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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Daniela Barros Mendes

A constituição do professor que trabalha com literatura
infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri Wallon

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Daniela Barros Mendes

A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um
estudo na perspectiva de Henri Wallon

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em

Educação:

Psicologia

da

Educação,

sob

orientação da Profa. Doutora Laurinda Ramalho de
Almeida.

SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora

________________________________
________________________________
________________________________
Dedico este trabalho ao meu esposo, Emerson, pelo companheirismo, amor,
compreensão, cuidado e apoio em todos os momentos.
A Ana Laura, que é a nossa alegria e que chegou junto com essa grande conquista.
AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo pelo apoio e pelo incentivo.
À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, que me
acolheu desde o nosso primeiro encontro, me incentivou, respeitou meus desejos e
muito me ensinou.
Aos Professores Doutores Mitsuko A. M. Antunes e José Roberto Montes Heloani
por participarem da banca examinadora, pelas sugestões e pelas ricas lições de
sabedoria no exame de qualificação.
À Professora que participou desta pesquisa, à direção e coordenação pedagógica da
escola pela oportunidade de realizar este trabalho.
Aos meus avós maternos, João (in memoriam) e Eunice, meus “pais” e meus
amores, pessoas inesquecíveis e fundamentais em minha vida, pois mesmo sem
terem estudado tinham grande sabedoria.
À minha mãe, pelo seu carinho na infância e por ter me incentivado a gostar ainda
mais de histórias.
Aos meus cunhados, Elisangela e Rafael, e à minha sogra, Evanir, que
demonstraram o quanto é importante ter o apoio da família para realização de
nossas metas.
À minha tia Bene por ter me incentivado a ler e estudar.
Aos meus tios, Luís Antônio e Marina, que tiveram um papel muito importante na
minha formação como pessoa. Por serem professores me incentivaram a ser uma
profissional comprometida com o trabalho.
Aos colegas de mestrado por compartilharem ideias, incertezas e conquistas.
Aos Professores do curso, em especial a Vera Maria de Souza Placco que foi o meu
primeiro contato na PUC, me recebeu muito bem, me respeitou e contribuiu muito
com o meu aprendizado.
À Professora Doutora Juliana Silva Loyola do Programa de Pós-Graduação
Literatura e Crítica Literária (PUC-SP) pela atenção e por ter me indicado alguns
livros no início desta pesquisa.
À Maria Luiza, uma pessoa maravilhosa, com quem pude compartilhar momentos de
alegrias, angústias e dúvidas.
À Thais que contribuiu para que esta pesquisa fosse realizada e demonstrou ser
uma pessoa muito solidária e amiga.
Aos colegas do projeto de pesquisa, em especial a Andrea J. P. Mollica que me
apontou alguns caminhos, a Lilian Corrêia Pessôa que além de ter me incentivado,
me ajudou na finalização deste trabalho e a Fátima Bissoto M. Cintra que fez a
revisão deste trabalho com muita disposição e competência apesar do tempo
reduzido.
Ao Edson Aguiar por sua atenção e competência.
Ao amigo e professor Doutor Clínio Jorge de Souza por ter contribuído com algumas
sugestões.
Aos meus colegas de trabalho que sempre foram muito solícitos e companheiros,
em especial a Vivian Pistelli por ter contribuído com o abstract.
À equipe gestora do colégio pela colaboração e compreensão.
Ao coordenador pedagógico, João Carlos, pela compreensão quanto à minha
ausência nas reuniões pedagógicas por conta das aulas do mestrado. Uma pessoa
muito especial por ser um modelo em minha vida, que além de gestor foi meu
professor no Ensino Fundamental II, me incentivou a gostar ainda mais de literatura
e demonstrou que é possível inovar na área educacional mesmo com poucos
recursos.
A todos os ex-professores que me marcaram positivamente e me encorajaram a
chegar até aqui.
Aos alunos e ex-alunos (Ensino Fundamental e Superior) que me constituíram como
professora e como pessoa.
À equipe da escola que possibilitou a minha pesquisa, em especial à professora do
5º ano que compartilhou a sua história de vida.
À minha amiga Bianca, que sempre esteve ao meu lado, me incentivando a seguir
novos caminhos.
À Deus pela graça inspiradora e por ter me abençoado durante toda a minha vida.
À Capes pelo parcial apoio financeiro.
MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura
infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender, priorizando a dimensão afetiva, como o
professor que trabalha com literatura infantojuvenil se constitui, considerando que
para Wallon - referente teórico para este estudo -) a dimensão afetiva, integrada às
dimensões cognitiva e motora, é constitutiva da pessoa. A pesquisa teve uma
abordagem qualitativa e, para a produção de informações, foi realizada uma
entrevista com perguntas direcionadas, e que se caracterizou como narrativa
autobiográfica, já que a professora do quinto ano do Ensino Fundamental I conta a
sua história de vida, desde a sua infância até os dias atuais. As informações
produzidas foram organizadas em um quadro para facilitar a análise e discussão.
Após essa etapa foram levantados seis eixos: convivência com o meio escolar;
professores marcantes; o brincar; contato com os livros; solidariedade; e o papel do
outro na atuação docente. Este estudo apontou que a afetividade interfere nas
relações em sala de aula e que o outro (alunos, ex-professores ou o autor da obra
literária) contribui para a constituição do professor de literatura.

Palavras-chave:

dimensão

professores, Henri Wallon.

afetiva,

literatura

infantojuvenil,

formação

de
MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura
infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.

ABSTRACT

The objective of this research was to comprehend, by prioritizing the affective
dimension, how the teacher that works with children's literature constitutes himself,
considering that to Wallon (theoretical reference for the present study) the affective
dimension integrated with the cognitive and motor dimension constitutes the person.
The research had a qualitative approach and in order to gather information an
interview with directed questions was held, such interview was characterized as an
autobiographical narrative since the fifth grade teacher tells the story of her life from
her childhood to present day. The pieces of information were organized in a chart to
facilitate the analysis and discussion. Right after this stage six main points were
raised: living in the school environment; remarkable teachers; playing around;
contact with books; solidarity and the role of other people influencing the teacher's
work. The present study showed that affection influences in classroom relationships
and that the other person (students, former teachers or the author of the literary
work) contributes to the formation of the literature teacher.

Key words: Affective dimension. Children's literature. Teacher formation. Henri
Wallon
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO............................................... 20
1.1 Objetivo do Estudo ............................................................................................. 24
1.2 O percurso metodológico ................................................................................... 27

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................... 30
2.1 A literatura infantojuvenil no Brasil: breve histórico.............................................31
2.2 Monteiro Lobato: incentivador da literatura infantojuvenil no Brasil ...................36
2.3 O que a literatura revela sobre as obras infanto-juvenis na escola ................... 40
2.4 Representações do professor comprometido: o que dizem os estudiosos da área
de educação ............................................................................................................. 43

CAPÍTULO 3 TEORIA PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON .......................... 45
3.1 Integração funcional ........................................................................................... 46
3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão .................................................... 48
3.1.2 Ato motor ......................................................................................................... 51
3.1.3 Conhecimento ................................................................................................. 52
3.1.4 Pessoa ............................................................................................................. 52
3.2 O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa ............................. 53
3.3 A questão do outro na constituição da pessoa .................................................. 55
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO .................................................................................... 57
4.1 Convivência com o meio escolar....................................................................... 58
4.2 Professores marcantes ....................................................................................... 59
4.3 O brincar ............................................................................................................. 62
4. 4 Contato com os livros .........................................................................................63
4.5 Solidariedade ...................................................................................................... 67
4.6 O papel do outro na atuação docente ............................................................... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 79

APÊNDICES ............................................................................................................. 85
A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter
uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem
pessoalmente realizar.

Henri Wallon
12

Introdução
Que coisa é o livro? Que contém na sua frágil arquitetura
aparente?
São palavras, apenas, ou é a nua exposição de uma alma
confidente?
De que lenho brotou? Que nobre instinto da prensa fez surgir
esta obra de arte que vive junto a nós, sente o que sinto e vai
clareando o mundo em toda parte?
(DRUMMOND DE ANDRADE, C., 1973, p. 586)
13

O objetivo deste estudo é compreender a constituição e atuação do professor
que trabalha com literatura infantojuvenil. Para esclarecer a escolha do problema de
pesquisa, será relatado um pouco de minha própria história de vida, pois o trajeto
percorrido está intrinsecamente ligado à minha formação acadêmica e atuação
profissional.
Foi na infância que começou o meu interesse pela literatura. Recordo-me do
quanto eu gostava de ouvir as histórias contadas pela minha mãe. Ao final, eu pedia
mais... Ao relembrar, percebo claramente o quanto de carinho havia naquele gesto,
sua voz transmitia segurança, companheirismo e atenção. Mesmo depois de um dia
atribulado, ela sempre arrumava tempo para esse momento.
Outra lembrança que me vem à memória é do contato com os livros
paradidáticos, aos dez anos de idade, quando cursava a 4ª série. Eu estudava em
uma escola pública, no interior de São Paulo, e a professora nos levou até a
biblioteca; recordo-me que fiquei parada, sem reação, por alguns minutos, até que
ela nos mostrou onde ficavam os livros que poderíamos pegar e nos informou que
quem quisesse poderia tomá-los emprestado. O fato de saber que eu poderia levar a
obra para a casa e ficar mais tempo com ela, animou-me muito, porque até essa
época só tinha tido contato com contos de fadas e livros curtos. A partir daquele
momento, comecei a ler obras infantojuvenis, e, logo em seguida, fiquei sócia da
biblioteca pública do município passando a ler cada vez mais.
Ao recordar esse episódio, veio à minha memória um outro, que me fez refletir
sobre algo que não havia pensado anteriormente. Essa professora que nos levou até
a biblioteca foi a mesma que me desmotivou a ler livros de Monteiro Lobato. Desde
os cinco anos eu assistia na televisão a série do Sítio do Pica-pau Amarelo. Saía da
escola de educação infantil correndo à frente do meu avô, tudo porque não queria
perder nem um pedaço da história... Quando vi que na lista de material da quarta
série constavam quatro títulos do autor, fiquei muito animada. A professora nos
informou que avisaria quando deveríamos começar a leitura, porém esse dia nunca
chegou. Iniciei a leitura de Reinações de Narizinho no dia em que ela disse que
quem quisesse poderia começar. Não sei o que aconteceu exatamente, no entanto,
não consegui ler mais do que vinte páginas; os outros exemplares nem cheguei a
ler. O interessante é que só li Reinações de Narizinho depois que me tornei
professora e, pensando sobre isso, acredito que não fui motivada, pois eu lia
14

