relação entre os três elementos distintos, pois se acham em uma estreita e inseparável relação, que
se caracteriza pela polaridade e a implicação, isto é, estão unidos dialeticamente, como uma unidade dentro de um processo dialético. A norma deixa de ser um juízo
puramente lógico, e passa a ser um estudo da integração entre o fático e o axiológico.
A novidade na proposta de Reale está na afirmação de que estes elementos sempre foram compreendidos separadamente. Eram considerados como elementos isolados
ou puramente justapostos. O aporte de Reale é pretender unir‐los e integrá‐los numa relação dialética, baseada no princípio lógico de implicação e polaridade,
observando‐os num desenvolvimento dinâmico, dialético, um verdadeiro processo, em constante transformação, no qual nenhum elemento pode ser observado de forma
isolada. Para Reale, conhecer o Direito em toda a sua riqueza supõe necessariamente ver esta relação estreitamente unida, porque em caso contrário deparar‐se‐á na
unilateralidade e reducionismo.
Neste sentido Reale ensina:
“A norma jurídica não é apenas algo do homem, mas algo para o homem, a quem trata de dirigir e controlar. Por isso é um produto cultural que encerra
em si uma “teleologicidade”, pois sem a atenção às teleologias concretas da sociedade existe o perigo de reduzir a norma a uma simples estrutura lógica. A norma não é,
assim, um “objeto ideal”, mas uma realidade cultural, inseparável das circunstâncias de fato e do complexo de estimativas que condicionam o seu surgir, seu
desenvolvimento, sua vigência e sua eficácia”(1999, p.61)
Seguindo este raciocínio, Maria Helena Diniz preceitua:
“A vida em sociedade exige o estabelecimento de normas jurídicas que regulem os atos de seus componentes; são os mandamentos dirigidos à liberdade humana no
sentido de restringi‐la em prol da coletividade, pois esta liberdade não pode ser onímoda, o que levaria ao caos. As normas de direito visam delimitar a atividade
humana, preestabelecendo, para vantagem de todos, os marcos das exigibilidades recíprocas, garantindo a paz e a ordem da sociedade.” (2004, p. 337)
Diniz observa, ainda, duas características essenciais à norma jurídica,as quais, segundo a autora, podem ser verificadas como elementos primordiais para a conceituação
da norma jurídica: a imperatividade e o autorizamento.  A imperatividade, porque tem o poder de impor um determinado comportamento, e o autorizamento que
consiste na possibilidade do lesado exigir o cumprimento do comportamento não efetuado ou a reparação pelo mal causado. Segundo a autora “o elemento 'imperativo'
revela seu gênero próximo, incluindo‐a no grupo das normas éticas que regem a conduta humana, diferenciando‐as das leis‐físico‐naturais, e o 'autorizante' indica sua
diferença específica, distinguindo‐a das demais normas, pois só a jurídica tem esse caráter.”
3.2. Fontes da norma jurídica: as origens do direito
As fontes do Direito são os fatos, atos, doutrinas ou ideologias que agem de forma determinante para a criação, modificação ou sustentação do Direito, tanto pela
perspectiva histórica quanto pelos mecanismos necessários para a produção de novas disposições jurídicas que se ajustem às necessidades do povo ao qual as normas são
destinadas.
O cientistas jurídicos ao estudarem essas fontes classificam‐nas de acordo com a perspectiva em que são analisadas, separando‐as, em conseqüência desta diferença de
ótica, em fontes formais e fontes materiais.
Neste sentido o que se pretende afirmar é que se a análise das fontes for efetuada em momento anterior à regra jurídica, ter‐se‐á por fontes a série de elementos que
conduz para a criação da regra jurídica e aí estar‐se‐á tratando de fonte material. Porém, quando o estudo que se faz ocorre num momento seguinte a criação da regra,
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ter‐se‐á como fonte aquelas determinações de conduta exteriorizadas pela.
Tendo em vista o tema abordado no presente trabalho, as fontes de maior interesse para o estudo dizem respeito ao direito penal e é com este propósito que será
efetuada a pesquisa quanto aos dois tipos de fontes jurídicas.
3.2.1.   Fontes materiais
Dentre os poderes do Estado está a faculdade de estabelecer quais são as atitudes a serem concebidas como reprováveis e reconhecidas como delitivas. Dessa forma,
somente ele Estado pode ser fonte de de criação para o Direito Penal
Conforme preceitua Julio Fabbrini Mirabete:
“A única fonte de produção do Direito Penal é o Estado. [...] O Estado todavia, não pode legislar arbitrariamente, pois encontra seu fundamento na moral vigente, na vida
social, no progresso e nos imperativos da civilização. Assim, como fonte remota e originária da norma jurídica está a 'consciência do povo em dado momento do seu
desenvolvimento histórico, consciência onde  se fazem sentir as necessidades sociais e as aspirações da cultura, da qual uma das expressões é o fenômeno
jurídico'.”(2004, p. 45‐46)
Observa‐se, assim, que mesmo o Estado sendo o detentor do poder de punir, ele não deve nunca ser relapso aos acontecimentos que permeiam o cotidiano do povo, visto
que é este último que fundamenta e legitima o seu poder.
3.2.2.   Fontes formais
As fontes formais são a exteriorização da norma jurídica. É através delas que a regra toma forma, revelando o seu conteúdo. Essas fontes podem ser divididas em diretas
(imediatas) e indiretas (mediatas ou subsidiárias)
 A fonte direta do Direito Penal brasileiro é exclusivamente a lei, tendo em vista o princípio da reserva legal constitucional. Esta lei contudo deve ser entendida sob um
enfoque amplo, o qual engloba todos os instrumentos que originários do Estado visam a prescrição e regulamentação da sanção penal.
Como fontes indiretas ou subsidiárias tem‐se os costumes e os princípios gerais do direito.
Os costumes podem ser entendidos coma a reiteração constante e uniforme de uma norma de conduta executada de modo geral, na qual está compreendida um caráter
obrigacional. Um costume não cria ou extingue qualquer crime, porém pode ser influente o suficiente para que o legislador crie novas normas penais, bem como
identifique situações na qual a lei penal deixou atingir adequadamente o seu fim.
Os princípios gerais do direito não são normas jurídicas sob as quais se possa submeter situações concretas, mas são linhas e diretrizes decorrentes da legislação e do
sistema jurídico como um todo. Esses princípios influenciam o direito penal e o auxiliam no preenchimento de lacunas ou omissões da lei.
Vale aqui dizer que a eqüidade como fonte ética para a aplicação da norma não pode ser considerada dentre as fontes do direito penal, sendo apenas meio de
interpretação das leis penais. Sob este mesmo aspecto deve ser entendidos a analogia, a doutrina e a jurisprudência.
3.3. As normas de proteção ao menor
As crianças e adolescentes, assim como outras categorias de pessoas com fragilidade perante o ordenamento jurídico, vêm obtendo grandes vitórias na busca pela
preservação dos seus direitos fundamentais nas últimas décadas. Uma mistura de pressão social e conscientização legislativa tem possibilitado a criação de leis a muito
solicitadas pelos defensores dos menores. No entanto, o caminho para que todos esses direitos sejam respeitados continua sendo traçado e os representantes do povo
devem estar atentos para a realidade que cerca o adolescente e a criança.
3.3.1. A Convenção sobre os Direitos da Criança
Marco histórico do Direito Internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança trouxe para o contexto jurídico mundial a idéia da proteção integral ao menor.
Promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em setembro do ano seguinte, esta Convenção veio a assegurar uma
série de diretrizes para que fosse dado o devido valor às crianças e adolescentes de todos os lugares. De maneira a propiciar‐lhes condições dignas de desenvolvimento
sob todos os seus aspectos. Sendo este seu grande avanço: o reconhecimento da criança como um sujeito de direitos.
No que se refere ao tema da pedofilia esta convenção seguindo a linha da proteção integral “determinou” no seu artigo 19 o tratamento a ser seguido pelos seus
signatários quando o assunto fosse a violência contra o menor:
“1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de
violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do
representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.
2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma
assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a
uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção
judiciária.”
Essa orientação se apresenta como uma resposta ao aumento progressivo das ações violentas contra o menor, de modo a indicar o rumo que deve ser seguido para que as
ações tomadas se tornem mais eficazes na tutela dos direitos fundamentais do ser humano em seus primeiros anos de vida, momento em que sua dependência em
relação aos órgãos governamentais é inqüestionável.
É a partir desta Convenção e sua recepção maciça pelos países envolvidos que ocorreu a mudança globalizada na consciência jurídica em torno dos direitos do menor,
colocando‐o como um sujeito de direitos que em decorrência de sua hipossuficiência necessita de medidas protetivas que não permitam que seu desenvolvimento sofra
qualquer tipo de restrição.
3.3.2.   A Constituição Federal de 1988
Um ano antes da realização da assembléia geral que deu origem à Convenção sobre os Direitos da Criança a Carta Magna brasileira estava envolvida por grandes avanços
jurídicos com relação aos direitos fundamentais, trazendo consigo o novo conceito da criança como sujeito de direito, e muito mais que isso, colocando‐a como sujeito
preferencial de direitos, demonstrando a especialidade característica do menor. O artigo 227 em seu caput revela essa preferência ao determinar que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá‐los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Tamanha a importância dada pela Carta que além de garantir a prioridade de proteção aos menores, incumbiu a todos – família, sociedade e Estado – o dever de garantir
à criança o usufruto de seus direitos.
No decorrer do dispositivo citado são indicadas diversas formas de atuação com vistas a concretizar a proteção prevista no caput, no entanto, de maior relevância para o
tema que é discutido no presente estudo tem‐se o §4º do referido artigo com a ordem enérgica de que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração
sexual da criança e do adolescente”.
Deve‐se ressaltar que a veemente determinação do parágrafo 4º pelo seu caráter genérico deixou a cargo da legislação infraconstitucional o dever de prescrever a
maneira que a punição ordenada pelo texto constitucional deve ser efetuada de maneira satisfatória. Tarefa esta que ficou nas mãos do legislador pátrio e que nem
sempre alcança os objetivos pretendidos pelo constituinte.
No entanto, pela falta desta lei, não se deve nunca deixar de exercer a proteção ao menor e punir os agressores. Como muito bem orienta o grandioso Rui Barbosa (1933,
apud PIOVESAN, 2003, online):
“Não há, numa Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, , ditadas
pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. Cabe, pois, ao legislador, disciplinar a matéria.”
Neste sentido, não se pode conceber que a dificuldade do legislador em prescrever uma norma que regule de um modo aceitável a defesa dos direitos das crianças e
adolescentes seja empecilho para a obtenção deste fim.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 foi uma evolução político‐jurídica de grande valia que permitiu, através desse amadurecimento e em conjunto com a Convenção
sobre os Direitos da Criança, a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente em julho de 1990, o grande marco histórico no amparo jurídico nacional aos menores.
3.3.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90)
Como reflexo da Constituição Cidadã e da Convenção sobre os Direitos da Criança o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA traz em seu bojo a doutrina da proteção
integral ao menor, considerando este não mais como objeto de direito como fazia o Código de Menores de 79 – que tinha como orientação a doutrina da situação irregular
– e sim como um sujeito de direitos, adequando‐se dessa forma ao proposto pela Carta Magna.
Dessa forma:
“A Lei estabelece a proteção integral às crianças e adolescentes brasileiros, regulamentando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. A grande mudança de enfoque
é que, anteriormente, no Código de Menores, vigorava a doutrina da situação irregular, pela qual o menino de rua, a menina explorada sexualmente, a criança
25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico
http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 8/11
trabalhando no lixão, o adolescente infrator, o menino vítima de agressões e tortura, entre outras situações, estavam em situação irregular e deveriam ser "objeto" de
intervenção dos adultos e do Estado, já que não eram considerados "sujeitos de direitos". Com o ECA, nessas situações acima descritas, quem está irregular é a família, o
Estado e toda a sociedade que não garantiram a proteção integral às crianças e aos adolescentes, colocando‐ os a salvo de qualquer violação de seus direitos
fundamentais.” (ALVES, 2008, online).
