O documento discute a visão de Bakhtin sobre análise do discurso. Para Bakhtin, o discurso só pode ser estudado no contexto da interação humana, e não isoladamente. Ele define os gêneros discursivos como tipos de enunciados ligados a situações sociais típicas. O enunciado é a unidade concreta da comunicação, que reflete o contexto social e a individualidade do falante.
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Análise do discurso
1. Análise do Discurso
A Análise do Discurso é uma prática da linguística no campo da Comunicação,
e consiste em analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreender as
construções ideológicas presentes no mesmo.
O discurso em si é uma construção linguística atrelada ao contexto social no
qual o texto é desenvolvido. Ou seja, as ideologias presentes em um discurso
são diretamente determinadas pelo contexto político-social em que vive o seu
autor. Mais que uma análise textual, a análise do Discurso é uma análise
contextual da estrutura discursiva em questão.
Michel Foucault descreveu a Ordem do Discurso como uma construção de
características sociais. A sociedade que promove o contexto do discurso
analisado é a base de toda a estrutura do texto, atrelando, deste modo, todo e
qualquer elemento que possa fazer parte do sentido do discurso. O texto só
pode assim ser chamado se o seu receptor for capaz de compreender o seu
sentido, e isto cabe ao autor do texto e à atenção que o mesmo der ao contexto
da construção de seu discurso. É a relação básica para a existência da
comunicação verbal: emissão – recepção – compreensão.
As práticas discursivas geram também outros âmbitos de análise do discurso,
como o Universo de Concorrências, que consiste na competição entre vários
emissores para atingir um mesmo público alvo. A partir disto, os emissores
precisam interar-se do contexto da vida do seu receptor, para que deste modo
possam interpelá-lo segundo sua própria ideologia, fazendo com que assim,
sua mensagem seja recebida e assimilada pelo receptor sem que o mesmo
perceba que está sendo alvo de uma tentativa de convencimento, por assim
dizer.
Dentro da análise do Discurso há também o discurso estético, feito por meio de
imagens, e que interpelam o indivíduo através de sua sensibilidade, que está
ligada ao seu contexto também. A sensibilidade de um indivíduo define-se a
partir do que ao longo de sua vida torna-se importante e aguça-lhe
sentimentos. Com isto, podemos analisar as artes produzidas em diferentes
épocas da história em todo o mundo e perceber as diferentes formas de
interpelação e contextualidade presentes nas mesmas. O discurso estético tem
a mesma capacidade ideológica que o discurso verbal, com a vantagem de
atingir o indivíduo esteticamente, o que pode render muito mais rapidamente o
sucesso do discurso aplicado.
A partir na análise de todos os aspectos do discurso chega-se ao mais
importante: o sentido. O sentido do discurso não é fixo, por vários motivos. Pelo
contexto, pela estética, pela ordem do discurso, pela sua forma de construção.
O sentido do discurso encontra-se sempre em aberto para a possibilidade de
interpretação do seu receptor. O efeito do discurso é, claramente, transmitir
uma mensagem e alcançar um objetivo premeditado através da interpretação e
interpelação do indivíduo alvo.
2. O DISCURSO NA VISÃO DE BAKHTIN
Normalmente, o método sociológico é aplicado a pesquisas na área do
discurso e dos gêneros, e discutem-se as contribuições da Lingüística para a
análise de gêneros. Entretanto, as contribuições que o método sociológico e os
estudos de gêneros podem trazer para a Lingüística quase não são abordadas:
o diálogo entre esses dois campos de estudo nem sempre se apresenta como
uma via de mão dupla.
Para Bakhtin, a Lingüística e a Metalingüística estudam um mesmo fenômeno
concreto, muito complexo e multifacético, o discurso (“a língua em sua
integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da
lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e
necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso” (BAKHTIN, 1997,
p. 181), mas o estudam sob diferentes aspectos e ângulos de visão.