rapidamente outras obras. Hoje reflito o quanto é importante o compromisso do
professor quando solicita, por exemplo, a compra de um livro. Deve dar condições
para que os alunos leiam com interesse e de forma significativa a fim de contribuir
para que reflitam sobre a obra e conheçam melhor o autor. É o que procuro fazer
hoje como professora.
Ainda falando sobre a influência dos livros na infância, lembro-me que uma
das minhas tias era professora e me dava alguns exemplares de presente. Ela e
alguns poucos, mas significativos, professores contribuíram para que eu me
tornasse uma apaixonada pela literatura. Uma das cenas de que me recordo com
carinho foi quando um professor de inglês nos propôs o desafio de encenar a peça
Romeu e Julieta, na oitava série; adorei a experiência. Apresentamos somente para
a nossa turma, mas aquele momento foi muito especial para mim; o compromisso
em decorar as falas e o cuidado em escolher o figurino foram experiências
inesquecíveis, afinal, foi a minha primeira apresentação na escola. O interessante é
que, hoje, faço parte da equipe desse ex-professor de inglês, atualmente
coordenador pedagógico do colégio em que trabalho, e percebo claramente que até
hoje ele é um modelo para mim, pois eu o admirava como professor e hoje o admiro
como coordenador. Devo reconhecer que ainda me aperfeiçoo e melhoro a cada dia,
como professora, no entanto, algo que contribuiu para que esse avanço fosse
intenso é o fato de saber que posso contar com ele, pois percebo claramente que
sou respeitada como pessoa e como profissional, algo que nunca tinha sentido
antes. Afinal já havia trabalhado em outras três escolas e três emissoras de tevê e
não tenho boas recordações da maioria dos gestores.
Na minha infância, recordo-me que havia duas profissões que me fascinavam:
professor e repórter. Quando concluí o ensino fundamental, resolvi fazer magistério,
pois me identificava muito com a docência. Nessa época, eu era catequista em uma
comunidade perto da minha casa, função que comecei a exercer aos treze anos,
voluntariamente, e que me motivou a tornar-me professora. No primeiro ano de
magistério, tive uma experiência ruim: trabalhei um mês como estagiária em uma
escola pequena de educação infantil, só que não tive apoio da direção e resolvi sair.
Fiquei muito frustrada, pois percebia que naquele lugar não havia respeito com os
profissionais. Um dos alunos me chutava e a diretora não se importava com isso e
eu não conseguia administrar aquela situação, talvez por imaturidade ou por falta de
15

experiência. Recordo-me o quanto fiquei magoada, pois não aceitava a minha falta
de habilidade e ficava pensando sobre o episódio. Comparando a experiência nessa
escola com os encontros com os catequizandos, percebia o quanto eu era dedicada,
habilidosa e o quanto me respeitavam. Como precisava trabalhar para me manter, já
que meu pai sempre reclamava por ter que pagar as minhas despesas básicas,
acabei me tornando estagiária em outras funções.
O interessante é que mesmo sem conhecer a teoria de Wallon1, que escolhi
para referencial teórico desta pesquisa, eu já levava em consideração muito do que
este autor defende, ou seja, tal teoria veio ao encontro de tudo aquilo que acredito
como profissional e como pessoa. Sempre respeitei o aluno e o considerei como um
ser integral, pois acredito que a afetividade influencia no aprendizado, seja de forma
positiva ou negativa. Ao recordar-me da época que fazia estágio, vem à minha
mente a atitude de uma professora que me incomodava muito, pois ela gritava com
os alunos e, certa vez, ela repetiu várias vezes para um deles “você é um burro”. Tal
cena demonstra o quanto essa professora desconsiderava a dimensão afetiva e
quanto desrespeitava aquele estudante. Isso deixou marcas em mim.
Quando cursava o último ano do magistério, em 1996, voltei para a área da
educação, algo que não imaginava que fosse acontecer. Consegui o tão sonhado
emprego, fui trabalhar em um colégio grande como auxiliar de classe. Na época,
trabalhava com alunos do antigo pré II e considero que foi uma experiência
maravilhosa, até hoje me lembro daquelas “carinhas” lindas. Nesse período,
“encontrei-me” como pessoa e como profissional, estava motivada, muito feliz e
sonhava em conquistar um emprego como docente naquela instituição. No fim
daquele ano, eu e outras colegas (auxiliares) recebemos a proposta da
coordenadora para preparar uma aula e recebemos a informação de que assim que
houvesse uma vaga, ela iria analisar o currículo e verificar a possibilidade de
contratar uma de nós. Fiquei muito ansiosa, porém nunca tive um retorno, nem sei
se uma daquelas auxiliares foi realmente contratada. Levei currículos a diversas
escolas, mas não obtive resposta positiva. Em determinado momento, percebi que
não havia boas expectativas para seguir em educação, e estava com muito medo de
não conseguir trabalho na área, já que as respostas que recebia eram negativas ou,
quando positivas, tratavam-se de subempregos nos quais receberia mensalmente
1

A teoria do autor será analisada no capítulo 3 quando abordaremos o referencial teórico.
16

um valor menor do que um salário mínimo. Isso era inviável para quem precisava de
dinheiro para pagar o curso superior, uma vez que meus pais não iriam me ajudar;
minha mãe incentivava-me a fazer uma graduação, mas não podia me auxiliar
financeiramente e o meu pai nem se preocupava em contribuir para que eu tivesse
uma vida melhor futuramente. Mais uma vez fui surpreendida pelo destino, pois não
tive escolha e acabei trabalhando temporariamente como telefonista e recepcionista
de um laboratório. Então juntei certa quantia de dinheiro e prestei vestibular para
Comunicação Social com habilitação em jornalismo, retomando um dos meus
sonhos de infância: trabalhar como repórter e, para a minha alegria, no primeiro ano
da graduação, consegui emprego em um banco, o que me proporcionou maior
tranquilidade financeira. Mesmo fazendo Comunicação, eu sentia vontade de dar
aula, queria fazer Letras e exercer as duas profissões.
Quando me formei, fui trabalhar como repórter em uma tevê no sul de Minas
Gerais. Acabei prestando vestibular para pedagogia em uma universidade pública,
porém como não havia me preparado, não passei. Depois de um ano voltei para a
minha cidade natal e resolvi fazer especialização. Nesse período, tinha a intenção
de dar aula no ensino superior, e não descartara a possibilidade de fazer Letras, no
entanto a maioria das pessoas com quem eu tinha contato me desencorajava, dizia
que eu deveria fazer mestrado, só que naquela época era impossível fazer um curso
stricto sensu, já que eu trabalhava em uma emissora de televisão como repórter. Por
ser uma empresa pequena (afiliada) havia apenas uma equipe e, depois de um
tempo, duas para fazer reportagens no município e na região, então concluí que
jamais me liberariam alguns dias para estudar. Apesar do conflito interno, “faço ou
não outro curso superior”, resolvi fazer licenciatura em Letras (Português-Inglês) e
hoje considero que foi a melhor coisa que fiz, pois no fim de 2009, deixei o
jornalismo e retornei à docência. Em 2008 comecei a dar aula para alunos do ensino
médio, em um colégio particular e, em 2009, numa faculdade, funções que eu
conciliava com a tevê, porém chegou um momento em que mudei de empresa e
para exercer a função de repórter teria que mudar de cidade. Resolvi, então,
permanecer somente com o magistério, assim continuaria trabalhando na faculdade
e no colégio, e poderia cursar o mestrado, algo que aspirava há algum tempo.
Em 2010, comecei a trabalhar no colégio em que estou atualmente, que fica
no interior de São Paulo. Nessa escola, dou aula de Língua Portuguesa para o 5º
17

ano (Fundamental 1) e 6º e 7º anos (Fundamental 2) e foi por meio dessa vivência
que percebi o quanto a minha atuação, em diferentes momentos, assemelhava-se
com a atuação de alguns daqueles com os quais convivi durante a vida, professores
e minhas três tios professores. Observei também que as decisões que tomava
revelavam a influência dessas pessoas sobre mim em diversos aspectos; um dos
exemplos é o retorno à docência, após quatorze anos.
Hoje, sinto-me realizada profissionalmente, pois tenho muito prazer em
trabalhar com as crianças, principalmente quando o assunto é literatura. Percebo,
claramente, que esses alunos contribuem para a minha constituição e, como
consequência, fazem com que repense e melhore a minha prática. Um dos
momentos mais significativos que reforçam a tese de que eu estava no caminho
certo deste estudo, foi quando uma menina do 5º ano fez um comentário sobre a
obra O Minotauro, de Monteiro Lobato. Fizemos um círculo para conversarmos sobre
o livro (como é de costume após a leitura de uma obra) e ela disse que a parte da
qual mais havia gostado fora o capítulo Labirinto de Creta e comentou que chorou
quando leu a parte em que Emília, Visconde e Pedrinho encontraram tia Nastácia
que estava desaparecida. Foi nesse momento que a mãe da menina entrou no
quarto e ficou surpresa em ver a filha chorando, então elas conversaram sobre o que
havia ocorrido. Por esse relato, podemos dizer o quanto a literatura afeta o leitor, ou
seja, o autor também é um outro significativo para quem lê as suas obras. Concluise que não é possível dissociar qualquer um dos conjuntos funcionais2, pois nesse
caso os alunos estavam lendo um livro em que Monteiro Lobato transporta as
personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo para a Grécia Antiga, o que possibilita ao
estudante o conhecimento da mitologia, ao mesmo tempo em que o afetivo está
presente.
Nessa mesma aula, enquanto eu conversava com os alunos do 5º ano, um
menino do 6º ano aproximou-se, ficou ouvindo por alguns minutos, colocou a mão no
meu ombro, deu um beijo no meu rosto e saiu. Relato esses fatos, porque ao
receber essa demonstração de carinho mais uma vez pensei no relacionamento
entre professor e aluno, pois acredito que é possível manter uma relação prazerosa
e produtiva, levando em consideração o afetivo, o motor e o cognitivo.
2

Conjuntos funcionais são: afetivo, motor, cognitivo (ou conhecimento) e pessoa. Posteriormente
serão mencionados com mais detalhes.
18

O trabalho ora apresentado parte do pressuposto de que os outros (alunos,
ex-professores, tios, pais...) contribuem para a atuação e constituição do professor
que trabalha com literatura infantojuvenil no ensino básico. As questões afetivas são
priorizadas nesta pesquisa, pois acredito que o afetivo é indispensável para dar
direções e energizar o cognitivo e o motor e que a literatura, principalmente a
infantojuvenil, tem na afetividade sua principal dimensão, inclusive de forma
vicariante (re-presentar, interiorizar os afetos presentes na narrativa). Ao priorizar o
professor, optei pela teoria de desenvolvimento de Henri Wallon por considerá-la
mais adequada para dar suporte teórico na compreensão do problema aqui
levantado.
A teoria walloniana tem como ponto principal a integração dos conjuntos
funcionais (afetividade, cognição, motricidade e pessoa) e a integração organismomeio. Assim ela possibilita o entendimento do indivíduo em sua totalidade,
compreendendo-o, não apenas do ponto de vista de um dos conjuntos, mas sim por
meio da integração constante entre eles, que resulta em uma pessoa única. O
estudo de Wallon valoriza também o ambiente no qual o indivíduo está inserido, pois
ambos influenciam-se de maneira recíproca, sendo esse elemento igualmente
importante no seu processo de desenvolvimento (MAHONEY e ALMEIDA, 2007)
Wallon pode oferecer subsídios para a compreensão das informações da
minha pesquisa, porque percebo que, ao ler os livros de aventura ou os clássicos
universais adaptados ou até mesmo conversar sobre a obra literária, é possível
observar nas crianças essa integração, pois se for algo interessante, elas se
envolvem. Na convivência com os alunos, podemos ver claramente o quanto a
leitura resulta em conhecimento e o quanto a manifestação dos sentimentos é visível
por meio de um sorriso, pelo envolvimento ou por comentários.
Para atender aos objetivos desta pesquisa, recorremos a outros teóricos
como Coelho (1973, 2000 e 2006), Lajolo (2008), Lajolo e Zilberman (1999),
Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005). Procurando compreender como se
constitui o professor de literatura infantojuvenil, creio que seja possível identificar as
necessidades desse profissional no que se refere à formação continuada.
19

