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DOSSIÊ SOBRE A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE KARL POPPER
(http://lrsr1.blogspot.com.br/2015/04/dossie-sobre-filosofia-da-ciencia-de.html)
I
SÍNTESE DAS IDEIAS DE POPPPER SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA
TESES CENTRAIS
1. Uma teoria é científica se for testável e suscetível de falsificação
empírica mediante a observação.
2. Uma teoria irrefutável não tem direito a ser considerada científica.
3. O indutivismo é uma perspetiva errada sobre o método científico.
4. As teorias e hipóteses científicas não podem ser verificadas nem
confirmadas, unicamente corroboradas.
5. Os cientistas exercem uma vigilância crítica permanente das hipóteses
e teorias científicas.
6. A ciência é objetiva porque os cientistas submetem as teorias ou
hipóteses a testes empíricos rigorosos.
7. A ciência procede por conjeturas (hipóteses)e refutações em direção
a um ideal de verdade que nunca atingirá, mas do qual se aproxima
constantemente mediante a eliminação de erros.
A falsificabilidade O tema da falsificabilidade permite a Popper resolver dois problemas: o
da demarcação entre ciência e não ciência e o do papel da indução na
ciência.
A falsificabilidade é a caraterística de uma teoria ou hipótese que pode
ser refutada por alguma observação.
O problema da
demarcação
O problema da demarcação consiste em encontrar um critério que
permita separar ciência de pseudociência.
Será científica a teoria que se submete a testes destinados a falsificá-la
e assim a refutá-la. A ciência distingue-se da pseudociência porque
procura falsificar e não verificar ou confirmar as suas hipóteses.
As teorias que não são refutáveis por alguma observação possível não
são científicas. E são cientificamente tanto mais úteis quanto mais riscos
correrem nas previsões que fazem.
Contra o indutivismo e
o verificacionismo
Popper resolve o problema da indução opondo à conceção indutivista da
investigação científica (que procura tornar verdadeiras as teorias) a
falsificação.
A indução não é o método da ciência porque:
1. Não podemos inferir as hipóteses da experiência como se houvesse
observações puras ou objetivas. Os cientistas deduzem consequências
observacionais das teorias e, submetendo essas predições ao confronto
com os factos, sujeitam as teorias a testes rigorosos. Não precisam da
indução para formar hipóteses.
2. A experimentação científica não é realizada com o objetivo de
«verificar» ou estabelecera verdade de hipóteses ou teorias porque esse
objetivo é impossível.
A indução não nos pode dar certezas acerca da verdade das nossas
teorias. Por maior que seja o número de observações a favor de uma
teoria obtida por indução, esta pode sempre vir a revelar-se falsa. Mas
podemos muitas vezes ter a certeza da sua falsidade adotando um
modelo hipotético dedutivo que procura provar a falsidade e não a
verdade de uma teoria.
A corroboração Uma teoria diz-se corroborada quando resiste aos testes destinados a
falsificá-la.
Para ser corroborada uma teoria deve apresentar um bom conteúdo
empírico que restrinja aquilo segundo as suas previsões pode acontecer
‒ de modo a não ser vaga ‒ e deve passar em testes sérios e rigorosos.
Mas ser corroborada não significa dizer que a sua verdade foi provada
nem que é provável que seja verdadeira. Unicamente não foi refutada e
podemos continuar a trabalhar com ela, se não for posteriormente
desmentida ou se não encontrarmos uma melhor. A qualquer momento,
uma teoria pode ser refutada por novos testes. O máximo que se pode
dizer de uma teoria científica é que,até a um dado momento, ela resistiu
aos testes usados para a refutar.
O progresso do
conhecimento
científico
A ciência progride mediante o método das conjeturas e refutações.
As conjeturas ou hipóteses – que nunca podem ser verificadas ou
confirmadas ‒ são sujeitas a testes severos aos quais podem sobreviver
ou não. As que sobrevivem às tentativas de refutação revelam-se mais
resistentes, mas nunca verdadeiras ou provavelmente verdadeiras.
Constituem, em comparação com outras, uma melhor aproximação à
verdade.O seu grau de verosimilhança é o critério que as torna melhores
do que teorias rivais. Aproxima-se mais da verdade a conjetura que
resolve melhor certos problemas do que as suas competidoras.
O progresso científico, mediante a eliminação de erros, é uma evolução
em direção a uma meta ideal inalcançável: o ideal da verdade como
espelho fiel da realidade.
II
TEXTOS SOBRE POPPER
1 - O falsificacionismodeKarlPopper
1. Indução
«Uma linhade respostabastante diferente paraoproblemadainduçãodeve-se aKarl Popper.
Popperolhapara a prática da ciênciapara nosmostrar como lidarcomo problema.Segundoo
pontode vistade Popper,paracomeçar a ciêncianãose baseiana indução.Poppernegaque
os cientistascomeçamcomobservaçõese inferemdepoisumateoriageral.Emvezdisso,
primeiropropõemumateoria,apresentando-acomoumaconjeturainicialmente não
corroborada,e depoiscomparamassuas previsõescomobservações paraverse elaresiste
aos testes.Se essestestesse mostraremnegativos,entãoateoriaseráexperimentalmente
falsificadae oscientistasirãoprocuraruma novaalternativa.Se,pelocontrário,ostestes
estiveremde acordocoma teoria,entãooscientistascontinuarãoamantê-lanãocomouma
verdade provada,é certo,mas aindaassimcomo umaconjeturanão refutada.
Se olharmospara a ciênciadestamaneira,defende Popper,entãoveremosque elanãoprecisa
da indução.SegundoPopper,asinferênciasque interessamparaaciênciasão refutações,que
tomamuma previsãofalhadacomopremissae concluemque ateoriaque estápor detrásda
previsãoé falsa.Estasinferênciasnãosãoindutivas,masdedutivas.Vemosque umA é não-B,
e concluímosque nãoé o caso que todosos As sãoBs. Aqui nãohá hipótese de apremissaser
verdadeirae a conclusãofalsa.Se descobrirmosque umcertopedaçode sódionãoficalaranja
quandoé aquecido,entãosabemosde certezaque nãoé ocaso que todo o sódioaquecido
ficalaranja.Aqui o facto interessante é que é muitomaisfácil refutarteoriasdoque prová-las.
Um único exemplocontrárioé suficiente paraumarefutaçãoconclusiva,masnenhumnúmero
de exemplosfavoráveisconstituiráumaprovaconclusiva.
2. Falsificabilidade
Assim,segundoPopper,aciênciaé uma sequênciade conjeturas.Asteoriascientíficassão
propostascomohipóteses,e sãosubstituídaspornovashipótesesquandosãofalsificadas.No
entanto,estamaneirade vera ciênciasuscitauma questãoóbvia:se as teoriascientíficassão
sempre conjeturas,entãooque tornaa ciênciamelhordoque a astrologia,a adoração de
espíritosouqualqueroutraformade superstiçãosemfundamento?Umnãopopperiano
responderiaaestaquestãodizendoque averdadeiraciência provaaquiloque afirma,
enquantoasuperstiçãoconsiste apenasempalpites.Mas,segundoaconceçãode Popper,
mesmoas teoriascientíficassãopalpites — poisnãopodemserprovadaspelasobservações:
são apenasconjeturasnãorefutadas.
Popperchamaa istoo "problemadademarcação" — qual é a diferençaentre aciênciae
outras formasde crença? A suarespostaé que a ciência,aocontrárioda superstição,pelo
menosé falsificável,mesmoque nãopossaserprovada.Asteoriascientíficasestãoformuladas
emtermosprecisos,e por issoconduzemaprevisõesdefinidas.Asleisde Newton,por
exemplo,dizem-nosexatamenteonde certosplanetasaparecerãoemcertosmomentos.Eisto
significaque,se taisprevisõesfracassarem,poderemosteracertezade que a teoriaque está
por detrásdelasé falsa.Pelocontrário,ossistemasde crençascomoa astrologiasão
irremediavelmente vagos,de tal maneiraque se tornaimpossívelmostrarque estão
claramente errados.A astrologiapode preverque osescorpiõesirãoprosperarnassuas
relaçõespessoaisàquinta-feira,mas,quandosãoconfrontadoscomumescorpiãocujamulher
o abandonounumaquinta-feira,é natural que osdefensoresdaastrologiarespondamque,
considerandotodasascoisas,o fimdocasamentoprovavelmente acabouporsermelhor.Por
causa disto,nadaforçará algumavezos astrólogosa admitirque a sua teoriaestáerrada.A
teoriaapresenta-seemtermostãoimprecisosque nenhumasobservaçõesatuaispoderão
falsificá-la.
3. Ciênciae pseudociência
O próprioPopperusaeste critériode falsificabilidadeparadistinguiraciênciagenuínanão só
de sistemasde crençastradicionais,comoaastrologiae a adoração de espíritos,mastambém
do marxismo,dapsicanálisede váriasoutrasdisciplinasmodernas que ele considera
negativamentecomo"pseudociências".SegundoPopper,astesescentraisdessasteoriassão
tão irrefutáveiscomoasda astrologia.Osmarxistaspreveemque asrevoluçõesproletárias
serãobem-sucedidasquandoosregimescapitalistasestiveremsuficientemente enfraquecidos
pelassuascontradiçõesinternas.Mas,quandosãoconfrontadoscomrevoluçõesproletárias
fracassadas,respondemsimplesmenteque ascontradiçõesdessesregimescapitalistas
particularesaindanãoos enfraqueceramsuficientemente.De maneirasemelhante,osteóricos
psicanalistasdefendemque todasasneurosesadultasse devematraumasde infância,mas
quandosão confrontadoscomadultosperturbadosque aparentemente tiveramumainfância
normal dizemque aindaassimessesadultostiveramque atravessartraumaspsicológicos
privadosquandoeramnovos.ParaPopper,estestruquessãoa antítese daseriedade
científica.Oscientistasgenuínosdirãode antemãoque descobertasobservacionaisosfariam
mudar de ideias,e abandonarãoassuas teoriasse essasdescobertasse realizarem.Masos
teóricosmarxistase psicanalistasapresentamassuasideiasde tal maneira,defende Popper,
que nenhumasobservaçõespossíveisosfarãoalgumavezmodificaroseupensamento.»
DavidPapineau«Methodology»emA.C.Grayling(org.),Philosophy:A Guide Throughthe
Subject,OxfordUniversityPress,1998 (traduçãode PedroGalvão).
2
Exemplode teorianãofalsificável
«Comoexemplode umateorianãocientíficapodemostomaraastrologia.Éclaro que se trata
de uma teorianão falsificável.Asprevisõesastrológicassãosuficientemente vagasparanunca
admitiremumteste de falsificabilidade (“esteanotenhaatençãoà suasaúde”ou “em março
morreráuma figuramundialmente conhecida”,emvezde “a15 de abril vai partir umaperna”
ou “o papa vai morrer entre 10 e 17 de março”).Nocaso (altamente improvável) de alguma
vezalgumastrólogoemitirumaprevisãofalsificávelnãoverificada,ouve-seumcorode
explicaçõesadhoc[...].Asmaiscomunssãoobservaçõescomo“a astrologiafuncionanalguns
casos”. Em que casos nãofunciona?Ninguémsabe.Emque casosfunciona?Ninguémsabe.O
que os distingue [...]?Ninguémsabe.Assim,aastrologiaestálegitimada,queracerte quer
falhe asprevisões.Ouseja,nãoé falsificável.Portanto,nãoé científica.Éumapseudociência.»
Jorge Buescu,O MistériodoBilhete de Identidadee OutrasHistórias,Lisboa,Gradiva,2004, 9.ª
edição,p.13.
3
O básicosobre a teoriade Popper
«Nasua primeiraobra,A Lógicada DescobertaCientífica,publicadaemalemãoem1934,
Popperdefendeque,apesarde asteoriascientíficasnãopoderemserverificadasnemmesmo
tornadasprováveis,elaspodemserfalsificadaspelosfactos.A ciênciaprogride apresentando
conjeturas – teoriasouhipótesesque dizemomáximopossível acercadomundoe que assim
se expõemomáximopossível aoriscoda refutaçãoempírica.Sãoentãosubmetidasaum
severoescrutínioouexame que tentaasua refutaçãoobservacional ouempírica.Quandouma
teoriacientíficaé empiricamente falsificada,ocientistatemde pensarnumamelhorhipótese
explicativaque tenhaaindamaisconteúdoinformativo.A novateoriadeve predizere explicar
todosos factosque a teoriafalsificadaexplicavae tera capacidade de prever igualmente
novosfenómenos.»
NicholasMaxwell,UniversityCollege London‒ Karl RaimundPopper‒ PhilSci-Archive
4
Poppere o problemacentral dafilosofiadaciência:oproblemadademarcação
«Quandodeve serconsideradacientíficaumateoria?Qual ocritérioque determinaostatus
científicode umateoria?Há uma condiçãofundamental paraque qualquerhipótesetenhao
estatutode teoriacientífica:essahipótese temde serfalsificável.Popperrefere claramente
que o problemaque opreocupanão é determinarquandoé verdadeiraouaceitáveluma
teoria,massim"distinguiraciênciadapseudociência,sabendomuitobemque porvezesa
ciênciaerrae a pseudociênciaacerta".Ele conheciaarespostacomummente aceite paraoseu
problema:"aciênciadistingue-sedapseudociência–ou da metafísica– peloseumétodo
empírico,que é essencialmenteindutivo,istoé,que parte daobservaçãoouda
experimentação".Noentanto,essaresposta,nãoosatisfazia.Daía reformulaçãodoproblema
com o intuitode distinguir"ummétodogenuinamente empíricode ummétodonãoempírico
ou até pseudoempírico,istoé,ummétodoque emborafazendoapeloàobservaçãoe à
experimentação,nãolograadequar-seàsnormascientíficas.Este últimométodopodeser
exemplificadopelaAstrologia,comasua enorme massade dados empíricosbaseadosna
observação,emhoróscopose biografias".
O critériode demarcação que Popperencontraimplícitonaobrados positivistasé oda
verificação,critériosegundooqual umaproposiçãoé significativa se,e apenasse,puderser
verificadaempiricamente,istoé,se houverummétodoempíricoparadecidirse é verdadeira
ou falsa.Nafaltade tal métodoé uma pseudoproposiçãocarente de significadoou,quando
muito,umatautologia.Este princípiofoi ligeiramente reformuladopelosempiristaslógicos
que encontraramna obra de Carnap, a sua carta magna: aí a noção de verificaçãoconcludente
de uma proposiçãoé substituídapelanoçãode confirmaçãogradualmente crescente,
mediante orecursoà observaçãoe à experiência.Importareferirque oconceitode verificação
não perde a sualigaçãoumbilical àverdade:verificaré tornarverdadeiroouvera verdade de
algo.
Popperrejeitaeste critérioe todae qualquertentativade construirumalógicaindutiva.As
suas principaisobjeçõesàlógicaindutivistasãoas tradicionais.Noraciocínioindutivo
passamosde um caso (istoé,de um juízoparticular) para todosos casos(istoé,para um juízo
universal).Qual alegitimidadelógicado"salto"que efetuamosnasinferênciasindutivas?O
que nos autorizaa realizarsemelhante tipode raciocínio?Se osjuízosdaexperiênciasão
sempre particularese contingentes(istoé,arelaçãoque nelesse estabeleceentre osujeitoe
o predicadoé particulare contingente),comose pode formularumjuízouniversal e
necessárioque legitimeaspretensõesdasciênciasde possuíremleiscomumcaráter universal
e necessário(únicasque permitirãoaprevisão)?Emtermosestritamente lógicos,aconclusão
de um argumentonãopode ter maiorextensãoouconteúdodoque aquiloque é afirmadonas
premissas.Ora,é precisamente estainfraçãoque se verificanumaproposiçãocientíficade
caráter universal,que se fundamentaempremissasque consistemnumconjuntofinitode
proposiçõessingulares.Popperdescobriuumaconceçãosecular,aque identificaaciência
como umaatividade estritamente indutivaque,apartirde umas tantasobservaçõese
experiências,avançahipótesese formulaleissobre osfenómenos,procedendodepoisàsua
generalização e verificação.Foi estaconceçãoque a ingénuaepistemologiadaModernidade
consagroucomo paradigmáticanoâmbitodas ciênciasnaturaise,depois,pretendeuexportar
para o conjuntodossaberese disciplinas."Tendorejeitadoatese de que asproposições
científicaspodemserverificadas[...],Poppertentareconstruiralógicada ciênciade formaque
somente alógicadedutivasejasuficiente paraavaliarasproposiçõescientíficas.Esta
reconstruçãodá lugara umnovo critériode demarcação.Popper,aopretenderdemarcar-se
do empirismológico,maisnãofazdo que mostrara outraface do caráter reguladordo
conceitometafísicode verdade,quandoenunciaoprincípiofundamental doseu
falsificacionismoapartirdo qual se poderiadeterminaracientificidade de umaproposição:
uma proposiçãosópode considerar-se científica,se delaforpossível deduzirumconjuntode
enunciadosde observaçãoque possamfalsificá-la,aindaque nãoa falsifiquem
necessariamente.Éo facto de uma teoriacientíficapoderserteoricamentefalsificável que
determinaasua cientificidade,é esse factoque permiteavaliaroseugraude verosimilhançae
que,emúltimaanálise,aafastae demarca de teoriaspseudocientíficas,comoaAstrologia.
Estas teorias,emboraconsigamrealizar prediçõescorretas,sãoformuladasde tal modoque se
torna impossível qualquertentativade falsificaçãoe,porestarazão, não sãoconsideradas
teoriascientíficas.PodemostentarresumiroscritériosaceitesporPopperparadeterminaro
estatutocientíficode umateoria,aosseguintesprincípios:
1. Uma teoriaque não é suscetível de refutaçãonãoé consideradacientífica.
2. A irrefutabilidadenãoé umavirtude,massimum vício.
3. Todo o teste oucontrastação é uma tentativapararefutaruma teoria. Neste sentido,a
testabilidade equivale àrefutabilidade.Algumasteoriassãomaistestáveise,porisso,estão
maisexpostasàrefutação.