A língua, as palavras são quase tudo na vida humana. Contudo, não se deve
pensar que essa realidade sumamente multifacetada que tudo abrange possa
ser objeto apenas de uma ciência – a lingüística – e ser interpretada apenas
por métodos lingüísticos. O objeto da lingüística é apenas o material, apenas o
meio de comunicação discursiva [sic], mas não a própria comunicação
discursiva, não o enunciado de verdade, nem as ações entre eles (dialógicas),
nem as formas da comunicação, nem os gêneros do discurso. (BAKHTIN,
2003b, p. 324).
Assim sendo, como Bakhtin concebe os gêneros do discurso? O autor define
os gêneros como tipos de enunciados, relativamente estáveis e normativos,
que estão vinculados a situações típicas da comunicação social. Essa é a
natureza verbal comum dos gêneros a que o autor se refere: a relação
intrínseca dos gêneros como enunciados ( e não como uma dimensão
lingüística e/ ou formal propriamente dita, desvinculada da atividade social, que
excluiria a abordagem de cunho social dos gêneros); isto é, a natureza sócio-
ideológica e discursiva dos gêneros. Dessa forma, os gêneros estão ligados às
situações sociais da interação: qualquer mudança nessa interação gerará
mudanças no gênero. O autor enfatiza a relativa estabilização dos gêneros e a
sua ligação com a atividade humana. Em síntese, os gêneros estão vinculados
à situação social de interação e, por isso, como os enunciados individuais, são
constituídos de duas partes inextricáveis, a sua dimensão lingüístico-textual e a
sua dimensão social: cada gênero está vinculado a uma situação social de
interação típica, dentro de uma esfera social; tem sua finalidade discursiva, sua
própria concepção de autor e destinatário. Em contrapartida, uma vez que se
tem a constituição do gênero, este exerce, em retorno, um efeito normativo
sobre as interações verbais (ou não verbais). Por isso que se pode dizer que
para Bakhtin os gêneros também são formas de ação: na interação, eles
funcionam como índices de referência para a construção dos enunciados, pois
balizam o autor no processo discursivo, e como horizonte de expectativas para
o interlocutor, no processo de compreensão e interpretação do enunciado (a
3. construção da reação-resposta ativa). Desse modo, para a interação, é
necessário tanto o domínio das formas da língua quanto o da formas do
discurso, isto é, o domínio dos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1985, p.269-
270).
Se o autor conceitua os gêneros como tipos de enunciados, para entender
essa relação é preciso compreender o que é o enunciado para o círculo
bakhtiniano. Para Bakhtin, o enunciado é a unidade concreta e real da
comunicação discursiva, uma vez que o discurso só pode existir na forma de
enunciados concretos e singulares, pertencentes aos sujeitos discursivos de
uma ou outra esfera da atividade e comunicação humanas. Cada enunciado,
dessa forma, constitui-se em um novo acontecimento, um evento único e
irrepetível da comunicação discursiva. Ele não pode ser repetido, mas somente
citado, pois, nesse caso, constitui-se como um novo acontecimento. Mas é
também como elemento inalienável que o enunciado representa apenas um elo
na cadeia complexa e contínua da comunicação discursiva, mantendo relações
dialógicas com os outros enunciados: ele já nasce como resposta a outros
enunciados (surge como sua réplica) e mantém no seu horizonte os
enunciados que o seguem (todo enunciado está orientado para a reação-
resposta ativa do(s) outro(s) participante(s) da interação.
Sabemos que a linguagem é importante, por tudo o que fazemos é regido por
ela, desde um simples gesto, conversa informal, formal etc. Também é sabida
de sua forma multifacetada, e, por isso mesmo sua compreensão somente se
efetua no enunciado. O enunciado reflete a verdadeira condição de uso, como:
conteúdo, estilo e sua construção composicional. Nele podemos perceber o
que realmente o falante quer expressar. Nele podemos perceber o que
realmente o falante quer expressar. Esses três elementos citados são
inseparáveis do enunciado.
Mais na verdade, o que seria o enunciado? Para responder a essa pergunta
vamos começar por Saussure, com seu método estruturalista, para ele a
linguagem era dividida em língua e fala, mas ele não se preocupou em estudar
a fala, quem teve essa preocupação foi Mikhail Bakhtin.