O que se buscou com o ECA foi a criação de um diploma legal que conseguisse englobar todos os objetivos da Convenção sobre os Direitos da Criança, o que até certo
ponto foi alcançado, tanto é assim que muitos dos países signatários mais tarde utilizaram o estatuto brasileiro como modelo para que pudessem adaptar suas legislações.
No entanto, as constantes mudanças nas ações criminosas, as variações nas formas de vitimização da criança e do adolescente, são fatores que colaboram para o
surgimento de lacunas a serem preenchidas pelo legislador.
Atualmente a proteção frente aos abusos sexuais contra menores prevista no ECA é a que consta nos artigos 240 e 241:
“Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando‐se de criança ou
adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória:
Pena ‐ reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente.
§ 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos
I ‐ se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função;
II ‐ se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial.
Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet,
fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente:
Pena ‐ reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I ‐ agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo;
II ‐ assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo;
III ‐ assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo.
§ 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos
I ‐ se o agente comete o crime prevalecendo‐se do exercício de cargo ou função;
II ‐ se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial.”
Como se nota, os artigos estão destinados ao combate à pornografia infantil, deixando para o Código Penal o combate à violência sexual decorrente de outros atos que não
a pornografia. Neste momento surge a primeira falha do Estatuto. Pois embora o Código Penal consiga abarcar muitas das atuações pedófilas, não possuí no seu conteúdo a
realidade do bem jurídico tutelado quando se trata de uma criança ou adolescente, visto que o único instrumento que ameniza esta diferença consta na presunção de
violência quando a vítima do crime é menor de 14 anos (artigo 224 do CP).
O Código Penal serve, na realidade, como um manual de analogias quando se trata de pedofilia, visto que esta não possui um tipo penal específico. O que ocorre é a
utilização dos artigos 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor) de modo analógico para definir condutas relacionadas à pedofilia e a qualificação destas condutas
em decorrência da presunção de violência.
Vale lembrar que esses crimes aos quais a pedofilia é relacionada constam no rol dos crimes hediondos, em conformidade com a lei 8.072/90. Desta forma o pedófilo que
for indiciado por esse crime responderá por ele sem direito a fiança e se condenado deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, dentre outras restrições.
Esse entendimento quanto à forma presumida também ser considerada como crime hediondo é recente, tendo em vista que o entendimento doutrinário era majoritário
em sentido contrário e somente com a decisão do STF é que foi concebido dessa maneira (HC 8728).
Contrário à presunção de violência, mas indo de acordo com a necessidade de proteção ao menor, Celso Delmanto (1998, p. 409) diz que:
“[...] embora inadmissível a presunção de violência, não pode o Direito Penal deixar de proteger os menores de 14 anos. É por isso que o legislador deveria, com a
máxima urgência, reformular não só este art. 224, mas todos os crimes sexuais previstos no CP, para adequar a antiga Parte Especial ao moderno Direito Penal[...]”
Outra situação na qual o ECA foi omisso deixando a responsabilidade de punir por conta do Código Penal e que também está ligada à pedofilia é a relativa à prostituição
infantil e o tráfico de menores com fins sexuais. Estes atos acabam tendo que ser combatidos por meio dos artigos previstos no capítulo V que diz respeito ao lenocínio e
o tráfico de pessoas.
Cabe neste momento fazer uma ressalva quanto ao tráfico de pessoas, pois quando este ocorrer com vistas apenas de lucro deve‐se aplicar o artigo 239 do Estatuto da
Criança e do Adolescente e somente quando a intenção for para fins de prostituição que deve ser utilizada a previsão do Código Penal. O referido artigo do ECA assim
determina:
“Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito
de obter lucro [...]”
Já quando a pretensão do traficante de menores for a utilização da criança ou adolescente como objeto de satisfação sexual por meio da prostituição os artigos a serem
utilizados passam a ser o 231 e o 231‐A do Código Penal, com a possibilidade, inclusive, da aplicação da qualificadora da violência presumida:
“Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê‐la no
estrangeiro (...)
Art. 231‐A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha
exercer a prostituição (...)”
Suprida essa questão da utilização da legislação penal de forma supletiva ao estatuto da criança e do adolescente surge uma questão de maior gravidade: a inexistência
em qualquer dos dois diplomas legais de uma previsão que reprove o sujeito que armazena o material pornográfico: o consumidor da pornografia pedófila.
A gravidade com a qual se adjetiva esta situação é conseqüência da propagação em alta escala da pornografia infantil através de redes pedófilas, as quais estão cada vez
mais organizadas e violentando um número gigantesco de crianças e adolescentes por todo o mundo, sendo o Brasil um grande colaborador para esses abusadores.
Pois bem, se essa rede só aumenta e os sites que oferecem materiais pornográficos infantis adquirem a todo o momento mais usuários é porque existem muitas pessoas
que financiam estes criminosos. De maneira que são agentes desse crime, da mesma forma que os consumidores de drogas são para os traficantes de entorpecentes, ou
como o receptor de crime de furto é para o ladrão.
Como não existe diferença na relação criminoso‐consumidor nos exemplos citados não cabe a diferenciação de tratamento quando se falar em pornografia infantil. O
motivo de que os receptores de objetos furtados são penalizados por serem fomentadores do crime em si também se aplica ao caso das pessoas que adquirem material
pornográfico de crianças com o simples fim de armazenamento. Quando um indivíduo toma pra si uma foto originária de ações em que a criança é abusada ele também
está exercendo esse abuso.
Quando um negócio dá lucro, muitos serão os interessados em investir nesse negócio. Se a pessoa, por qualquer motivo, faz‐se consumidora destes sites de pornografia
infantil está aumentando a demanda deste comércio e fazendo crescer os “investidores” do mesmo. Enquadra‐se na mesma situação do mandante num crime de
homicídio, pois dá o motivo para que o abuso e a violência sexual contra a criança se efetivem.
3.3.4.   A proposta legislativa brasileira
Com vistas a se adequar aos avanços tecnológicos o legislador brasileiro tem apresentado alguns projetos de lei com a pretensão de superar as lacunas que são
ocasionadas pelo constante surgimento de variadas formas de atuação pedófila. Principalmente no que diz respeito aos crimes e abusos efetuados através da internet.
No dia 10 de Julho do corrente ano foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de maior vulto em relação à pornografia infantil. O projeto visa uma repreensão mais
adequada para as diversas formas de atuação pedófila.
Decorrente de uma vasta investigação por parte da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) comandada pelo senador Magno Malta e sob o nº. 250/2008 a referida
proposta legislativa traz em seu conteúdo diversos dispositivos que tendem a completar as lacunas que o ECA deixou quando tratou dos crimes sexuais contra os
menores.
A primeira das mudanças apresentadas é o aumento da pena prevista hoje no artigo 240 do Estatuto passando o seu mínimo de 2 (dois) para 4 (quatro) anos e o máximo de
6 (seis) para 8 (oito) anos, permanecendo a previsão de multa. Além disso, a alteração amplia o rol de atividades a serem coibidas, estendendo a punibilidade a quem
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DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA
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  • 1. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 1/11 ECA   A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira Willian Thiago de Souza Rodrigues Resumo: A pedofilia pode ser identificada através do seu conceito clínico, identificando o pedófilo como uma pessoa doente e que precisa de acompanhamento médico. Por outro lado, no sentido mais usual, a referida nomenclatura tem se aplicado para todos os casos que envolvem a relação sexual, direta ou não, entre um adulto e uma criança. As formas de ação do agente pedófilo sob este aspecto são muito flexíveis, podendo ser desde a simples interação por meio de salas de conversação em sites na internet até à relação forçada pela violência física, a qual muitas vezes resulta na morte da vítima. Tendo em vista que as vítimas nesses crimes são crianças e adolescentes, e os mesmos, na maior parte das vezes, não possuem capacidade de reagir aos atos dos abusadores, passaram a existir fortes movimentos no sentido de fortalecer a proteção ao menor. A Convenção sobre os Direitos da Criança veio, então, como um acordo entre nações, de suma importância, com vistas à proteção deste seres‐humanos em desenvolvimento. Traçou uma linha de ação que proporcionou a criação, em nível de Brasil, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco histórico na legislação nacional em termos de proteção ao menor. Contudo, por maiores que sejam os avanços legais, muitas vezes não são suficientes para que acompanhem adequadamente as ações criminosas. Neste ínterim, surge o projeto de lei 250/2008 de iniciativa da CPI da pedofilia. A referida proposta legislativa visa a cobrir as lacunas deixadas pelo ECA na proteção do menor abusado sexualmente. Apresenta‐se arraigada de grandes expectativas por parte da sociedade, resta saber até que ponto será eficaz. [i] Palavras‐chave: Pedofilia. Estatuto da Criança e do Adolescente. Convenção sobre os Direitos da Criança. Fato social.  Valor. Norma. Sumário: Introdução; 1. Do fato social; 1.1.  As parafilias; 1.2. Origens históricas da pedofilia; 1.3. A pedofilia como fato social; 1.3.1. Considerações gerais; 1.3.2. O pedófilo e o abuso sexual; 1.3.3. A pedofilia através do comércio sexual menores; 1.3.3.1. Prostituição Infantil; 1.3.3.2. Pornografia Infantil; 1.3.3.3. Tráfico de menores; 1.3.3.4. Turismo sexual; 1.3.4. Ações pedófilas na internet; 1.3.4.1. Redes de confraternização pedófila; 1.3.4.2. A pornografia infantil na internet; 1.3.4.3. O intercâmbio on‐line: caminho para a relação pedófila; 2. Do valor; 2.1. A pedofilia e sua valoração: o bem jurídico envolvido; 2.1.1. A liberdade sexual do menor; 2.1.2. As conseqüências das práticas pedófilas para o menor; 3. Da norma; 3.1. A norma jurídica conforme a teoria tridimensional; 3.2. Fontes da norma jurídica: as origens do direito; 3.2.1. Fontes materiais; 3.2.2. Fontes formais; 3.3. As normas de proteção ao menor; 3.3.1. A convenção sobre os direitos da criança; 3.3.2. A Constituição Federal de 1988; 3.3.