Alguns estudos recentes, Coelho (2000), Lajolo (2008), Zilberman (1993 e 2003)
e Cereja (2004 e 2005), entre outros, têm reforçado o que se discute, já há algum
tempo, sobre a importância de refletir a literatura e repensar a forma de ensiná-la.
Este trabalho está estruturado da seguinte maneira:
Capítulo 1 – Procedimento Metodológico. Nesta parte, são apresentadas as
escolhas feitas para a produção de informações, os participantes da pesquisa, os
passos seguidos para a realização da entrevista e o procedimento para a análise
das informações.
Capítulo 2 – Revisão da literatura. Primeiramente, há um breve histórico da
literatura infantil e juvenil no Brasil. Em seguida, apresento o que as obras revelam
sobre a literatura na escola. A ênfase é dada aos trabalhos que forneceram
embasamento para a elaboração do projeto de pesquisa. Nesse capítulo, será
mostrado também o que a literatura revela sobre o que seria um “bom” professor, ou
seja, o que foi constatado até agora sobre o comprometimento dos profissionais e
como seria a forma adequada ou sugerida por especialistas da área para se
trabalhar literatura infantojuvenil.
Capítulo 3 – Referencial teórico. Neste momento, trago alguns pontos da teoria
de desenvolvimento de Henri Wallon, os quais fundamentam a análise, tais como: a
integração organismo-meio, integração entre os conjuntos funcionais e o papel do
outro.
Capítulo 4. Análise e discussão. Apresenta a análise da entrevista de uma
professora à luz da teoria walloniana, dividida em eixos temáticos, tendo em vista o
objetivo deste estudo que consiste em observar o quanto o outro é e está presente
na atuação do professor que trabalha com literatura infantojuvenil e o quanto a
influenciam essas relações.
20

1
Procedimento metodológico. Retomando a
origem do problema para apresentar o
delineamento da pesquisa
Compreender como se dá o desenvolvimento das funções do
domínio do conhecimento e o papel do movimento e da
afetividade para sabermos canalizá-las a favor do processo de
aprendizagem é essencial para o desenvolvimento da atividade
docente.
(PRANDINI In MAHONEY E ALMEIDA, 2004, p. 45)
21

Como já referido, o interesse pelo tema parte da minha atuação como
professora de literatura infantojuvenil em classes do 5º e 6º anos do Ensino
Fundamental I e II. Na prática docente, como professora de Língua Portuguesa,
pude perceber o quanto o assunto interessa por ser algo lúdico e também por fazer
com que os alunos reflitam sobre a sociedade em que vivem, principalmente após a
intervenção do professor. A leitura de obras direcionadas a esse público faz com que
as crianças reflitam sobre as mais diversas questões sociais e psicológicas, assim
sendo, contribui para que percebam as aflições, as limitações e os desejos das
personagens e façam uma relação com as suas vivências.
Desde que comecei a lecionar em um colégio particular no interior de São
Paulo, propus para as turmas que as aulas de leitura e os momentos de conversa
sobre o livro fossem no quiosque da escola, já que havia essa “abertura” por parte
da direção e da coordenação. Após a leitura das obras, nos reunimos em círculo, é
um momento para dialogarmos e fazermos relações com as nossas experiências de
vida em sociedade. Percebo que o dia da “conversa” é um dos momentos mais
esperados pelos grupos, principalmente pelos alunos do fundamental II, uma vez
que situações como essa são novidade para eles. Faço esse comentário porque
percebo que a partir do 6º ano existe uma tendência, por parte da maioria dos
professores, de tratá-los como “estudantes responsáveis”, assim sendo eles
precisam se organizar e cumprir todas as tarefas pelo fato de terem aula com
docentes especialistas. As aulas desafiadoras e motivadoras são praticamente
extintas pelo fato de não serem vistas como algo tão proveitoso perante o conteúdo
que deve ser repassado durante o ano letivo. Tenho a impressão de que essas
crianças, que gostam de ser chamadas de pré-adolescentes, sentem falta do lúdico
que tanto foi incentivado e incutido nas séries iniciais do ensino fundamental e que,
com o passar do tempo, deixou de ter importância no contexto escolar.
Nessa conversa, todos têm oportunidade de falar, destacar uma parte da
história ou dizer o que mais gostaram e eu, como professora, faço algumas
perguntas para o grupo sobre a obra de uma maneira bem descontraída, já que o
espaço proporciona essa interação. Ao fazer essas questões, proponho para a
classe algumas reflexões sobre a sociedade em que vivemos e percebo que essa
atividade proporciona um melhor entendimento da história, o que os atrai, porque
percebem algo realmente significativo.
22

A partir dessa vivência, surgiram-me muitas indagações no que tange à
questão da formação continuada e da atuação do docente.

A interação entre

professor e aluno influencia a prática do docente que trabalha com literatura
infantojuvenil? Os ensinamentos passados nos cursos de licenciatura são suficientes
para a realização desse trabalho? De que maneira os sentimentos do professor
interferem na atuação? Compreender os sentimentos dos professores de literatura
seria importante para refletir sobre o papel da escola quanto à formação crítica do
leitor literário? Como se dá a constituição desse professor? Como o movimento
dessa constituição interfere em sua atuação?
No presente estudo não pretendo responder a todas essas perguntas,
particularmente, porém foi a partir da reflexão sobre elas que cheguei à delimitação
central do problema desta pesquisa. Desse modo, ao longo deste trabalho pretendo
responder às seguintes questões:
Como se dá a constituição do professor que trabalha com a literatura
infantojuvenil? Como o “outro” (alunos, ex-professores, professores, famílias)
contribui nesse para essa constituição? Como o “outro” - a obra literária - entra
nesse processo?
A teoria walloniana oferece recursos para compreender como esse
profissional se constitui nessa interação com os alunos, pois o professor afeta seus
alunos e é por eles afetado. Por esse motivo, o professor deve ser um observador
atento de seus alunos; levar em consideração o que comentam, como se
expressam, como se manifestam, pois essa atitude pode contribuir para que melhore
a sua atuação em classe. Dessa maneira, é possível dizer que o conhecimento não
vem somente dos cursos realizados e dos livros lidos, mas também resulta da
reflexão sobre a própria prática.

Ser professor na proposta de Henri Wallon implica também estar
atento para uma observação: A formação psicológica dos
professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma
referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios
podem pessoalmente realizar. (ALMEIDA, 2004, p. 138)

Almeida argumenta que para que o aluno adquira conhecimento, o professor
precisa atuar como um mediador e, por isso, podemos dizer que o docente é um
23

profissional das relações e a sala de aula é uma oficina de convivência. A autora
destaca a importância de o professor refletir sobre suas vivências e experimentá-las
no contato com os alunos, estabelecendo relações entre teoria e prática. Apesar da
importância da busca pelo conhecimento, a formação psicológica dos profissionais
da educação não pode ficar limitada aos livros. O professor deve conhecer as
teorias de desenvolvimento, de aprendizagem, de personalidade, mas, além disso,
precisa posicionar-se como um “investigador” do ser em desenvolvimento e de sua
prática pedagógica. Dessa forma, o conhecimento que adquire na prática volta para
enriquecer as teorias. Resumidamente, pode-se afirmar que psicologia e pedagogia,
em suas relações, beneficiam-se mutuamente. (ALMEIDA, 2009)
Diante da afirmação acima, podemos refletir o quanto a avaliação da prática é
importante para a constituição da pessoa do professor. A literatura infantojuvenil
pode contribuir para enriquecer essa prática, cabendo ressaltar a importância do
papel do docente. Almeida (2009) destaca que na relação professor-aluno, é o
professor quem acaba selecionando entre os saberes e os materiais de uma cultura
disponíveis em um determinado momento, acrescenta que é esse profissional que
tornará (ou não) esses saberes efetivamente transmissíveis, assim pode-se afirmar
que é ele que faz a aproximação do aluno com a cultura de sua época.
O docente comprometido trabalha a literatura infantojuvenil de forma
intencional, ou seja, ele define objetivos, prepara aulas, busca novas estratégias e
ouve os seus alunos. A forma como se ensina literatura pode variar, destacando que
é importante interagir com os alunos, mas observa-se, nas escolas, que muitos
professores exigem a leitura por parte das crianças ou adolescentes para que “esse
conhecimento” seja “devolvido” em avaliações, ou seja, não proporciona uma
reflexão sobre aquele livro e muito menos propõe questões para debate. Por ser um
método conteudista, acreditamos que essa prática impede que o aluno se
desenvolva e conheça mais sobre a sua sociedade.
Acredito que ao serem trabalhadas, adequadamente, as obras literárias
ampliam o conhecimento dos alunos e contribuem para que se estreite o vínculo
professor-aluno no ensino fundamental. Em minha prática docente, observei que ao
interagir com a classe, os alunos se dedicavam ainda mais durante as tarefas e a
literatura se tornava mais atrativa e reflexiva para o grupo.
24

Ao iniciar o mestrado percebi que a teoria de Henri Wallon poderia me ajudar nessa
discussão, já que ele defende a integração entre os conjuntos funcionais (cognitivo,
motor e afetivo). Tais dimensões estão vinculadas entre si, embora estejam em
constante movimento; “a cada configuração resultante, temos uma totalidade
responsável pelos comportamentos daquela pessoa, naquele momento, naquelas
circunstâncias” (MAHONEY, 2003, p.12).
1.1 Objetivo do Estudo
Este estudo propõe-se a investigar como ocorre a constituição do professor e
qual é o papel do outro nesse processo e, para isso, utiliza a narrativa
autobiográfica. Dessa maneira busca analisar, sob a perspectiva walloniana, a
trajetória desse profissional, os avanços, os retrocessos, suas inspirações e
modelos, fracassos e sucessos, na expectativa de poder contribuir para a melhoria
da prática de professores que trabalham com literatura infantojuvenil.
A autobiografia está inserida num contexto de formação de adultos, e é por
meio dos relatos de suas experiências que o participante da pesquisa traça o seu
itinerário, ação que permite compreender de forma clara as suas escolhas e
planejar o que irá fazer com mais autonomia, seja em sua vida profissional ou
pessoal.
Nesse sentido, pode-se afirmar que pensar sobre sua própria trajetória
contribui para a formação do professor, pois é por meio da narrativa que ele pode se
reapropriar de sua experiência de formação e se constituir como sujeito de sua
própria história.
Trata-se de utilizar a instância do discurso através do qual o
indivíduo pode introduzir a sua experiência, e depois, através da
análise, de nos colocarmos com ele no lugar de intérprete, para
sublinharmos o distanciamento do texto em relação à experiência
(não pode introduzir-se toda a experiência da formação numa
narrativa), a natureza essencialmente comunicacional da língua e,
por fim, o sentido da transformação principal pressuposta em toda a
experiência de formação (CHENÉ, 1988, p. 90)

Neste estudo, optou-se pela autobiografia oral por entender que a experiência
de falar sobre si próprio produz uma narrativa sem uma perspectiva de linearidade
25

histórica, de montagem de um quebra-cabeça em que tempo histórico, social e
cultural são invocados e impregnados na singularidade da vida do sujeito que conta
o que lhe ocorreu. Quando entendida e desenvolvida como uma conversa, sem
amarras, é possível fazer uma relação com estudos do imaginário e da história de
vida, que privilegiam abordagens que retratam a dimensão simbólica das histórias
da profissão docente. O contato entre entrevistador e entrevistado permite perceber
o quanto esse instrumento é rico por possibilitar o acesso aos processos psíquicos,
que nos interessam como pesquisadores da psicologia da educação, que são:
sentimentos, emoções e cognições. Almeida (2012) afirma que afetar e ser afetado
vale tanto para o entrevistado como para o entrevistador.

Têm eles diferentes históricos em seu percurso de vida e chegam à
situação de entrevista com diferentes perspectivas. É natural, pois,
que no transcorrer da entrevista circulem emoções e sentimentos.
Até porque, como todo encontro interpessoal, acontece um embate
de subjetividades. (p. 19)

Cabe ressaltar que o termo grego é autobiographia, palavra composta por
auto: próprio; bios: vida e graphein: escrita. No dicionário, o termo quer dizer a vida
de um indivíduo escrita por ele mesmo. No dicionário de termos literários, Massaud
Moisés (2002) define a autobiografia “como um relato objetivo e completo de uma
existência, tendo ela própria como centro”, porém sabemos que o sentido é mais
completo do que podemos imaginar, já que se trata de um individuo único. Esse
gênero que até pouco tempo era restrito à literatura, hoje tem contribuído em
diversas áreas, principalmente na educação.