4. A descobertade novosfactosque estãode acordo com as prediçõesde umateoria,não
confirmamporsi só a teoria,masúnicae exclusivamente acorroboram.Uma teoriaque é
corroborada,quandopassa umteste ou contrastação,istoé,quandouma observaçãocujo
resultadopoderiaeventualmenterefutarateorianãose confirma,robustece aprópriateoria
semno entantoa confirmar.
Alexandre Marques,A DoutrinadoFalseamentoemPopper.
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/popper5.htm
5
O progressoda ciênciaé incompatível comoindutivismoe overificacionismo
«O falsificacionistaadmitefrancamenteque aobservaçãoé guiada pelateoriae a pressupõe.
Tambémse congratulade abandonarqualquerafirmaçãoque impliqueque asteoriasse
podemestabelecercomoverdadeirasouprovavelmente verdadeirasàluzda evidência
observacional.Umavezpropostas,asteoriasespeculativasterãode sercomprovadasrigorosa
e implacavelmente pelaobservaçãoe aexperimentação.Asteoriasque nãosuperamas
provasobserváveise experimentaisdevemsereliminadase substituídasporoutrasconjeturas
especulativas.A ciênciaprogride graçasaoensaioe ao erro,às conjeturase refutações."O
métododaciênciaé o métodode conjeturasaudazese engenhosasseguidasde tentativas
rigorosasde falseá-las".Sósobrevivemasteoriasmaisaptas.Nuncase pode dizerlicitamente
que uma teoriaé verdadeira, pode-se dizercomotimismoque é amelhordisponível,que é
melhorque qualquerdasque existiamantes.Segundoofalsificacionismo,pode-se demonstrar
que algumasteoriassãofalsasrecorrendoaosresultadosdaobservaçãoe da experimentação.
Por outroladoé possível efetuardeduçõeslógicas,partindode enunciadosobserváveis
singularescomopremissas,e chegarà falsificaçãode teoriase leisuniversaismedianteuma
deduçãológica.Exemplo:numdeterminadolugare numdeterminadotempo,observou-se um
corvo que não eranegro.Conclusão:nemtodososcorvos são negros.Estamosna presençade
uma deduçãologicamenteválida.A falsificaçãode enunciadosuniversaispodeserdeduzidade
enunciadossingularesadequados.Ofalsificacionistaexploraaomáximoestaquestãológica.
Consideraque aciênciaé um conjuntode hipótesesque se propõemamodode ensaiocomo
propósitode descobrirouexplicarde ummodoprecisoocomportamentode algumaspetodo
mundoou universo.Noentanto,nemtodasashipótesesoconseguem.Háumacondição
fundamental paraque qualquerhipótesetenhaoestatutode teoriacientíficaoulei científica,
essahipótese temde serfalsificável.Eumahipótese é falsificadase existeumenunciado
observável ouumconjuntode enunciadoslogicamente possíveisque sejamincompatíveiscom
ela,istoé,que emcaso de seremestabelecidoscomoverdadeiros,falsificariamahipótese.
Exemplosde enunciadosque nãocumpremesse requisitoe nãopodemserfalsificados:"ou
chove ou nãochove","é possível tersorte na especulaçãodesportiva",etc.Se umenunciado
não é falsificável,entãoomundopode terqualquerpropriedadee comportar-se de qualquer
maneirasementrarem conflitocomoenunciado.Ofalsificacionistaadmite que algumas
teoriaspassamde facto como teoriascientíficassomente porquenãosãofalsificáveise
deveriamporissosereliminadas,emborasuperficialmente possaparecerque possuemas
caraterísticasdas boas teoriascientíficas.Paraque umateoriapossuaumconteúdo
informativo,háde correro risco de serfalsificada.Umaboa teoriaoulei científicaé falsificada
justamente porque fazafirmaçõesdefinidasacercadomundo.
Uma boa teoriaserá aquelaque fazafirmaçõesde muitoamploalcance acercado mundoe
que,ao sertestada,resistaà falsificação.Asteoriasque tenhamsidofalsificadastêmque ser
rejeitadas,vistoque,comoafirmaPopper,aodescobrirmosque anossaconjeturaerafalsa,
aprendemosmuitosobre averdade e chegaremosmaispertodela.Aprendemoscomos
nossoserros."A ciênciaprogride mediante oensaioe oerro".Esta atitude de "vidaoude
morte"choca com a precauçãorecomendadapeloindutivistaingénuo.Segundoeste,sóas
teoriasque se podemdemonstraré que sãoverdadeirasouprovavelmenteverdadeirase só
essasdevemseradmitidasnaciência.Ofalsificacionista,emcontraposição,reconhece as
limitaçõesdainduçãoe a subordinaçãodaobservaçãoà teoria.Ossegredosdanatureza,
somente se podemdescobrircoma ajuda de teoriasengenhosase perspicazes.
A exigênciadafalsificabilidade dasteoriasoriginaaatrativaconsequênciade que asteorias
sejamestabelecidase precisadascomclareza.Oprogressoda ciência,tal comoo vê o
falsificacionista,poderáresumir-se daseguinteforma.A ciênciacomeçacomproblemas,
problemasque estãoassociadosàexplicaçãodocomportamentode algunsaspetosdomundo.
O cientistapropõe hipótesesfalsificáveisparasolucionarosproblemas.Ashipótesessão
criticadase comprovadas.Algumassãoeliminadasrapidamente,outraspodemtermaisêxito.
Estas devemsubmeter-seacríticas e provas maisrigorosas.Quandofinalmente se falsifica
uma hipótese que tenhasuperadocomsucessoumagrande variedade de testes,surge um
novoproblema,que é a invençãode novashipóteses,seguidasde novascríticase provas.Este
processocontinuaindefinidamente.Porissonuncase pode afirmarque umateoriaé
verdadeira,pormuitasprovasrigorosasque tenhasuperado,somente podemosafirmarque a
teoriaemvigoré superioràssuas predecessoras,nosentidode que foi capazde superartestes
que falsificaramasteoriasanteriores.Nodizerde Popper"[...]sóháum caminhopara a
ciência:encontrarumproblema,vera sua belezae apaixonar-se porele;casare viverfelizcom
ele até que a morte nos separe – a não ser que obtenhamosumasolução.Mas,mesmoque
obtenhamosumasolução,poderemosentãodescobrir,paranossodeleite,aexistênciade
toda umafamíliade problemas-filhos,encantadoresaindaque talvezdifíceis,paracujobem-
estarpoderemostrabalhar,comum sentido,até aofimdosnossosdias".A afirmaçãode que a
origemda ciênciaestánosproblemasé perfeitamente compatível comaprioridade dasteorias
sobre a observaçãoe os enunciadosobserváveis.A ciêncianãocomeçacom a pura
observação.A conceção falsificacionista,proporcionaumaimagemdinâmicadaciência.
O progressoda ciênciaexige que asteoriassejamcadavezmaisfalsificáveise em
consequênciatenhamcadavezmaisinformação,exclui noentanto,que se efetuem
modificaçõesnasteoriasdestinadassimplesmente aprotegê-lasdafalsificaçãooude uma
falsificaçãoameaçadora.Essasmodificações,tal comoaadição de maisum postuladosem
consequênciasque nãotenhamsidojácomprovadas,sãodenominadasde modificações ad
hoc. Asmodificaçõesadhocsão rejeitadaspelofalsificacionista,noentanto,existeoutrotipo
de modificaçõesnãoadhoc, aceitespelofalsificacionista.Centramosanossaatençãona
seguinte proposição:"Opãoalimenta".Noentanto,emFrança,numa determinadaregião,o
trigoque crescia de maneiranormal foi convertidoempãonormal e a maioriadas pessoasque
comeuesse pãoficougravemente doente.A teoriade que "todoopão alimenta"foi
falsificada.Podemosmodificarateoriapara evitara sua falsificação:"Todoopão alimenta,
excetoaquele que é produzidonumadeterminadazonade França".Esta é umamodificaçãoad
hoc. A teoriamodificadanãopode sercomprovadade maneiraque não o sejatambéma
teoriaoriginal.A hipótesemodificadaé menos falsificável que aversãooriginal.O
falsificacionistarejeitaessasaçõesde retaguarda.Comomodificarateoriade umamaneira
aceitável?Daseguinte forma:"Todoopão alimenta,excetoaquele cujotrigoé contaminado
por um determinadotipode parasita".Estateoriamodificada,nãoé ad hocporque levaa
novascomprovações.Nodizerde Popper,é contrastável de formaindependente.O
falsificacionistadeve rejeitarashipótesesadhoce estimularapropostade hipótesesaudazes
com melhoriaspotenciais emrelaçãoàsteoriasfalsificadas.Asconfirmaçõesque são
conclusõesconhecidasde antemãosãoinsignificantes.Se hoje emdiaconfirmamosateoriada
gravitaçãouniversal de Newtonatirandoumapedraaosolo,nãocontribuímoscom nadade
valorpara o progressoda ciência.Aocontrário,se amanhãconfirmamosumateoria
especulativaque implicaque aatração gravitacional entre doiscorposdependedassuas
temperaturas,falsificandoateoriade Newton,teremosrealizadoumavançoimportante no
conhecimento científico.
Alexandre Marques,A DoutrinadoFalseamentoemPopper.
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/popper5.htm
6
A teoriada ciênciade Popperé anti-indutivistae antiverificacionista
«A ideiapopulardaqual nasce o indutivismoé ade que as proposiçõesderivadasda
observaçãoconstituemumabase apartir da qual são derivadasasleise teoriascientíficas.As
observaçõessãosempre singulares,desse oudaquele fenómeno.Asproposições
observacionaissãosingulares,como"Essabarrade ferroexpandiu-se aoseraquecida".Asleis
científicas,dasquaissãoessencialmenteconstituídasasteoriascientíficas,sãoproposições
universaiscomo"Todososmetaisse expandemaoseremaquecidos". Ora,comopodemos
passar da afirmaçãode proposiçõesobservacionais,singulares,paraade leiscientíficas,que
são proposiçõesgeraisouuniversais?A respostadosensocomumparece ser:atravésda
inferênciaindutiva.Pelainferênciaindutivatorna-se legítimo,apartirde uma listafinitade
proposiçõessingularesgeneralizarleisuniversais,válidasparatodososcasos similares.Eis
uma formulaçãoparcial e simplificadadoprincípiodaindução:
PI: Se um númerosuficiente de fenómenosdotipoA forsempre observadoemcertaconexão
com fenómenosdotipoB,podemosconcluirque todososfenómenosdotipoA possuemtal
conexãocomfenómenosdotipoB.
Por exemplo:emtodososcasosnosquaisaté agora comparamoso volume de barrasde ferro
aquecidascomo volume que elastinhamquandonãoaquecidas,vimosque elasse
expandiam.Notamosque issoocorriatambémcombarrasde outros metais,e que issoocorria
independentemente davariaçãode outrascondições,comoo tamanhodo objetometálico,
sua forma,etc.Isso noslevou,porgeneralizaçãoindutiva,àconclusãode que todosos objetos
metálicosse expandemquandoaquecidos.Segundoessaconceção,é assimque chegamosàs
leise teoriascientíficas,ouseja,pelaacumulaçãode observaçõese pelageneralizaçãoindutiva
a partir disso.
Uma conceção puramente indutivistadométodocientíficoé simplistae nãocorresponde ao
que realmente acontece.Ashipótesescientíficassãousualmente resultadodoque pode ser
chamadode imaginaçãocientífica.Insightscomo, porexemplo,adescobertadoduplahélice
espiral doDNA por Watson& Crike,oua hipótese de que aluztema mesmavelocidadepara
todosos observadores,que paraEinsteindeuorigemàteoriadarelatividade.
A conceçãodo processode descobertade generalizaçõescientíficasque acabamosde esboçar
não é completase não foremconsideradosdoisoutroselementosessenciaisàciência:
explicaçõese previsões.Umavezque,pelaindução,chegamosaformulaçãode leiscientíficas,
devemospoderaplicaressasleisexplicandoe prevendoosfactos.
Assim,se considerarmosoexemploacima,combase nageneralizaçãocientífica"Todosos
metaisse expandemquandoaquecidos",podemosfazeraseguinte previsão:"Se essabarrade
ferrofor aquecida,elase dilatará".E se uma certa barra de metal se dilataao seraquecida,
podemosexplicaresse fenómenodizendoque issoocorreuporque elaé de metal e todosos
metaisse dilatamaoseremaquecidos.
Se admitirmosque ainduçãodesempenhaumpapel maisoumenosimportante naformação
das leiscientíficas,podemosestabelecerumcritériode cientificidade que sejabaseadonela.
Trata-se do critérioverificacionista.Esse critériodizque umateoriaé científicaquandoassuas
leise teoriassãoverificáveis –issoé – quandopodemserevidenciadascomoverdadeirasou
falsas– atravésda observação,que as fortalece indutivamente.Imagine-se que tenhamospor
induçãochegadoà lei geral:"Todososmetaisse dilatamao seremaquecidos".Essaé umalei
científicanamedidaemque podemosverificá-la,istoé,fazerumaprevisãocomela,de tal
maneiraque obtenhamosenunciadosobservacionaisque aconfirmemoua desmintam.
O critérioverificacionistade cientificidadepressupõe avalidade dométodoindutivo.Se a
induçãonão existisse,aconfirmaçãoobservacionaldalei científicanãoseriacapaz de torná-la
maisplausível,de fundamentá-la,de justificarasua verdade.Overificacionistaprecisada
induçãopara dizerque a verificaçãocomprovaahipótese científica,e que aacumulaçãode
observaçõesaumentaanossacertezada sua verdade,tornaasleiscientíficasmaisprováveis.
O verificacionistaaceitaque nãoháverificaçãoconclusivaparaas nossasleisuniversais.Mas
ele admite que aacumulaçãode proposiçõesque comprovam alei geral a tornará mais
provável,oque exige avalidade dométodoindutivocomopressuposto.
Essa é uma dasrazões pelasquais,comoveremos,aorejeitarométodoindutivoPopper
rejeitatambémocritérioverificacionistadacientificidade.Vejamosagoraaconceção
popperianadométodocientíficoe asua crítica à indução.
O falsificacionismopopperiano
«Popperpretendeufundarumaepistemologianãoindutivistadaciência.Essaepistemologia
baseia-se emtrêspontos:arejeiçãodaindução,ofalsificacionismoe aconceção de ciência
como aproximaçãoàverdade.
Comecemoscoma crítica a indução.ParaPopper(que segue aqui umraciocíniosimilaraode
Hume),todaa tentativade atribuirvalorlógicoà induçãoestácondenadaaofracasso.O
princípioda induçãoafirmaque a conjugaçãorepetidade fenómenospode sergeneralizada.
Ora, essalei nãopode seruma tautologia,convertendo-se emalgodedutivo,postoque então
eladeveriaseranalítica,oque não é o caso. Tambémnãoé um princípiosintético,cuja
negaçãoé possível,poisentãoseriaumprincípiosintéticoapriori,oque seriadogmático.O
princípionãopode,por fim,sersintéticoaposteriori,poisnesse casoprecisariaser
fundamentado,umafundamentaçãoque sópoderiaserfeitapelorecursoa uma induçãode
segundaordem,aqual,por sua vezexigiriafundamentação,levandoaumregressoaoinfinito.
A conclusãode Popperé:a induçãonão existe.
Ora, se a induçãonãoexiste,ocritériode verificabilidadenãopode serfundamentado.A
soluçãopopperianaparao problemadademarcaçãoda ciênciaconsistiráporissono apeloà
falsificabilidade comocritériode cientificidade:leise teoriascientíficassãoaquelasque são
potencialmente falsificáveis.
Vejamosissomaisde pertorecorrendoauma previsão.Porexemplo:Todososcorvossão
pretos;Na regiãoKexiste umcorvo;conclusão:Logo,esse corvoé preto.A falsificaçãoda
proposiçãoTodosos corvossão pretoscostumaser conclusiva.Bastaobservarmosumcorvo
que não sejapretopara que a teoriade que todosos corvossão pretossejafalsificada.
O mesmonãoocorre, dopontode vistalógico,se onossocritériode cientificidade fora
verificação.Ofactodo enunciadode observaçãoserverdadeironãoé evidênciaforte da
verdade dateoria,nãoé, aliás,evidênciaalgumase tivermosrejeitadoaindução.Popperfala
aqui de uma assimetriaentre verificaçãoe falsificação.Essaassimetriaderivadaseguinte
observação.Enunciadosuniversaissãoconclusivamentefalsificáveis,comovimos,masnão
podemserconclusivamente verificáveis.Paraverificarconclusivamenteumenunciado
universal tãosimplescomo"Todososcorvos são pretos",precisaríamosobservartodosos
corvosem todasas regiões,tantonopresente comonopassadoe nofuturo,o que é
impossível.
Mas como,atravésde uma epistemologianãoindutivista,podemosexplicaroprogresso
científico?Poppersugere que podemoscompararteoriaslançandomãodoconceitode
aproximaçãoà verdade,de verosimilhança.»
CláudioF.Costa‒ UFRN
Falseacionismoe Anti-IndutivismoPopperianos(adaptado)
Anti-indutivismoe falseacionismopopperianos‒ CCHLA/UFRN
7
CRÍTICASA POPPER
7.1.
Críticas ao falsificacionismo
«Uma dificuldadeóbviaque se pode levantaraofalsificacionismoé asuaaceitação da ideiade
que não temosqualquerjustificaçãoparasuporqualquerteoriacientíficacomoverdadeira.
Esta ideiaé,nomínimo,altamente contraintuitiva.Nãoseriapreferível se pudéssemosdivisar
outra soluçãopara o problemadaindução,umasoluçãoque nos permitisseevitaresta
conclusãobizarra?É claroque,emresposta,o falsificacionistapode insistirque nãoháuma
soluçãomelhor.
Outra dificuldade é que ofalsificacionismonãofornece umadescriçãoadequadadomodo
como a ciênciaprogride oudeve progredir.Tomemos,porexemplo,ateoriade Copérnicode
que a Terra se move emredordo Sol.Quandofoi pelaprimeiravezproposta,oscríticos
apontavamduasobservações que pareciamfalsificarateoriade Copérnico.Primeiro,se a
Terra se move,um objetoque cai de uma torre alta deviacairfazendoumânguloe nãoa
direito,pois,se aTerra se move durante o períododa queda,oobjetodeviacaira uma
distânciaequivalente relativamente aopontoexatamenteabaixode onde foi largado.Porém,
é claroque os objetoscaídosde torrescaemsempre na vertical.Estaobservaçãoparece
imediatamente falsificarateoriacoperniciana.