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90); 3.3.4. A proposta legislativa brasileira; 4. As questões em debate no mundo; 4.1. Estados Unidos; 4.2. França; 4.3. Inglaterra; Conclusão; Referências; Anexo A – Redação final do projeto de Lei 250/2008 Introdução A cada dia que passa a população é assolada por um enorme número de notícias comunicando a ocorrência dos mais variados tipos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes. Como se não bastasse, a maioria desses abusos são cometidos, geralmente, por pessoas que teriam a responsabilidade de cuidar desses menores e de dar‐ lhes toda a assistência para que tivessem uma boa formação. O abuso contra crianças e adolescentes possui muitas faces, dentre as quais se apresenta o abuso sexual. Este, quem sabe, o mais danoso ao menor, tendo em vista as conseqüências que proporciona, pois consegue atingir o íntimo do desenvolvimento infanto‐juvenil. Pois bem, neste trabalho se apresentará a aplicação prática da teoria tridimensional do direito do mestre Miguel Reale, seguindo o caminho do cientista jurídico. Isto é, tomar‐se‐á como ponto de partida o fato social e como destino a norma, a qual será ocasionada pela valoração do primeiro. Neste ínterim, ocorrerá a utilização de um fato social que através de sua valoração tende a criar uma norma jurídica. No caso desta monografia o fato escolhido foi a pedofilia e suas diversas implicações sociais, visualizando quais as normas que são requeridas para que o Direito se ajuste à verdadeira situação axiológica do referido tema. Para se traçar o caminho proposto por Reale são necessárias noções mínimas acerca do que seja cada um dos conceitos – fato, valor e norma – de maneira que os mesmos serão apresentados em capítulos distintos, tentando esmiuçar as respectivas implicações destes dentro do abuso sexual de menores e seus conexos. A pedofilia será visualizada tendo em foco a situação de constante fragilidade jurídica que é vivenciada frente ao progresso dos crimes contra os menores, principalmente quando é levada em conta a rede mundial de computadores e sua constante metamorfose evolutiva. No entanto, parece que  os agentes delitivos são mais rápidos no acompanhamento desta tecnologia do que o legislador brasileiro, o que acaba favorecendo a atividade criminosa, e, no caso em discussão, no aumento das ações pedófilas. Neste entremeio, o exame da atuação pedófila, seus reflexos e valores perante a sociedade e os anseios legislativos da população em decorrência destes atos é de grande relevância, posto que, o legislador como representante do povo, deve responder‐lhe de maneira apropriada, adequando o ordenamento jurídico à situação histórico‐cultural que presencia. É necessário que os representantes do povo atuem de maneira satisfatória, visando cobrir as lacunas existentes no ordenamento jurídico nacional no que concerne ao tema em estudo, visualizando os caracteres peculiares deste. Como exemplo pode ser citada a situação do consumidor das redes de pornografia infantil, o qual na atual legislação não pode sofrer nenhuma repreensão pelo armazenamento sem fins lucrativos do material pornográfico infantil. No primeiro capítulo deste trabalho será apresentado o fato social, sendo exposta a realidade fática da pedofilia, através da análise de seus agentes e das formas de atuação dos mesmos. A investigação que será proposta neste primeiro momento buscará elucidar quem são as pessoas que efetuam os abusos sexuais, além de descrever as diversas maneiras que são utilizadas para que a ação pedófila se concretize. Numa segunda fase será exposto o aspecto valorativo do fato social em análise. Deste modo, será verificada qual é a definição deste valor pela doutrina e como ele influencia na definição do bem jurídico, analisando‐se como este último se apresenta dentro dos crimes que envolvem a pedofilia, com especial enfoque para a liberdade sexual do menor. Por fim, visando concluir o caminho proposto pela teoria tridimensional de Miguel Reale, será estudada a norma jurídica e as orientações doutrinárias que a cercam para que, no momento seguinte, seja possível o exame das normas existentes na atualidade que visam a coibir os atos pedófilos. Além de verificar a proposta legislativa nacional frente ao tema e às questões controvertidas que estão se apresentando no cenário mundial. 1.  Do fato social Fato social é um conceito básico da sociologia e da antropologia. Foi alcunhado pelo francês Émile Durkheim no seu livro As Regras do Método Sociológico em 1895. Refere‐ se a todo comportamento ou idéia presente num grupo social que é transmitido de geração em geração para cada indivíduo pela sociedade (DE PAULA, 2003, online). “Podem ser chamados de fatos sociaisQuase todos os fenômenos que ocorrem dentro de uma sociedade. Tratam‐se das formas de agir, pensar e de sentir que exibem a notável propriedade de existência fora da consciência individual”. Estes tipos de comportamento ou de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, mas estão equipados com um poder imperativo e coercitivo ao abrigo dos quais se impõem, querendo o indivíduo ou não. A opinião pública se opõe a qualquer ato que a ofende, através da vigilância que pratica sobre o comportamento dos cidadãos e as sanções específicas que podem ser aplicadas. “DOs partidários e um individualismo absoluto, afirmam que o indivíduo é autônomo, que é diminuído quando se diz que não depende apenas de si. No entanto, em sentido contrário, o conceito de fato social de Durkheim traz uma definição na qual as idéias e tendências não são elaboradas pela pessoa, mas sim impostas pelo exterior” (Sena, 2006, online). Por outro lado, sabe‐se que nem toda imposição social é inevitavelmente exclusiva da personalidade individual. A sociedade é considerada como um todo maior que a soma das pessoas que a compõem. Por sua vez, é recriada em maior ou menor medida por estes, de maneira que a maioria estabelece as práticas e juízos morais a serem seguidos sem que deva ser previamente discutido. O Fato social possui algumas características de acordo com Durkheim, que, segundo a enciclopédia on‐line Wikipédia, podem ser assim definidas: “Coercitividade ‐ característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram. Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que obrigam os indivíduos a cumpri‐los. Exterioridade ‐ esta característica transmite o fato desses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ou seja ao fato de virem do exterior e de serem independentes das suas consciências. Generalidade ‐ os fatos sociais existem não para um indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber a generalidade pela propagação das tendências dos Você está aqui: Página Inicial Revista Revista Âmbito Jurídico ECA
  • 2. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 2/11 grupos pela sociedade, por exemplo.” (2008). O não acatamento a um fato social pode levar o indivíduo a exclusão do grupo social que pertence por não ter seguido a conduta padronizada pela sociedade. Nas práticas externas o não acatamento pode ser uma causa de sanção que, dependendo da gravidade da transgressão considerada pela sociedade, pode ir desde a simples reprovação moral até a aplicação de castigos e sanções penais. A gravidade está em relação direta com a importância relativa do fato social e sua vigência, associado a um estado de decadência, estabilidade ou ascensão. Contudo, segundo a doutrina sociológica de Durkheim o próprio crime pode ser considerado um fato social normal, tendo em vista que não existiu sociedade onde não houvessem delinqüentes, de maneira que este fato só poderá ser considerado patológico quando, pelo seu exagero, ele ameaça a própria sociedade. A pedofilia, neste sentido, passa a ser considerada como fato social, visto que, embora considerada uma ação contrária ao que se tem atualmente por comportamento normal, é praticada por um grande número de pessoas com características que são externas aos seus praticantes. Pode‐se chamá‐la de fato social negativo. 1.1.  As parafilias O conceito do termo parafilia está ligado às perversões sexuais, ou transtornos da sexualidade, os quais não se enquadram dentro dos padrões de comportamento sexual aceitáveis por determinada sociedade num dado momento histórico‐cultural. Pode‐se dizer que as parafilias são condutas sexuais que se opõem ao que é convencionado como normal por cada sociedade Clinicamente, pode‐se dizer que: “As Parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. [...] são descritas pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Quarta Edição (DSM‐IV), da Associação Psiquiátrica Americana, como transtornos sexuais com impulsos, fantasias ou comportamentos sexuais intensos e recorrentes em geral envolvendo objetos não‐humanos, juntamente com o sofrimento e humilhação de si mesmo ou de um parceiro ou ainda de filhos ou outras pessoas que não concordem.  Esses sintomas devem ocorrer durante um período de pelo menos seis meses. Os impulsos, fantasias ou comportamentos causam tensão clinicamente significativa ou comprometimento nas áreas social, ocupacional ou outras.” (PSIQWEB, 2008, online) Dentre as parafilias elencadas pelo manual de diagnósticos da Associação de Psiquiatria Americana encontram‐se além da pedofilia, outros transtornos como, por exemplo, o exibicionismo, o fetichismo e o sadismo. Todos com as duas características essenciais para se definir uma parafilia de acordo com o manual: a presença de intensas e repetidas fantasias sexuais e o conseqüente mal‐estar clínico significativo ou dano social, laboral ou de outras áreas importantes da atividade do indivíduo. Deve‐se ter sempre em consideração que as imagens ou fantasias parafílicas podem ser estímulo de excitação sexual para uma pessoa sem isso chegar a ser uma parafilia. Por exemplo, a roupa íntima feminina costuma ser excitante para muitos homens, porém só poderá ser considerada uma parafilia quando o indivíduo seja afetado por elas de uma forma excessiva. Outrossim, vale ressaltar que nem toda a parafilia é de interesse do Direito Penal, visto que nem todas afetam a sociedade. Dessa forma, embora excessivas sob critérios clínicos, as parafilias podem não ter relevância ao ponto de ser fixada qualquer forma de reprovação. Neste sentido, temos o fetichismo, que na maior parte das vezes envolve um objeto inanimado para a realização sexual e não acarreta a vitimização de nenhum indivíduo. 1.2. Origens históricas da pedofilia Embora o índice de reprovação da pedofilia na atualidade seja alto, a existência desse comportamento como uma atitude normal e tolerável foi comum no passado. Na antiguidade clássica a pedofilia se estendeu pelo Egito, Assíria, Pérsia, Arábia e, principalmente, Grécia e Roma. Na Grécia a pedofilia, ou melhor, a pederastia era algo socialmente aceito. Platão, no seu diálogo sobre o amor, intitulado “O Banquete” (2002), fala do amor pelo efebo, os quais eram meninos que acompanhavam aos veteranos da milícia para absorve‐lhes o espírito militar e uma aptidão física ideal. Não se separavam deles nem para dormir, em troca acabavam os efebos por proporcionar‐lhes a satisfação de desejos eróticos. Nesta obra Platão também faz a análise de sua entrega a Sócrates, que foi seu professor. Roma, como herdeira da cultura grega, também importou a influência conceitual e valorativa da pedofilia, lá os efebos eram chamados de concubini e serviam aos seus senhorios de maneira a satisfazer suas necessidades sexuais ‐ eram como escravos do sexo. Por fim, outros povos que colocaram a pedofilia em grande evidência durante boa parte da história foram os chineses, com  o tráfico de crianças para os pedófilos, e os muçulmanos, com a fuga à pedofilia para suprir necessidades sexuais que não podiam exercer por convicções religiosas. Sobre essa historicidade da pedofilia disserta Olavo Carvalho: “Na Grécia e no Império Romano, o uso de menores para a satisfação sexual de adultos foi um costume tolerado e até prezado. Na China, castrar meninos para vendê‐los a ricos pederastas foi um comércio legítimo durante milênios. No mundo islâmico, a rígida moral que ordena as relações entre homens e mulheres foi não raro compensada pela tolerância para com a pedofilia homossexual. Em alguns países isso durou até pelo menos o começo do século XX, fazendo da Argélia, por exemplo, um jardim das delícias para os viajantes depravados.” (2002, online) Diante disto, vê‐se que a pedofilia não é um tema enfrentado pela atualidade, mas, pelo contrário, serviu como base das mais variadas culturas da antiguidade e sofreu, no decorrer dos tempos, constantes transformações sob o  ponto de vista valorativo social, bem como no desenvolvimento de suas práticas. Os agentes mudaram, a justificação é outra, mas sua existência atravessa as décadas em momentos sócio‐culturais dos mais variados. 1.3. A pedofilia como fato social 1.3.1. Considerações gerais O fato social refere‐se a um comportamento proposto pela sociedade de maneira impositiva, mas que pode ser respeitado ou não pelo indivíduo. No caso da pedofilia temos um comportamento de relevância social que vai em sentido contrário às regras morais de comportamento impostas pela sociedade contemporânea. Este comportamento pode ser identificado sob, no mínimo, dois aspectos: sob uma ótica psicológica, tendo em vista os distúrbios e transtornos que afetam o indivíduo que é clinicamente pedófilo; e sob o aspecto jurídico, incluindo neste último os que exercem ou proporcionam o abuso sexual infantil em situações ocasionais e específicas, sem que tenham um desvio compatível com a definição clínica da pedofilia. O conceito de pedofilia deriva do idioma grego e significa originariamente “amor por crianças”. Na atualidade se considera a pedofilia como um transtorno sexual de índole clínica definido como atração sexual de um adulto por crianças de qualquer sexo. A pedofilia como categoria clínica possui um horizonte limitado e específico, pois o termo pedofilia em seu sentido médico designa‐se ao adulto que padece de um transtorno da personalidade consistente em mostrar um interesse sexual centrado expressamente em crianças que ainda não chegaram à puberdade. Considerada uma parafilia típica, a pedofilia tem sido erroneamente identificada com a pederastia; ainda que se reconheça a existência de uma evidente proximidade entre ambos os termos. Defini‐se a pederastia como a relação homossexual com penetração entre homens. Deduzindo‐se, então, que a pederastia como prática homossexual masculina pode conter entre as suas manifestações a relação entre homens adultos e crianças, sendo a variável pedófila da pederastia, estabelecendo‐se, assim, o ponto de contato entre ambas as categorias. Por esse outro ângulo de análise se aceita uma identificação factual entre as versões de ambos fenômenos, caracterizando‐se estes tipos específicos pela coincidência na existência de crianças vítimas do sexo masculino e de homens adultos como sujeitos ativos do abuso sexual. Embora seja importante e necessário reconhecer determinados hábitos comportamentais de conotação pedófila, deve‐se especificar o fato de que as pessoas portadoras deste tipo de perturbação sexual não pertencem exclusivamente a uma classe ou estrato social, e pelo contrário, se distribuem por todo o entrelaçado social, comportando‐se como indivíduos aparentemente normais e em muitos casos com uma plena integração social e comunitária (TRINDADE, 2007, p. 62). 