Este sentido determina claramente sua gênese, porém não a
especifica como espécie unicamente literária. Ao contrário, amplia a
sua possibilidade de existência nas mais variadas áreas de
conhecimento: da antropologia à sociologia, da psicanálise à filosofia
(RODRIGUES, 2007, p.19).

O método (auto) biográfico relaciona-se de forma expressiva com a
concepção de histórias de vida, defendem Pineau e Ferrarotti (1988). Segundo
Pineau, a história de vida é “um método de investigação-ação que procura estimular
26

a autoformação, na medida em que o esforço pessoal de explicitação de uma dada
trajetória de vida obriga a uma grande implicação e contribui para uma tomada de
consciência individual e colectiva” (apud NÓVOA, 1988).
Desse modo, o caminho percorrido por um indivíduo pode servir de referência
ou reflexão para outros, ou seja, “a união do mais pessoal com o mais universal,
segundo NÓVOA e FINGER (1988, p.14).
Há, porém, estudiosos que apresentam diferenciação entre a narrativa
autobiográfica e a história de vida feita especificamente para uma determinada
pesquisa; Josso (2004, p.31) ressalta:
Notar esta diferença é salientar que as histórias de vida postas ao
serviço de um projeto são necessariamente adaptadas à perspectiva
definida pelo projeto no qual elas se inserem, enquanto que as
histórias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a
globalidade da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas
dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica própria.

Independentemente da terminologia, esta perspectiva de investigação
manifesta uma possibilidade de recorrer à memória que, por meio da narrativa,
articula a subjetividade, as escolhas feitas pelo indivíduo e também os processos de
desenvolvimento da pessoa (professor).
Pereira (2000) aponta a memória como uma contribuição para se
compreender os processos de formação do docente (em tempos e espaços
distintos) ou de como as pessoas se tornaram os professores que são hoje. Perante
questionamentos como esses, trabalhar com a memória tem sido um exercício de
implicar-se também, o que possibilita que o sujeito revisite as imagens, as
representações construídas por quem pesquisa conjuntamente com quem está
sendo pesquisado.
Cabe ressaltar que a memória é um suporte importante na reconstrução das
experiências vividas e, no caso de profissionais da educação, pode se tornar
alicerce de uma formação contínua. Segundo Placco e Souza (2006) revisitar a
memória

traz

conhecimento.

oportunidades

para

novas

interpretações

e

construção

do
27

Os processos de formação do indivíduo ocorrem em lugares/tempos
diferentes, tendo a memória um trabalho essencial na reconstrução dos referenciais
que se configuram na narrativa autobiográfica que pode ser caracterizada por
narrativa de formação, já que possibilita mudanças significativas no sujeito a partir
do contato consigo mesmo.
Nessa perspectiva, as histórias da infância e dos processos de escolarização
são revisitados na tentativa de buscar as referências construídas, nas quais há
recursos experienciais e representações sobre escolhas, influências, modelos,
preferências e estilos, o que possibilita a reflexão sobre quem é esse professor hoje,
algo que o singulariza como pessoa (OLIVEIRA, 2006). Revisitar o passado e
reconstruir essas imagens com a perspectiva de problematização pode ser algo
muito significativo.
O reconhecimento da potencialidade educativa da autobiografia apoia-se na
tentativa de propor uma reflexão favorecida pela reconstituição da história individual
de relações e experiências (com o conhecimento, a leitura, a escrita e a escola), as
quais permitem reinterpretações férteis do próprio sujeito, dos processos e práticas
de ensinar. Michel Pollark (apud CATANI, 1997) defende que as histórias de vida
nas ciências sociais servem de “instrumentos de reconstrução da identidade e não
apenas como relatos factuais” e comenta também que a narração ordena
acontecimentos que balizaram uma existência e que ao contar a vida, de uma forma
geral, o indivíduo tenta estabelecer certa coerência por meio de laços lógicos entre
acontecimentos

significativos

com

continuidade,

resultante

da

ordenação

cronológica.

1.2 O percurso metodológico. Caracterização da escola e da professora
selecionada
A pesquisa foi realizada em uma escola particular, mais especificamente uma
instituição religiosa, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo (SP), com 1300
alunos e 103 professores. A escola atende alunos da classe média alta; sendo que a
maioria deles mora na região.
28

A entrevistada foi uma professora do 5º ano do Ensino Fundamental I, formada
em Pedagogia e História, com especialização em Psicopedagogia, tendo
anteriormente cursado magistério (nível técnico). Ela foi indicada pela direção do
colégio por realizar um trabalho muito significativo de literatura infantojuvenil. A
entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada.
A entrevista foi agendada por intermédio de uma colega que trabalha nessa
instituição e foi realizada na própria escola, numa terça-feira no período da manhã.
Sentamos uma ao lado da outra, em um banco na capela do colégio, pois esse era
um dos lugares mais tranquilos naquele período.
Foi nessa ocasião que nos conhecemos pessoalmente Num primeiro momento
percebi que a professora estava ansiosa e receosa, inclusive ela verbalizou que
considerava a entrevista uma situação delicada e não saberia se iria ajudar muito,
porém, no decorrer da conversa, percebi que ficou mais tranquila e me senti numa
situação confortável, pois a professora demonstrou que estava disposta a contribuir
e compartilhar a sua história de vida comigo. Antes de iniciar a entrevista acordamos
que seria gravada, pois esse procedimento iria permitir uma análise mais rigorosa e
fiel, e combinamos também que ela não seria identificada, por esse motivo usaria
nomes fictícios para referir-me a ela e aos outros professores. Dei a ela o nome de
Marta.
Ao concluir a entrevista, ouvi repetidas vezes a gravação e fiz a transcrição
cuidadosa para evitar equívocos. Efetuei várias leituras do material transcrito para
iniciar a análise, apreendendo os dados mais importantes, aqueles que pudessem
contribuir mais com a pesquisa.
Durante a análise das falas fui identificando trechos distinguíveis das mesmas
em relação ao problema de pesquisa e, junto com minha orientadora, formatei toda a
entrevista em duas colunas, de tal forma que na coluna da esquerda ficasse o
conteúdo da narrativa e na da direita as ideias mais relevantes em relação a cada
trecho delimitado.
Assim como Henri Wallon define o psiquismo humano como uma unidade que
resulta de diferentes domínios funcionais, esta pesquisa entende que não é possível
fazer uma ruptura entre os aspectos pessoais e profissionais de uma pessoa, neste
caso específico, do professor que trabalha com literatura infantil ou juvenil. Por mais
29

que se admita a existência dos dois aspectos, também reconhece que suas
manifestações acontecem de forma articulada. Desse modo, a atuação profissional
do professor não é isolada do âmbito pessoal e, para que seja possível o
entendimento da primeira, torna-se fundamental incluir o estudo da segunda.
30

2
Revisão de literatura
Uma história não é mais que um grão de trigo. É ao ouvinte, ao
leitor que compete fazê-lo germinar. Se não germina, é questão
de falta de ar, de sol, de liberdade, de solidão.
(Déon, In SILVA, 1998, p. 69)
31

2.1 A Literatura Infantojuvenil no Brasil: breve histórico
As primeiras formas de literatura infantil eram confundidas com aquelas que
eram direcionadas aos adultos e cabe salientar que foram trazidas ao Brasil pelos
primeiros colonizadores portugueses. Essas obras eram compostas por narrativas
orais transmitidas pelo povo e pelas cortes europeias, cujas origens precisas são
desconhecidas, porém essas narrativas são muito antigas e, inclusive, há registro
sobre elas nas primeiras tribos humanas. A origem da literatura infantojuvenil se
confunde com o princípio da própria narrativa, assim pode-se dizer que “contar
histórias” é tão antigo quanto o próprio homem. Porém, há informações sobre o
nascimento da literatura infantil especificamente associada aos contos de fadas.

Os estudos históricos anglo-saxões são os que mais aprofundaram a
relação entre os contos de fadas e o nascimento da literatura infantil.
Na verdade, a Grã-Bretanha é o único lugar onde os estudos gerais
de história literária foram um referencial importante no momento de
abordar a reflexão sobre o nascimento e o desenvolvimento dos
livros infantis, posto que conta com uma rica discussão a respeito,
desde os estudos literários do século XIX, com a intervenção de
nomes tão relevantes quanto Coleridge, Dickens, Tolkien, Chesterton
ou Stevenson. (COLOMER, 2003, p. 56)

Na maioria das vezes, essas histórias vinculadas ao mítico ou ao sagrado
ganham caráter profano e, após a invenção da escrita3, começam a ser registradas.
Na antiguidade grega, já havia uma quantidade relativa de registros de escrituras
literárias, como: as epopeias, a poesia lírica e o teatro.
Nesse período, surge Esopo, um grande fabulista que viveu provavelmente no
século 6 a.C. De acordo com a lenda, ele foi um escravo que, após ser libertado,
reuniu contos populares da Ásia, Egito e Grécia, já que as fábulas existiam na
Grécia e no Oriente desde a mais remota antiguidade (LAJOLO, 1999). Vale
ressaltar que essas fábulas foram escritas somente duzentos anos depois e reúnem
cerca de trezentas histórias, como A raposa e as uvas, A galinha e a pomba, A
galinha dos ovos de ouro, O leão e o rato, e A águia e a coruja.

3

Estima-se que a escrita foi inventada nos anos 4000 a 3500 a.C pelos sumérios.
32

As personagens principais das fábulas geralmente são animais e nessas
narrativas há sempre um ensinamento, ou seja, a moral da história. Os bichos falam,
são bons ou maus, sábios ou tolos, cometem erros, se assemelham com os homens,
porque a intenção do fabulista era mostrar como o ser humano poderia agir. Por
isso, as fábulas (embora não fossem um gênero exclusivamente infantil) tinham a
função de educar, corrigir e zelar pela formação das crianças, conforme os padrões
da sociedade da época (LAJOLO, 1999). Essa função era também atribuída aos
contos maravilhosos ou contos de fadas, largamente difundidos na literatura popular
de países europeus nos séculos XVII e XVIII.
Quando se busca investigar a origem da conhecida Literatura Infantil deve-se
atentar que o seu início foi no final do século XVII e se estendeu pelo século XVIII, já
que havia a influência dos contos de fadas4. As histórias populares, principalmente
aquelas nas quais se destacavam atitudes exemplares e moralizantes, tiveram
influência da ação catequizadora dos jesuítas até 1759 (época do Brasil Colônia).
O cenário social e político da época contribuiu para o surgimento da literatura
infantil, entre esses acontecimentos estão: o crescimento e diversificação da
população que morava na área urbana, a incorporação progressiva dos imigrantes, a
complexidade da estrutura administrativa e a extinção do trabalho escravo. Nesse
período, além dos livros infantis, os escolares eram fortalecidos pelas diversas
campanhas de alfabetização lideradas por intelectuais, políticos e educadores. Por
outro lado, a literatura direcionada aos adultos era criticada, pois as pessoas
esperavam que o escritor assumisse novas funções perante os comentários de
modernização. Naquele momento, a intenção era criar e divulgar o discurso, os
símbolos e as metáforas da nova imagem do Brasil e destacar o compromisso com a
modernização, segundo Zilberman e Lajolo (1999).
É preciso ressaltar que até esse período não havia literatura infantil no país,
então tudo que ocorria no exterior poderia repercutir no Brasil. A existência de uma