Segundo,se aTerra andaem voltadoSol,as estrelasfixasdeviamterummovimentoaparente
para trás e para diante ao longodonossocampo de visãodurante o períodode um ano (do
mesmomodoque se olhássemosdiretamente paranorte andandoà voltade um poste de
iluminação,ascasasao longoda rua se moveriamparatrás e para diante aolongodo nosso
campo de visão).Mas nenhummovimentodesse género,aparalaxe,foi observado.A não
observaçãoda paralaxe tambémparece falsificarateoriacoperniciana.Algunstentaram
defenderateoriacoperniciana insistindoque asestrelasestãodemasiadolonge paraque a
paralaxe sejadetetadapelosinstrumentosdaépoca(oque se mostrouserverdade).Masnão
havianesse tempomaneirade poderfalsificarestanovaideiasobre adistânciadasestrelas
fixas.
Apesardisso,ateoriade Copérniconãofoi rejeitadae aindabem.Oscientistasprovaramnos
anos seguintesque Copérnicoestavacertoe que ambasas objeçõeseraminfundadas.Uma
vezque o falsificacionismoimplicaque ateoriade Copérnicodeviatersidorejeitada,parece
que o própriofalsificacionismoestáerrado,poisnãoconsegue descrevercorretamenteo
modocomo a ciênciafunciona.
Mesmoque o falsificacionismonãoforneçaumadescriçãocorretado modocomo a ciência
procede oudeve proceder,oteste da falsificaçãomantémasuaimportância.Muitos
teorizadoresque se afirmam"científicos"sãodificilmente falsificadosporque nãofazem
previsõesclarase semambiguidades.Comoresultado,aconteçaoque acontecer,podem
sempre afirmarque as suasteorias nãoforam falsificadas.Osastrólogos,porexemplo,podem
habitualmente sustentarque se mostrouque asua previsãoé verdadeira.»
StephenLaw.Retiradode Philosophy(Londres,2007,pp. 179-189). Tradução Carlos Marques.
Versãobrasileira,versãoportuguesa.
7.2.
O falsificacionismonãotraduzcorretamente oque é fazerciência
«Consideremosamaisconhecidatese de Popper:aciêncianãoprocede por“indução” – istoé,
encontrandoinstânciasconfirmativasde umaconjetura,masantesfalsificandoconjeturas
arriscadase atrevidas.A confirmação,argumentou,é lentae nuncaé certa. Porcontraste,uma
falsificaçãopode sersúbitae definitiva.Alémdomais,encontra-senocoraçãodo método
científico.
Um exemplofamiliarde falsificaçãoliga-seàasserçãode que todosos corvos sãopretos.
Sempre que se encontraumnovo corvopretoconfirma-se obviamenteateoria,mashá
sempre a possibilidade de que apareçaumcorvonão preto.Se tal acontece,a conjeturaé
imediatamente desacreditada.Quantomaisvezesuma conjeturaenfrentarosesforçosparaa
falsificar,afirmouPopper,maiorse tornaa sua“corroboração”, todavia,a corroboração é
tambémincertae não pode nunca quantificar-se oseugraude probabilidade.Oscríticosde
Popperinsistememque “acorroboração”é uma formade indução,e que Popper
simplesmenteintroduziuàsorrelfaainduçãopelaportadas traseirasdando-lheumnovo
nome.A questãofamosade DavidHume era “Como é que a induçãopode serjustificada?”.
Não pode,disse Popper,porque tal coisacomoa induçãonão existe!
Há muitasobjeçõesaestaafirmação assombrosa.Umaé a de que as falsificaçõessãomuito
maisraras emciênciadoque a procurade instânciasconfirmativas.Osastrónomosprocuram
por sinaisde águaem Marte. Nãopensamque estãoa fazeresforçospara falsificaraconjetura
de que Marte nuncateve água.[...]
Popperreconheceu –mas descartoucomonão sendoimportante –que a falsificaçãode uma
conjeturaé simultaneamenteaconfirmaçãode umaconjeturaopostae que cada instância
confirmativade umaconjeturaé uma falsificaçãode umaconjeturaoposta.[...]
Para os cientistase filósofosestranhosàconfrariapopperiana,aciênciaoperaprincipalmente
por indução(confirmação) e tambéme menosfrequentemente pordesconfirmação
(falsificação).A sualinguagemé quase sempre adaindução.Se Popperapostanumcerto
cavalopara ganharuma corrida e o cavalo ganha,não é de esperarque grite «Boa,o meu
cavalonão conseguiuperder».
Os astrónomosestãoagoraa encontrarevidência constringente de que planetasmaise mais
pequenosorbitamsóisdistantes.Seguramente estaé evidênciaindutivade que pode haver
planetasdotamanhoda Terra maisalém.Porquê preocupar-se emdizer,cadavezque um
novoe maispequenoplanetaé descoberto,que tendeafalsificaraconjeturade que não há
planetaspequenosparaalémdonossosistemasolar?Porquê arranhara orelhaesquerdacom
a mão direita?[...]
ErnestNagel,famosoprofessorde FilosofiadaCiênciadaUniversidadede Columbia,nasua
TeleologyRevisitedandOtherEssaysinthe PhilosophyandHistoryof Science (1979),resumiu
o assuntodeste modo:“A conceção de Popperacerca do papel dafalsificação...é uma
sobressimplificaçãoque estápertodacaricatura dosprocedimentoscientíficos”.»
Martin Gardner,A Sceptical Lookat Karl Popper(traduzidoe adaptadoporPedroMota).
http://pedromotafiloescola.blogspot.pt/2013/05/uma-critica-ao-falsificacionismo-de.html
7.3.
Os cientistasnãosãofalsificacionistascomoPopperpensa
«A históriaé a respeitode umcasoimagináriode maucomportamentoplanetário.Valendo-se
da mecânicade Newton,dasua lei gravitação,(N),e dascondiçõesiniciaisaceites,I,umfísico
da era pré-einsteinianacalculaocaminhode umplanetazinhorecém-descoberto, p.Maso
planetadesvia-se datrajetóriacalculada.Onossofísiconewtonianoconsidera,acaso,que o
desvioeraproibidopelateoriade Newtone,portanto,umavezestabelecido,refutaateoria
N? Não.Sugere que deve existirumplanetap',até entãodesconhecido,que perturbaa
trajetóriade p.Calculaa massa,a órbita,etc.,desse planetahipotéticoe,emseguida,pede a
um astrónomoexperimental que teste suahipótese.Oplanetap'é tão pequenoque nemo
maiordos telescópiosdisponíveispode observá-lo:oastrónomoexperimental solicitauma
verbade pesquisaafimde construirumtelescópioaindamaior.Emtrêsanoso novo
telescópioficapronto.Se oplanetadesconhecidop'fosse descobertoseriasaudadocomo
uma novavitóriada ciêncianewtoniana.Masnão o é.Porventuraonossocientistaabandonaa
teoriade Newtone a sua ideiadoplanetaperturbador?Não.Sugere que umanuvemde
poeiracósmicaesconde oplanetade nós.Calculaa localizaçãoe as propriedadesdessanuvem
e solicitaumaverbade pesquisaparaenviarumsatélite aoespaçoa fimde pôr à prova osseus
cálculos.Se os instrumentosdosatélite (possivelmente instrumentosnovos,baseadosnuma
teoriapoucotestadaainda) registassemaexistênciadanuvemhipotética,oresultadoseria
saudadocomo umavitóriaextraordináriadaciêncianewtoniana.Masa nuvemnãoé
encontrada.Seráque o nossocientistaabandonaateoriade Newton,juntamente comaideia
do planetaperturbadore a ideiadanuvemque oesconde?Não.Sugere aexistênciade um
campo magnéticonaquelaregiãodouniversoque perturbouosinstrumentosdosatélite.Um
novosatélite é enviadoaoespaço.Se ocampo magnéticofosse encontrado,osnewtonianos
comemorariamoencontrocomo umavitóriasensacional.Masninguémoencontra.Issoé
consideradocomoumarefutaçãoda ciêncianewtoniana?Não.Ouse propõe outraengenhosa
hipótese auxiliarou...,todaahistóriaé sepultadanospoentosvolumesdaspublicações
especializadas,e nuncamaisse toca noassunto.»
Irnre Lakatos e AlanMusgrave (org.),A Crítica e o DesenvolvimentodoConhecimento,São
Paulo,EditoraCultrix,1979, pp. 122-123 (adaptado).
7.4.
A crítica de Newton –Smitha Popper:a corroboração implicaaindução
«Há muitasobjeçõesàepistemologiapopperiana,principalmenteadvindasde umestudomais
acurado da maneiracomoas ciênciasrealmente se desenvolveramnocursoda história.Mas
não é aqui o lugarde ser consideradaessaquestão.Queroconsiderarapenasumacrítica
internaà argumentaçãode Popper,que me parece a maisimportante.Trata-se dacrítica feita
por NewtonSmithe outrosautores,segundoaqual Popper,aonegara indução,destituioseu
pretensoracionalismode basesracionaisindispensáveis.
NewtonSmithpede-nosparaconsiderarmosoque Popperdizliteralmente.Se ofizermos,
considerandoque aprobabilidade apriori de qualquerlei científicaé igual a 0, não há como
justificarporque devemospreferirateoriade maiorconteúdo.Oprincipal problemaé que
Poppernãotem comovincularcorroboraçãoà verossimilitudenoquadrodedutivista,disso
resultandoumaperspetivanãoracionalista,quandonãoirracionalista.
Considere asduasteoriasT1 e T2. Feitostodosostestes,suponhamosque T1passouna maior
parte delese T2 falhounamaiorparte.Ora, issonão estabeleceamaiorverossimilitudede T1,
pois,comoT1 não pode terrespaldoindutivo,nadagarante que T2 nãotenhauma enorme
quantidade de conteúdofalsoesperandoemalgumoutrolugar;ou seja,umconteúdofalso
maiordo que T2, emboraaindanão detetado.Veremos,pois,que T1pode termaior grau de
corroboração que T2 e mesmoassimmenorgrau de verossimilhança.
Para Popper,a corroboraçãopositivade T1 fornece base para a escolhade T1. Mas aindaque
Poppernãoqueiraadmitir,issonadamaisé doque o resultadode umargumentoindutivo!Se,
após certotempo,fizermos,digamos,100 testesemT1, e T1 passa por todos,podemosinferir
que T1 provavelmente passaráporoutrostestese nãodeve ter,esperandoemalgumoutro
lugar,uma enorme quantidade de conteúdofalso.Masissoé,obviamente,indução.Nãohá,
pois,alternativa:se ograu de corroboração é o guia para a preferênciade umacertateoria,
estamosimplicitamente pressupondoavalidade daindução.Se não,entãocaímosno
irracionalismo.
A conclusão,aomenosà luzdos argumentosconsiderados,é que umcritériopuramente
falseacionistade decisãointerteóricanãotemsuficiente base racional.Paratal seriapreciso
adicionara ele umprincípioda indução,como seuinevitável contrapontoverificacionista.»
CláudioCosta‒ Anti-indutivismoe falseacionismopopperianos‒ CCHLA/UFRN
III
TEXTOS DE POPPER
1
«O critériode demarcaçãoque separaa ciênciada pseudociênciaé arefutabilidade ou
testabilidade.
1. Uma teoriaque não sejarefutável pornenhumaobservaçãoconcebível é nãocientífica.A
irrefutabilidade de umateorianãoé uma virtude – comomuitaspessoaspensam–,mas um
vício.
2. O teste genuínode uma teoriaé uma tentativade a falsificaroude a refutar.A testabilidade
é sinónimode falsificabilidade.Mashá graus de testabilidade:algumasteoriassãomais
testáveis,expõem-se maisàrefutaçãodoque outras.Corremmais riscos.
3. As evidênciasque confirmamateorianãodevemcontarexcetoquandosãoo resultadode
um genuínoteste dateoria.E istosignificaque este pode valercomoumasériamas falhada
tentativade falsificarateoria.Faloa este respeitode “evidênciascorroborativas”.
4. Algumasteoriasgenuinamentetestáveiscontinuam, mesmoquandose revelamfalsas,aser
aceitespelosseusadeptosque introduzem, porexemplo,algumasuposiçãoauxiliaradhoc,ou
reinterpretamateoriaad hoc de tal modoque esta escapaà refutação.Tal procedimentoé
sempre possível,massalvaateoriada refutaçãopagandoum altopreço:pode destruir(ou
pelomenosaviltar) oseucarátercientífico.
Pode-se dizer,resumidamente,que ocritérioque determinaoestatutocientíficode uma
teoriaé a sua capacidade de serrefutadaoutestada.»
Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em
1953.
http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1. pdf
2
Resumoda posiçãode Poppersobre aindução
«1) A indução‒ istoé,a inferênciabaseadaemgrande númerode observações‒ é um mito:
não é um facto psicológico,umfactodavidacorrente ou um procedimentocientífico.
2) O procedimentoreal daciênciausaconjeturase saltapara conclusõesàsvezesapósuma
únicaobservação(conforme odemonstramHume e Born).
3) A observaçãoe a experimentaçãorepetidasfuncionamnaciênciacomotestesdasnossas
conjeturasouhipóteses‒ istoé,comotentativasde refutação.
4) A crença errada na induçãoé fortalecidapelanecessidade de termosumcritériode
demarcaçãoque ‒ conforme aceite tradicionalmente,e equivocadamente ‒ sóométodo
indutivopoderiafornecer.
5) A conceçãode tal métodoindutivocomocritériode verificabilidadeimplicauma
demarcaçãodefeituosa.
6) Se afirmarmosque ainduçãonos conduza teoriasprováveis(e nãocertas) nadado que
precede se alterafundamentalmente.»
Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em
1953.
http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1.pdf
3
A diferençaentre verificaçãoe falsificação
«Considere-seumenunciadobásicoouumconjuntode enunciadosbásicos.Serásempre uma
questãoemabertoa de saberse os enunciadossãoverdadeirosounão:se os aceitarmos
como verdadeiros,poderemostercometidoumerro.Mas, não importa[independentemente}
se elessãoverdadeirosoufalsos,umalei universal nãopode serderivadadeles.Mesmose
soubermos,comtodaa segurança,que sãoverdadeiros,umalei universalnãopoderáainda
assimserderivadadeles.
Se,porém, supusermosque sãoverdadeiros,umalei universal poderáserfalsificadaporeles.
Logo, a assimetriaé aseguinte:umconjuntofinitode enunciadosbásicos,se forverdadeiro,
pode falsificarumalei universal;aopassoque emcondiçãoalgumapoderiaverificarumalei
universal:existe umacondiçãoemque poderiafalsificarumalei geral,masnãoexiste condição
algumaemque pudesse verificarumalei geral.
Assim,se aceitarmoscomosendoverdadeirooenunciado“este cisne é preto”,somos
obrigadospelalógicaaadmitirque refutámosateoriauniversal “todososcisnessãobrancos”
[…] Mas é absolutamentecertoque,se aceitarmosqualquerenunciadosingular(enunciado
básico) que estejaemcontradiçãocomuma teoriaque tenhamosaceitado,haveremosde ter
cometidoalguresumerro‒ umerro temde sercorrigido.E é absolutamente certoque,se
aceitarmosumenunciadobásicoque estejaemcontradiçãocomumateoriaque estamosa
testar,somosobrigadosa rejeitaressateoriaporelaestarfalsificada.»
K. Popper,ORealismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,Publ.D.Quixote,1997, pp. 200-201.
4
A marca de umaboa teoriacientífica
«Popper:Enesse contextorefleti sobre aquestãode saberoque constitui propriamenteo
caráter científicode qualquersistema.Eaindanesse contextotornou-se evidenteque o
caráter empírico-científicode umsistemaestárelacionadocomacircunstânciade ser possível
refutaresse sistemapormeiode factospossíveis.
E: Um exemplode umateoriaque se encerraemsi mesma,que a si mesmase torna
irrefutável ‒ é essa,emsuaopinião,amarca da ideologiaoudateoriaacientíficae também
prejudicial?
Popper:Sim,consideroque elaé prejudicial ‒ porvezesdiretamente e outrasvezespelofacto
de se excluiràcrítica, de se fechara toda a crítica, como você diz.Poder-se-iadizerque nessa
teoriaestáincluídaa teoriade que tal teoriaseráirrefutável.
E: E precisamente nessaépoca,em1919, o SenhorProfessorpôde estudaroinverso,
designadamente acientificidadede umateoria,ateoriada relatividade...
Popper:Einsteintentoupôremevidênciaaquelescasosque,de umpontode vistacrítico,
podiamrefutara sua teoria.E disse tambémque,se estascoisaspudessemserobservadas,ele
imediatamente abandonariaateoria.A únicamaneirapossível de obterconfirmações
experimentaisparaumateoriaé pensarcomose poderiademonstrarque ateoriaé falsae
depoistentarrealizaressasituação.Ese depoisnãose consegue realizá-la,mesmocomtodaa
boa vontade,então,e somente então,é que atentativafalhadade refutarateoriapode
servistacomo uma confirmação,masnunca comouma confirmaçãodefinitiva.
E 1919 foi entãoa grande oportunidade de refutarEinstein,quandodoeclipse doSol,emque
era dada a possibilidade técnicade se provara difraçãoda luz,o desviodaluzpelamassado
Sol.
E: E da experiênciadoSol resultouentãoque ateoriade Einsteinnãofoi refutada.Evitoa
palavra"confirmada",porque oSenhorProfessornãogostamuitodela...
Popper:"Confirmada"nãoé muitomau,mas "provada"...
E: Porque o SenhorProfessorentende que nãopode haverumaprovaabsolutade umateoria,
mas sima sua refutação.Neste casoo que o impressionoufoi anão-refutação?
Popper:Oque sobretudome impressionounãofoi tantoa não-refutação,emboraelafosse
seguramente muitoimpressionante,masofacto de uma teoriaaqui se exporao máximo,por
assimdizer,solicitandoumarefutação,e a refutaçãonãoter ocorrido.
Karl Popper,Sociedade Aberta,UniversoAberto.
5
Contra o indutivismoe overificacionismo
«Abandonando-se aindução,comoé que se podemdistinguirasteoriasdasciênciasempíricas
das especulaçõespseudocientíficas,nãocientíficasoumetafísicas?