1.3.2.   O pedófilo e o abuso sexual Os pedófilos podem se transformar em exploradores sexuais da infância e converterem suas fantasias em atos reais, porém nem todos necessariamente realizam esse passo para o ato. E, por outro lado, nem todos aqueles que exploraram sexualmente as crianças são necessariamente pedófilos no sentido clínico. Por estas razões é mais adequado e esclarecedor utilizar o termo agressor sexual para descrever as pessoas que mantém relações sexuais com menores, já que este conceito inclui os pedófilos, mas não se limita somente a eles. Dentre os abusadores o maior perigo encontra‐se naqueles indivíduos nos quais os menores confiam por natureza, podendo ser um amigo da família, alguém que realiza atividades direcionadas à infância ou alguém que desempenha uma profissão idealizada pelas crianças, como um bombeiro, um policial, etc. Este tipo de agressão sexual proveniente de pessoas supostamente confiáveis gera cicatrizes profundas, matizadas no infante sob a forma de sentimentos de culpa e angústia. Fazendo‐se uma análise superficial, poder‐se‐ia definir o pedófilo como um sujeito abusado previamente na sua infância, que, como conseqüência disso, desenvolve condutas abusivas. A esse respeito, é pertinente contra‐argumentar: ‐ como apesar da maioria das vítimas de abuso sexuais na infância serem mulheres elas representam justamente a absoluta minoria entre os agressores? Além disso, muitos homens que foram violentados na infância não se tornam abusadores. É importante salientar as profundas assimetrias de poder existentes no abuso sexual de menores, as quais desenvolvem‐se com a manipulação através do engano ou o secretismo por meio da ameaça, o qual deixa a vítima num estado de total desamparo frente ao abusador. O desfrute que os agressores afirmam sentir não guarda relação somente com os desejos puramente sexuais, como também pela sensação de ter controle total sobre a vítima e que ela não tenha possibilidade de opor‐se ao
  • 3. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 3/11 mesmo. Finkelhor (1984 apud Trindade, 2007, p. 38) propôs um modelo com quatro precondições onde estão inclusos variados fatores envolvendo os agentes do abuso sexual: “1) Motivação: que é o desejo de abusar sexualmente de uma criança, e nela se incluem: Congruência emocional: o abusador procura satisfazer uma necessidade emocional; Excitação sexual: o abusador está condicionado pela atração sexual a crianças ou a sexo não‐consensual; Bloqueio: o abusador tem de manejar bloqueios internos e externos para poder estabelecer relações sexuais com pessoas adultas. 2) Inibições internas: que dizem respeito à superação dos inibidores internos e implica que o abusador dê, a si mesmo, a permissão de abusar sexualmente de uma criança, geralmente elaborando a auto‐justificação infundada de que isso não é prejudicial a ela ou que constitui algo natural. Dessa maneira, o abusador libera a sua motivação. 3) Inibições externas: que se referem à superação dos inibidores externos que podem estar impedindo o abuso sexual. Com a retirada de inibidores externos, criam‐se oportunidades para que o abuso aconteça. 4) Resistência: que trata da superação das defesas da criança.” Dentro do perfil do abusador é possível, também, identificar várias modalidades para exercer a agressão. Geralmente este tipo de abuso se realiza por meio de enganos e manipulações. No entanto, é possível observar que alguns agressores utilizam violência física para submeter suas vítimas e causam danos corporais que podem chegar à morte. Sem que seja o mais comum, este último tipo de agressor é, sem dúvida, o mais visível socialmente, devido à divulgação sensacionalista de suas ações pelos meios de comunicação. Isto é problemático, pois pode esconder as características da maioria dos agressores e, com isso, reduzir as possibilidades de prevenção social de suas ações. Neste sentido, pode‐se dividir os agressores sexuais ou pedófilos em dois grandes grupos (AZEVEDO E GUERRA, 1999): Circunstanciais: Não apresentam uma preferência sexual pelas crianças, mas praticam o sexo com elas por não possuírem limites morais e por satisfazer um desejo de experimentar uma relação sexual com jovens. Alguns agressores também podem seduzir‐se por situações nas quais o sexo com crianças se apresenta como algo extremadamente acessível e normal, e contribui para incentivar o turista a deixar de lado suas próprias idéias sobre a idade de consentimento e relação entre crianças e as atividades sexuais. A exploração sexual da infância passa, então, a ser considerada pelo turista como um estilo de vida na época das férias e pode desenvolver um padrão de conduta de personalidade abusadora. Preferenciais: apresentam uma preferência definida e clara pelo sexo com crianças. Este tipo de pessoa apresenta uma desordem de personalidade que lhe motiva a busca por companheiros sexuais imaturos e vulneráveis. Os agressores preferenciais constituem uma pequena minoria dentro do grupo de agressores sexuais, mas podem abusar potencialmente de um grande número de menores. Não são homogêneos em sua forma de agir, mas podem ser identificados em três grandes tipos de conduta: a) Os sedutores que utilizam o afeto, a atenção e os presentes para atrair as vítimas. São capazes de esperar grandes períodos de tempo enquanto seduzem as crianças até que estas aceitem o abuso e usam a ameaça e a violência para evitar que revelem o acontecido. b) Os introvertidos têm dificuldades para se relacionar com os menores. Mantêm um nível mínimo de comunicação com eles e tendem a procurar crianças desconhecidas e extremamente pequenas. c) Os sádicos constituem o grupo mais numeroso. Conseguem a satisfação sexual através do dano a suas vítimas. Este tipo de agressor pode utilizar a força física para persuadir a criança, incluindo o seqüestro e, em alguns casos, o assassinato posterior. Finalmente, esses indivíduos possuem uma constante de negação sobre a culpabilidade de seus atos, que os conduz a deslegitimar a versão das vítimas, culpando‐as por uma suposta sedução, a negar os fatos ou simplesmente a seguir abusando delas sem que exista reprovação ou censura. Essa é uma das características mais comuns presentes nos autores de delitos sexuais contra as crianças. Alegam que os menores buscam conscientemente a atividade sexual com o adulto e que consentem explicitamente nas relações (o menor teria escolhido livremente essa forma de vida). 1.3.3.   A pedofilia através do comércio sexual de menores Nos últimos anos tem se expandido a exploração sexual de crianças através do mercado negro do sexo, na mesma proporção que aumenta a demanda pedófila, o que ocasiona uma indústria em ascensão e que converteu o sexo num bem de alto potencial de transação (LANDINI, 2006, online). Devido essa alta demanda pedófila, o mercado negro da exploração sexual de menores tornou‐se algo altamente rentável, isto se confirma com o fato de que não só “empresários” que trabalham por conta própria estão envolvidos, mas, pelo contrário, as máfias internacionais que empregam métodos sistemáticos de captação dentro de uma rede muito bem organizada e coesa que costuma estar envolvida em outras atividades delitivas. Esse comércio exploratório sexual da criança pode ser dividido em quatro grandes grupos: a prostituição infantil, a pornografia infantil, o tráfico de menores e o turismo sexual. Todas estas manifestações estão estritamente vinculadas e muitas vezes se complementam. 1.3.3.1.   Prostituição Infantil É assim considerada a utilização de criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer outra retribuição. A prostituição de crianças e adolescentes terá sempre o caráter de atividade forçada e é considerada como uma forma contemporânea de escravidão. Essa atividade é uma variável do abuso sexual no qual o cliente pedófilo deduz comodamente que o pagamento do sexo com o menor supõe um simples comércio, uma negociação e nada mais, em conseqüência disto não se identifica como um abusador ou explorador , só se considera um consumidor a mais neste mercado, tudo isso estruturado numa total indiferença moral perante o menor prostituído. 1.3.3.2.   Pornografia infantil Pode ser assim definida toda a representação, por qualquer meio, de um menor, dedicado a atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou toda a exposição dos órgãos sexuais de uma criança em filmagens primordialmente dedicadas ao sexo. Constitui uma variável dos crimes sexuais que se perpetua no tempo e que prolonga a situação abusiva enquanto esses materiais pornográficos continuem sendo usados. Essa pornografia pode ser tanto visual – quando expõe o menor em ato sexual explícito, real ou simulado, ou em uma exibição obscena dos órgãos genitais para o prazer de um usuário, incluindo a produção, a distribuição e o uso desse material – quanto auditiva – quando estas atividades de exposição privilegiam a voz do menor. Os danos que a pornografia causa às crianças vão além do abuso direto dos menores usados no processo de elaboração do material pornográfico, as implicações aumentam progressivamente, de maneira que essa pornografia original promove, com seu efeito excitante, novos abusos infantis, pois atua como estímulo erótico gerador de uma demanda pedófila maior neste mercado sexual. 1.3.3.3.   Tráfico de menores De acordo com a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores este pode ser definido como “a subtração, a transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos” (Art. 2º, alínea b). Este tráfico é considerado um dos mais lucrativos para o mercado negro, sendo superado apenas pelo de drogas e armas, é uma indústria que movimenta milhões de dólares. Pode‐se dizer que o tráfico de menores é um modelo de escravidão moderno, apresentando uma das formas mais desprezíveis quando se direciona a fins sexuais, embora não seja menos desprezível qualquer outra finalidade para o exercício desta atividade criminosa. 1.3.3.4.   Turismo Sexual O turismo sexual pode ser definido como o turismo organizado com fins de estabelecer relações sexuais de caráter comercial. Dessa forma, os turistas sexuais são aquelas pessoas que no curso de suas viagens de férias estabelecem relações sexuais exploradoras nos países e regiões que visitam. 1.3.4.  Ações pedófilas na internet O mundo tem experimentado nas últimas décadas um assombroso salto em seu desenvolvimento tecnológico. A tecnologia digital e seus espetaculares avanços geram um fenômeno que permeia a sociedade e se manifesta infalível em todos os aspectos da vida moderna. Este vertiginoso progresso científico tem reduzido as distâncias, podendo‐se afirmar que hoje vive‐se numa aldeia global, pois com uma velocidade incrível  se conecta a qualquer parte do mundo, graças à existência da internet. No entanto, paradoxalmente, esta rede tão útil para a comunicação tem se convertido numa faca de dois gumes, pois está sendo utilizada por indivíduos inescrupulosos para distribuir e receber materiais de conteúdo sexual através do ciberespaço. A facilidade de acesso e seu baixo custo propiciam a extensão desses produtos perniciosos para uma enorme quantidade de pessoas no planeta, alcançando uma internacionalização instantânea dos mesmos. O conteúdo sexual da internet se apresenta em inúmeras páginas da web que incluem textos, imagens e conversações entre usuários.  Abrange avisos publicitários, fóruns e outras formas de comunicação e vai desde a pornografia ligeiramente provocadora até a mais pesada e ofensiva.