4

Nesse período, os contos de fadas tinham sido adaptados para atender à educação das

crianças. Esses textos tinham o objetivo de transmitir valores morais e os bons sentimentos descritos
em histórias e vidas heróicas e exemplares.
33

rede de bibliotecas públicas na região anglo-saxônica permitiu que surgisse uma
categoria socioprofissional caracterizada por uma formação cultural e pelo contato
direto com os destinatários da literatura infantil e juvenil. As mulheres cultas
contribuíram na formação da literatura direcionada às crianças daquele país. A
preocupação

com a

leitura

resultou

na

fundação

de

bibliotecas

infantis

experimentais, na criação de instrumentos de animação de leitura e na produção de
uma importante reflexão sobre os critérios de seleção das obras, de acordo com
Colomer (2003).
No século XVIII, são publicadas no mercado livreiro, as primeiras obras
direcionadas ao público infantil: além dos contos de fadas de Perrault, algumas
adaptações de romances de aventuras, como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe
(1719) e Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726). Isso ocorre em sociedades
agora burguesas e industrializadas devido ao novo status da criança, à qual é
atribuída uma visão caracterizada pela fragilidade e pela dependência e à qual são
direcionados objetos industrializados (brinquedos), culturais (o livro) e científicos
(pediatria, pedagogia).
Enquanto a literatura infantil europeia iniciou-se em 1697 com a publicação de
Contos da Mamãe Gansa, de Charles Perrault, no Brasil a literatura nasceu bem
depois, somente no final do século XIX, quase no século XX. Antes das últimas
décadas dos anos oitocentos, a circulação de livros infantis era precária e irregular,
a representação era feita pelas edições de Portugal, conforme afirmam Zilberman e
Lajolo (1993).
Perante esse cenário, duas instituições ganham importância na sociedade
daquele momento: a família e a escola. A família era pensada e vivida como fonte de
sobrevivência e transmissora de bens, e como consequência tinha a função de
preservar a infância. Já a escola, até então facultativa, tinha como tarefa preparar a
criança para enfrentar os obstáculos da vida conforme suas regras, juntamente com
a família.
A escola também tinha por finalidade preparar as crianças para a leitura e a
literatura infantil surge para auxiliar nessa incumbência, tendo de respeitar e até
mesmo motivar as características infantis. Por outro lado, adota uma postura rígida,
ou seja, passa a ter uma “utilidade pedagógica”, como consequência proporciona
34

confiança à burguesia, por imitar seu comportamento e estimular os valores
moralizantes dessa classe. A escola tinha como tarefa educativa repassar o gênero
literário.

A aproximação entre a instituição e o gênero literário não é fortuita.
Sintoma disso é que os primeiros textos para crianças são escritos
por pedagogos e professoras, com marcante intuito educativo. E, até
hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia,
o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter
uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com
que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação
da criança. (ZILBERMAN, 2003, p. 16)

Lajolo (1999) destaca a diferença entre Chapeuzinho Vermelho, narrada por
Perrault (séc. XVII) e a mesma personagem descrita pelos Grimm e por Andersen
(séc. XIX). No primeiro caso, o autor oferece à menina uma personalidade revestida
de beleza: uma criança atraente e corajosa. No segundo caso, os escritos dão a ela
atributos moralizantes: boa, obediente, carinhosa, entre outras qualidades
associadas aos interesses sociais da época.
Em 1812, os irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) editam a coleção de contos de
fadas que conquistam as crianças. Em contrapartida, destacam-se também outros
autores, entre eles: Hans Christian Andersen (Contos, 1833), Lewis Carroll (Alice no
País das Maravilhas, 1863), Carlo Collodi (Pinóquio, 1883), Jules Verne (Viagem ao
centro da Terra, 1864), Mark Twain (As aventuras de Tom Sawyer, 1876), Robert
Louis Stevenson (A ilha do tesouro, 1882). Esses títulos se tornaram clássicos
universais pelo fato de até hoje serem lidos e apreciados por leitores de vários
cantos do mundo.
Nos séculos XVIII e XIX a literatura infantil fica conhecida como “literatura
infantil feita por adultos”, ou seja, destaca-se a forma como o adulto quer que a
criança veja o mundo, buscando sua “aprovação”. Além disso, a forma literária
permite a representação pela fantasia, o que, com frequência, ultrapassa a criação
de um mundo idealizado.
Zilberman (2003) afirma que o direito das crianças foi sonegado, capacita-se
a transmissão do conhecimento e as suas formas de manifestação segundo a visão
do adulto, o que garante a razão e o poder.
35

Desarmada, a criança não reage; e sua impassibilidade é tomada
como sinal de aceitação da engrenagem.
Por todos esses aspectos, a escola participa do processo de
manipulação da criança, conduzindo-a ao respeito da norma vigente,
que é também a da classe dominante, a burguesia, cuja emergência,
como se viu, desencadeou os fatos até aqui descritos.
(ZILBERMAN, 2003, p. 23)

Apesar de o assunto ser Literatura Infantil, é necessário considerar o cenário
político do Brasil naquela época. A proclamação da República trazia consigo a
imagem de um país ambicioso e era esperada uma acentuada modernização. O
novo regime, que foi liderado por um militar, teve a participação de membros de
vários partidos republicanos regionais. Os governantes estudavam medidas como
exportação do café e substituição da mão de obra escrava pela assalariada, e havia
interesse na economia dos países industrializados, como a Inglaterra. O desejo de
se expandir, atitude influenciada pelo capitalismo, e a necessidade de sobrevivência
fizeram com que a Inglaterra não medisse esforços para patrocinar uma política
favorecedora de diversas camadas médias que eram consumidoras virtuais de sua
produção. Esses grupos eram compostos por imigrantes que não se adaptaram ao
trabalho rural e de ex-empregados envolvidos na comercialização do café. Eles
contribuíram para a multiplicação do número de bancos e casas exportadoras,
ampliaram o quadro de funcionalismo público, estenderam a rede ferroviária e houve
crescimento do movimento dos portos, conforme relata Lajolo (1999).
Perante esse cenário de aceleração urbana (fim do século XIX e início do
XX), o momento se torna ideal para o surgimento da literatura infantil. A princípio, a
literatura infantil foi uma adaptação das obras destinadas aos adultos. Cabe
destacar que nesse período a criança era vista como um “adulto em miniatura” e que
a infância era um momento que deveria ser encurtado o mais rapidamente possível.
Nesse período ainda prevaleciam os padrões europeus e os clássicos infantis da
Europa eram traduzidos e adaptados.
Essas obras refletiam o comportamento esperado naquela época, pois a
educação era rígida, disciplinadora e punitiva e assim utilizava a literatura como algo
exemplar, que procurava levar o pequeno leitor a assumir, de maneira precoce,
atitudes consideradas “ideais” para aquela sociedade, comenta Coelho (2000). Entre
os livros publicados a partir de 1808 estavam: a tradução de As aventuras pasmosas
36

do Barão de Munkausen e, em 1818, a coletânea de José Saturnino da Costa
Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de histórias morais relativas
aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, história de
Portugal e história natural.
Os livros nessa época, inspirados em modelos estrangeiros, eram verdadeiras
cartilhas de nacionalidade. O civismo e o patriotismo se destacavam, assim cabe
exemplificar com a obra Por que me ufano de meu país, de Afonso Celso publicado
em 1901, que evidencia o entusiasmo patriótico que contagiou os textos infantis.
Hoje pode-se dizer que a literatura está em constante processo de mudança e
é possível refletir sobre diversos aspectos. No livro Ensino de Literatura: uma
proposta dialógica para o trabalho com literatura, Cereja afirma que a literatura se
transforma o tempo todo e é muito mais complexa do que muitos imaginam.
Uma perspectiva a um só tempo diacrônica e sincrônica, que procura
encontrar não apenas as relações da literatura com o seu tempo,
mas também os diálogos que a própria literatura mantém dentro dela
mesma, dando saltos, provocando rupturas, morrendo e renascendo,
se transformando. Aí estaria o verdadeiro sentido de historicidade do
texto literário, um sentido de vida, de permanência, que difere do
engessamento da historicidade descritiva e classificatória. (CEREJA,
2005, p. 200)

Neste estudo, optamos em abordar brevemente a história da literatura infantil
e juvenil e daremos destaque a Monteiro Lobato por dois motivos: primeiro, porque
ele foi um autor inovador, que permanece como referência literária no Brasil até
hoje, e também porque o escritor foi citado pela entrevistada.

2.2 Monteiro Lobato: inovação e criatividade
Monteiro Lobato foi um inovador e permanece como referência literária no Brasil,
pois antes dele as crianças só conheciam traduções de obras estrangeiras. O autor se
destacou pelo estilo de escrita, principalmente por priorizar a linguagem simples em
que a realidade e a fantasia estavam interligadas. O contista, ensaísta e tradutor
nasceu em Taubaté, interior de São Paulo, no ano de 1882 e faleceu em 1948.
37

A paixão pelos livros começou na infância e o interesse foi aumentando ao ter
acesso à biblioteca que ficava no escritório de seu avô, o Visconde de Tremembé,
numa chácara situada na Rua XV de Novembro, junto ao Largo do Teatro, em
Taubaté, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o Journal des Voyages.
Era um salão cheio de grossos tomos de revistas da época. Havia a
Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini, ou a Novo Mundo, de J. C.
Rodrigues. Uma coleção do Journal des Voyages foi, no entanto, o
meu maior regalo. Cada vez que me pilhava na biblioteca do meu
avô, abria um daqueles volumes e me deslumbrava (LOBATO apud
DANTAS, 2005, p.25).

Juca, como era conhecido quando criança, filho de José Bento Marcondes
Lobato e Olímpia Augusto Lobato, na infância dividia seu tempo brincando com as
suas irmãs menores, Ester e Judite, na fazenda em que moravam. Anos mais tarde,
esse cenário serviria de inspiração para a criação de suas personagens e de suas
obras infantojuvenis.
Segundo Luiz (2003), o nome de batismo de Monteiro Lobato era José Renato e
não José Bento como o conhecemos. Ele alterou o próprio nome para que pudesse
usar a estimada bengala que pertencera a seu pai e que trazia inscritas as iniciais
J.B.M.L.
Na adolescência, José Bento foi estudar na capital. Lobato queria matricular-se
na Escola de Belas Artes, mas, por imposição de seu avô materno, que assumiu a
tutela do jovem após a morte de seus pais, entrou com 18 anos para a Academia de
Direito, formando-se em 1904. Enfrentou, porém, dificuldades no início, pois em sua
primeira tentativa de admissão aos preparatórios para o curso superior foi reprovado
em português. Mas isso não o desanimou; após a decepção, estudou muito e
conseguiu ser aprovado.
Formado em Direito, Lobato atuou como promotor público até se tornar
fazendeiro, após receber uma herança deixada por seu avô. Com a mudança de estilo
de vida, o escritor passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas;
posteriormente reuniu uma série deles em Urupês, seu primeiro livro. Nesse período,
Monteiro Lobato escrevia textos a seu amigo Rangel, solicitando-lhe que apontasse os
erros de gramática.
38

Na época, os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa e por conta
dessa carência no mercado, Lobato fundou uma editora e tornou-se também editor.
Isso possibilitou que implantasse uma série de mudanças nos livros didáticos e
infantis do país. Cabe destacar que Monteiro Lobato questionava a forma como as
obras infantis eram elaboradas, principalmente quanto à rigidez gramatical e fixidez da
linguagem; propôs, então, que os livros fossem lidos pelos leitores como se alguém
estivesse contando uma história, mais próximos da linguagem viva ou oral.