Este é o problemadademarcação.Ele resolve-se,sugiroeu,aceitandoatestabilidade,a
refutabilidadeoua falsificabilidadecomosendoacaraterística distintivadasteoriascientíficas.
O métodode procurar verificaçõesparecia-mepoucoválido‒ parecia-me,naverdade,sero
métodotípicode uma pseudociência.Apercebi-medanecessidade de se distinguir,tão
claramente quantopossível,estemétodode umoutrométodo‒ o métodode testaruma
teoriatão severamentequantose forcapaz‒, istoé,o método da crítica, o métodode
procurar casos que constituamfalsificação.
O métodode procurar verificaçõesnãoeraapenasacrítico:promoviatambémumaatitude
acrítica queremquema expunhaqueremquemlia.Ameaçava,assim, destruiraatitude da
racionalidade,daargumentaçãocrítica.Freudera,de longe,omais lúcidoe o maispersuasivo
dos expositoresaque me estoua referir.Masqual era o seumétodode argumentar?Freud
dava exemplos:analisava-ose mostravaque elesse encaixavamnasuateoriaou que a sua
teoriapodiaserdescritacomo sendoumageneralizaçãodoscasosanalisados.Porvezes
apelavaaosseusleitoresparaque suspendessemassuascríticas e indicavaque iriaresponder
a todas as críticas sensatasemocasiõesposteriores.Masquandoeuolhei umpoucomaisde
pertopara uns quantoscasosimportantes,descobri que asrespostasnuncatinhamchegado.
De formaassaz curiosa,porém,muitosleitoresestavamsatisfeitos.»
K. Popper,oRealismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,Publ.D.Quixote,1997,pp. 177 e 181.
6
As teoriascientíficasnãosãoverificáveis
«Ora,em minhaopinião,nãoexistenadaque possachamar-se indução.Portanto,será
logicamente inadmissívelainferênciade teoriasapartirde enunciadossingularesque estejam
“verificadospelaexperiência”(qualquerque sejaoque istoqueiradizer).
Assim,pois,asteoriasnãosão nuncaverificáveisempiricamente.Se queremosevitaroerro
positivistade que onossocritériode demarcaçãoelimine ossistemasteóricosdaciência
natural, devemoselegerumcritérioque nospermitaadmitirnodomíniodaciênciaempírica
inclusive enunciadosque podemverificar-se.Mascertamente,sóadmitirei umsistemaentre
os científicosouempíricosse é suscetível de sercontrastadopelaexperiência.Estas
consideraçõessugeremque ocritériode demarcaçãoque temosde adotar nãoé o da
verificabilidade,masoda falsificabilidade dossistemas.Ditode outromodo:nãoexigirei que
um sistemacientíficopossaserselecionado,de umavezparasempre,numsentidopositivo;
mas simque sejasuscetível de seleçãonumsentidonegativopormeiode contrastesouprovas
empíricas:“há de ser possível refutarpelaexperiênciaumsistemacientíficoempírico".»
K. Popper,Lalógicade lainvestigacioncientifica,Madrid,Tecnos,1973, pp. 39-40.
7
As hipótesese teoriasnãoderivamdaobservação
«A crença de que a ciênciaprocede daobservaçãopara a teoriaé ainda tão amplamente
aceite que a minharejeiçãodessaideiaprovocamuitasvezesumareaçãode incredulidade.Já
fui até acusado de ser insincero‒ de negaraquilode que ninguémpode razoavelmente
duvidar.
Na verdade,porém,acrençade que podemoscomeçarexclusivamentecomobservações(com
observaçõespuras),semqualquerteoria,é umabsurdo,que poderiaserilustradopelahistória
absurdado homemque se dedicoudurante todaa vidaà ciêncianatural e,anotandotodas as
observaçõesque fez,legou-asaumasociedade científicaparaque as usasse comoevidência
indutiva.Umaanedotaque nosdeveriamostrarque podemoscolecionarcomvantagem
insetos,porexemplo,masnãoobservações.
Há um quarto de século,procurei chamara atençãode um grupode estudantesde físicaem
Viena,paraeste ponto,começandoumaconferênciacomasseguintesinstruções:“Peguem
emlápise papel;observemcuidadosamente e anotemoque puderemobservar”.Os
estudantesquiseramsaber,naturalmente,oque deveriamobservar:“Observem”‒ istoé um
absurdo!De facto, não é mesmohabitual usardestaformao verboobservar.A observaçãoé
sempre seletiva:exige umobjeto,umatarefadefinida,umpontode vista,uminteresse
especial,umproblema.Paradescrevê-laé precisoempregarumalinguagemapropriada,
implicandosimilaridadee classificação‒ que,porsua vez,implicaminteresses,pontosde vista
e problemas.
Katz escreveu:Umanimal famintodivide oambienteemobjetoscomestíveise não
comestíveis.Umanimal que foge descobre caminhosparaa fugae esconderijos.De modo
geral,osobjetosmudamde acordo com as necessidadesdoanimal. Poderíamosacrescentar
que só dessaforma‒ relacionando-se comnecessidadese interesses‒ podemosobjetosser
classificados,assemelhadosoudiferenciados.A mesmaregraaplica-se tambémaoscientistas.
Para o animal sãoas suasnecessidades,atarefae as expetativasdomomentoque fornecem
um pontode vista;no caso do cientista,sãoosseusinteressesteóricos,oproblemaque
investiga,assuasconjeturase previsões,asteoriasque aceitacomopanode fundo,o seu
quadrode referências,oseuhorizonte de expetativas.»
Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em
1953.
http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1.pdf
8
A ciência:a objetividadee ostestesempíricos
«A ciêncianão é um sistemade enunciadoscertosoubemestabelecidos,nemé umsistema
que avance continuamente emdireçãoaumestadode finalidade.[...] Elanuncapoderá
proclamarhaveratingidoa verdade ouumsubstitutodaverdade,comoa probabilidade.Não
obstante,aciênciatemmaisque um simplesvalorde sobrevivênciabiológica.Nãoé tão-
somente uminstrumentoútil.Emboranãopossaalcançar a verdade nema probabilidade,o
esforçopor conhecere a busca da verdade continuamaseras razõesmais fortesda
investigaçãocientífica.
Não sabemos:sópodemosconjeturar.[...]
Essas conjeturasou"antecipações",esplendidamente imaginativas,são,contudo,
cuidadosamente controladasportestessistemáticos.Umavezelaborada,nenhumadessas
"antecipações"é dogmaticamente defendida.Onossométodode pesquisanãose orientano
sentidode defendê-lasparaprovarque tínhamos razão.Pelocontrário,procuramoscontestar
essasantecipações.
Ideiasarriscadas,antecipaçõesinjustificadas,pensamentoespeculativo,sãoosúnicosmeios
de que podemoslançarmão para interpretaranatureza:o nossoúnicoorganon,o nossoúnico
instrumentoparaapreendê-la.Edevemosarriscar-nos,comessesmeios,paraalcançaro
prémio.Osque não se disponhamaexporsuasideias àeventualidade darefutaçãonão
participarãodojogo científico.
Mesmoo teste cuidadosoe sóbriodasnossasideias,atravésdaexperiência,é,porsuavez,
inspiradoporideias:aexperimentaçãoé açãoplaneada,onde cadapassoé orientadopela
teoria.Nãodeparamoscomexperiências,nemelascaemsobre nóscomochuva.Pelo
contrário,temosde serativos:temosde "fazer"as nossasexperiências.
O velhoideal científicodaepisteme ‒ doconhecimentoabsolutamente certo,demonstrável ‒
mostrounão passarde um "ídolo".A exigênciade objetividade científicatomainevitável que
todoo enunciadocientíficopermaneçaprovisórioparasempre.Pode ele,é claro,ser
corroborado,mas todaa corroboração é feitacom referênciaaoutrosenunciados,porsuavez
provisórios.
Com a quedadoídolo da certeza(inclusive adosgraus de certezaimperfeita,ou
probabilidade),tombaumadasdefesasdoobscurantismoque barrao caminhodoavanço da
ciência.Comefeito,aidolatriadesseídoloafetanãoapenasa temeridadedas nossas
questões,mastambémorigore a integridade dosnossostestes.A visãoerróneadaciência
trai-se a si mesmana ânsiade estar correta,poisnão é a posse doconhecimento,daverdade
irrefutável,que fazohomemde ciência‒ o que o faz é a persistentee arrojadaprocuracrítica
da verdade.»
Karl Popper,A Lógica da PesquisaCientífica,SãoPaulo,EditoraCultrix,1972, pp. 305-308
(adaptado).
9
O métododa ciênciae a aproximaçãoà verdade
«Tantasvezestenhodescritooque considerocomoométodode autocorreçãopor meiodo
qual a ciênciaprocede que possoseraqui muitosucinto:ométododa ciênciaé o métodode
conjeturasousadase de tentativasengenhosase severaspararefutá-Ias.
Conjeturaousadaé uma teoriacom umgrande conteúdo‒ maior, de qualquerforma,que a
teoriaque,esperamos,serásuperadaporela.
Deveremserousadasasnossasconjeturasé decorrênciaimediatadoque tenhoditoarespeito
do alvoda ciênciae da aproximaçãoà verdade:aousadia,ougrande conteúdo,liga-se a
grande conteúdode verdade;poristoo conteúdode falsidade podeserignoradoaprincípio.
Mas umaumentono conteúdode verdade nãoé,emsi mesmo,suficiente paragarantirum
aumentode verosimilhança;comooacréscimonoconteúdoé uma questãopuramente lógica,
e comoo acréscimono conteúdode verdade marchacom o acréscimode conteúdo,oúnico
campo deixadoaodebate científico‒ e especialmenteatestesempíricos‒ é havertambém
aumentado,ounão,o conteúdode falsidade.Estanossaprocuracompetitiva da
verosimilhançatransforma-se,especialmente dopontode vistaempírico,numacomparação
competitivade conteúdosde falsidade (factoque certaspessoasencaramcomoparadoxo).
Parece que tambémemciênciaé certo (comocerta vezdisse WinstonChurchill) que as
guerrasnunca são ganhas,mas sempre perdidas.
Nuncapodemostornarabsolutamente certoque anossateorianão estáperdida.Tudoquanto
podemosfazeré procurar o conteúdode falsidadedanossamelhorteoria.Fazemo-lo
tentandorefutara nossateoria,istoé,tentandotestá-Iaseveramente àluzdonosso
conhecimentoobjetivoe donossoengenho.Sempre é possível,semdúvida,que ateoriapossa
serfalsa,mesmoque passe portodos ostestes;istoé uma concessãodevidaànossabusca de
verosimilhança.Mas,se elapassarpor todosessestestes,entãotemosboarazãopara
conjeturarque a nossateoria,que sabemosterconteúdode verdade maiordoque a sua
predecessora,pode nãotermaiorconteúdode falsidade.Ese falharmosemrefutara nova
teoria, especialmente emcamposemque asua predecessorahajasidorefutada,então
podemosalegaristocomouma dasrazõesobjetivasparaa conjeturade que a novateoriaé
uma aproximaçãoàverdade melhordoque a velhateoria.»
K. POPPER,ConhecimentoObjetivo,pp.84-85.
10
A corroboração
«Nãoé tantoo númerode casos corroboradoresque determinaograude corroboração, mas
sima severidade dosváriostestesaque ahipótese pode sere foi submetida.A severidade dos
testes,porseuturno,depende dograude testabilidade e,consequentemente,dasimplicidade
da hipótese:ahipótese falseável emmaiorgrauou a hipótese maissimplesé,também,
suscetível de corroboraçãoemmaiorgrau. O grau de corroboraçãoefetivamente alcançado
não depende,comoé claro,apenasdograu de falsificabilidade:umenunciadopodeser
falsificável emaltograue,aindaassim, estarcorroboradode maneiraapenassuperficial,ou
estarfalsificado.
Semser falsificado,poderátersidoabandonadoemfavorde umateoriasuscetível de
submeter-seaumteste melhor,daqual ele próprio‒ ou umenunciadosuficientemente
próximo‒ venhaa serdeduzido.»
Karl Popper,A Lógica da PesquisaCientífica,SãoPaulo,EditoraCultrix,1972, p. 293.
11
O progressoda ciência
«SegundoPopper,emciênciaprocuramosaverdade ‒ e a verdade nãoé dada pelosfactos
mas pelasteoriasque correspondemaosfactos.Mesmoque achemosumateoriaverdadeira,
jamaispoderemossabê-lo,poisasconsequênciasde umateoriasãoinfinitase não as
podemosverificartodas.Sendoassim, segundoPopper,averdade é umideal regulador.
Eliminandooserrosdasteoriasanteriorese substituindo-asporteoriasmaisverosímeis,
aproximamo-nosdaverdade.ParaPopper,é nissoque consiste oprogressoda ciênciae,por
exemplo,é assimque se passa,progredindosempreparateoriasmaisverdadeiras,de
CopérnicoaGalileu,de GalileuaKepler,de KepleraNewton,de NewtonaEinstein.
Com isso,porém,nãodevemospensarque existaumalei de progressodaciência,poisa
ciênciatambémpode estagnar.Oprogressodaciênciaconheceuobstáculos(epistemológicos,
ideológicos,económicos,etc.)e talvezvenhaaconhecê-los.Nãoexiste leidoprogressona
ciência.Este faz-se pormeiode "revoluçõesintelectuaise científicas",estas"sãointroduzidas
a partir de falsificaçõesbem-sucedidas.Asnovasteoriasnãosãoresultadodiretodas
refutações;foramrealizaçõesdopensamentocriativo,dohomempensante."
A conceçãode Popperdasrevoluçõescientíficascritica fortementeocontinuismoinerente ao
"métodoindutivo":nãohátransição gradual dosfactos para as hipóteses;nãoháuma
transiçãogradual de velhasparanovasteoriasmediante oacumularde factosque verificame
aperfeiçoamasteorias.Asteoriasverdadeirase asfalsasformam-se domesmomodocriativo
e imprevisível,e adecisãocaberáaos testesque eliminarãoasfalsas.
Popperdizque temosumcritériode progresso:umateoriapode aproximar-se maisda
verdade doque outra.E Popperespecificaessaideiade melhoraproximaçãoàverdade oude
graus de verosimilhançaapresentandoumarelaçãosistemáticadosseistiposde casosemque
estamosdispostosadizerque umateoria,chamemos-lhe T1,foi suplantadaporT2, no sentido
emque,peloque sabemos,T2parece correspondermelhoraosfactosdoque T1, emum ou
outro sentido:
1) T2 faz afirmaçõesmaisprecisasdoque T1 e essasafirmaçõesmaisprecisaspassampor
testesmaisprecisos;
2) T2 levaemconta maisfactos e explicamaisfactosdoque TI (e isso pode abrangerocaso
anterior);
3) T2 descreve ouexplicaosfactosmaispormenorizadamente doque TI;
4) T2 superoutestesque TInão conseguiusuperar;
5) T2 sugeriunovasverificaçõesexperimentais,que nãoeramtomadasemconsideraçãoantes
que TI fosse formulada(e que nãoeramsugeridasporTI e talveznempudessemser-lhe
aplicadas) e T2 superouessestestes;
6) T2 unificououconetouváriosproblemasque,até então,nãohaviamsidounificadosou
conetadosentre si.
Saliente-se que aideiade "aproximaçãoàverdade"nadatêmemcomum com a ideiade
acréscimogradual de pormenoresnateoriaque a deixariam, noessencial,igual asi mesma.As
teoriasrefutadasintegramoprocessode aproximaçãoàverdade porteremprovocadoa
criação de teoriasmelhores:
"A afirmaçãode que a Terra está emrepousoe que os céusgiram à voltadelaestámaislonge
da verdade doque a afirmaçãode que a Terra gira emtorno doseu próprioeixo,de que é o
Sol que está emrepouso,e osoutros planetasse movememórbitascircularesàvoltadoSol
(tal como foi avançadopor Copérnicoe Galileu).A afirmação,que se deve aKepler,de que os
planetasnãose movememcírculos mas simemelipses(nãomuitoalongadas) comoSol no
seufoco comum(e com o Sol em repouso,ouemrotação à voltado seueixo) é maisuma
aproximaçãoà verdade.A afirmação(que se deve aNewton) de que existe umespaçoem
repouso,masque,excluindoarotação,a sua posiçãonãose pode encontraratravésda
observaçãodasestrelasoudosefeitosmecânicosé maisumpassoemdireçãoà verdade."»
G. Reale,D.Antisieri,HistóriadaFilosofia,III,EP,pp.1042-1046.
Karl Popper,O Realismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,D.Quixote(montagem).
12
Progressoe racionalidade daciência
«O progressodoconhecimentoe,emparticular,donossoconhecimentocientíficoocorre por
meiode injustificadas(e injustificáveis) antecipações,de suposições,de soluções
experimentaisparaosnossosproblemas,de conjeturas.Estasconjeturassãocontroladaspela
crítica, ou seja,portentativasde refutaçãoque incluemtesesde enorme rigorcrítico.
É possível que resistamaessestestes;masnãopodemnuncaser categoricamente justificadas.
Não podemserdemonstradascomoindubitavelmente verdadeiras,nemmesmocomo
“prováveis”(nosentidode cálculode probabilidades).A críticadas nossasconjeturasreveste-
se de umaimportânciadecisiva:aoevidenciarosnossoserros,leva-nosacompreenderas
dificuldadesdoproblemaque estamosatentarresolver.Édessaformaque passamosa
conhecermelhoronossoproblemae nostornamoscapazesde proporsoluçõesmais
ponderadas.A própriarefutaçãode uma teoria‒ istoé, de qualquersériatentativade
solucionaronossoproblema‒ constitui sempre umpassoemfrente que nosaproximada
verdade.Eé assimque podemosaprendercomosnossoserros.
À medidaque vamosaprendendocomoserros que cometemos,onossoconhecimento
aumenta,emborapossamosnuncavira saber‒ istoé, a sabercom certeza.Uma vezque o
nossoconhecimentopode crescer,nãopode haveraqui razãopara desesperardarazão. E,
uma vezque não podemosnuncasabercomcerteza,não pode haveraqui autoridade para
qualquerreivindicaçãode autoridade,nemparaqualquervaidadeoupresunçãoacercado
nossoconhecimento.