  • 4. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 4/11 Quanto ao conteúdo sexual, a internet apresenta sua nocividade quando promove especificamente o sexo com menores. Nesse caso, a rede é usada para o serviço da pedofilia, proporcionando a satisfação dos indivíduos que sofrem de pedofilia clínica e aos que são pedófilos ocasionais. Com certeza a pedofilia não é um fenômeno da idade moderna. Como visto em momento anterior, manifestou‐se desde a antiguidade. Porém, esses desvios sexuais se encontravam isolados e silenciados pelo ostracismo e a severa crítica social, no entanto o surgimento da tecnologia digital e da internet tem propiciado um fenômeno de confraternização e apoio mútuo, produto da celeridade, multilateralidade e anonimato das comunicações atuais. As ações pedófilas pela internet se manifestam sob diversas modalidades, onde serão analisadas três, tendo em vista a relevância perante o tema proposto no presente trabalho. Serão analisadas a criação de redes de confraternização pedófila, o intercâmbio e desfrute da pornografia propriamente dita, além da relação on‐line entre os menores e os pedófilos. 1.3.4.1.   Redes de confraternização pedófila Analisando cada uma destas modalidades separadamente pode‐se afirmar que as redes pedófilas possuem tentáculos em nível mundial e servem para propiciar o contato entre indivíduos consumidores de sexo infantil. Estas redes perseguem vários objetivos: usar as facilidades da comunicação para o apoio recíproco; promover a pretendida legalização de seus atos pervertidos; a permuta de pornografia infantil e a promoção dos mais promissórios “paraísos” turísticos para fins sexuais pedófilos. Produto das facilidades comunicativas, os pedófilos utilizam as conversações pela rede visando a troca de textos, fotografias e vídeos, elaborando avisos publicitários visando o intercâmbio de informação referente aos seus interesses nos menores. Os laços de fraternidade que se estabelecem pela internet os ajudam psicologicamente a escapar de sentimentos de culpa e evitar o isolamento, conquistando por sua vez o necessário anonimato de suas ações ilícitas. Também visam satisfazer seus egos na demonstração para outros pedófilos de suas “proezas” e “conquistas”. Os contatos pela rede proporcionam a socialização de seus mais íntimos e desviados pensamentos num processo de auto‐afirmação e auto‐valorização em que se definem como pessoas normais, rodeadas e conectadas com indivíduos semelhantes que sentem e pensam de maneira idêntica. Algumas destas redes, nas quais se organizam os pedófilos, perseguem, dentre outras finalidades, transformar opiniões críticas a respeito de suas inclinações sexuais, chegando ao ponto de proporem mudanças legislativas em seu favor, auto‐proclamando‐se como um setor sexual minoritário vítima de uma desconsiderada e irracional intolerância social. Utilizam como base de seus discursos a liberdade de pensamento e expressão refletida no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e reconhecida por todas as Constituições modernas. Outro dos objetivos destas redes pedófilas na internet consiste em proporcionar conselhos e recomendações mútuas em torno dos destinos turísticos que facilitam, sem maiores riscos, o acesso a crianças, chegando a recomendar os agenciadores do sexo infantil. Com o incremento no uso da internet para o negócio do sexo e do abuso sexual contra menores, o número de páginas na rede que contém informação sobre como e para onde podem viajar os pedófilos têm aumentado drasticamente. 1.3.4.2.   A pornografia infantil na internet A internet possibilita os mais variados desfrutes sexuais para os pedófilos, uma dessas modalidades está representada pela pornografia infantil propriamente dita.  Em nenhum outro momento os pedófilos tiveram tamanha facilidade para acessar material pornográfico que envolva crianças. Não precisam mais correr riscos e perigos para satisfazerem seus instintos sexuais. Antes, para obter e armazenar material desse nível, esses agentes criminosos tinham que fugir dos “olhos” da polícia e das aduanas, tendo grandes chances de serem pegos. As novidades tecnológicas da comunicação proporcionam as facilidades ideais para as ações pedófilas, basta possuir um servidor e sem abandonar seus domicílios, preservando o anonimato, este indivíduos “navegam” pelo ciberespaço na busca de documentação sexual que envolva crianças. Nesta senda, a internet se converte no veículo comunicativo ideal para concretizar a produção e o consumo da pornografia infantil, como modalidade de exploração comercial e sexual infantil. Os pedófilos, preferencialmente os clinicamente considerados como tal, se satisfazem ao colecionar compulsivamente fotografias e gravações de áudio e vídeo, onde se verificam abusos sexuais com menores nos quais participam eles mesmos ou outros adultos; materiais que ao circular pelas vias da rede mundial de computadores solidificam este fenômeno que é a pornografia infantil digital. 1.3.4.3.   O intercâmbio on‐line: caminho para a relação pedófila O uso atual de menores com fins de relação sexual já não se localiza somente nas conhecidas e habituais “zonas de tolerância” da prostituição, quase sempre situadas nas principais cidades dos países pobres. Nada está a salvo da ameaça que representam os pedófilos na busca de crianças para sua satisfação sexual, o que acaba ocorrendo pelo uso da internet como instrumento de localização e captação desses materiais dedicados a este fim. Neste sentido, é necessário expor a vulnerabilidade que possui a nova geração, a partir da imensa extensão dos usuários da internet que envolvem também e preferencialmente as crianças e adolescentes, os quais possuem maiores capacidades que os adultos para assimilar e adquirir habilidades nas técnicas digitais, além de serem muito receptivos à benéfica influência educacional que emana do uso deste instrumento que é a rede de computadores.  Esta capacidade comunicativa e de aprendizagem ofertada pela internet está majoritariamente a serviço das crianças do primeiro mundo, tendo em vista que nos países pobres os menores não possuem nem mesmo condições satisfatórias para sua subsistência, ficando, portanto, menos evidente a corrupção desses infantes pela internet. No entanto, nos países em desenvolvimento, como é caso do Brasil, os índices de pornografia infantil através da internet são alarmantes. “Cerca de mil novos sites de pedofilia são criados todos os meses no Brasil. Destes, 52% tratam de crimes contra crianças de 9 a 13 anos, e 12% dos sites de pedofilia expõem crimes contra bebês de zero a três meses de idade, com fotografias.” (OPINIÃO E NOTÍCIA, 2006, online). Por razões econômicas e de potencialidade tecnológica as crianças e adolescentes de países em desenvolvimento se encontram em situação mais vulnerável em relação às ações pedófilas que usam a internet como centro de operações, na busca da satisfação de suas inclinações sexuais. Uma das formas pela qual os infantes podem ser afetados por essas ações consiste em ter acesso à pornografia convertendo‐se em objeto dela mesma. Isto poderia distorcer seu sentido  de normalidade quanto ao que é correto e incorreto no plano do sexo, pois a exposição reiterada a material pornográfico infantil possibilita que com seu desenvolvimento psíquico em construção, estes menores assumam como normal a atividade pornográfica, criando modelos de comportamento e experiências de aprendizagem altamente nocivos. Outra das formas que corporificam o abuso sexual pedófilo pela internet consiste em persuadir as crianças para que permitam ser filmadas ou fotografadas através da “web cam”, passando a ser sujeitos da pornografia. Esta variável supõe a interação on‐line que usada de forma reiterada busca desenvolver sentimentos de confiança do menor no seu interlocutor pedófilo, o qual em geral começa sua sedução com conversas correntes de amizade e pouco a pouco se direciona para o tema sexual, até eliminar qualquer resistência do menor. O maior perigo aparece quando o pedófilo visa a mudança do ambiente de seu intercâmbio com a criança da realidade virtual para a realidade fática, mediante a realização de encontros pessoais entre ele e o menor, pondo em perigo a segurança física dessa criança, quando não lhe ocasiona a morte, pois muitas vezes o abusador elimina o menor para ao mesmo tempo apagar as possibilidades de ser reconhecido criminalmente. Os pedófilos que usam a internet, com fins de satisfação sexual com menores, tomam distância e se afastam psicologicamente de sua nociva conduta, na medida em que sua ação se dilui, pois boa parte dos casos ocorre com crianças desconhecidas, fato que facilita o não aparecimento nos agressores de sentimentos de culpa. O evidente e acelerado avanço do fenômeno da pedofilia através da internet tem gerado em contrapartida uma resposta da sociedade mundial, consistente na organização de um movimento internacional integrado por diferentes ONG’s e Comitês Nacionais de Ação, os quais ostentam como objetivo chamar atenção para o problema e desenvolver uma consciência de luta na proteção dos menores frente a esta crescente ameaça. Estas organizações reconhecem que o principal terreno de luta é o próprio ciberespaço e em consonância se começa a estruturar uma vigilância eletrônica de alcance mundial. Neste sentido, os próprios mecanismos da internet propiciam a ação dos vigilantes on‐line encarregados de detectar sites de conteúdo pedófilo e denunciá‐los rapidamente. Existem ainda sites especializados que recebem denúncias de qualquer pessoa frente a uma agressão sexual ou existência de páginas eletrônicas de conteúdo pedófilo. Esta vigilância inclui a elaboração e comercialização de programas especializados que tem por objeto permitir aos pais controlar o material que chega aos seus lares e ao qual seus filhos podem ter acesso, de maneira que podem aproveitar os benefícios educacionais da internet. 2. Do valor O valor que se buscará identificar aqui está intimamente ligado a idéia de consciência coletiva, proposta pela sociologia, tendo Émile Durkheim como  principal representante teórico, revelando a preponderância do coletivo sobre o individual, deixando em segundo plano as aspirações e desejos inerentes a cada indivíduo. Esta explicação sociológica do valor, no entanto, deve ser complementada pelo elemento histórico presente na constituição do mesmo, ao passo que o valor refere‐se a força moral dominante em determinada sociedade  com o respectivo contexto histórico‐cultural. Segundo este entendimento tem‐se um grau de valoração para cada fato social, podendo este ser normal ou não, dependendo do entendimento dominante na sociedade naquele momento histórico específico. O indivíduo, de maneira a conservar‐se na sociedade, acaba tendo que “acatar” as orientações desta coletividade, ao ponto de ter frustrados os seus interesses quando contrários às “regras” de convivência determinantes no seu meio social. Seria o valor um sinônimo da aspiração unificada de um determinado grupo social, definindo um ideal, não como uma utopia, mas pelo contrário, refletindo apelos reais decorrentes da dinamicidade inerente à vida em sociedade. Vale ressaltar a grande relevância que deve ser dada à questão referente à dinâmica social, visto que interfere diretamente na determinação de conceitos e valores preponderantes em dado momento histórico, podendo alterar entendimentos, de sorte que fatos considerados normais em certa época passam a ser repudiados em outra. Como ilustração desta evolução podemos citar a escravidão dos negros africanos pela aristocracia brasileira nos tempos do império, a qual era encarada como uma atitude plenamente normal, sendo inclusive fator de engrandecimento social , visto que quanto maior o número de escravos que uma pessoa possuísse maior também seria o status de poder perante seus pares. No entanto, a escravidão, com o passar dos tempos, passou a ser contrária aos ideais de liberdade e dignidade que hoje têm a prerrogativa de direitos fundamentais. Ao tratar deste conceito histórico de valor é interessante fazer alusão ao grande jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, defensor desta historicidade cultural do valor, como pode ser visto a seguir: “No plano da História, os valores possuem objetividade, porque, por mais que o homem atinja resultados e realize obras de ciência ou de arte, de bem e de beleza, jamais tais obras chegarão a exaurir a possibilidade dos valores, que representam sempre uma abertura para novas determinações do gênio inventivo e criador. Trata‐se,