Para Bakhtin, o homem é um ser sócio-histórico, isso quer dizer que o estudo
da linguagem só é possível na interação, assim, ele critica essa separação de
Saussure, e afirma que a análise da linguagem não pode ser realizada
separando-a do sujeito. Portanto, para Bakhtin o estudo da língua só acontece
no enunciado, quando realmente há interação entre eu e o outro.
Assim afirma Bakhtin:
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)
concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as
finalidades de cada referido campo […] Evidentemente, cada enunciado
particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do
discurso. ( BAKHTIN, 2006, p. 261).
4. Vale referir, sobre a heterogeneidade do gênero discursivo, pois sua
diversidade é tão grande quanto a possibilidades de mudanças da
humanidade, em conseqüência dessa heterogeneidade é difícil definir a
natureza geral do enunciado. Mas existe uma diferença entre gêneros
discursivos primários e gêneros discursivos secundários.
Os gêneros discursivos secundários são os romances, dramas pesquisas
científicas de toda espécie, etc.. Eles aparecem nas situações de comunicação
mais complexa, que exigem mais rigor e formalidade, ou seja, tem uma
estrutura mais elaborada, predominantemente, o escrito. No processo de
construção desse gênero mais preparado há incorporação de diversos gêneros
primários. Dessa forma, acontece uma transformação desses gêneros
primários e eles adquirem uma formação especial para fazerem parte do
gênero secundário.
A respeito dos gêneros do discurso, o autor diz que todo enunciado, seja oral,
escrito, seja primário, secundário, ou qualquer campo da comunicação
discursiva é individual, e por esse motivo reflete a individualidade do autor, ou
seja, notamos o estilo individual do autor em seu enunciado.
É certo que nem todo enunciado é permitido o estilo individual do autor, Bakhtin
diz que na grande maioria dos enunciados essa individualidade não é
permitida, que o estilo é um componente muito importante, porque integra a
unidade de gêneros do enunciado como seu elemento. Então, para Bakhtin:
Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum
fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua
sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e
elaboração de gêneros e estilos. Onde há estilo há gênero. (BAKHTIN, 2006, p.
268)
Em virtude do exposto a respeito do enunciado, cabe agora fazermos uma
distinção entre enunciado, palavra e oração.
Bakhtin menciona que, é um pensamento relativamente acabado,
imediatamente correlacionado com outros pensamentos do mesmo falante e,
no conjunto do seu enunciado; ao término da oração, o falante faz uma pausa
para passar em seguida ao seu pensamento subsequente, que dá
continuidade, completa e fundamenta o primeiro. (BAKHTIN, 2006, p.278)
Quanto à palavra, Bakhtin fala que enquanto unidade da língua a palavra é
neutra, consequentemente pode-se dizer que qualquer palavra existe para o
falante em três aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a
ninguém: como palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados;
e por último, como minha palavra. A partir do momento que faço uso da palavra
em uma situação determinada, num contexto próprio, nesse instante ela possui
o estilo individual do autor, ou do falante. Dessa maneira, a palavra surge da
realidade concreta, nas reais condições de uso, isso também vale para a
5. oração. Ou seja, enquanto unidade da língua tanto a frase quanto a oração não
diz nada, são neutras. Como menciona Bakhtin (2006, p. 296) “A oração
enquanto unidade da língua possui uma entonação gramatical específica e não
uma entonação expressiva. […] A oração só adquire entonação expressiva no
conjunto do enunciado”.
Logo, o elemento expressivo é uma peculiaridade muito importante da
linguagem e está somente no enunciado, e o autor faz uma alerta que para o
enunciado existir deve-se levar em consideração o antes e o após, ou seja, ele
tem que ser visto com ecos e ressonâncias de enunciados dos outros. Então,
por mais monólogo que seja o enunciado, sempre traz nele uma resposta de
algo que já foi mencionado sobre aquele objeto. Bakhtin diz que a nossa
própria ideia surge da interação dos pensamentos dos outros. Outro aspecto
interessante é o direcionamento, isto é, temos que levar em consideração o
destinatário, até que ponto ele conhece o assunto, isso é necessário para que
possa ocorrer a total compreensão do assunto, que possua um real
entendimento do enunciado. Na falta dessa confiança é impossível entender o
gênero ou o estilo do discurso, como afirma o autor.