Aquelasde entre asnossasteoriasque se revelamfortementeresistentesàcrítica que,num
determinadomomento,se nosafigurammaispróximasdaverdade do que outrasteorias
conhecidas,podemserdescritas,conjuntamente comosrelatóriosdostestesaque foram
submetidas,comoa"ciência» daépoca.Dado que nenhumadelaspode serpositivamente
justificada,é essencialmente oseucarátercrítico e progressivo–o factode podermosdiscutir
a sua pretensãode resolveremosnossosproblemasmelhordoque assuas adversárias‒ que
constitui aracionalidade daciência.»
K. Popper,Conjeturase Refutações,Lisboa,Almedina,2003, pp.9-10.

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Filosofia da Ciência de Karl Popper

  • 1. DOSSIÊ SOBRE A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE KARL POPPER (http://lrsr1.blogspot.com.br/2015/04/dossie-sobre-filosofia-da-ciencia-de.html) I SÍNTESE DAS IDEIAS DE POPPPER SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA TESES CENTRAIS 1. Uma teoria é científica se for testável e suscetível de falsificação empírica mediante a observação. 2. Uma teoria irrefutável não tem direito a ser considerada científica. 3. O indutivismo é uma perspetiva errada sobre o método científico. 4. As teorias e hipóteses científicas não podem ser verificadas nem confirmadas, unicamente corroboradas. 5. Os cientistas exercem uma vigilância crítica permanente das hipóteses e teorias científicas. 6. A ciência é objetiva porque os cientistas submetem as teorias ou hipóteses a testes empíricos rigorosos. 7. A ciência procede por conjeturas (hipóteses)e refutações em direção a um ideal de verdade que nunca atingirá, mas do qual se aproxima constantemente mediante a eliminação de erros. A falsificabilidade O tema da falsificabilidade permite a Popper resolver dois problemas: o da demarcação entre ciência e não ciência e o do papel da indução na ciência. A falsificabilidade é a caraterística de uma teoria ou hipótese que pode ser refutada por alguma observação. O problema da demarcação O problema da demarcação consiste em encontrar um critério que permita separar ciência de pseudociência. Será científica a teoria que se submete a testes destinados a falsificá-la e assim a refutá-la. A ciência distingue-se da pseudociência porque procura falsificar e não verificar ou confirmar as suas hipóteses. As teorias que não são refutáveis por alguma observação possível não são científicas. E são cientificamente tanto mais úteis quanto mais riscos correrem nas previsões que fazem. Contra o indutivismo e o verificacionismo Popper resolve o problema da indução opondo à conceção indutivista da investigação científica (que procura tornar verdadeiras as teorias) a falsificação. A indução não é o método da ciência porque: 1. Não podemos inferir as hipóteses da experiência como se houvesse observações puras ou objetivas. Os cientistas deduzem consequências observacionais das teorias e, submetendo essas predições ao confronto com os factos, sujeitam as teorias a testes rigorosos. Não precisam da indução para formar hipóteses. 2. A experimentação científica não é realizada com o objetivo de «verificar» ou estabelecera verdade de hipóteses ou teorias porque esse objetivo é impossível. A indução não nos pode dar certezas acerca da verdade das nossas teorias. Por maior que seja o número de observações a favor de uma teoria obtida por indução, esta pode sempre vir a revelar-se falsa. Mas podemos muitas vezes ter a certeza da sua falsidade adotando um modelo hipotético dedutivo que procura provar a falsidade e não a verdade de uma teoria.
  • 2. A corroboração Uma teoria diz-se corroborada quando resiste aos testes destinados a falsificá-la. Para ser corroborada uma teoria deve apresentar um bom conteúdo empírico que restrinja aquilo segundo as suas previsões pode acontecer ‒ de modo a não ser vaga ‒ e deve passar em testes sérios e rigorosos. Mas ser corroborada não significa dizer que a sua verdade foi provada nem que é provável que seja verdadeira. Unicamente não foi refutada e podemos continuar a trabalhar com ela, se não for posteriormente desmentida ou se não encontrarmos uma melhor. A qualquer momento, uma teoria pode ser refutada por novos testes. O máximo que se pode dizer de uma teoria científica é que,até a um dado momento, ela resistiu aos testes usados para a refutar. O progresso do conhecimento científico A ciência progride mediante o método das conjeturas e refutações. As conjeturas ou hipóteses – que nunca podem ser verificadas ou confirmadas ‒ são sujeitas a testes severos aos quais podem sobreviver ou não. As que sobrevivem às tentativas de refutação revelam-se mais resistentes, mas nunca verdadeiras ou provavelmente verdadeiras. Constituem, em comparação com outras, uma melhor aproximação à verdade.O seu grau de verosimilhança é o critério que as torna melhores do que teorias rivais. Aproxima-se mais da verdade a conjetura que resolve melhor certos problemas do que as suas competidoras. O progresso científico, mediante a eliminação de erros, é uma evolução em direção a uma meta ideal inalcançável: o ideal da verdade como espelho fiel da realidade. II TEXTOS SOBRE POPPER 1 - O falsificacionismodeKarlPopper 1. Indução «Uma linhade respostabastante diferente paraoproblemadainduçãodeve-se aKarl Popper. Popperolhapara a prática da ciênciapara nosmostrar como lidarcomo problema.Segundoo pontode vistade Popper,paracomeçar a ciêncianãose baseiana indução.Poppernegaque os cientistascomeçamcomobservaçõese inferemdepoisumateoriageral.Emvezdisso, primeiropropõemumateoria,apresentando-acomoumaconjeturainicialmente não corroborada,e depoiscomparamassuas previsõescomobservações paraverse elaresiste aos testes.Se essestestesse mostraremnegativos,entãoateoriaseráexperimentalmente falsificadae oscientistasirãoprocuraruma novaalternativa.Se,pelocontrário,ostestes estiveremde acordocoma teoria,entãooscientistascontinuarãoamantê-lanãocomouma verdade provada,é certo,mas aindaassimcomo umaconjeturanão refutada. Se olharmospara a ciênciadestamaneira,defende Popper,entãoveremosque elanãoprecisa da indução.SegundoPopper,asinferênciasque interessamparaaciênciasão refutações,que tomamuma previsãofalhadacomopremissae concluemque ateoriaque estápor detrásda previsãoé falsa.Estasinferênciasnãosãoindutivas,masdedutivas.Vemosque umA é não-B, e concluímosque nãoé o caso que todosos As sãoBs. Aqui nãohá hipótese de apremissaser
  • 3. verdadeirae a conclusãofalsa.Se descobrirmosque umcertopedaçode sódionãoficalaranja quandoé aquecido,entãosabemosde certezaque nãoé ocaso que todo o sódioaquecido ficalaranja.Aqui o facto interessante é que é muitomaisfácil refutarteoriasdoque prová-las. Um único exemplocontrárioé suficiente paraumarefutaçãoconclusiva,masnenhumnúmero de exemplosfavoráveisconstituiráumaprovaconclusiva. 2. Falsificabilidade Assim,segundoPopper,aciênciaé uma sequênciade conjeturas.Asteoriascientíficassão propostascomohipóteses,e sãosubstituídaspornovashipótesesquandosãofalsificadas.No entanto,estamaneirade vera ciênciasuscitauma questãoóbvia:se as teoriascientíficassão sempre conjeturas,entãooque tornaa ciênciamelhordoque a astrologia,a adoração de espíritosouqualqueroutraformade superstiçãosemfundamento?Umnãopopperiano responderiaaestaquestãodizendoque averdadeiraciência provaaquiloque afirma, enquantoasuperstiçãoconsiste apenasempalpites.Mas,segundoaconceçãode Popper, mesmoas teoriascientíficassãopalpites — poisnãopodemserprovadaspelasobservações: são apenasconjeturasnãorefutadas. Popperchamaa istoo "problemadademarcação" — qual é a diferençaentre aciênciae outras formasde crença? A suarespostaé que a ciência,aocontrárioda superstição,pelo menosé falsificável,mesmoque nãopossaserprovada.Asteoriascientíficasestãoformuladas emtermosprecisos,e por issoconduzemaprevisõesdefinidas.Asleisde Newton,por exemplo,dizem-nosexatamenteonde certosplanetasaparecerãoemcertosmomentos.Eisto significaque,se taisprevisõesfracassarem,poderemosteracertezade que a teoriaque está por detrásdelasé falsa.Pelocontrário,ossistemasde crençascomoa astrologiasão irremediavelmente vagos,de tal maneiraque se tornaimpossívelmostrarque estão claramente errados.A astrologiapode preverque osescorpiõesirãoprosperarnassuas relaçõespessoaisàquinta-feira,mas,quandosãoconfrontadoscomumescorpiãocujamulher o abandonounumaquinta-feira,é natural que osdefensoresdaastrologiarespondamque, considerandotodasascoisas,o fimdocasamentoprovavelmente acabouporsermelhor.Por causa disto,nadaforçará algumavezos astrólogosa admitirque a sua teoriaestáerrada.A teoriaapresenta-seemtermostãoimprecisosque nenhumasobservaçõesatuaispoderão falsificá-la. 3. Ciênciae pseudociência O próprioPopperusaeste critériode falsificabilidadeparadistinguiraciênciagenuínanão só de sistemasde crençastradicionais,comoaastrologiae a adoração de espíritos,mastambém do marxismo,dapsicanálisede váriasoutrasdisciplinasmodernas que ele considera negativamentecomo"pseudociências".SegundoPopper,astesescentraisdessasteoriassão tão irrefutáveiscomoasda astrologia.Osmarxistaspreveemque asrevoluçõesproletárias serãobem-sucedidasquandoosregimescapitalistasestiveremsuficientemente enfraquecidos pelassuascontradiçõesinternas.Mas,quandosãoconfrontadoscomrevoluçõesproletárias fracassadas,respondemsimplesmenteque ascontradiçõesdessesregimescapitalistas particularesaindanãoos enfraqueceramsuficientemente.De maneirasemelhante,osteóricos psicanalistasdefendemque todasasneurosesadultasse devematraumasde infância,mas quandosão confrontadoscomadultosperturbadosque aparentemente tiveramumainfância
  • 4. normal dizemque aindaassimessesadultostiveramque atravessartraumaspsicológicos privadosquandoeramnovos.ParaPopper,estestruquessãoa antítese daseriedade científica.Oscientistasgenuínosdirãode antemãoque descobertasobservacionaisosfariam mudar de ideias,e abandonarãoassuas teoriasse essasdescobertasse realizarem.Masos teóricosmarxistase psicanalistasapresentamassuasideiasde tal maneira,defende Popper, que nenhumasobservaçõespossíveisosfarãoalgumavezmodificaroseupensamento.» DavidPapineau«Methodology»emA.C.Grayling(org.),Philosophy:A Guide Throughthe Subject,OxfordUniversityPress,1998 (traduçãode PedroGalvão). 2 Exemplode teorianãofalsificável «Comoexemplode umateorianãocientíficapodemostomaraastrologia.Éclaro que se trata de uma teorianão falsificável.Asprevisõesastrológicassãosuficientemente vagasparanunca admitiremumteste de falsificabilidade (“esteanotenhaatençãoà suasaúde”ou “em março morreráuma figuramundialmente conhecida”,emvezde “a15 de abril vai partir umaperna” ou “o papa vai morrer entre 10 e 17 de março”).Nocaso (altamente improvável) de alguma vezalgumastrólogoemitirumaprevisãofalsificávelnãoverificada,ouve-seumcorode explicaçõesadhoc[...].Asmaiscomunssãoobservaçõescomo“a astrologiafuncionanalguns casos”. Em que casos nãofunciona?Ninguémsabe.Emque casosfunciona?Ninguémsabe.O que os distingue [...]?Ninguémsabe.Assim,aastrologiaestálegitimada,queracerte quer falhe asprevisões.Ouseja,nãoé falsificável.Portanto,nãoé científica.Éumapseudociência.» Jorge Buescu,O MistériodoBilhete de Identidadee OutrasHistórias,Lisboa,Gradiva,2004, 9.ª edição,p.13. 3 O básicosobre a teoriade Popper «Nasua primeiraobra,A Lógicada DescobertaCientífica,publicadaemalemãoem1934, Popperdefendeque,apesarde asteoriascientíficasnãopoderemserverificadasnemmesmo tornadasprováveis,elaspodemserfalsificadaspelosfactos.A ciênciaprogride apresentando conjeturas – teoriasouhipótesesque dizemomáximopossível acercadomundoe que assim se expõemomáximopossível aoriscoda refutaçãoempírica.Sãoentãosubmetidasaum severoescrutínioouexame que tentaasua refutaçãoobservacional ouempírica.Quandouma teoriacientíficaé empiricamente falsificada,ocientistatemde pensarnumamelhorhipótese explicativaque tenhaaindamaisconteúdoinformativo.A novateoriadeve predizere explicar todosos factosque a teoriafalsificadaexplicavae tera capacidade de prever igualmente novosfenómenos.» NicholasMaxwell,UniversityCollege London‒ Karl RaimundPopper‒ PhilSci-Archive
  • 5. 4 Poppere o problemacentral dafilosofiadaciência:oproblemadademarcação «Quandodeve serconsideradacientíficaumateoria?Qual ocritérioque determinaostatus científicode umateoria?Há uma condiçãofundamental paraque qualquerhipótesetenhao estatutode teoriacientífica:essahipótese temde serfalsificável.Popperrefere claramente que o problemaque opreocupanão é determinarquandoé verdadeiraouaceitáveluma teoria,massim"distinguiraciênciadapseudociência,sabendomuitobemque porvezesa ciênciaerrae a pseudociênciaacerta".Ele conheciaarespostacomummente aceite paraoseu problema:"aciênciadistingue-sedapseudociência–ou da metafísica– peloseumétodo empírico,que é essencialmenteindutivo,istoé,que parte daobservaçãoouda experimentação".Noentanto,essaresposta,nãoosatisfazia.Daía reformulaçãodoproblema com o intuitode distinguir"ummétodogenuinamente empíricode ummétodonãoempírico ou até pseudoempírico,istoé,ummétodoque emborafazendoapeloàobservaçãoe à experimentação,nãolograadequar-seàsnormascientíficas.Este últimométodopodeser exemplificadopelaAstrologia,comasua enorme massade dados empíricosbaseadosna observação,emhoróscopose biografias". O critériode demarcação que Popperencontraimplícitonaobrados positivistasé oda verificação,critériosegundooqual umaproposiçãoé significativa se,e apenasse,puderser verificadaempiricamente,istoé,se houverummétodoempíricoparadecidirse é verdadeira ou falsa.Nafaltade tal métodoé uma pseudoproposiçãocarente de significadoou,quando muito,umatautologia.Este princípiofoi ligeiramente reformuladopelosempiristaslógicos que encontraramna obra de Carnap, a sua carta magna: aí a noção de verificaçãoconcludente de uma proposiçãoé substituídapelanoçãode confirmaçãogradualmente crescente, mediante orecursoà observaçãoe à experiência.Importareferirque oconceitode verificação não perde a sualigaçãoumbilical àverdade:verificaré tornarverdadeiroouvera verdade de algo. Popperrejeitaeste critérioe todae qualquertentativade construirumalógicaindutiva.As suas principaisobjeçõesàlógicaindutivistasãoas tradicionais.Noraciocínioindutivo passamosde um caso (istoé,de um juízoparticular) para todosos casos(istoé,para um juízo universal).Qual alegitimidadelógicado"salto"que efetuamosnasinferênciasindutivas?O que nos autorizaa realizarsemelhante tipode raciocínio?Se osjuízosdaexperiênciasão sempre particularese contingentes(istoé,arelaçãoque nelesse estabeleceentre osujeitoe o predicadoé particulare contingente),comose pode formularumjuízouniversal e necessárioque legitimeaspretensõesdasciênciasde possuíremleiscomumcaráter universal e necessário(únicasque permitirãoaprevisão)?Emtermosestritamente lógicos,aconclusão de um argumentonãopode ter maiorextensãoouconteúdodoque aquiloque é afirmadonas premissas.Ora,é precisamente estainfraçãoque se verificanumaproposiçãocientíficade caráter universal,que se fundamentaempremissasque consistemnumconjuntofinitode proposiçõessingulares.Popperdescobriuumaconceçãosecular,aque identificaaciência como umaatividade estritamente indutivaque,apartirde umas tantasobservaçõese experiências,avançahipótesese formulaleissobre osfenómenos,procedendodepoisàsua