  • 5. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 5/11 porém, de uma objetividade relativa, sob o prisma ontológico, pois os valores não existem em si e de per si, mas em relação aos homens, com referência a um sujeito. Não se entenda, porém, que os valores só valham por se referirem a dado sujeito empírico, posto como sua medida e razão de ser. Os valores não podem deixar de ser referidos ao homem como sujeito universal de estimativa, mas não se reduzem às vivências preferenciais deste ou daquele indivíduo da espécie: — referem‐se ao homem que se realiza na História, ao processas da experiência humana de que participamos todos, conscientes ou inconscientes de sua significação universal.” (REALE, 2002, p. 208) Incontestável a importância das informações prestadas pelos psicólogos ao explicarem o valor, ressaltando o indivíduo como um ser único e independente que possui desejos e interesses que lhe tendenciam para um determinado comportamento e valoração das coisas, demonstrando este valor através de um grau de preferibilidade, fazendo suas escolhas de acordo com o nível de satisfação que pode ser atingido. Alvaro Tamayo, neste sentido, aduz: “Os valores implicam necessariamente uma preferência, uma distinção entre o importante e o secundário, entre o que tem valor e o que não tem. Assim, a essência mesma dos valores parece ser permitir a sua hierarquização. A organização hierárquica de valores pressupõe que o indivíduo não se relacione com o mundo físico e social como um observador que assiste a um espetáculo, mas com um ator que participa, que toma partido, que se envolve nele”. (2007,online). Porém esta avaliação psicológica expõe apenas o aspecto singular da valoração, deixando de lado as questões referentes aos desejos e interesses da coletividade, a forma que as orientações do grupo se impõem ao indivíduo e o porquê da aceitação deste em seguir esta orientação. De maneira a responder algumas dessas  questões apresenta‐se a sociologia, a qual expõe o valor como um ideal proposto pela sociedade e que tem poder de impor‐se contra os interesses individuais dos seus integrantes, utilizando como fundamento algo semelhante à idéia de bem comum. Contudo, estes conceitos, embora necessários para a compreensão do que é o valor, não conseguem encerrar a discussão, e vêm a ser complementados pela teoria histórico‐cultural dos valores, visto que somente a partir dela é que se aceita a influência determinante do contexto histórico‐cultural para a definição das aspirações e desejos de um grupo social. Sendo o homem um agente em constante evolução e que tem como necessidade vital básica a interação com os outros membros de seu grupo, é inconcebível a idéia de que seus valores sejam estáticos. Dessa forma, conclui‐se que o valor pode ser definido como a orientação dada pela sociedade em um momento histórico‐cultural específico determinando a atuação do homem médio no seu convívio com os demais, obrigando‐o a agir dessa forma mesmo que contrária ao seu desejo e interesse individual, sobrepondo‐se a este, visando atender o interesse da coletividade. 2.1. A pedofilia e sua valoração: o bem jurídico envolvido Para que se possa analisar a pedofilia e sua valoração partir‐se‐á, primeiramente, para a discussão referente ao bem jurídico, especialmente o bem jurídico penal, verificando, em seguida, qual o bem que é afetado quando ocorre o abuso sexual dos menores. Existem coisas que em decorrência do convívio social   acabam por ter valores elevados, tendo em vista o potencial para satisfazer as necessidades, desejos e aspirações dos integrantes de determinado meio, tomando para si a situação de bem, e quando esta situação passa a ser tutelada pelo direito, passa à condição de bem jurídico. A filosofia empresta o conceito de bem em seu sentido amplo ao dizer que: “(...) bem é a palavra tradicional para indicar o que, na linguagem moderna, se chama valor. Um bem é um livro, um cavalo, um alimento, qualquer coisa que se possa vender ou comprar; um bem também é beleza, dignidade ou virtude humana, bem como a ação virtuosa, um comportamento aprovável. (...) A palavra pode ainda num significado mais específico, num recorte, se referir à moralidade, isto é, dos mores, da conduta, dos comportamentos humanos intersubjetivos, designando,assim, o valor específico de tais comportamentos.” (Abbagnano, 1998, p. 107) Dentre as variadas orientações históricas que se propuseram a explicar a gênese do bem jurídico devemos dar especial enfoque a duas tendências: os transcendentalistas, que numa corrente jus naturalista apresentam o bem jurídico como uma criação da própria natureza das coisas, presente na vida  social e cultural dos indivíduos; e os imanentistas, os quais alegam que o bem jurídico está dentro sistema jurídico, na própria norma jurídica, inexistindo antes desta (BUSATO, 2003, p. 54). No início do século XIX, segundo Juarez Tavares (2002, p. 182), é que vêm a tona os primeiros conceitos de bem jurídico. Birnbaum foi o primeiro a ser contrário às teses de que o Direito penal defendia somente direitos. Segundo ele o delito não era uma lesão ao direito, como pretendiam os defensores do contrato social, mas sim uma ofensa a um bem que o Estado tinha o dever de proteger, visto que o direito em si não pode ser objeto de ataque do delinqüente, mas sim o bem que é defendido por este direito, ou seja, o bem que se originou e desenvolveu  na constante interação social humana e que passou a ser necessariamente tutelado pela ordem jurídica, mas que não se confunde com esta, pois existia antes dela. De acordo com Tavares ( 2002, p.187), Binding ao tratar do assunto, através de uma ótica positivista, apresentou o bem jurídico limitando‐o ao Estado e ao Direito. Neste sentido o bem jurídico, em vez de ser reconhecido pela norma, é criado por ela. O Estado passa a dar valor legal a algo e o incluí no rol dos bens jurídicos. Nesta análise o bem jurídico é pendente da apreciação legislativa, sem a qual é apenas um bem. Von Liszt, seguindo a teoria transcendentalista, indo de acordo com o raciocínio de Birnbaum caracterizou o bem jurídico pela sua presença pretérita ao Direito, afirmando que este serve de instrumento protetivo àquele (BUSATO, 2003, p. 55). As maiores críticas encontradas em torno das teorias expostas acima, conforme Zafaroni (2004, p. 437), residiam na incapacidade que elas possuíam em limitar o ius puniendi do Estado. A corrente positivista apresentava uma dependência do Estado perante o legislador, visto que somente após a valoração legislativa é que o bem poderia ser caracterizado como jurídico e capaz de ser tutelado penalmente. Já a corrente transcendentalista, devido a sua amplitude, acabava por não dar vetores precisos para que se pudesse analisar quais os bens jurídicos passíveis de serem defendidos pelo Direito penal. Ainda, de acordo com o autor, a sociologia ao explicar o bem jurídico enfatiza que para ele ser considerado como tal precisa, antes de qualquer coisa, ser um bem no seu sentido amplo, ou seja, precisam ser algo valioso para um indivíduo ou comunidade. Nesta linha podemos citar Roxin e Jescheck. Dentre as explicações sociológicas do bem jurídico devemos comentar o funcionalismo sistêmico que classifica como objeto de tutela legal tudo aquilo que serve para a manutenção do sistema social. Essa corrente trouxe consigo a idéia da disfuncionalidade sistêmica, na qual o comportamento que fosse diferente dessa sistematização deveria ser vedado pela sanção penal. Foi encarada com certo receio, tendo em vista seu caráter reducionista do bem jurídico ao encará‐lo como mero instrumento de perpetuação do sistema social (ZAFARONI, 2004, p. 438). Ao interpretar a teoria do funcionalismo sistêmico Zafaroni enfatiza a diferença existente entre o “bem jurídico lesionado ou afetado” e o “bem jurídico tutelado”, informando que somente o primeiro é passível de proteção pelo direito penal, pois é inviável a proteção deste último, tendo em vista a necessidade de agressão ao bem jurídico para que exista uma sanção penal. Afirmando, dessa forma, que o Direito penal como meio protetivo do bem jurídico só pode exercer sua função depois de ocorrida a lesão ou perigo a esse bem. Contudo, essa intervenção penal só seria cabível se o bem jurídico atingido esteja dentre aqueles com uma função essencial para o desenvolvimento do sistema. Ainda na busca do conceito de bem jurídico encontramos a divisão entre a teoria monista e a dualista de bem jurídico. Os primeiros concebem o bem jurídico como um único elemento, englobando tanto os interesses individuais quanto os da coletividade. Já os dualistas dividem em bem jurídico individual e coletivo, apresentando entre características bem diferenciadas. Dentre os defensores da teoria monista apresenta‐se uma divisão: a teoria monista coletiva que  defende a existência de bem jurídico individual somente se este bem estiver no interior de um interesse maior para a coletividade, prevalecendo, dessa maneira, o coletivo sobre o individual; e a teoria monista personalista, que por seu turno, identifica o bem jurídico coletivo somente quando este serve para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, preponderando este interesse personalíssimo em relação à coletividade (Zafaroni, 2004, p. 439). Esta última teoria se apresenta como a mais adequada, tendo em vista estar em maior consonância com o Estado Democrático de Direitos, onde deve ser dada prioridade aos interesses individuais, de maneira a não corrermos o risco de, na defesa de interesses coletivos, ofendermos direitos fundamentais do ser humano. Neste sentido é que Zaffaroni (2004, p. 439) apresenta o seu conceito de bem jurídico penal, enfatizando a disponibilidade deste bem, a qual só pode ser considerada dentro de uma teoria monista personalista. Segundo o jurista “bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam” 2.1.1.   A liberdade sexual do menor A sexualidade humana constitui porção pertencente ao desenvolvimento da personalidade e se expressa mediante manifestações biológicas, psicológicas e sociais que evoluem de acordo com o grupo social a que pertence o indivíduo. A sexualidade está presente em todo o ciclo vital humano e se caracteriza por um fenômeno permanente, sui‐generis e variável que começa com o nascimento e termina com morte, expressando‐se diferenciadamente de acordo com as diferentes etapas do desenvolvimento humano em cada sociedade, em cada cultura e em cada pessoa. Precisamente na etapa infantil, objeto de estudo neste momento, a sexualidade se caracteriza pela auto‐exploração, o descobrimento do próprio corpo e a construção da identidade sexual. Se durante este período vital se introduz os menores em práticas e atividades sexuais não adequadas para sua idade, gera‐se uma agressão na evolução saudável de sua sexualidade, provocando seqüelas afetivas e cognitivas de repercussões incalculáveis para o desenvolvimento futuro. Essa violência contra a identidade sexual e de nefastas conseqüências para as crianças é cometida, em muitos casos, como visto no primeiro capítulo, por indivíduos adultos com determinadas características e inclinações sexuais anormais, conhecidos comumente como pedófilos e que sem qualquer sensibilidade quanto à condição assimétrica  na qual o menor se encontra atuam considerando‐o apenas como um objeto de satisfação para seus desejos. Deve‐se verificar que a liberdade sexual como bem jurídico penalmente tutelado tem como característica principal a possibilidade de determinar com quem se deseja ter a relação sexual. Outrossim, pode‐se dizer que essa característica tem como elemento nuclear a vontade, ou seja, é necessário que as pessoas envolvidas na relação tenham interesse que o ato se consume. No entanto, nem toda a vontade pode ser considerada válida, pois quando em uma das extremidades da relação sexual está