Ainda subentendida no pensamento lobatiano referente à literatura
infantil, fica a proposta do autor de romper com a tradição de textos
didáticos ou de formação moral e cívica para crianças, como eram os
textos anteriores aos seus. Seu projeto era outro: queria justamente
educar seus leitores para exercerem o direito a liberdade e
questionarem o que lhes era dado (LOPES, 1999, p.48)

Cabe salientar que, na época, a maioria dos escritores iniciantes dependia
dos poucos editores ligados às casas estrangeiras para publicar suas obras; no
entanto, Monteiro Lobato tornou-se empresário de sua produção intelectual. Dessa
maneira, o empresário e editor Monteiro Lobato instalava-se como tal na segunda
década do século XX. Nesse período, os investimentos, como os do empresário,
dependiam das mudanças conjunturais provocadas pela primeira guerra mundial.
Assim, estimulado pela experiência bem-sucedida de duas primeiras publicações
autofinanciadas (O Saci-Pererê e Urupês), Monteiro Lobato começou comprando,
por dez contos, a propriedade da Revista Brasil, um órgão de prestígio entre os
literatos e que serviria de veículo de divulgação para uma editora de livros, de
acordo com Koshiyama (2006).
Algumas das personagens (principalmente as infantis) renderam muitas histórias
e, inclusive, ganharam espaço na tevê, entre as mais conhecidas estão dona Benta e
seus netos Narizinho e Pedrinho, lembrando que Monteiro Lobato identificava-se com
o menino quando criança. Na obra destacaram-se outras personagens, entre elas
Visconde de Sabugosa, personagem que era uma sábia espiga de milho e que se
destacava por ser um adulto consciente em diversos aspectos; Emília, uma boneca de
pano com sentimentos e ideias independentes e revolucionárias; tia Nastácia, uma exescrava que era muito querida por todos; Saci Pererê, que representava o folclore
39

brasileiro e Cuca, vilã que aterrorizava as pessoas que viviam no sítio; e outras
personagens que participavam das aventuras na zona rural O Sítio do Pica-Pau
Amarelo até hoje encanta crianças e adultos.
Monteiro Lobato foi um dos poucos escritores da época que obtiveram sucesso
em vida, pois a maioria deles teve suas obras conhecidas só após a morte. O autor
demonstra surpresa com a popularidade da personagem Emília em uma carta enviada
a um amigo. Ele destaca também o quanto era consciente da importância de inovar na
área da educação.
A minha Emília está realmente um sucesso entre as crianças e os
professores. Basta dizer que tirei uma edição inicial de 20.0000 e o
Octales está com medo que não aguente o resto do ano. Só aí no
Rio, 4.000 vendidas num mês. Mas a crítica de fato não percebeu a
significação da obra. Vale como significação de que há caminhos
novos para o ensino das matérias abstratas. Numa escola que
visitei, a criançada me rodeou com grandes festas e me pediram:
“Faça a Emília do país da aritmética”. Esse pedido espontâneo, esse
grito d´alma da criança não está indicando um caminho? (LOBATO
apud LAJOLO, 2008, p. 95)

Assim como o sucesso, o fracasso também fez parte da vida do escritor. Na
década de 1930 foi à falência e passou a escrever livros para sobreviver. Devido a
essa necessidade, Lobato planejou com Octales, da Companhia Editora Nacional, o
livro D. Quixote das crianças. A obra, lançada em 1936, foi resultado de um projeto de
leitura, de tradução e de adaptação. De acordo com Lajolo (2008), o educador
contemporâneo pode encontrar, nesse Quixote, possíveis respostas para questões
referentes ao cotidiano escolar, uma delas é: “qual livro indicar?” Inclusive, isso o
levou a refletir sobre a importância dos clássicos e a adequação a cada faixa etária.
Monteiro Lobato escreveu obras infantis, como A Menina do Nariz Arrebitado,
Reinações de Narizinho, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática,
Memórias da Emília, O Poço do Visconde, O Pica-Pau Amarelo, O Saci, Fábulas do
Marquês de Rabicó, Aventuras do Príncipe, Noivado de Narizinho, O Pó de
Pirlimpimpim, e A Chave do Tamanho, entre outras..
Podemos observar que muitas obras lobatianas relacionam de uma maneira lúdica
a turma do sítio do Pica-pau Amarelo e as personagens de outros livros,
principalmente dos contos de fadas. Alguns estudiosos de Lobato dizem que o escritor
relaciona leitura com alimentação.
40

Se o Visconde pode “sugar” o conhecimento dos livros, se Emília
pode fazer livros comestíveis e as crianças podem “beber” as
histórias de Dona Benta ou Tia Nastácia, o próprio texto de Lobato,
como leitor e escritor está “bebendo” e apropriando-se das histórias
dos contos de fadas quando retoma as outras histórias, trazendo as
personagens maravilhosas do imaginário europeu para o universo do
Sítio (LOPES, 1999, p. 61)

Além dos contos de fadas deve-se destacar a relevância das personagens da
mitologia e do folclore brasileiro. O escritor brasileiro escreveu não só livros infantis
como outras obras literárias, entre as quais se destacam O Choque das Raças,
Urupês, A Barca de Gleyre e o Escândalo do Petróleo (último livro, que demonstra seu
nacionalismo). Nessa obra, Monteiro Lobato posiciona-se de maneira favorável à
exploração do petróleo apenas por empresas brasileiras, uma questão muito delicada
na época por envolver interesses políticos.
A produção e ação de Lobato demonstram as tensões contraditórias que se
debatiam em seu espírito. De um lado, o impulso individualista de raiz românticoliberal e de outro a consciência crítica, que alertava para os equívocos, hipocrisias e
injustiças da época. Coelho (2006) faz um breve comentário sobre as acusações de
“preconceituoso”, porém destaca a sua obra.
De qualquer forma, algo é indiscutível: a obra lobatiana (infantil ou
adulta) não pode ser desvinculada do momento em que foi
construída, sob pena de ser truncada em sua verdadeira significação.
Nela estão presentes as ambigüidades e paradoxos que marcaram a
realidade brasileira na primeira metade do século XX. (COELHO,
2006, p.638)

2.3 O que a Literatura Revela sobre as Obras Infantojuvenis na Escola
A literatura infantil e a escola mantiveram sempre uma relação de
dependência mútua, pois a escola utiliza a literatura para difundir conceitos e
sentimentos, atitudes e comportamentos que lhe compete passar para os alunos. Os
livros são utilizados com frequência, seja como material de leitura obrigatória ou
como complemento de outras tarefas pedagógicas.
A escola utilizava a literatura para demonstrar alguns exemplos de
comportamentos que deveriam ser seguidos por todo cidadão. Um exemplo disso,
eram as poesias de Olavo Bilac que serviam de estímulos de civismo, amor aos
41

estudos e respeito aos mais velhos. O príncipe dos poetas e seus colegas de
profissão contavam com os professores para garantir o mercado para obras infantis
(LAJOLO, 2008, p.66).
Atualmente a visão que se tem da literatura é muito diferente da que se tinha
no século passado. Hoje ela é considerada como arte, por ser um fenômeno de
criatividade que representa ou não a vida, o homem e o mundo por meio das
palavras e expressa alguma experiência humana e muito mais. Coelho (2000, p. 27)
afirma que: “Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é
conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se
fundamentou (e se fundamentam..).” Estudos na área de comunicação têm
contribuído para essa visão sobre literatura, segundo Colomer (2003).
A noção de “comunicação” permitiu-lhe pôr em ordem os numerosos
temas implicados no fenômeno da literatura infantil e assinalar que a
finalidade de seu estudo é, “em definitivo, o diálogo que, de uma
época para outra, de uma sociedade para a outra, de uma sociedade
para outra, se estabelece as crianças e os adultos por meio da
literatura” (p. 189).

Os estudos literários devem ser privilegiados na escola de maneira
abrangente, pois estimulam o exercício mental, a percepção da realidade, a
consciência de si em relação aos outros, a leitura do mundo e incentivam o estudo e
o conhecimento da língua, entre outros. Ao proporcionar aulas motivadoras e
espaços para o diálogo, o interesse dos alunos pela leitura pode aumentar com o
passar do tempo.
período de 7 a 12 ou 14 anos é aquele em que a objetividade
substitui o sincretismo. As coisas e a pessoa vão pouco a pouco
deixando de ser os fragmentos de absoluto que se impunham
sucessivamente à intuição. A rede das categorias faz irradiar sobre
elas as mais diversas classificações e relações. Mas seu animador é
a atividade da criança. A própria atividade entra em sua fase
categorial: atribui-se tarefas entre as quais se torna capaz de se
dividir, a fim de tirar de cada uma seus possíveis efeitos. O interesse
pela tarefa é indispensável e deixa bem para trás o mero
adestramento. (WALLON, 2007, p.197)

Contudo, observamos que há falta de clareza sobre o ensino ou incentivo à
literatura. Em muitas escolas, verifica-se um trabalho embasado em atividades de
interpretação de texto, fichas de leitura, resumos e, na maioria das vezes, os livros
42

são “cobrados” em provas, sem uma discussão ou comentários significativos sobre
essas obras.
Acreditamos que o leitor criativo não é somente um decifrador de códigos, um
decodificador da palavra e, sim, alguém que busca compreender o texto, dialogando
com ele, ou seja, ele tenta recriar sentidos implícitos, faz referências e estabelece
relações com outras obras, períodos anteriores e até com a sua própria história de
vida, assim tudo isso pode resultar em conhecimento. Quando se faz uma leitura há
um diálogo constante entre o leitor e o texto ou obra, segundo Mikhail Bakhtin5.

Na perspectiva backhtiana, o outro, na figura do destinatário, se
instala no próprio movimento de produção do texto na medida em
que o autor orienta a sua fala tendo em vista o público-alvo
selecionado. Tem-se, ainda, o outro na figura do interdiscurso, do
diálogo que todo texto trava com outros textos. Cabe ao leitor
mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido, resgatar
essa intediscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos
que atravessaram o texto. (BRANDÃO, 2011, p. 17)

Coelho (2000, p. 17) defende que o espaço escolar deve ser “libertário (sem
ser anárquico) e orientador (sem ser dogmático), para permitir ao ser em formação
chegar ao autoconhecimento e a ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a
sociedade a que ele pertence”.
Por meio da literatura é possível se envolver ao ponto de estabelecer uma
vivência íntima e profunda que faz com que o leitor tenha o desejo de prolongar ou
renovar as experiências que veicula.

Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre
as fantasias, desencadeia nossas emoções, ativa o nosso intelecto,
trazendo e produzindo conhecimento. Ela é criação, uma espécie de
irrealidade que adensa a realidade, tornando-nos observadores de
nós mesmos. ler um texto literário significa entrar em novas relações,
sofrer um processo de transformação. (BRANDÃO, 2011, p.23)

5

Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um pensador russo que se dedicou ao estudo e análise da linguagem
com base em discursos cotidianos, literários, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais.
43

2.4 Representações do Professor Comprometido segundo os Estudiosos
Atualmente se discute muito sobre o comprometimento/descomprometimento
com a educação. Muitos estudiosos propõem a reflexão sobre a prática pedagógica
como uma importante ferramenta, mas na forma entendida por Pelisson, ou seja:

Para se desenvolver profissionalmente, necessário se faz que tome
conhecimento das concepções teóricas atuais, no campo da
educação, acompanhe as mudanças que ocorrem nesse meio e, a
partir delas, ressignifique suas práticas, num processo contínuo de
reflexão, preferencialmente coletivo. (PELISSON, 2006, p. 292)

O profissional da educação deve dominar quais são os conhecimentos
necessários para cada faixa etária, como ocorre o desenvolvimento da criança e
como são processadas essas informações. O professor deve estar preparado para
auxiliar o estudante na busca pelo conhecimento:
Wallon insiste que se pode confiar na atividade da criança, em sua
criatividade e em sua espontaneidade para investigar, mas que ela
precisa de um mestre, exatamente para ajudá-la a utilizar seus
próprios recursos. O professor, por conhecer o processo de
desenvolvimento e aprendizagem, está capacitado para reconhecer e
atender às necessidades e possibilidades dos alunos. (ALMEIDA,
2004, p.127)

A literatura também pode contribuir para a constituição do professor, pois ao
ouvir os alunos, o docente pode refletir sobre a sua prática e tentar melhorar a sua
atuação em sala de aula.
Outro ponto que se deve destacar é que ao ouvir a opinião dos alunos sobre
uma determinada obra, o professor deve criar condições afetivas para que o aluno
tenha interesse e assim aumente a possibilidade dessas informações se
transformarem em conhecimento, já que o plano afetivo é um lastro para o
desenvolvimento cognitivo, e vice-versa, segundo Wallon.
Cereja (2005) chama a atenção para o papel do professor em classe e os
fatores que dificultam o ensino de literatura de uma maneira significativa; o autor
44

estudou o ensino da literatura no ensino médio, porém as ideias podem ser
consideradas válidas para o ensino fundamental.