  • 6. generalização e verificação.Foi estaconceçãoque a ingénuaepistemologiadaModernidade consagroucomo paradigmáticanoâmbitodas ciênciasnaturaise,depois,pretendeuexportar para o conjuntodossaberese disciplinas."Tendorejeitadoatese de que asproposições científicaspodemserverificadas[...],Poppertentareconstruiralógicada ciênciade formaque somente alógicadedutivasejasuficiente paraavaliarasproposiçõescientíficas.Esta reconstruçãodá lugara umnovo critériode demarcação.Popper,aopretenderdemarcar-se do empirismológico,maisnãofazdo que mostrara outraface do caráter reguladordo conceitometafísicode verdade,quandoenunciaoprincípiofundamental doseu falsificacionismoapartirdo qual se poderiadeterminaracientificidade de umaproposição: uma proposiçãosópode considerar-se científica,se delaforpossível deduzirumconjuntode enunciadosde observaçãoque possamfalsificá-la,aindaque nãoa falsifiquem necessariamente.Éo facto de uma teoriacientíficapoderserteoricamentefalsificável que determinaasua cientificidade,é esse factoque permiteavaliaroseugraude verosimilhançae que,emúltimaanálise,aafastae demarca de teoriaspseudocientíficas,comoaAstrologia. Estas teorias,emboraconsigamrealizar prediçõescorretas,sãoformuladasde tal modoque se torna impossível qualquertentativade falsificaçãoe,porestarazão, não sãoconsideradas teoriascientíficas.PodemostentarresumiroscritériosaceitesporPopperparadeterminaro estatutocientíficode umateoria,aosseguintesprincípios: 1. Uma teoriaque não é suscetível de refutaçãonãoé consideradacientífica. 2. A irrefutabilidadenãoé umavirtude,massimum vício. 3. Todo o teste oucontrastação é uma tentativapararefutaruma teoria. Neste sentido,a testabilidade equivale àrefutabilidade.Algumasteoriassãomaistestáveise,porisso,estão maisexpostasàrefutação. 4. A descobertade novosfactosque estãode acordo com as prediçõesde umateoria,não confirmamporsi só a teoria,masúnicae exclusivamente acorroboram.Uma teoriaque é corroborada,quandopassa umteste ou contrastação,istoé,quandouma observaçãocujo resultadopoderiaeventualmenterefutarateorianãose confirma,robustece aprópriateoria semno entantoa confirmar. Alexandre Marques,A DoutrinadoFalseamentoemPopper. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/popper5.htm 5 O progressoda ciênciaé incompatível comoindutivismoe overificacionismo «O falsificacionistaadmitefrancamenteque aobservaçãoé guiada pelateoriae a pressupõe. Tambémse congratulade abandonarqualquerafirmaçãoque impliqueque asteoriasse podemestabelecercomoverdadeirasouprovavelmente verdadeirasàluzda evidência observacional.Umavezpropostas,asteoriasespeculativasterãode sercomprovadasrigorosa e implacavelmente pelaobservaçãoe aexperimentação.Asteoriasque nãosuperamas
  • 7. provasobserváveise experimentaisdevemsereliminadase substituídasporoutrasconjeturas especulativas.A ciênciaprogride graçasaoensaioe ao erro,às conjeturase refutações."O métododaciênciaé o métodode conjeturasaudazese engenhosasseguidasde tentativas rigorosasde falseá-las".Sósobrevivemasteoriasmaisaptas.Nuncase pode dizerlicitamente que uma teoriaé verdadeira, pode-se dizercomotimismoque é amelhordisponível,que é melhorque qualquerdasque existiamantes.Segundoofalsificacionismo,pode-se demonstrar que algumasteoriassãofalsasrecorrendoaosresultadosdaobservaçãoe da experimentação. Por outroladoé possível efetuardeduçõeslógicas,partindode enunciadosobserváveis singularescomopremissas,e chegarà falsificaçãode teoriase leisuniversaismedianteuma deduçãológica.Exemplo:numdeterminadolugare numdeterminadotempo,observou-se um corvo que não eranegro.Conclusão:nemtodososcorvos são negros.Estamosna presençade uma deduçãologicamenteválida.A falsificaçãode enunciadosuniversaispodeserdeduzidade enunciadossingularesadequados.Ofalsificacionistaexploraaomáximoestaquestãológica. Consideraque aciênciaé um conjuntode hipótesesque se propõemamodode ensaiocomo propósitode descobrirouexplicarde ummodoprecisoocomportamentode algumaspetodo mundoou universo.Noentanto,nemtodasashipótesesoconseguem.Háumacondição fundamental paraque qualquerhipótesetenhaoestatutode teoriacientíficaoulei científica, essahipótese temde serfalsificável.Eumahipótese é falsificadase existeumenunciado observável ouumconjuntode enunciadoslogicamente possíveisque sejamincompatíveiscom ela,istoé,que emcaso de seremestabelecidoscomoverdadeiros,falsificariamahipótese. Exemplosde enunciadosque nãocumpremesse requisitoe nãopodemserfalsificados:"ou chove ou nãochove","é possível tersorte na especulaçãodesportiva",etc.Se umenunciado não é falsificável,entãoomundopode terqualquerpropriedadee comportar-se de qualquer maneirasementrarem conflitocomoenunciado.Ofalsificacionistaadmite que algumas teoriaspassamde facto como teoriascientíficassomente porquenãosãofalsificáveise deveriamporissosereliminadas,emborasuperficialmente possaparecerque possuemas caraterísticasdas boas teoriascientíficas.Paraque umateoriapossuaumconteúdo informativo,háde correro risco de serfalsificada.Umaboa teoriaoulei científicaé falsificada justamente porque fazafirmaçõesdefinidasacercadomundo. Uma boa teoriaserá aquelaque fazafirmaçõesde muitoamploalcance acercado mundoe que,ao sertestada,resistaà falsificação.Asteoriasque tenhamsidofalsificadastêmque ser rejeitadas,vistoque,comoafirmaPopper,aodescobrirmosque anossaconjeturaerafalsa, aprendemosmuitosobre averdade e chegaremosmaispertodela.Aprendemoscomos nossoserros."A ciênciaprogride mediante oensaioe oerro".Esta atitude de "vidaoude morte"choca com a precauçãorecomendadapeloindutivistaingénuo.Segundoeste,sóas teoriasque se podemdemonstraré que sãoverdadeirasouprovavelmenteverdadeirase só essasdevemseradmitidasnaciência.Ofalsificacionista,emcontraposição,reconhece as limitaçõesdainduçãoe a subordinaçãodaobservaçãoà teoria.Ossegredosdanatureza, somente se podemdescobrircoma ajuda de teoriasengenhosase perspicazes. A exigênciadafalsificabilidade dasteoriasoriginaaatrativaconsequênciade que asteorias sejamestabelecidase precisadascomclareza.Oprogressoda ciência,tal comoo vê o falsificacionista,poderáresumir-se daseguinteforma.A ciênciacomeçacomproblemas, problemasque estãoassociadosàexplicaçãodocomportamentode algunsaspetosdomundo. O cientistapropõe hipótesesfalsificáveisparasolucionarosproblemas.Ashipótesessão
  • 8. criticadase comprovadas.Algumassãoeliminadasrapidamente,outraspodemtermaisêxito. Estas devemsubmeter-seacríticas e provas maisrigorosas.Quandofinalmente se falsifica uma hipótese que tenhasuperadocomsucessoumagrande variedade de testes,surge um novoproblema,que é a invençãode novashipóteses,seguidasde novascríticase provas.Este processocontinuaindefinidamente.Porissonuncase pode afirmarque umateoriaé verdadeira,pormuitasprovasrigorosasque tenhasuperado,somente podemosafirmarque a teoriaemvigoré superioràssuas predecessoras,nosentidode que foi capazde superartestes que falsificaramasteoriasanteriores.Nodizerde Popper"[...]sóháum caminhopara a ciência:encontrarumproblema,vera sua belezae apaixonar-se porele;casare viverfelizcom ele até que a morte nos separe – a não ser que obtenhamosumasolução.Mas,mesmoque obtenhamosumasolução,poderemosentãodescobrir,paranossodeleite,aexistênciade toda umafamíliade problemas-filhos,encantadoresaindaque talvezdifíceis,paracujobem- estarpoderemostrabalhar,comum sentido,até aofimdosnossosdias".A afirmaçãode que a origemda ciênciaestánosproblemasé perfeitamente compatível comaprioridade dasteorias sobre a observaçãoe os enunciadosobserváveis.A ciêncianãocomeçacom a pura observação.A conceção falsificacionista,proporcionaumaimagemdinâmicadaciência. O progressoda ciênciaexige que asteoriassejamcadavezmaisfalsificáveise em consequênciatenhamcadavezmaisinformação,exclui noentanto,que se efetuem modificaçõesnasteoriasdestinadassimplesmente aprotegê-lasdafalsificaçãooude uma falsificaçãoameaçadora.Essasmodificações,tal comoaadição de maisum postuladosem consequênciasque nãotenhamsidojácomprovadas,sãodenominadasde modificações ad hoc. Asmodificaçõesadhocsão rejeitadaspelofalsificacionista,noentanto,existeoutrotipo de modificaçõesnãoadhoc, aceitespelofalsificacionista.Centramosanossaatençãona seguinte proposição:"Opãoalimenta".Noentanto,emFrança,numa determinadaregião,o trigoque crescia de maneiranormal foi convertidoempãonormal e a maioriadas pessoasque comeuesse pãoficougravemente doente.A teoriade que "todoopão alimenta"foi falsificada.Podemosmodificarateoriapara evitara sua falsificação:"Todoopão alimenta, excetoaquele que é produzidonumadeterminadazonade França".Esta é umamodificaçãoad hoc. A teoriamodificadanãopode sercomprovadade maneiraque não o sejatambéma teoriaoriginal.A hipótesemodificadaé menos falsificável que aversãooriginal.O falsificacionistarejeitaessasaçõesde retaguarda.Comomodificarateoriade umamaneira aceitável?Daseguinte forma:"Todoopão alimenta,excetoaquele cujotrigoé contaminado por um determinadotipode parasita".Estateoriamodificada,nãoé ad hocporque levaa novascomprovações.Nodizerde Popper,é contrastável de formaindependente.O falsificacionistadeve rejeitarashipótesesadhoce estimularapropostade hipótesesaudazes com melhoriaspotenciais emrelaçãoàsteoriasfalsificadas.Asconfirmaçõesque são conclusõesconhecidasde antemãosãoinsignificantes.Se hoje emdiaconfirmamosateoriada gravitaçãouniversal de Newtonatirandoumapedraaosolo,nãocontribuímoscom nadade valorpara o progressoda ciência.Aocontrário,se amanhãconfirmamosumateoria especulativaque implicaque aatração gravitacional entre doiscorposdependedassuas temperaturas,falsificandoateoriade Newton,teremosrealizadoumavançoimportante no conhecimento científico. Alexandre Marques,A DoutrinadoFalseamentoemPopper.
  • 9. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/popper5.htm 6 A teoriada ciênciade Popperé anti-indutivistae antiverificacionista «A ideiapopulardaqual nasce o indutivismoé ade que as proposiçõesderivadasda observaçãoconstituemumabase apartir da qual são derivadasasleise teoriascientíficas.As observaçõessãosempre singulares,desse oudaquele fenómeno.Asproposições observacionaissãosingulares,como"Essabarrade ferroexpandiu-se aoseraquecida".Asleis científicas,dasquaissãoessencialmenteconstituídasasteoriascientíficas,sãoproposições universaiscomo"Todososmetaisse expandemaoseremaquecidos". Ora,comopodemos passar da afirmaçãode proposiçõesobservacionais,singulares,paraade leiscientíficas,que são proposiçõesgeraisouuniversais?A respostadosensocomumparece ser:atravésda inferênciaindutiva.Pelainferênciaindutivatorna-se legítimo,apartirde uma listafinitade proposiçõessingularesgeneralizarleisuniversais,válidasparatodososcasos similares.Eis uma formulaçãoparcial e simplificadadoprincípiodaindução: PI: Se um númerosuficiente de fenómenosdotipoA forsempre observadoemcertaconexão com fenómenosdotipoB,podemosconcluirque todososfenómenosdotipoA possuemtal conexãocomfenómenosdotipoB. Por exemplo:emtodososcasosnosquaisaté agora comparamoso volume de barrasde ferro aquecidascomo volume que elastinhamquandonãoaquecidas,vimosque elasse expandiam.Notamosque issoocorriatambémcombarrasde outros metais,e que issoocorria independentemente davariaçãode outrascondições,comoo tamanhodo objetometálico, sua forma,etc.Isso noslevou,porgeneralizaçãoindutiva,àconclusãode que todosos objetos metálicosse expandemquandoaquecidos.Segundoessaconceção,é assimque chegamosàs leise teoriascientíficas,ouseja,pelaacumulaçãode observaçõese pelageneralizaçãoindutiva a partir disso. Uma conceção puramente indutivistadométodocientíficoé simplistae nãocorresponde ao que realmente acontece.Ashipótesescientíficassãousualmente resultadodoque pode ser chamadode imaginaçãocientífica.Insightscomo, porexemplo,adescobertadoduplahélice espiral doDNA por Watson& Crike,oua hipótese de que aluztema mesmavelocidadepara todosos observadores,que paraEinsteindeuorigemàteoriadarelatividade. A conceçãodo processode descobertade generalizaçõescientíficasque acabamosde esboçar não é completase não foremconsideradosdoisoutroselementosessenciaisàciência: explicaçõese previsões.Umavezque,pelaindução,chegamosaformulaçãode leiscientíficas, devemospoderaplicaressasleisexplicandoe prevendoosfactos. Assim,se considerarmosoexemploacima,combase nageneralizaçãocientífica"Todosos metaisse expandemquandoaquecidos",podemosfazeraseguinte previsão:"Se essabarrade ferrofor aquecida,elase dilatará".E se uma certa barra de metal se dilataao seraquecida,
  • 10. podemosexplicaresse fenómenodizendoque issoocorreuporque elaé de metal e todosos metaisse dilatamaoseremaquecidos. Se admitirmosque ainduçãodesempenhaumpapel maisoumenosimportante naformação das leiscientíficas,podemosestabelecerumcritériode cientificidade que sejabaseadonela. Trata-se do critérioverificacionista.Esse critériodizque umateoriaé científicaquandoassuas leise teoriassãoverificáveis –issoé – quandopodemserevidenciadascomoverdadeirasou falsas– atravésda observação,que as fortalece indutivamente.Imagine-se que tenhamospor induçãochegadoà lei geral:"Todososmetaisse dilatamao seremaquecidos".Essaé umalei científicanamedidaemque podemosverificá-la,istoé,fazerumaprevisãocomela,de tal maneiraque obtenhamosenunciadosobservacionaisque aconfirmemoua desmintam. O critérioverificacionistade cientificidadepressupõe avalidade dométodoindutivo.Se a induçãonão existisse,aconfirmaçãoobservacionaldalei científicanãoseriacapaz de torná-la maisplausível,de fundamentá-la,de justificarasua verdade.Overificacionistaprecisada induçãopara dizerque a verificaçãocomprovaahipótese científica,e que aacumulaçãode observaçõesaumentaanossacertezada sua verdade,tornaasleiscientíficasmaisprováveis. O verificacionistaaceitaque nãoháverificaçãoconclusivaparaas nossasleisuniversais.Mas ele admite que aacumulaçãode proposiçõesque comprovam alei geral a tornará mais provável,oque exige avalidade dométodoindutivocomopressuposto. Essa é uma dasrazões pelasquais,comoveremos,aorejeitarométodoindutivoPopper rejeitatambémocritérioverificacionistadacientificidade.Vejamosagoraaconceção popperianadométodocientíficoe asua crítica à indução. O falsificacionismopopperiano «Popperpretendeufundarumaepistemologianãoindutivistadaciência.Essaepistemologia baseia-se emtrêspontos:arejeiçãodaindução,ofalsificacionismoe aconceção de ciência como aproximaçãoàverdade. Comecemoscoma crítica a indução.ParaPopper(que segue aqui umraciocíniosimilaraode Hume),todaa tentativade atribuirvalorlógicoà induçãoestácondenadaaofracasso.O princípioda induçãoafirmaque a conjugaçãorepetidade fenómenospode sergeneralizada. Ora, essalei nãopode seruma tautologia,convertendo-se emalgodedutivo,postoque então eladeveriaseranalítica,oque não é o caso. Tambémnãoé um princípiosintético,cuja negaçãoé possível,poisentãoseriaumprincípiosintéticoapriori,oque seriadogmático.O princípionãopode,por fim,sersintéticoaposteriori,poisnesse casoprecisariaser fundamentado,umafundamentaçãoque sópoderiaserfeitapelorecursoa uma induçãode segundaordem,aqual,por sua vezexigiriafundamentação,levandoaumregressoaoinfinito. A conclusãode Popperé:a induçãonão existe. Ora, se a induçãonãoexiste,ocritériode verificabilidadenãopode serfundamentado.A soluçãopopperianaparao problemadademarcaçãoda ciênciaconsistiráporissono apeloà falsificabilidade comocritériode cientificidade:leise teoriascientíficassãoaquelasque são potencialmente falsificáveis.