  • 6. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 6/11 inserida uma criança ou adolescente impõe‐se que o seu consentimento seja avaliado. Tendo em vista a situação especial da criança e do adolescente no meio social, devido a seu estado de ser‐humano em desenvolvimento, o legislador pátrio abordou a questão do consentimento nas relações de abuso sexual considerando presumida a violência quando este ocorrer contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos. Quanto a esta idade de consentimento existem algumas divergências. De maneira que alguns doutrinadores entendem ser o mais adequado que a presunção fosse considerada somente quando a vítima estivesse na faixa etária de 0 (zero) a 12 (doze) anos, que segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde ao período que o ser‐ humano pode ser considerado criança. Além de defender os 12 (doze) anos como idade de consentimento, Ricardo Breier (2007, p.103) tece outras críticas à forma de tratamento brasileira ao tema da liberdade sexual  e a presunção de violência dizendo: “Com a análise dos parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais referente à matéria sobre liberdade sexual, constata‐se que tais posições não são unânimes no Brasil. Há necessidade de uma descrição típica taxativa que determine o limite para a lesão à liberdade sexual, diversa de uma mera presunção, o que irá limitar a interpretação do julgador.” Porém, não é concebível o entendimento de que apenas a liberdade sexual seja objeto de tutela quando ocorre o abuso sexual contra uma criança ou adolescente, visto que não é somente o consentimento do menor que é violado, ou ludibriado. Sua visão de mundo é alterada. Além disso, quando são divulgadas imagens e vídeos destes atos o menor passa a ter também a sua imagem afetada. Neste sentido, Breier (2007, p. 102) relata o posicionamento da doutrina portuguesa: “Entendem alguns autores que o bem jurídico a ser tutelado, nos casos de abusos sexuais de crianças, não é somente a liberdade sexual ou o critério de auto‐ determinação da vítima, mas igualmente o livre desenvolvimento da personalidade sexual da criança.” Como se nota existe uma complexidade de bens jurídicos a serem tutelados quando o assunto é a pedofilia. Não basta que o legislador brasileiro vise proteger o menor considerando apenas a liberdade sexual, visto que dessa forma estará restringindo a possibilidade de proteger o menor de acordo com suas peculiaridades. 2.1.2.   As conseqüências das práticas pedófilas para o menor O tamanho da gravidade das seqüelas que a criança abusada sexualmente pode apresentar  depende de vários fatores, dentre os quais se encontram: o tipo de agressão, a severidade da violência ou coação usada, o grau da relação com o agressor, o desenvolvimento da personalidade do infante, a reiteração ou não do abuso, o apoio familiar , etc. Os efeitos nefastos podem ser de vários  tipos e em função disso adquirem diversas classificações, por exemplo: existem autores que dividem as seqüelas do abuso sexual em: seqüelas físicas e seqüelas psicológicas. Outros partem do critério da duração das conseqüências, fracionando as seqüelas em seqüelas de longo prazo e seqüelas de curto prazo. No plano físico apresentam‐se as dores corporais próprias das lesões geradas no decorrer do abuso sexual violento ao menor, a possível transmissão de enfermidades venéreas, a possibilidade de aquisição de AIDS, etc. Os efeitos psicológicos por seu turno,embora não sejam visíveis, pertencem ao grupo dos mais duradouros. Os transtornos mantais se manifestam nos planos emocional, cognitivo e comportamental. Sem fazer distinção entre estes planos podemos enumerar, por exemplo, os estados ansiosos e depressivos, o desenvolvimento de fobias associadas a determinados estímulos decorrentes de lembranças do abuso sofrido, problemas de auto‐confiança, sentimentos de insegurança, etc. No plano comportamental manifestam ações geralmente  agressivas, problemas de relacionamento, condutas sexuais promiscuas, etc. Definitivamente, o abuso sexual gera nas crianças um dano profundo na auto‐estima; as vítimas aumentam sua dor e tragédia percebendo‐se a si mesmas como seres estigmatizados. Não é segredo nenhum que a ação dos abusadores sexuais comprometem gravemente o desenvolvimento do menor e afrontam os direitos fundamentais deles como seres humanos. O desenvolvimento do menor é profundamente abalado, sua personalidade é direcionada para um conhecimento distorcido do mundo. Cezar Bitencourt (2007, p. 898) explica muito bem o quão importante é a adequada formação da personalidade e como ela pode ser afetada: “Há várias formas de se perverter a boa formação dos jovens, desde o aliciamento para a vida sexual precoce até o cometimento de crimes. Lembremos, pois fundamental, que a formação da personalidade ocorre, de forma decisiva e concentrada, durante a adolescência. Personalidade [...] constitui o papel que desempenhamos em sociedade, formando o conjunto dos caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. A personalidade é a síntese do “eu”, compondo o núcleo inconfundível de cada indivíduo. A ela devem‐se os valores e a particular visão do mundo de cada um. Revela a individualidade humana, com as escolhas e preferências dadas a determinado caminho ou a certo modo de agir.” Diante do exposto, faz‐se necessária a devida coerção penal para os agentes pedófilos, com vistas a não permitir que a criança ou adolescente sofra o abuso e tenha o seu desenvolvimento prejudicado. Porém, deve‐se analisar todo os bens jurídicos envolvidos neste abuso para que a penalização seja adequada e proporcional às suas conseqüências. 3. Da norma 3.1. A norma jurídica conforme a teoria tridimensional O grande jusfilósofo Miguel Reale quando faz sua reflexão sobre o Direito partiu da concepção de que o homem é um ser social e histórico, e que se move dentro de uma realidade específica que é a cultura, da qual resulta sua experiência social, que tem diferentes variáveis, uma das quais é a experiência jurídica. Esta experiência jurídica é bilateral, porque compromete a duas ou mais pessoas simultaneamente, estabelecendo mutuas obrigações para as partes, algumas das quais são de ordem pública, ou seja, impostas pelo Estado. Estas obrigações bilaterais que constituem o cerne da experiência jurídica do homem se movem dentro de um universo essencial que tem três elementos primordiais: fato, valor e norma. É fato porque o homem faz parte de uma realidade social, relações e objetos; valor, uma vez que o axiológico é uma dimensão humana específica que o projeta ao valioso, ao justo; norma, porque estas relações estão reguladas por regras, emanadas do Estado com caráter imperativo‐atributivo. Para o doutrinador, só esta tríplice dimensão do fato, valor e norma constitui um verdadeiro complexo fático‐axiológico‐normativo, que identifica uma realidade única e indissolúvel e que é o mundo próprio do Direito. Grande relevância desta teoria de Reale está no aspecto lógico da relação entre os três elementos distintos, pois se acham em uma estreita e inseparável relação, que se caracteriza pela polaridade e a implicação, isto é, estão unidos dialeticamente, como uma unidade dentro de um processo dialético. A norma deixa de ser um juízo puramente lógico, e passa a ser um estudo da integração entre o fático e o axiológico. A novidade na proposta de Reale está na afirmação de que estes elementos sempre foram compreendidos separadamente. Eram considerados como elementos isolados ou puramente justapostos. O aporte de Reale é pretender unir‐los e integrá‐los numa relação dialética, baseada no princípio lógico de implicação e polaridade, observando‐os num desenvolvimento dinâmico, dialético, um verdadeiro processo, em constante transformação, no qual nenhum elemento pode ser observado de forma isolada. Para Reale, conhecer o Direito em toda a sua riqueza supõe necessariamente ver esta relação estreitamente unida, porque em caso contrário deparar‐se‐á na unilateralidade e reducionismo. Neste sentido Reale ensina: “A norma jurídica não é apenas algo do homem, mas algo para o homem, a quem trata de dirigir e controlar. Por isso é um produto cultural que encerra em si uma “teleologicidade”, pois sem a atenção às teleologias concretas da sociedade existe o perigo de reduzir a norma a uma simples estrutura lógica. A norma não é, assim, um “objeto ideal”, mas uma realidade cultural, inseparável das circunstâncias de fato e do complexo de estimativas que condicionam o seu surgir, seu desenvolvimento, sua vigência e sua eficácia”(1999, p.61) Seguindo este raciocínio, Maria Helena Diniz preceitua: “A vida em sociedade exige o estabelecimento de normas jurídicas que regulem os atos de seus componentes; são os mandamentos dirigidos à liberdade humana no sentido de restringi‐la em prol da coletividade, pois esta liberdade não pode ser onímoda, o que levaria ao caos. As normas de direito visam delimitar a atividade humana, preestabelecendo, para vantagem de todos, os marcos das exigibilidades recíprocas, garantindo a paz e a ordem da sociedade.” (2004, p. 337) Diniz observa, ainda, duas características essenciais à norma jurídica,as quais, segundo a autora, podem ser verificadas como elementos primordiais para a conceituação da norma jurídica: a imperatividade e o autorizamento.  A imperatividade, porque tem o poder de impor um determinado comportamento, e o autorizamento que consiste na possibilidade do lesado exigir o cumprimento do comportamento não efetuado ou a reparação pelo mal causado. Segundo a autora “o elemento 'imperativo' revela seu gênero próximo, incluindo‐a no grupo das normas éticas que regem a conduta humana, diferenciando‐as das leis‐físico‐naturais, e o 'autorizante' indica sua diferença específica, distinguindo‐a das demais normas, pois só a jurídica tem esse caráter.” 3.2. Fontes da norma jurídica: as origens do direito As fontes do Direito são os fatos, atos, doutrinas ou ideologias que agem de forma determinante para a criação, modificação ou sustentação do Direito, tanto pela perspectiva histórica quanto pelos mecanismos necessários para a produção de novas disposições jurídicas que se ajustem às necessidades do povo ao qual as normas são destinadas. O cientistas jurídicos ao estudarem essas fontes classificam‐nas de acordo com a perspectiva em que são analisadas, separando‐as, em conseqüência desta diferença de ótica, em fontes formais e fontes materiais. Neste sentido o que se pretende afirmar é que se a análise das fontes for efetuada em momento anterior à regra jurídica, ter‐se‐á por fontes a série de elementos que conduz para a criação da regra jurídica e aí estar‐se‐á tratando de fonte material. Porém, quando o estudo que se faz ocorre num momento seguinte a criação da regra,
  • 7. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 7/11 ter‐se‐á como fonte aquelas determinações de conduta exteriorizadas pela. Tendo em vista o tema abordado no presente trabalho, as fontes de maior interesse para o estudo dizem respeito ao direito penal e é com este propósito que será efetuada a pesquisa quanto aos dois tipos de fontes jurídicas. 3.2.1.   Fontes materiais Dentre os poderes do Estado está a faculdade de estabelecer quais são as atitudes a serem concebidas como reprováveis e reconhecidas como delitivas. Dessa forma, somente ele Estado pode ser fonte de de criação para o Direito Penal Conforme preceitua Julio Fabbrini Mirabete: “A única fonte de produção do Direito Penal é o Estado. [...] O Estado todavia, não pode legislar arbitrariamente, pois encontra seu fundamento na moral vigente, na vida social, no progresso e nos imperativos da civilização. Assim, como fonte remota e originária da norma jurídica está a 'consciência do povo em dado momento do seu desenvolvimento histórico, consciência onde  se fazem sentir as necessidades sociais e as aspirações da cultura, da qual uma das expressões é o fenômeno jurídico'.”(2004, p. 45‐46) Observa‐se, assim, que mesmo o Estado sendo o detentor do poder de punir, ele não deve nunca ser relapso aos acontecimentos que permeiam o cotidiano do povo, visto que é este último que fundamenta e legitima o seu poder. 3.2.2.   Fontes formais As fontes formais são a exteriorização da norma jurídica. É através delas que a regra toma forma, revelando o seu conteúdo. Essas fontes podem ser divididas em diretas (imediatas) e indiretas (mediatas ou subsidiárias)  A fonte direta do Direito Penal brasileiro é exclusivamente a lei, tendo em vista o princípio da reserva legal constitucional. Esta lei contudo deve ser entendida sob um enfoque amplo, o qual engloba todos os instrumentos que originários do Estado visam a prescrição e regulamentação da sanção penal. Como fontes indiretas ou subsidiárias tem‐se os costumes e os princípios gerais do direito. Os costumes podem ser entendidos coma a reiteração constante e uniforme de uma norma de conduta executada de modo geral, na qual está compreendida um caráter obrigacional. Um costume não cria ou extingue qualquer crime, porém pode ser influente o suficiente para que o legislador crie novas normas penais, bem como identifique situações na qual a lei penal deixou atingir adequadamente o seu fim. Os princípios gerais do direito não são normas jurídicas sob as quais se possa submeter situações concretas, mas são linhas e diretrizes decorrentes da legislação e do sistema jurídico como um todo. Esses princípios influenciam o direito penal e o auxiliam no preenchimento de lacunas ou omissões da lei. Vale aqui dizer que a eqüidade como fonte ética para a aplicação da norma não pode ser considerada dentre as fontes do direito penal, sendo apenas meio de interpretação das leis penais. Sob este mesmo aspecto deve ser entendidos a analogia, a doutrina e a jurisprudência. 3.3. As normas de proteção ao menor As crianças e adolescentes, assim como outras categorias de pessoas com fragilidade perante o ordenamento jurídico, vêm obtendo grandes vitórias na busca pela preservação dos seus direitos fundamentais nas últimas décadas. Uma mistura de pressão social e conscientização legislativa tem possibilitado a criação de leis a muito solicitadas pelos defensores dos menores. No entanto, o caminho para que todos esses direitos sejam respeitados continua sendo traçado e os representantes do povo devem estar atentos para a realidade que cerca o adolescente e a criança. 