3. No Brasil sempre imperou o tipo primitivo de
família patriarcal.
Por isso aos detentores de posições públicas
de responsabilidade, formados por tal
ambiente, não era fácil distinguir entre o
domínio do privado e do público.
O Homem Cordial
4. Para o funcionário “patrimonial”, a própria
gestão é de interesse particular. A escolha
dos homens que vão exercer cargos públicos
faz-se de acordo com a confiança pessoal e
não em suas capacidades.
Foi a família sem dúvida que mais exprimiu
força e desenvoltura na sociedade.
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5. Já se disse, numa expressão feliz, que a
contribuição brasileira para a civilização será a
cordialidade – daremos ao mundo o “homem
cordial”.
(Cordialidade esta, aqui, no sentido de
coração, homem emocional, passional e não
de gentil, homem que age ao torrencial das
emoções pouco dado ao racional).
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6. A polidez, a reverência e o ritualismo japonês,
maneiras sociais de mostrar respeito. Nenhum
povo esta mais distante dessa noção
ritualística da vida do que o brasileiro. Nossa
forma é o contrário da polidez. A polidez, de
algum modo, é organização de defesa ante a
sociedade.
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7. No “homem cordial”, a vida em sociedade é,
de certo modo, uma verdadeira libertação do
pavor que ele sente em viver consigo mesmo,
em apoiar-se sobre si próprio em todas as
circunstâncias da existência. Sua maneira de
expansão é antes um viver nos outros.
Nietzsche: “Vosso mau amor de vós mesmos
vos faz do isolamento um cativeiro”.
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9. A tendência para a omissão do nome de
família no tratamento social. Em regra é o
nome de batismo que prevalece. O uso do
prenome importa em abolir psicologicamente
as barreiras determinadas pelo fato de
existirem famílias diferentes e independentes
umas das outras.
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10. O desconhecimento de qualquer forma de
convívio que não seja ditada por uma ética de
fundo emotivo representa um aspecto da vida
brasileira que raros estrangeiros chegam a
penetrar com facilidade. Esta é tão
caraterística essa maneira de ser.
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11. Um negociante de Filadélfia tinha um espanto:
no Brasil como na Argentina, para conquistar
um freguês tinha a necessidade de fazer dele
um amigo.
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12. Nosso velho catolicismo, tão caraterístico, que
permite tratar os santos com uma intimidade
quase desrespeitosa. Em São Paulo
conhecem a história de Cristo que desce do
altar para sambar com o povo.
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13. Todos, fidalgos e plebeus, querem estar em
intimidade com as sagradas criaturas e o
próprio Deus é um amigo familiar, doméstico e
próximo. Oposto do cavaleiro, de joelhos, vai
prestar sua homenagem, como a um senhor
feudal. Um horror à distância até no domínio
religioso.
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14. No Brasil foi justamente o nosso culto sem
obrigações e sem rigor, intimista e familiar, um
culto que dispensava no fiel todo esforço, toda
diligência, toda tirania sobre si mesmo, o que
corrompeu, pela base o nosso sentimento
religioso.
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15. Uma religiosidade de superfície, menos atenta
ao sentido íntimo das cerimônias do que ao
colorido e à pompa exterior, quase carnal em
seu apego ao concreto e em sua rancorosa
incompreensão de toda verdadeira espiritua-
lidade; transigente, por isso mesmo que pronta
para acordos, ninguém pediria, certamente,
que se levasse a produzir qualquer moral
social poderosa.
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16. Assim, nenhuma elaboração política seria
possível fora dela [Religiosidade], fora de um
culto que só apelava para sentimentos e os
sentidos e quase nunca para a razão e a
vontade.
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17. A democracia no Brasil foi sempre um
lamentável mal-entendido. Uma aristocracia
rural e semifeudal importou-a e tratou de
acomodá-la, onde fosse possível, aos seus
direitos e privilégios, os mesmos privilégios
que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da
luta da burguesia contra os aristocratas.
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18. No Brasil, sempre foi uma camada miúda e muito
exígua que decidiu. O povo sempre está
inteiramente fora disso. As lutas, ou mudanças, são
executadas por essa elite e em benefício dela, é
óbvio.
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