  • 11. Vejamosissomaisde pertorecorrendoauma previsão.Porexemplo:Todososcorvossão pretos;Na regiãoKexiste umcorvo;conclusão:Logo,esse corvoé preto.A falsificaçãoda proposiçãoTodosos corvossão pretoscostumaser conclusiva.Bastaobservarmosumcorvo que não sejapretopara que a teoriade que todosos corvossão pretossejafalsificada. O mesmonãoocorre, dopontode vistalógico,se onossocritériode cientificidade fora verificação.Ofactodo enunciadode observaçãoserverdadeironãoé evidênciaforte da verdade dateoria,nãoé, aliás,evidênciaalgumase tivermosrejeitadoaindução.Popperfala aqui de uma assimetriaentre verificaçãoe falsificação.Essaassimetriaderivadaseguinte observação.Enunciadosuniversaissãoconclusivamentefalsificáveis,comovimos,masnão podemserconclusivamente verificáveis.Paraverificarconclusivamenteumenunciado universal tãosimplescomo"Todososcorvos são pretos",precisaríamosobservartodosos corvosem todasas regiões,tantonopresente comonopassadoe nofuturo,o que é impossível. Mas como,atravésde uma epistemologianãoindutivista,podemosexplicaroprogresso científico?Poppersugere que podemoscompararteoriaslançandomãodoconceitode aproximaçãoà verdade,de verosimilhança.» CláudioF.Costa‒ UFRN Falseacionismoe Anti-IndutivismoPopperianos(adaptado) Anti-indutivismoe falseacionismopopperianos‒ CCHLA/UFRN 7 CRÍTICASA POPPER 7.1. Críticas ao falsificacionismo «Uma dificuldadeóbviaque se pode levantaraofalsificacionismoé asuaaceitação da ideiade que não temosqualquerjustificaçãoparasuporqualquerteoriacientíficacomoverdadeira. Esta ideiaé,nomínimo,altamente contraintuitiva.Nãoseriapreferível se pudéssemosdivisar outra soluçãopara o problemadaindução,umasoluçãoque nos permitisseevitaresta conclusãobizarra?É claroque,emresposta,o falsificacionistapode insistirque nãoháuma soluçãomelhor. Outra dificuldade é que ofalsificacionismonãofornece umadescriçãoadequadadomodo como a ciênciaprogride oudeve progredir.Tomemos,porexemplo,ateoriade Copérnicode que a Terra se move emredordo Sol.Quandofoi pelaprimeiravezproposta,oscríticos apontavamduasobservações que pareciamfalsificarateoriade Copérnico.Primeiro,se a
  • 12. Terra se move,um objetoque cai de uma torre alta deviacairfazendoumânguloe nãoa direito,pois,se aTerra se move durante o períododa queda,oobjetodeviacaira uma distânciaequivalente relativamente aopontoexatamenteabaixode onde foi largado.Porém, é claroque os objetoscaídosde torrescaemsempre na vertical.Estaobservaçãoparece imediatamente falsificarateoriacoperniciana. Segundo,se aTerra andaem voltadoSol,as estrelasfixasdeviamterummovimentoaparente para trás e para diante ao longodonossocampo de visãodurante o períodode um ano (do mesmomodoque se olhássemosdiretamente paranorte andandoà voltade um poste de iluminação,ascasasao longoda rua se moveriamparatrás e para diante aolongodo nosso campo de visão).Mas nenhummovimentodesse género,aparalaxe,foi observado.A não observaçãoda paralaxe tambémparece falsificarateoriacoperniciana.Algunstentaram defenderateoriacoperniciana insistindoque asestrelasestãodemasiadolonge paraque a paralaxe sejadetetadapelosinstrumentosdaépoca(oque se mostrouserverdade).Masnão havianesse tempomaneirade poderfalsificarestanovaideiasobre adistânciadasestrelas fixas. Apesardisso,ateoriade Copérniconãofoi rejeitadae aindabem.Oscientistasprovaramnos anos seguintesque Copérnicoestavacertoe que ambasas objeçõeseraminfundadas.Uma vezque o falsificacionismoimplicaque ateoriade Copérnicodeviatersidorejeitada,parece que o própriofalsificacionismoestáerrado,poisnãoconsegue descrevercorretamenteo modocomo a ciênciafunciona. Mesmoque o falsificacionismonãoforneçaumadescriçãocorretado modocomo a ciência procede oudeve proceder,oteste da falsificaçãomantémasuaimportância.Muitos teorizadoresque se afirmam"científicos"sãodificilmente falsificadosporque nãofazem previsõesclarase semambiguidades.Comoresultado,aconteçaoque acontecer,podem sempre afirmarque as suasteorias nãoforam falsificadas.Osastrólogos,porexemplo,podem habitualmente sustentarque se mostrouque asua previsãoé verdadeira.» StephenLaw.Retiradode Philosophy(Londres,2007,pp. 179-189). Tradução Carlos Marques. Versãobrasileira,versãoportuguesa. 7.2. O falsificacionismonãotraduzcorretamente oque é fazerciência «Consideremosamaisconhecidatese de Popper:aciêncianãoprocede por“indução” – istoé, encontrandoinstânciasconfirmativasde umaconjetura,masantesfalsificandoconjeturas arriscadase atrevidas.A confirmação,argumentou,é lentae nuncaé certa. Porcontraste,uma falsificaçãopode sersúbitae definitiva.Alémdomais,encontra-senocoraçãodo método científico. Um exemplofamiliarde falsificaçãoliga-seàasserçãode que todosos corvos sãopretos. Sempre que se encontraumnovo corvopretoconfirma-se obviamenteateoria,mashá sempre a possibilidade de que apareçaumcorvonão preto.Se tal acontece,a conjeturaé
  • 13. imediatamente desacreditada.Quantomaisvezesuma conjeturaenfrentarosesforçosparaa falsificar,afirmouPopper,maiorse tornaa sua“corroboração”, todavia,a corroboração é tambémincertae não pode nunca quantificar-se oseugraude probabilidade.Oscríticosde Popperinsistememque “acorroboração”é uma formade indução,e que Popper simplesmenteintroduziuàsorrelfaainduçãopelaportadas traseirasdando-lheumnovo nome.A questãofamosade DavidHume era “Como é que a induçãopode serjustificada?”. Não pode,disse Popper,porque tal coisacomoa induçãonão existe! Há muitasobjeçõesaestaafirmação assombrosa.Umaé a de que as falsificaçõessãomuito maisraras emciênciadoque a procurade instânciasconfirmativas.Osastrónomosprocuram por sinaisde águaem Marte. Nãopensamque estãoa fazeresforçospara falsificaraconjetura de que Marte nuncateve água.[...] Popperreconheceu –mas descartoucomonão sendoimportante –que a falsificaçãode uma conjeturaé simultaneamenteaconfirmaçãode umaconjeturaopostae que cada instância confirmativade umaconjeturaé uma falsificaçãode umaconjeturaoposta.[...] Para os cientistase filósofosestranhosàconfrariapopperiana,aciênciaoperaprincipalmente por indução(confirmação) e tambéme menosfrequentemente pordesconfirmação (falsificação).A sualinguagemé quase sempre adaindução.Se Popperapostanumcerto cavalopara ganharuma corrida e o cavalo ganha,não é de esperarque grite «Boa,o meu cavalonão conseguiuperder». Os astrónomosestãoagoraa encontrarevidência constringente de que planetasmaise mais pequenosorbitamsóisdistantes.Seguramente estaé evidênciaindutivade que pode haver planetasdotamanhoda Terra maisalém.Porquê preocupar-se emdizer,cadavezque um novoe maispequenoplanetaé descoberto,que tendeafalsificaraconjeturade que não há planetaspequenosparaalémdonossosistemasolar?Porquê arranhara orelhaesquerdacom a mão direita?[...] ErnestNagel,famosoprofessorde FilosofiadaCiênciadaUniversidadede Columbia,nasua TeleologyRevisitedandOtherEssaysinthe PhilosophyandHistoryof Science (1979),resumiu o assuntodeste modo:“A conceção de Popperacerca do papel dafalsificação...é uma sobressimplificaçãoque estápertodacaricatura dosprocedimentoscientíficos”.» Martin Gardner,A Sceptical Lookat Karl Popper(traduzidoe adaptadoporPedroMota). http://pedromotafiloescola.blogspot.pt/2013/05/uma-critica-ao-falsificacionismo-de.html 7.3. Os cientistasnãosãofalsificacionistascomoPopperpensa «A históriaé a respeitode umcasoimagináriode maucomportamentoplanetário.Valendo-se da mecânicade Newton,dasua lei gravitação,(N),e dascondiçõesiniciaisaceites,I,umfísico da era pré-einsteinianacalculaocaminhode umplanetazinhorecém-descoberto, p.Maso planetadesvia-se datrajetóriacalculada.Onossofísiconewtonianoconsidera,acaso,que o
  • 14. desvioeraproibidopelateoriade Newtone,portanto,umavezestabelecido,refutaateoria N? Não.Sugere que deve existirumplanetap',até entãodesconhecido,que perturbaa trajetóriade p.Calculaa massa,a órbita,etc.,desse planetahipotéticoe,emseguida,pede a um astrónomoexperimental que teste suahipótese.Oplanetap'é tão pequenoque nemo maiordos telescópiosdisponíveispode observá-lo:oastrónomoexperimental solicitauma verbade pesquisaafimde construirumtelescópioaindamaior.Emtrêsanoso novo telescópioficapronto.Se oplanetadesconhecidop'fosse descobertoseriasaudadocomo uma novavitóriada ciêncianewtoniana.Masnão o é.Porventuraonossocientistaabandonaa teoriade Newtone a sua ideiadoplanetaperturbador?Não.Sugere que umanuvemde poeiracósmicaesconde oplanetade nós.Calculaa localizaçãoe as propriedadesdessanuvem e solicitaumaverbade pesquisaparaenviarumsatélite aoespaçoa fimde pôr à prova osseus cálculos.Se os instrumentosdosatélite (possivelmente instrumentosnovos,baseadosnuma teoriapoucotestadaainda) registassemaexistênciadanuvemhipotética,oresultadoseria saudadocomo umavitóriaextraordináriadaciêncianewtoniana.Masa nuvemnãoé encontrada.Seráque o nossocientistaabandonaateoriade Newton,juntamente comaideia do planetaperturbadore a ideiadanuvemque oesconde?Não.Sugere aexistênciade um campo magnéticonaquelaregiãodouniversoque perturbouosinstrumentosdosatélite.Um novosatélite é enviadoaoespaço.Se ocampo magnéticofosse encontrado,osnewtonianos comemorariamoencontrocomo umavitóriasensacional.Masninguémoencontra.Issoé consideradocomoumarefutaçãoda ciêncianewtoniana?Não.Ouse propõe outraengenhosa hipótese auxiliarou...,todaahistóriaé sepultadanospoentosvolumesdaspublicações especializadas,e nuncamaisse toca noassunto.» Irnre Lakatos e AlanMusgrave (org.),A Crítica e o DesenvolvimentodoConhecimento,São Paulo,EditoraCultrix,1979, pp. 122-123 (adaptado). 7.4. A crítica de Newton –Smitha Popper:a corroboração implicaaindução «Há muitasobjeçõesàepistemologiapopperiana,principalmenteadvindasde umestudomais acurado da maneiracomoas ciênciasrealmente se desenvolveramnocursoda história.Mas não é aqui o lugarde ser consideradaessaquestão.Queroconsiderarapenasumacrítica internaà argumentaçãode Popper,que me parece a maisimportante.Trata-se dacrítica feita por NewtonSmithe outrosautores,segundoaqual Popper,aonegara indução,destituioseu pretensoracionalismode basesracionaisindispensáveis. NewtonSmithpede-nosparaconsiderarmosoque Popperdizliteralmente.Se ofizermos, considerandoque aprobabilidade apriori de qualquerlei científicaé igual a 0, não há como justificarporque devemospreferirateoriade maiorconteúdo.Oprincipal problemaé que Poppernãotem comovincularcorroboraçãoà verossimilitudenoquadrodedutivista,disso resultandoumaperspetivanãoracionalista,quandonãoirracionalista.
  • 15. Considere asduasteoriasT1 e T2. Feitostodosostestes,suponhamosque T1passouna maior parte delese T2 falhounamaiorparte.Ora, issonão estabeleceamaiorverossimilitudede T1, pois,comoT1 não pode terrespaldoindutivo,nadagarante que T2 nãotenhauma enorme quantidade de conteúdofalsoesperandoemalgumoutrolugar;ou seja,umconteúdofalso maiordo que T2, emboraaindanão detetado.Veremos,pois,que T1pode termaior grau de corroboração que T2 e mesmoassimmenorgrau de verossimilhança. Para Popper,a corroboraçãopositivade T1 fornece base para a escolhade T1. Mas aindaque Poppernãoqueiraadmitir,issonadamaisé doque o resultadode umargumentoindutivo!Se, após certotempo,fizermos,digamos,100 testesemT1, e T1 passa por todos,podemosinferir que T1 provavelmente passaráporoutrostestese nãodeve ter,esperandoemalgumoutro lugar,uma enorme quantidade de conteúdofalso.Masissoé,obviamente,indução.Nãohá, pois,alternativa:se ograu de corroboração é o guia para a preferênciade umacertateoria, estamosimplicitamente pressupondoavalidade daindução.Se não,entãocaímosno irracionalismo. A conclusão,aomenosà luzdos argumentosconsiderados,é que umcritériopuramente falseacionistade decisãointerteóricanãotemsuficiente base racional.Paratal seriapreciso adicionara ele umprincípioda indução,como seuinevitável contrapontoverificacionista.» CláudioCosta‒ Anti-indutivismoe falseacionismopopperianos‒ CCHLA/UFRN III TEXTOS DE POPPER 1 «O critériode demarcaçãoque separaa ciênciada pseudociênciaé arefutabilidade ou testabilidade. 1. Uma teoriaque não sejarefutável pornenhumaobservaçãoconcebível é nãocientífica.A irrefutabilidade de umateorianãoé uma virtude – comomuitaspessoaspensam–,mas um vício. 2. O teste genuínode uma teoriaé uma tentativade a falsificaroude a refutar.A testabilidade é sinónimode falsificabilidade.Mashá graus de testabilidade:algumasteoriassãomais testáveis,expõem-se maisàrefutaçãodoque outras.Corremmais riscos. 3. As evidênciasque confirmamateorianãodevemcontarexcetoquandosãoo resultadode um genuínoteste dateoria.E istosignificaque este pode valercomoumasériamas falhada tentativade falsificarateoria.Faloa este respeitode “evidênciascorroborativas”.
  • 16. 4. Algumasteoriasgenuinamentetestáveiscontinuam, mesmoquandose revelamfalsas,aser aceitespelosseusadeptosque introduzem, porexemplo,algumasuposiçãoauxiliaradhoc,ou reinterpretamateoriaad hoc de tal modoque esta escapaà refutação.Tal procedimentoé sempre possível,massalvaateoriada refutaçãopagandoum altopreço:pode destruir(ou pelomenosaviltar) oseucarátercientífico. Pode-se dizer,resumidamente,que ocritérioque determinaoestatutocientíficode uma teoriaé a sua capacidade de serrefutadaoutestada.» Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em 1953. http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1. pdf 2 Resumoda posiçãode Poppersobre aindução «1) A indução‒ istoé,a inferênciabaseadaemgrande númerode observações‒ é um mito: não é um facto psicológico,umfactodavidacorrente ou um procedimentocientífico. 2) O procedimentoreal daciênciausaconjeturase saltapara conclusõesàsvezesapósuma únicaobservação(conforme odemonstramHume e Born). 3) A observaçãoe a experimentaçãorepetidasfuncionamnaciênciacomotestesdasnossas conjeturasouhipóteses‒ istoé,comotentativasde refutação. 4) A crença errada na induçãoé fortalecidapelanecessidade de termosumcritériode demarcaçãoque ‒ conforme aceite tradicionalmente,e equivocadamente ‒ sóométodo indutivopoderiafornecer. 5) A conceçãode tal métodoindutivocomocritériode verificabilidadeimplicauma demarcaçãodefeituosa. 6) Se afirmarmosque ainduçãonos conduza teoriasprováveis(e nãocertas) nadado que precede se alterafundamentalmente.» Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em 1953. http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1.pdf 3
  • 17. A diferençaentre verificaçãoe falsificação «Considere-seumenunciadobásicoouumconjuntode enunciadosbásicos.Serásempre uma questãoemabertoa de saberse os enunciadossãoverdadeirosounão:se os aceitarmos como verdadeiros,poderemostercometidoumerro.Mas, não importa[independentemente} se elessãoverdadeirosoufalsos,umalei universal nãopode serderivadadeles.Mesmose soubermos,comtodaa segurança,que sãoverdadeiros,umalei universalnãopoderáainda assimserderivadadeles. Se,porém, supusermosque sãoverdadeiros,umalei universal poderáserfalsificadaporeles. Logo, a assimetriaé aseguinte:umconjuntofinitode enunciadosbásicos,se forverdadeiro, pode falsificarumalei universal;aopassoque emcondiçãoalgumapoderiaverificarumalei universal:existe umacondiçãoemque poderiafalsificarumalei geral,masnãoexiste condição algumaemque pudesse verificarumalei geral. Assim,se aceitarmoscomosendoverdadeirooenunciado“este cisne é preto”,somos obrigadospelalógicaaadmitirque refutámosateoriauniversal “todososcisnessãobrancos” […] Mas é absolutamentecertoque,se aceitarmosqualquerenunciadosingular(enunciado básico) que estejaemcontradiçãocomuma teoriaque tenhamosaceitado,haveremosde ter cometidoalguresumerro‒ umerro temde sercorrigido.E é absolutamente certoque,se aceitarmosumenunciadobásicoque estejaemcontradiçãocomumateoriaque estamosa testar,somosobrigadosa rejeitaressateoriaporelaestarfalsificada.» K. Popper,ORealismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,Publ.D.Quixote,1997, pp. 200-201. 4 A marca de umaboa teoriacientífica «Popper:Enesse contextorefleti sobre aquestãode saberoque constitui propriamenteo caráter científicode qualquersistema.Eaindanesse contextotornou-se evidenteque o caráter empírico-científicode umsistemaestárelacionadocomacircunstânciade ser possível refutaresse sistemapormeiode factospossíveis. E: Um exemplode umateoriaque se encerraemsi mesma,que a si mesmase torna irrefutável ‒ é essa,emsuaopinião,amarca da ideologiaoudateoriaacientíficae também prejudicial? Popper:Sim,consideroque elaé prejudicial ‒ porvezesdiretamente e outrasvezespelofacto de se excluiràcrítica, de se fechara toda a crítica, como você diz.Poder-se-iadizerque nessa teoriaestáincluídaa teoriade que tal teoriaseráirrefutável. E: E precisamente nessaépoca,em1919, o SenhorProfessorpôde estudaroinverso, designadamente acientificidadede umateoria,ateoriada relatividade...