3.3.1. A Convenção sobre os Direitos da Criança Marco histórico do Direito Internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança trouxe para o contexto jurídico mundial a idéia da proteção integral ao menor. Promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em setembro do ano seguinte, esta Convenção veio a assegurar uma série de diretrizes para que fosse dado o devido valor às crianças e adolescentes de todos os lugares. De maneira a propiciar‐lhes condições dignas de desenvolvimento sob todos os seus aspectos. Sendo este seu grande avanço: o reconhecimento da criança como um sujeito de direitos. No que se refere ao tema da pedofilia esta convenção seguindo a linha da proteção integral “determinou” no seu artigo 19 o tratamento a ser seguido pelos seus signatários quando o assunto fosse a violência contra o menor: “1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.” Essa orientação se apresenta como uma resposta ao aumento progressivo das ações violentas contra o menor, de modo a indicar o rumo que deve ser seguido para que as ações tomadas se tornem mais eficazes na tutela dos direitos fundamentais do ser humano em seus primeiros anos de vida, momento em que sua dependência em relação aos órgãos governamentais é inqüestionável. É a partir desta Convenção e sua recepção maciça pelos países envolvidos que ocorreu a mudança globalizada na consciência jurídica em torno dos direitos do menor, colocando‐o como um sujeito de direitos que em decorrência de sua hipossuficiência necessita de medidas protetivas que não permitam que seu desenvolvimento sofra qualquer tipo de restrição. 3.3.2.   A Constituição Federal de 1988 Um ano antes da realização da assembléia geral que deu origem à Convenção sobre os Direitos da Criança a Carta Magna brasileira estava envolvida por grandes avanços jurídicos com relação aos direitos fundamentais, trazendo consigo o novo conceito da criança como sujeito de direito, e muito mais que isso, colocando‐a como sujeito preferencial de direitos, demonstrando a especialidade característica do menor. O artigo 227 em seu caput revela essa preferência ao determinar que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá‐los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Tamanha a importância dada pela Carta que além de garantir a prioridade de proteção aos menores, incumbiu a todos – família, sociedade e Estado – o dever de garantir à criança o usufruto de seus direitos. No decorrer do dispositivo citado são indicadas diversas formas de atuação com vistas a concretizar a proteção prevista no caput, no entanto, de maior relevância para o tema que é discutido no presente estudo tem‐se o §4º do referido artigo com a ordem enérgica de que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Deve‐se ressaltar que a veemente determinação do parágrafo 4º pelo seu caráter genérico deixou a cargo da legislação infraconstitucional o dever de prescrever a maneira que a punição ordenada pelo texto constitucional deve ser efetuada de maneira satisfatória. Tarefa esta que ficou nas mãos do legislador pátrio e que nem sempre alcança os objetivos pretendidos pelo constituinte. No entanto, pela falta desta lei, não se deve nunca deixar de exercer a proteção ao menor e punir os agressores. Como muito bem orienta o grandioso Rui Barbosa (1933, apud PIOVESAN, 2003, online): “Não há, numa Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, , ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. Cabe, pois, ao legislador, disciplinar a matéria.” Neste sentido, não se pode conceber que a dificuldade do legislador em prescrever uma norma que regule de um modo aceitável a defesa dos direitos das crianças e adolescentes seja empecilho para a obtenção deste fim. Contudo, a Constituição Federal de 1988 foi uma evolução político‐jurídica de grande valia que permitiu, através desse amadurecimento e em conjunto com a Convenção sobre os Direitos da Criança, a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente em julho de 1990, o grande marco histórico no amparo jurídico nacional aos menores. 3.3.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) Como reflexo da Constituição Cidadã e da Convenção sobre os Direitos da Criança o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA traz em seu bojo a doutrina da proteção integral ao menor, considerando este não mais como objeto de direito como fazia o Código de Menores de 79 – que tinha como orientação a doutrina da situação irregular – e sim como um sujeito de direitos, adequando‐se dessa forma ao proposto pela Carta Magna. Dessa forma: “A Lei estabelece a proteção integral às crianças e adolescentes brasileiros, regulamentando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. A grande mudança de enfoque é que, anteriormente, no Código de Menores, vigorava a doutrina da situação irregular, pela qual o menino de rua, a menina explorada sexualmente, a criança
  • 8. 25/09/2015 A pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira ­ ECA ­ Âmbito Jurídico http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5071. 8/11 trabalhando no lixão, o adolescente infrator, o menino vítima de agressões e tortura, entre outras situações, estavam em situação irregular e deveriam ser "objeto" de intervenção dos adultos e do Estado, já que não eram considerados "sujeitos de direitos". Com o ECA, nessas situações acima descritas, quem está irregular é a família, o Estado e toda a sociedade que não garantiram a proteção integral às crianças e aos adolescentes, colocando‐ os a salvo de qualquer violação de seus direitos fundamentais.” (ALVES, 2008, online). O que se buscou com o ECA foi a criação de um diploma legal que conseguisse englobar todos os objetivos da Convenção sobre os Direitos da Criança, o que até certo ponto foi alcançado, tanto é assim que muitos dos países signatários mais tarde utilizaram o estatuto brasileiro como modelo para que pudessem adaptar suas legislações. No entanto, as constantes mudanças nas ações criminosas, as variações nas formas de vitimização da criança e do adolescente, são fatores que colaboram para o surgimento de lacunas a serem preenchidas pelo legislador. Atualmente a proteção frente aos abusos sexuais contra menores prevista no ECA é a que consta nos artigos 240 e 241: “Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando‐se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória: Pena ‐ reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 1o Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente. § 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos I ‐ se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função; II ‐ se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial. Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: Pena ‐ reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 1o Incorre na mesma pena quem: I ‐ agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo; II ‐ assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo; III ‐ assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo. § 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos I ‐ se o agente comete o crime prevalecendo‐se do exercício de cargo ou função; II ‐ se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial.” Como se nota, os artigos estão destinados ao combate à pornografia infantil, deixando para o Código Penal o combate à violência sexual decorrente de outros atos que não a pornografia. Neste momento surge a primeira falha do Estatuto. Pois embora o Código Penal consiga abarcar muitas das atuações pedófilas, não possuí no seu conteúdo a realidade do bem jurídico tutelado quando se trata de uma criança ou adolescente, visto que o único instrumento que ameniza esta diferença consta na presunção de violência quando a vítima do crime é menor de 14 anos (artigo 224 do CP). O Código Penal serve, na realidade, como um manual de analogias quando se trata de pedofilia, visto que esta não possui um tipo penal específico. O que ocorre é a utilização dos artigos 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor) de modo analógico para definir condutas relacionadas à pedofilia e a qualificação destas condutas em decorrência da presunção de violência. Vale lembrar que esses crimes aos quais a pedofilia é relacionada constam no rol dos crimes hediondos, em conformidade com a lei 8.072/90. Desta forma o pedófilo que for indiciado por esse crime responderá por ele sem direito a fiança e se condenado deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, dentre outras restrições. Esse entendimento quanto à forma presumida também ser considerada como crime hediondo é recente, tendo em vista que o entendimento doutrinário era majoritário em sentido contrário e somente com a decisão do STF é que foi concebido dessa maneira (HC 8728). Contrário à presunção de violência, mas indo de acordo com a necessidade de proteção ao menor, Celso Delmanto (1998, p. 409) diz que: “[...] embora inadmissível a presunção de violência, não pode o Direito Penal deixar de proteger os menores de 14 anos. É por isso que o legislador deveria, com a máxima urgência, reformular não só este art. 224, mas todos os crimes sexuais previstos no CP, para adequar a antiga Parte Especial ao moderno Direito Penal[...]” Outra situação na qual o ECA foi omisso deixando a responsabilidade de punir por conta do Código Penal e que também está ligada à pedofilia é a relativa à prostituição infantil e o tráfico de menores com fins sexuais. Estes atos acabam tendo que ser combatidos por meio dos artigos previstos no capítulo V que diz respeito ao lenocínio e o tráfico de pessoas. Cabe neste momento fazer uma ressalva quanto ao tráfico de pessoas, pois quando este ocorrer com vistas apenas de lucro deve‐se aplicar o artigo 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente e somente quando a intenção for para fins de prostituição que deve ser utilizada a previsão do Código Penal. O referido artigo do ECA assim determina: “Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro [...]” Já quando a pretensão do traficante de menores for a utilização da criança ou adolescente como objeto de satisfação sexual por meio da prostituição os artigos a serem utilizados passam a ser o 231 e o 231‐A do Código Penal, com a possibilidade, inclusive, da aplicação da qualificadora da violência presumida: “Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê‐la no estrangeiro (...) Art. 231‐A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição (...)” Suprida essa questão da utilização da legislação penal de forma supletiva ao estatuto da criança e do adolescente surge uma questão de maior gravidade: a inexistência em qualquer dos dois diplomas legais de uma previsão que reprove o sujeito que armazena o material pornográfico: o consumidor da pornografia pedófila. A gravidade com a qual se adjetiva esta situação é conseqüência da propagação em alta escala da pornografia infantil através de redes pedófilas, as quais estão cada vez mais organizadas e violentando um número gigantesco de crianças e adolescentes por todo o mundo, sendo o Brasil um grande colaborador para esses abusadores. Pois bem, se essa rede só aumenta e os sites que oferecem materiais pornográficos infantis adquirem a todo o momento mais usuários é porque existem muitas pessoas que financiam estes criminosos. De maneira que são agentes desse crime, da mesma forma que os consumidores de drogas são para os traficantes de entorpecentes, ou como o receptor de crime de furto é para o ladrão. Como não existe diferença na relação criminoso‐consumidor nos exemplos citados não cabe a diferenciação de tratamento quando se falar em pornografia infantil. O motivo de que os receptores de objetos furtados são penalizados por serem fomentadores do crime em si também se aplica ao caso das pessoas que adquirem material pornográfico de crianças com o simples fim de armazenamento. Quando um indivíduo toma pra si uma foto originária de ações em que a criança é abusada ele também está exercendo esse abuso. Quando um negócio dá lucro, muitos serão os interessados em investir nesse negócio. Se a pessoa, por qualquer motivo, faz‐se consumidora destes sites de pornografia infantil está aumentando a demanda deste comércio e fazendo crescer os “investidores” do mesmo. Enquadra‐se na mesma situação do mandante num crime de homicídio, pois dá o motivo para que o abuso e a violência sexual contra a criança se efetivem. 3.3.4.   A proposta legislativa brasileira Com vistas a se adequar aos avanços tecnológicos o legislador brasileiro tem apresentado alguns projetos de lei com a pretensão de superar as lacunas que são ocasionadas pelo constante surgimento de variadas formas de atuação pedófila. Principalmente no que diz respeito aos crimes e abusos efetuados através da internet. No dia 10 de Julho do corrente ano foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de maior vulto em relação à pornografia infantil. O projeto visa uma repreensão mais adequada para as diversas formas de atuação pedófila. Decorrente de uma vasta investigação por parte da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) comandada pelo senador Magno Malta e sob o nº. 250/2008 a referida proposta legislativa traz em seu conteúdo diversos dispositivos que tendem a completar as lacunas que o ECA deixou quando tratou dos crimes sexuais contra os menores. A primeira das mudanças apresentadas é o aumento da pena prevista hoje no artigo 240 do Estatuto passando o seu mínimo de 2 (dois) para 4 (quatro) anos e o máximo de 6 (seis) para 8 (oito) anos, permanecendo a previsão de multa. Além disso, a alteração amplia o rol de atividades a serem coibidas, estendendo a punibilidade a quem