O que pudemos observar até aqui é que as práticas de ensino de
literatura no ensino médio encontram-se cristalizadas há mais de um
século. As razões disso, como vimos, são várias e de ordem
histórica, ideológica, política, legal, contextual, etc. Uma mudança de
perspectiva e de ação pedagógica é, porém, possível e depende de
um fator simples: a consciência do professor do ensino médio sobre
para que serve o ensino de literatura. (CEREJA, 2005, p. 198)

Há necessidade de repensarmos o ensino em geral, e para isso há a
necessidade de voltar-se para a formação continuada dos docentes. Muitos
pesquisadores têm apontado alguns caminhos, entre eles a narrativa autobiográfica,
como contribuição para se conhecer melhor, rever algumas questões, refletir sobre
elas, identificar novos caminhos e saídas.

Ao falar da formação da pessoa do professor, vejo um espaço onde o
mesmo pode atuar e decidir sobre algumas estratégias de ação, pois
acredito que num determinado momentos da história individual seja
possível tomá-la nas mãos e modificá-la, resistindo com firmeza e
rigor aos percalços, desde aqueles que nos aparecem pelas
contingências da situação, até aqueles devidos à nossa resistência à
mudança e à aceitação do novo. (JESUS, 2003, p.110)

Um professor comprometido é, então, segundo esses estudiosos, um
professor que confia na capacidade e espontaneidade de seus alunos para imaginar,
criar, investigar; que observa atento seus alunos e respectivos meios para conhecer
seus desejos e expectativas, e que aproveita os espaços para uma atuação de
qualidade.
45

3
Teoria psicogenética de Henri
Wallon (1879/1962)
As pessoas do meio nada mais são, em suma, que
ocasiões ou motivos para o sujeito exprimir-se e realizar-se.
Mas, se ele pode dar-lhes vida e consistência fora de si, é
porque realizou, em si, a distinção do seu “eu” e do que lhe é
complemento indispensável: esse estranho essencial que é o
“outro”.
(WALLON, 1986, p. 164)
46

A psicogenética walloniana oferece recursos para compreender o processo de
constituição da criança e do adulto. A psicologia genética define o psiquismo na sua
formação e na sua transformação (WALLON, 1975). De acordo com a teoria, essa
transformação ocorre por meio da integração das condições orgânicas do ser
humano com o meio no qual está inserido.
Os dados biográficos do psicólogo, médico, pesquisador e educador podem
ser localizados em várias obras, entre elas: Dantas (1983), Oliveira (2004) e Werebe
(1986), por esse motivo não discorrerei sobre esse aspecto, lembrando apenas que
o autor francês (1879-1962) viveu numa Europa de grande turbulência, tendo
participado das duas grandes guerras: na primeira atuou como médico de batalhão e
na segunda como membro da Resistência Francesa.
Para este estudo destacam-se, particularmente, os seguintes pontos:
a) Integração funcional;
b) O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa;
c) A questão do outro na constituição da pessoa.

3.1 Integração Funcional
Retomando, a Psicologia Genética estuda o psiquismo em sua formação e
transformação, transformações estas decorrentes da integração organismo-meio. A
integração que permeia a teoria walloniana ocorre de duas maneiras que são
articuladas e dialéticas: a integração organismo-meio e a integração entre os
conjuntos funcionais. A primeira refere-se à integração entre o indivíduo e o meio ao
qual se relaciona (real ou virtual). A outra tem relação com os domínios funcionais
(afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa); apesar da especificidade dessas
dimensões, podemos afirmar que elas se integram de tal forma que uma interfere
na(s) outra(s). Só podemos separá-las para fins didáticos, ou seja, para
compreendermos o processo, porém na prática isso não é possível. Conforme
explica Mahoney (2009) qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e
cognitivas, assim como toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e
cognitivas.
47

A teoria de desenvolvimento de Wallon especifica os seguintes estágios:
a) Impulsivo Emocional (0 a 1 ano);
b) Sensório Motor e projetivo (1 a 3 anos);
c) Personalismo (3 a 6 anos);
d) Categorial (6 a 11 anos);
e) Puberdade e adolescência (11 anos em diante).
Vale ressaltar que o mais importante não é o fator idade e sim as condições
do meio onde a criança está inserida. Neste estudo apenas o estágio categorial será
detalhado, por se tratar da faixa etária dos leitores de obras infantojuvenis.
No estágio categorial, a criança aprende a denominar os objetos que fazem
parte do seu dia a dia, já consegue percebê-los como algo separado de si mesma,
ou seja, consegue discernir e organizar as semelhanças e diferenças desses objetos
e das ações, o que conduz a representações fixas e constantes. A comparação dos
objetos entre si é fundamental para a análise e classificação de tudo que está ao seu
redor.
É com o desenvolvimento da função categorial que a apropriação da
causalidade ocorre, o que possibilita que a criança ligue o efeito à causa que o
produziu. A noção de espaço e tempo passam a se integrar a um sistema,
permitindo que ela relacione as suas implicações com o movimento.
É possível afirmar que a criança continua se desenvolvendo tanto no plano
motor como no afetivo, porém as características predominantes do seu
comportamento são identificadas pelo desenvolvimento intelectual e é nesse
domínio que podem ser percebidos grandes saltos. A criança aprende a se conhecer
como pessoa ao pertencer a diferentes grupos, pois exerce papéis e atividades
variados e isso possibilita que ela tome conhecimento mais completo e concreto de
si própria (AMARAL, 2009).
Nesse estágio,o sincretismo se dissolve; com a aquisição do pensamento
categorial a criança se reconhece como pessoa polivalente, que pode identificar as
diversas características dos objetos e situações e estabelecer relações e distinções
coerentes. Há o aumento de concentração e atenção na tarefa que está sendo
realizada, permitindo que as atividades espontâneas sejam progressivamente
48

substituídas por atividades intencionais. No entanto, o professor não pode descuidar
de outros aspectos:

A reconquista da dimensão melódica da linguagem, como a
emancipação do gesto ao controle da vontade constituem objetivos
de certas modalidades artísticas. Sua existência demonstra que o
desenvolvimento representa também perda ou atrofia de
possibilidades, que precisam ser recuperadas e resgatadas. Esta
noção, compatível apenas com concepções paradoxais, não lineares,
de desenvolvimento, está implícita no alerta feito por Wallon em
relação ao sincretismo: é preciso ser capaz de preservá-lo, tanto
quanto discipliná-lo, uma vez que dele depende a possibilidade de
combinações inteiramente novas e originais de ideias. (DANTAS,
1992, p. 44)

Segundo Wallon, não é possível dissociar na pessoa qualquer um dos
conjuntos funcionais (inteligência, afetividade ou ato motor), pois a criança é
considerada como um todo que continua a se desenvolver, ressaltando que uma
etapa constitui sempre um sistema mais amplo que a idade biológica.

Os estágios são caracterizados por um conjunto de necessidades e
interesses que buscam assegurar o desenvolvimento da pessoa.
Assim, é necessário ter em conta que a matéria do pensamento não
se forma unicamente pelo desenvolvimento do sistema nervoso, mas
pela pessoal em sua totalidade, em sua relação com o meio, no qual
a criança se integra de acordo com suas possibilidades. (AMARAL,
2009, p. 57)

3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão
Na psicogenética walloniana, a dimensão afetiva é constitutiva da pessoa. A
primeira fase do primeiro estágio (impulsivo/ afetivo) reduz-se às manifestações
fisiológicas da emoção, o que se caracteriza como o ponto de partida do psiquismo.
Conforme os estudos de Wallon, a cada estágio é possível perceber a
predominância de um dos conjuntos funcionais. Especificamente em relação ao
conjunto afetivo, podemos observar uma predominância nos estágios nos quais o
indivíduo está mais voltado para si mesmo, que é o caso dos estágios: impulsivo
emocional (0 a 1 ano), do personalismo (3 a 6 anos) e do estágio da puberdade ou
adolescência (a partir dos 11 anos).
49

Na fase adulta o indivíduo está mais seguro de si, sendo que já passou pelas
outras etapas do desenvolvimento. A tendência é que ele conheça suas
possibilidades, valores, motivações e sentimentos e assim passa a ter condições de
fazer as escolhas mais adequadas em situações diversas. Nesse momento de
maturidade tem condições de centrar-se em si e também no outro, o que resulta em
um equilíbrio entre o conhecimento de si mesmo e o conhecimento do mundo
(MAHONEY e ALMEIDA, 2007). Porém, isso não significa que o processo de
desenvolvimento tenha chegado ao fim, pois no contato com o meio no qual o
indivíduo está inserido as transformações continuam. Ao mesmo tempo em que é
influenciado, o homem também influencia os outros.
Cabe ressaltar um aspecto importante que a teoria walloniana nos aponta em
relação à afetividade, ela apresenta três momentos de evolução: emoção,
sentimentos e paixão.
A emoção é o substrato orgânico da afetividade; os espasmos iniciais do bebê
vão, de forma progressiva, adquirindo formas próprias de expressão, que variam
conforme as interações que se estabelecem entre o sujeito e as pessoas com quem
ele convive, que são os outros6. Pessôa (2010) explica que os espasmos iniciais
(choro e cólica) implicam-se diretamente com a motricidade da criança, com o seu
tônus (contração e descontração).
Portanto, podemos afirmar que a emoção7 é visivelmente percebida e é
corpórea, pelo fato de se manifestar no corpo. Por conta disso, por exemplo,
observamos que quando uma pessoa está nervosa suas mãos ficam trêmulas ou
apresenta sudorese ou chora. Zazzo (1978, p.98), a partir da teoria walloniana,
afirma que a emoção se manifesta antes da linguagem: “a emoção esboça o
pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária e dá também
início à distinção do eu e de outrem, preludia as afirmações da personalidade.”
A emoção é o substrato orgânico da afetividade, entretanto, na medida em
que ela se expressa socialmente está sujeita a interpretações pessoais
fundamentadas no social e na cultura, as quais modulam e constituem a dinâmica do
psiquismo humano. Pode-se dizer que a emoção é a exteriorização da afetividade
6