5 CONCLUSÃO
Na visão bakhtiniana, o discurso está sempre voltado para seu objeto (tema)
que já traz no bojo de outros falantes. Em conseqüência,o discurso é sempre
levado dialogicamente ao discurso do outro, repleto de entonações, conotações
e juízos valorativos. Assimila o outro discurso, refuta-o, funde-se com ele,e,
assim, acaba por constituir-se enquanto discurso. Enfim, o discurso forma-se a
partir ralações dialógicas com outros discursos,que influenciam o seu aspecto
estilístico.
Bakhtin ressalva que o discurso é “diálogo vivo”, por isso, está sempre voltado
ara réplica, para a resposta que ainda não foi dita, mas que é provocada
e,consequentemente, passa a ser esperada. Na atualidade, adotar a unidade
discurso como objeto de estudo é compreender a amplitude do domínio da
linguagem. É compreender o jogo interacional e ideológico no qual as
manifestações lingüísticas ocorrem, bem como as regulações de poder e saber
às quais estão submetidas.
Mikhail Bakhtin
Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de
análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos,
científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos,
ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos
mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com
as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista
Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-
1938).
Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como
ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante
6. processo de interação mediado pelo diálogo – e não apenas como um sistema
autônomo. “A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não
conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos
enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva
com as pessoas que nos rodeiam”, escreveu o filósofo.
Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores
(quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em
situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o
empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das
relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos.
Esse sujeito se vale do conhecimento de enunciados anteriores para formular
suas falas e redigir seus textos. Além disso, um enunciado sempre é modulado
pelo falante para o contexto social, histórico, cultural e ideológico. “Caso
contrário, ele não será compreendido”, explica a linguista Beth Brait, estudiosa
de Bakhtin e professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e da
Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas na capital paulista.
Nessa relação dialógica entre locutor e interlocutor no meio social, em que o
verbal e o não-verbal influenciam de maneira determinante a construção dos
enunciados, outro dado ganhou contornos de tese: a interação por meio da
linguagem se dá num contexto em que todos participam em condição de
igualdade. Aquele que enuncia seleciona palavras apropriadas para formular
uma mensagem compreensível para seus destinatários. Por outro lado, o
interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado,
internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de
um novo enunciado oral ou escrito).
EXERCÍCIOS
LEIA:
Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more, porém
eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de
condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de
baixo. Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam. Não
reclamavam contra falta d’água, raramente observada por baixo de pontes.
Problema de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte, embora não
conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes o vestuário, o
alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte, podiam dar esse endereço
a amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte.
À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo sabia
onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para quem
não dispõe de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins, muito
7. disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na pedra, o mato.
Até o ar é uma cassa, se soubermos habitá-lo, principalmente o ar da rua. O
que morava não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da ponte e trazer-
lhes uma grande posta de carne.
Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurá-la; é
preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas limitações de
espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não estavam
sonhando, sentiam a presença física da posta, o amigo rindo diante deles, a
posta bem palpável, comível. Fora encontrada no vazadouro, supermercado
para quem sabe frequentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa data e olfativa
ciência.
Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de debaixo da
ponte saiu à caça de sal. E havia sal a um canto da rua, dentro da lata.
Também o sal existia sob determinadas regras, mas pode tornar-se acessível
conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da ponte.
Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a comeram.
Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a carne e a
sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia dormindo (pois
não há coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer complementar do
esquecimento) quando começaram a sentir dores. Dores que foram
aumentando, mas poderiam ser atribuídas ao espanto de alguma parte do
organismo de cada um, vendo-se alimentado, sem que lhe houvesse chegado
notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o terceiro agoniza no hospital.
Dizem uns que morreram da carne, dizem outros que do sal, pois era soda
cáustica. Há duas vagas debaixo da ponte.
Em: A bolsa & a vida, Rio de Janeiro: INL, 1971
1. Faça uma análise do discurso presente no texto “De baixo da ponte”, de Carlos
Drummond de Andrade.