  • 18. Popper:Einsteintentoupôremevidênciaaquelescasosque,de umpontode vistacrítico, podiamrefutara sua teoria.E disse tambémque,se estascoisaspudessemserobservadas,ele imediatamente abandonariaateoria.A únicamaneirapossível de obterconfirmações experimentaisparaumateoriaé pensarcomose poderiademonstrarque ateoriaé falsae depoistentarrealizaressasituação.Ese depoisnãose consegue realizá-la,mesmocomtodaa boa vontade,então,e somente então,é que atentativafalhadade refutarateoriapode servistacomo uma confirmação,masnunca comouma confirmaçãodefinitiva. E 1919 foi entãoa grande oportunidade de refutarEinstein,quandodoeclipse doSol,emque era dada a possibilidade técnicade se provara difraçãoda luz,o desviodaluzpelamassado Sol. E: E da experiênciadoSol resultouentãoque ateoriade Einsteinnãofoi refutada.Evitoa palavra"confirmada",porque oSenhorProfessornãogostamuitodela... Popper:"Confirmada"nãoé muitomau,mas "provada"... E: Porque o SenhorProfessorentende que nãopode haverumaprovaabsolutade umateoria, mas sima sua refutação.Neste casoo que o impressionoufoi anão-refutação? Popper:Oque sobretudome impressionounãofoi tantoa não-refutação,emboraelafosse seguramente muitoimpressionante,masofacto de uma teoriaaqui se exporao máximo,por assimdizer,solicitandoumarefutação,e a refutaçãonãoter ocorrido. Karl Popper,Sociedade Aberta,UniversoAberto. 5 Contra o indutivismoe overificacionismo «Abandonando-se aindução,comoé que se podemdistinguirasteoriasdasciênciasempíricas das especulaçõespseudocientíficas,nãocientíficasoumetafísicas? Este é o problemadademarcação.Ele resolve-se,sugiroeu,aceitandoatestabilidade,a refutabilidadeoua falsificabilidadecomosendoacaraterística distintivadasteoriascientíficas. O métodode procurar verificaçõesparecia-mepoucoválido‒ parecia-me,naverdade,sero métodotípicode uma pseudociência.Apercebi-medanecessidade de se distinguir,tão claramente quantopossível,estemétodode umoutrométodo‒ o métodode testaruma teoriatão severamentequantose forcapaz‒, istoé,o método da crítica, o métodode procurar casos que constituamfalsificação. O métodode procurar verificaçõesnãoeraapenasacrítico:promoviatambémumaatitude acrítica queremquema expunhaqueremquemlia.Ameaçava,assim, destruiraatitude da
  • 19. racionalidade,daargumentaçãocrítica.Freudera,de longe,omais lúcidoe o maispersuasivo dos expositoresaque me estoua referir.Masqual era o seumétodode argumentar?Freud dava exemplos:analisava-ose mostravaque elesse encaixavamnasuateoriaou que a sua teoriapodiaserdescritacomo sendoumageneralizaçãodoscasosanalisados.Porvezes apelavaaosseusleitoresparaque suspendessemassuascríticas e indicavaque iriaresponder a todas as críticas sensatasemocasiõesposteriores.Masquandoeuolhei umpoucomaisde pertopara uns quantoscasosimportantes,descobri que asrespostasnuncatinhamchegado. De formaassaz curiosa,porém,muitosleitoresestavamsatisfeitos.» K. Popper,oRealismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,Publ.D.Quixote,1997,pp. 177 e 181. 6 As teoriascientíficasnãosãoverificáveis «Ora,em minhaopinião,nãoexistenadaque possachamar-se indução.Portanto,será logicamente inadmissívelainferênciade teoriasapartirde enunciadossingularesque estejam “verificadospelaexperiência”(qualquerque sejaoque istoqueiradizer). Assim,pois,asteoriasnãosão nuncaverificáveisempiricamente.Se queremosevitaroerro positivistade que onossocritériode demarcaçãoelimine ossistemasteóricosdaciência natural, devemoselegerumcritérioque nospermitaadmitirnodomíniodaciênciaempírica inclusive enunciadosque podemverificar-se.Mascertamente,sóadmitirei umsistemaentre os científicosouempíricosse é suscetível de sercontrastadopelaexperiência.Estas consideraçõessugeremque ocritériode demarcaçãoque temosde adotar nãoé o da verificabilidade,masoda falsificabilidade dossistemas.Ditode outromodo:nãoexigirei que um sistemacientíficopossaserselecionado,de umavezparasempre,numsentidopositivo; mas simque sejasuscetível de seleçãonumsentidonegativopormeiode contrastesouprovas empíricas:“há de ser possível refutarpelaexperiênciaumsistemacientíficoempírico".» K. Popper,Lalógicade lainvestigacioncientifica,Madrid,Tecnos,1973, pp. 39-40. 7 As hipótesese teoriasnãoderivamdaobservação «A crença de que a ciênciaprocede daobservaçãopara a teoriaé ainda tão amplamente aceite que a minharejeiçãodessaideiaprovocamuitasvezesumareaçãode incredulidade.Já fui até acusado de ser insincero‒ de negaraquilode que ninguémpode razoavelmente duvidar. Na verdade,porém,acrençade que podemoscomeçarexclusivamentecomobservações(com observaçõespuras),semqualquerteoria,é umabsurdo,que poderiaserilustradopelahistória absurdado homemque se dedicoudurante todaa vidaà ciêncianatural e,anotandotodas as
  • 20. observaçõesque fez,legou-asaumasociedade científicaparaque as usasse comoevidência indutiva.Umaanedotaque nosdeveriamostrarque podemoscolecionarcomvantagem insetos,porexemplo,masnãoobservações. Há um quarto de século,procurei chamara atençãode um grupode estudantesde físicaem Viena,paraeste ponto,começandoumaconferênciacomasseguintesinstruções:“Peguem emlápise papel;observemcuidadosamente e anotemoque puderemobservar”.Os estudantesquiseramsaber,naturalmente,oque deveriamobservar:“Observem”‒ istoé um absurdo!De facto, não é mesmohabitual usardestaformao verboobservar.A observaçãoé sempre seletiva:exige umobjeto,umatarefadefinida,umpontode vista,uminteresse especial,umproblema.Paradescrevê-laé precisoempregarumalinguagemapropriada, implicandosimilaridadee classificação‒ que,porsua vez,implicaminteresses,pontosde vista e problemas. Katz escreveu:Umanimal famintodivide oambienteemobjetoscomestíveise não comestíveis.Umanimal que foge descobre caminhosparaa fugae esconderijos.De modo geral,osobjetosmudamde acordo com as necessidadesdoanimal. Poderíamosacrescentar que só dessaforma‒ relacionando-se comnecessidadese interesses‒ podemosobjetosser classificados,assemelhadosoudiferenciados.A mesmaregraaplica-se tambémaoscientistas. Para o animal sãoas suasnecessidades,atarefae as expetativasdomomentoque fornecem um pontode vista;no caso do cientista,sãoosseusinteressesteóricos,oproblemaque investiga,assuasconjeturase previsões,asteoriasque aceitacomopanode fundo,o seu quadrode referências,oseuhorizonte de expetativas.» Karl Popper,Conjeturase Refutações.ConferênciaproferidaemPeterhouse,Cambridge,em 1953. http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/rarneson/Courses/popperphil1.pdf 8 A ciência:a objetividadee ostestesempíricos «A ciêncianão é um sistemade enunciadoscertosoubemestabelecidos,nemé umsistema que avance continuamente emdireçãoaumestadode finalidade.[...] Elanuncapoderá proclamarhaveratingidoa verdade ouumsubstitutodaverdade,comoa probabilidade.Não obstante,aciênciatemmaisque um simplesvalorde sobrevivênciabiológica.Nãoé tão- somente uminstrumentoútil.Emboranãopossaalcançar a verdade nema probabilidade,o esforçopor conhecere a busca da verdade continuamaseras razõesmais fortesda investigaçãocientífica.
  • 21. Não sabemos:sópodemosconjeturar.[...] Essas conjeturasou"antecipações",esplendidamente imaginativas,são,contudo, cuidadosamente controladasportestessistemáticos.Umavezelaborada,nenhumadessas "antecipações"é dogmaticamente defendida.Onossométodode pesquisanãose orientano sentidode defendê-lasparaprovarque tínhamos razão.Pelocontrário,procuramoscontestar essasantecipações. Ideiasarriscadas,antecipaçõesinjustificadas,pensamentoespeculativo,sãoosúnicosmeios de que podemoslançarmão para interpretaranatureza:o nossoúnicoorganon,o nossoúnico instrumentoparaapreendê-la.Edevemosarriscar-nos,comessesmeios,paraalcançaro prémio.Osque não se disponhamaexporsuasideias àeventualidade darefutaçãonão participarãodojogo científico. Mesmoo teste cuidadosoe sóbriodasnossasideias,atravésdaexperiência,é,porsuavez, inspiradoporideias:aexperimentaçãoé açãoplaneada,onde cadapassoé orientadopela teoria.Nãodeparamoscomexperiências,nemelascaemsobre nóscomochuva.Pelo contrário,temosde serativos:temosde "fazer"as nossasexperiências. O velhoideal científicodaepisteme ‒ doconhecimentoabsolutamente certo,demonstrável ‒ mostrounão passarde um "ídolo".A exigênciade objetividade científicatomainevitável que todoo enunciadocientíficopermaneçaprovisórioparasempre.Pode ele,é claro,ser corroborado,mas todaa corroboração é feitacom referênciaaoutrosenunciados,porsuavez provisórios. Com a quedadoídolo da certeza(inclusive adosgraus de certezaimperfeita,ou probabilidade),tombaumadasdefesasdoobscurantismoque barrao caminhodoavanço da ciência.Comefeito,aidolatriadesseídoloafetanãoapenasa temeridadedas nossas questões,mastambémorigore a integridade dosnossostestes.A visãoerróneadaciência trai-se a si mesmana ânsiade estar correta,poisnão é a posse doconhecimento,daverdade irrefutável,que fazohomemde ciência‒ o que o faz é a persistentee arrojadaprocuracrítica da verdade.» Karl Popper,A Lógica da PesquisaCientífica,SãoPaulo,EditoraCultrix,1972, pp. 305-308 (adaptado). 9 O métododa ciênciae a aproximaçãoà verdade «Tantasvezestenhodescritooque considerocomoométodode autocorreçãopor meiodo qual a ciênciaprocede que possoseraqui muitosucinto:ométododa ciênciaé o métodode conjeturasousadase de tentativasengenhosase severaspararefutá-Ias.
  • 22. Conjeturaousadaé uma teoriacom umgrande conteúdo‒ maior, de qualquerforma,que a teoriaque,esperamos,serásuperadaporela. Deveremserousadasasnossasconjeturasé decorrênciaimediatadoque tenhoditoarespeito do alvoda ciênciae da aproximaçãoà verdade:aousadia,ougrande conteúdo,liga-se a grande conteúdode verdade;poristoo conteúdode falsidade podeserignoradoaprincípio. Mas umaumentono conteúdode verdade nãoé,emsi mesmo,suficiente paragarantirum aumentode verosimilhança;comooacréscimonoconteúdoé uma questãopuramente lógica, e comoo acréscimono conteúdode verdade marchacom o acréscimode conteúdo,oúnico campo deixadoaodebate científico‒ e especialmenteatestesempíricos‒ é havertambém aumentado,ounão,o conteúdode falsidade.Estanossaprocuracompetitiva da verosimilhançatransforma-se,especialmente dopontode vistaempírico,numacomparação competitivade conteúdosde falsidade (factoque certaspessoasencaramcomoparadoxo). Parece que tambémemciênciaé certo (comocerta vezdisse WinstonChurchill) que as guerrasnunca são ganhas,mas sempre perdidas. Nuncapodemostornarabsolutamente certoque anossateorianão estáperdida.Tudoquanto podemosfazeré procurar o conteúdode falsidadedanossamelhorteoria.Fazemo-lo tentandorefutara nossateoria,istoé,tentandotestá-Iaseveramente àluzdonosso conhecimentoobjetivoe donossoengenho.Sempre é possível,semdúvida,que ateoriapossa serfalsa,mesmoque passe portodos ostestes;istoé uma concessãodevidaànossabusca de verosimilhança.Mas,se elapassarpor todosessestestes,entãotemosboarazãopara conjeturarque a nossateoria,que sabemosterconteúdode verdade maiordoque a sua predecessora,pode nãotermaiorconteúdode falsidade.Ese falharmosemrefutara nova teoria, especialmente emcamposemque asua predecessorahajasidorefutada,então podemosalegaristocomouma dasrazõesobjetivasparaa conjeturade que a novateoriaé uma aproximaçãoàverdade melhordoque a velhateoria.» K. POPPER,ConhecimentoObjetivo,pp.84-85. 10 A corroboração «Nãoé tantoo númerode casos corroboradoresque determinaograude corroboração, mas sima severidade dosváriostestesaque ahipótese pode sere foi submetida.A severidade dos testes,porseuturno,depende dograude testabilidade e,consequentemente,dasimplicidade da hipótese:ahipótese falseável emmaiorgrauou a hipótese maissimplesé,também, suscetível de corroboraçãoemmaiorgrau. O grau de corroboraçãoefetivamente alcançado não depende,comoé claro,apenasdograu de falsificabilidade:umenunciadopodeser falsificável emaltograue,aindaassim, estarcorroboradode maneiraapenassuperficial,ou estarfalsificado.
  • 23. Semser falsificado,poderátersidoabandonadoemfavorde umateoriasuscetível de submeter-seaumteste melhor,daqual ele próprio‒ ou umenunciadosuficientemente próximo‒ venhaa serdeduzido.» Karl Popper,A Lógica da PesquisaCientífica,SãoPaulo,EditoraCultrix,1972, p. 293. 11 O progressoda ciência «SegundoPopper,emciênciaprocuramosaverdade ‒ e a verdade nãoé dada pelosfactos mas pelasteoriasque correspondemaosfactos.Mesmoque achemosumateoriaverdadeira, jamaispoderemossabê-lo,poisasconsequênciasde umateoriasãoinfinitase não as podemosverificartodas.Sendoassim, segundoPopper,averdade é umideal regulador. Eliminandooserrosdasteoriasanteriorese substituindo-asporteoriasmaisverosímeis, aproximamo-nosdaverdade.ParaPopper,é nissoque consiste oprogressoda ciênciae,por exemplo,é assimque se passa,progredindosempreparateoriasmaisverdadeiras,de CopérnicoaGalileu,de GalileuaKepler,de KepleraNewton,de NewtonaEinstein. Com isso,porém,nãodevemospensarque existaumalei de progressodaciência,poisa ciênciatambémpode estagnar.Oprogressodaciênciaconheceuobstáculos(epistemológicos, ideológicos,económicos,etc.)e talvezvenhaaconhecê-los.Nãoexiste leidoprogressona ciência.Este faz-se pormeiode "revoluçõesintelectuaise científicas",estas"sãointroduzidas a partir de falsificaçõesbem-sucedidas.Asnovasteoriasnãosãoresultadodiretodas refutações;foramrealizaçõesdopensamentocriativo,dohomempensante." A conceçãode Popperdasrevoluçõescientíficascritica fortementeocontinuismoinerente ao "métodoindutivo":nãohátransição gradual dosfactos para as hipóteses;nãoháuma transiçãogradual de velhasparanovasteoriasmediante oacumularde factosque verificame aperfeiçoamasteorias.Asteoriasverdadeirase asfalsasformam-se domesmomodocriativo e imprevisível,e adecisãocaberáaos testesque eliminarãoasfalsas. Popperdizque temosumcritériode progresso:umateoriapode aproximar-se maisda verdade doque outra.E Popperespecificaessaideiade melhoraproximaçãoàverdade oude graus de verosimilhançaapresentandoumarelaçãosistemáticadosseistiposde casosemque estamosdispostosadizerque umateoria,chamemos-lhe T1,foi suplantadaporT2, no sentido emque,peloque sabemos,T2parece correspondermelhoraosfactosdoque T1, emum ou outro sentido: 1) T2 faz afirmaçõesmaisprecisasdoque T1 e essasafirmaçõesmaisprecisaspassampor testesmaisprecisos;
  • 24. 2) T2 levaemconta maisfactos e explicamaisfactosdoque TI (e isso pode abrangerocaso anterior); 3) T2 descreve ouexplicaosfactosmaispormenorizadamente doque TI; 4) T2 superoutestesque TInão conseguiusuperar; 5) T2 sugeriunovasverificaçõesexperimentais,que nãoeramtomadasemconsideraçãoantes que TI fosse formulada(e que nãoeramsugeridasporTI e talveznempudessemser-lhe aplicadas) e T2 superouessestestes; 6) T2 unificououconetouváriosproblemasque,até então,nãohaviamsidounificadosou conetadosentre si. Saliente-se que aideiade "aproximaçãoàverdade"nadatêmemcomum com a ideiade acréscimogradual de pormenoresnateoriaque a deixariam, noessencial,igual asi mesma.As teoriasrefutadasintegramoprocessode aproximaçãoàverdade porteremprovocadoa criação de teoriasmelhores: "A afirmaçãode que a Terra está emrepousoe que os céusgiram à voltadelaestámaislonge da verdade doque a afirmaçãode que a Terra gira emtorno doseu próprioeixo,de que é o Sol que está emrepouso,e osoutros planetasse movememórbitascircularesàvoltadoSol (tal como foi avançadopor Copérnicoe Galileu).A afirmação,que se deve aKepler,de que os planetasnãose movememcírculos mas simemelipses(nãomuitoalongadas) comoSol no seufoco comum(e com o Sol em repouso,ouemrotação à voltado seueixo) é maisuma aproximaçãoà verdade.A afirmação(que se deve aNewton) de que existe umespaçoem repouso,masque,excluindoarotação,a sua posiçãonãose pode encontraratravésda observaçãodasestrelasoudosefeitosmecânicosé maisumpassoemdireçãoà verdade."» G. Reale,D.Antisieri,HistóriadaFilosofia,III,EP,pp.1042-1046. Karl Popper,O Realismoe oObjetivodaCiência,Lisboa,D.Quixote(montagem). 12 Progressoe racionalidade daciência «O progressodoconhecimentoe,emparticular,donossoconhecimentocientíficoocorre por meiode injustificadas(e injustificáveis) antecipações,de suposições,de soluções experimentaisparaosnossosproblemas,de conjeturas.Estasconjeturassãocontroladaspela crítica, ou seja,portentativasde refutaçãoque incluemtesesde enorme rigorcrítico. É possível que resistamaessestestes;masnãopodemnuncaser categoricamente justificadas. Não podemserdemonstradascomoindubitavelmente verdadeiras,nemmesmocomo “prováveis”(nosentidode cálculode probabilidades).A críticadas nossasconjeturasreveste- se de umaimportânciadecisiva:aoevidenciarosnossoserros,leva-nosacompreenderas
  • 25. dificuldadesdoproblemaque estamosatentarresolver.Édessaformaque passamosa conhecermelhoronossoproblemae nostornamoscapazesde proporsoluçõesmais ponderadas.A própriarefutaçãode uma teoria‒ istoé, de qualquersériatentativade solucionaronossoproblema‒ constitui sempre umpassoemfrente que nosaproximada verdade.Eé assimque podemosaprendercomosnossoserros. À medidaque vamosaprendendocomoserros que cometemos,onossoconhecimento aumenta,emborapossamosnuncavira saber‒ istoé, a sabercom certeza.Uma vezque o nossoconhecimentopode crescer,nãopode haveraqui razãopara desesperardarazão. E, uma vezque não podemosnuncasabercomcerteza,não pode haveraqui autoridade para qualquerreivindicaçãode autoridade,nemparaqualquervaidadeoupresunçãoacercado nossoconhecimento. Aquelasde entre asnossasteoriasque se revelamfortementeresistentesàcrítica que,num determinadomomento,se nosafigurammaispróximasdaverdade do que outrasteorias conhecidas,podemserdescritas,conjuntamente comosrelatóriosdostestesaque foram submetidas,comoa"ciência» daépoca.Dado que nenhumadelaspode serpositivamente justificada,é essencialmente oseucarátercrítico e progressivo–o factode podermosdiscutir a sua pretensãode resolveremosnossosproblemasmelhordoque assuas adversárias‒ que constitui aracionalidade daciência.» K. Popper,Conjeturase Refutações,Lisboa,Almedina,2003, pp.9-10.