O outro sempre está inserido no meio e, na perspectiva walloniana, os dois estão imbricados e se
constituem de forma mútua.
7
Wallon define emoção como um sistema de atitudes.
50

por meio da expressão corporal, motora, visível, ativada pelo fisiológico. A emoção
aparece no bebê na forma de espasmos, que são contrações musculares e viscerais
e também se manifestam como expressões de bem-estar ou mal-estar, assim a
emoção estabelece os primeiros laços com o mundo humano e por meio dele, com o
mundo físico. Segundo Almeida (2010), a emoção é determinante na evolução
mental,

pois

a

criança

responde

a

estímulos

musculares

(sensibilidade

proprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva) e externos (sensibilidade
exteroceptiva). Aos poucos a criança vai afinando suas trocas com o mundo e é pela
resposta do outro que ela passa a produzir os traços dos estímulos, assim podemos
dizer que as atitudes que resultam da emoção têm influência da percepção e da
interpretação do outro. A voz “trêmula” durante uma exposição, por exemplo, pode
demonstrar ansiedade por se expressar em público ou insegurança por não ter se
preparado para o evento; um sorriso, durante um discurso, pode ser interpretado
como descontração e para outro pode revelar tensão e nervosismo.
O sentimento é a representação da emoção, pois Wallon refere-se às
representações para traduzir a emoção que podem ser elaboradas variavelmente
pelo indivíduo, pois este utiliza a linguagem, os gestos, a arte ou a literatura para
interagir. Essa representação é elaborada mentalmente e pode ou não se tornar
conhecida, o que não é o caso da emoção.
Os sentimentos permeiam as relações sociais que acontecem em diferentes
meios, como é o caso da atuação do professor que trabalha com literatura
infantojuvenil, pois ele é afetado pelos seus alunos e pela obras literárias.
Já a paixão pressupõe o autocontrole do indivíduo para atender a um objetivo;
é a capacidade de tornar secreta a emoção que se faz presente, mantendo em
segredo algo que o sentimento publicaria, assim a paixão torna a emoção silenciosa,
de acordo com a teoria walloniana. Pessôa (2010, p. 54 ) salienta que é preciso
compreender: “ainda que não haja exteriorização, ou seja, uma manifestação
objetiva da emoção, esta não deixa de existir e de ser constitutiva do indivíduo,
podendo, algum momento, vir à tona e tornar-se pública (muitas vezes até de modo
inadequado)”.
Sobre a exigência do autocontrole no convívio social, Wallon nos atenta para
o fato de que a paixão só se manifesta após os três anos de idade.
51

A paixão pode ser intensa e profunda na criança. Mas com ela
aparece a capacidade de tornar a emoção silenciosa. Portanto, para
se desenvolver, pressupõe o autocontrole da pessoa e não pode vir
antes da oposição claramente sentida entre si mesmo e o outro, cuja
consciência não se dá antes dos 3 anos. Então a criança se torna
capaz de alimentar secretamente frenéticos ciúmes, apegos
exclusivos, ambições talvez vagas, mas nem por isso menos
exigentes. (WALLON, 2007, p.126)

3.1.2 Ato motor
Na teoria walloniana, o ato motor vai além do deslocamento físico do corpo no
tempo e no espaço.
Para Wallon, o movimento também é entendido na sua expressão simbólica,
já que o homem é o único ser que possui tal capacidade; afirma ele que o ato mental
se desenvolve a partir do ato motor e com o passar do tempo passa a inibi-lo, porém
sem deixar de ser atividade corpórea.
É a motricidade expressiva da mímica, inteiramente ineficaz do ponto
de vista instrumental: não tem efeitos transformadores sobre o
ambiente físico. Mas o mesmo não acontece em relação ao ambiente
social: pela expressividade o indivíduo humano atua sobre o outro, e
é isto que lhe permite sobreviver, durante o seu prolongado período
de dependência. (DANTAS, 1992, p.38)

Wallon, em sua análise genética, evidencia que a motricidade humana
começa pela atuação sobre o meio social, antes de haver a possibilidade de
modificar o meio físico e esse contato nunca é direito, pois é sempre intermediado
pelo social, tanto na dimensão interpessoal quanto cultural.
De acordo com o psicólogo, o movimento começa na vida fetal e ao longo do
desenvolvimento, o ato motor se aperfeiçoa, o que significa que o bebê apresenta
um movimento global, mas ele passa a ser ajustado com o tempo e o meio influencia
ao proporcionar ou não situações desafiadoras:
A maturação em conjunto com a ação do meio humano, exercendo
um sobre o ouro uma influência recíproca, provocará progressos
decisivos na evolução da criança. Sob os efeitos dessa influência
recíproca, os movimentos impulsivos vão se transformando em
movimentos que traduzem meios de expressão e formas de
comunicação mais elaborados. (DUARTE; GULASSA, 2009, p.24)
52

3.1.3 Conhecimento
Assim como o movimento, o conhecimento também se apresenta de maneira
global e não muito clara nos primeiros anos de vida, mas ao longo do tempo vai se
aprimorando por meio da interação do indivíduo com o ambiente e com os outros.
No processo de aprendizagem, o conhecimento e a afetividade compõem
uma díade, a qual se alterna com mais clareza durante os estágios iniciais do
desenvolvimento do indivíduo, porém essa relação continua por toda a vida.
Pelo fato de a escola ser o locus da aprendizagem formal, cabe ao professor
buscar maneiras de proporcionar o acesso da criança à literatura de uma maneira
agradável e auxiliá-la na reflexão sobre as obras e a sociedade na qual está
inserida.

3.1.4 Pessoa
Embora com as suas especificidades estruturais e funcionais, o ato motor, o
conhecimento e a afetividade têm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, pois, ao
mesmo tempo que este garante a integração dos conjuntos funcionais, é também
resultado dela. Mahoney (2004, p. 19) explica que:
Cada indivíduo tem uma forma própria e única, que caracteriza sua
personalidade em movimento contínuo que vai desde a pessoa orgânica
(predomínio do motor- nos três primeiros meses) até a pessoa moral
(adolescência-predomínio do afetivo), passando pelo sensório-motor e
categorial.

A separação ocorre para que possamos compreender a particularidade dos
domínios, porém na realidade cada um é parte constitutiva dos outros, ou seja, estão
interligados embora haja predominância de um ou de outro, dependendo da
situação. De acordo com Prandini (2004), o imbricamento e o dinamismo dos
conjuntos conferem movimento ao psiquismo do indivíduo. Não ocorre uma simples
junção dos domínios, pois é a maneira pela qual se articulam que configura o
domínio funcional pessoa, que é o todo diante do qual cada um dos outros domínios
deve ser visto, pois para Wallon cada parte deve ser considerada diante do todo do
qual é parte constitutiva, sob pena de, ao contrário, perder seu significado essencial.
53

Pode-se dizer que pessoa é um conceito abstrato, genérico, que se refere ao que há
em comum entre os homens, opondo-se ao conceito de indivíduo, como homem
particular, concreto.
Pessôa (2010) usa a metáfora do caleidoscópio para explicar o conjunto
funcional pessoa. Segundo a autora, os espelhos que há em seu interior podem ser
entendidos como os domínios afetividade, ato motor e conhecimento, e as contas
coloridas representariam características e especificidades de cada um dos domínios.
Já a bela imagem que pode ser vista pelo orifício corresponde ao quarto conjunto
funcional: pessoa. No caleidoscópio há diversas possibilidades de combinações,
inclusão ou exclusão de peças que podem representar os elementos constitutivos
deste domínio funcional, o que representa a individualidade do psiquismo humano e
o quanto as relações com seus pares e com o meio também podem influenciar em
suas atitudes ou decisões, principalmente na adolescência e na fase adulta, pois o
seu objeto não é mais o concreto e o pessoal, mas o metafísico e o universal,
segundo a teoria walloniana.
A pessoa parece então ir além dela mesma. Para as diversas
relações sociais que acabara de aceitar e nas quais parecia ter
apagado, procura uma significação, uma justificativa. Confronta entre
si valores e compara-se com eles. Com esse novo progresso,
termina a preparação para a vida que a infância foi. (WALLON, 2007,
p. 190)

3.2 O Papel dos Meios e dos Grupos na Constituição da Pessoa
Ao estudar a teoria walloniana, percebemos o quanto o meio é importante
para o processo de desenvolvimento do ser humano. “O meio é o complemento
indispensável do ser vivo. Ele deverá corresponder às suas necessidades e às suas
aptidões sensoriomotoras e, depois, psicomotoras.” (WALLON, 1986, p.168).
Perante essa afirmação, destaca-se que o ser e o mundo em que vive se
complementam, pois há trocas entre eles, assim as suas transformações são
mútuas.
54

O meio é diferente do grupo, pois o meio contém o grupo, inclusive dentro do
meio pode haver diversos grupos, como, por exemplo, a família8 ou os grupos que
se formam na escola ou no ambiente de trabalho e é por conta dessa organização
de trabalho que ocorrem as relações interpessoais e assim os indivíduos se
humanizam.
Wallon (1973a, p.163) apresenta três tipos de meios:
a) meio físico-químico: refere-se às condições do ambiente que
são fundamentais para a sobrevivência dos seres vivos, com por
exemplo a água, oxigênio etc.;
b) meio biológico: corresponde ao espaço em que convivem várias
espécies (oceanos, florestas), o que proporciona um estado de
equilíbrio mais ou menos estável;
c) meio social: é um ambiente de convivência de indivíduos. O
meio social sobrepõe-se o meio físico.

O psicólogo francês explica que a existência biológica do indivíduo civilizado
já não é exatamente a mesma de um homem reduzido ao estado da natureza, assim
pode-se concluir que ela muda conforme o nível e as formas de civilização. Sabe-se
que a sociedade põe o sujeito em presença de novos meios, de novas necessidades
e possibilidades de evolução, assim a criança ou adolescente pode ter como mudar
a sua realidade, porém isso dependerá também do meio em que vive.
Sobre essa questão Wallon (1973a, p.165) afirma o seguinte:
A constituição biológica da criança ao nascer não será a lei única do
seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente
transformados pelas circunstâncias sociais de sua existência, donde
a escolha pessoal não está ausente.

Para esse teórico, meios e grupos são distintos, porém em alguns casos
podem coexistir como é o caso da família. Um grupo é um conjunto de pessoas, as
quais atuam em função de objetivos determinados e são esses objetivos que
definem a composição do grupo, a divisão de tarefas, os procedimentos que regulam
as relações dos membros entre si e sua hierarquia. O teórico ressalta que assim

8

Segundo Wallon alguns meios são grupos ao mesmo tempo, isso ocorre porque sua existência é
baseada na reunião de indivíduos que mantêm relações que determinam o papel ou o lugar de cada
um. Exemplo: a família (ALMEIDA, 2009).
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A constituição do professor de literatura infantojuvenil

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Daniela Barros Mendes A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri Wallon MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2012
  • 2. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Daniela Barros Mendes A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri Wallon MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da Profa. Doutora Laurinda Ramalho de Almeida. SÃO PAULO 2012
  • 4. Dedico este trabalho ao meu esposo, Emerson, pelo companheirismo, amor, compreensão, cuidado e apoio em todos os momentos. A Ana Laura, que é a nossa alegria e que chegou junto com essa grande conquista.
  • 5. AGRADECIMENTOS Ao meu esposo pelo apoio e pelo incentivo. À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, que me acolheu desde o nosso primeiro encontro, me incentivou, respeitou meus desejos e muito me ensinou. Aos Professores Doutores Mitsuko A. M. Antunes e José Roberto Montes Heloani por participarem da banca examinadora, pelas sugestões e pelas ricas lições de sabedoria no exame de qualificação. À Professora que participou desta pesquisa, à direção e coordenação pedagógica da escola pela oportunidade de realizar este trabalho. Aos meus avós maternos, João (in memoriam) e Eunice, meus “pais” e meus amores, pessoas inesquecíveis e fundamentais em minha vida, pois mesmo sem terem estudado tinham grande sabedoria. À minha mãe, pelo seu carinho na infância e por ter me incentivado a gostar ainda mais de histórias. Aos meus cunhados, Elisangela e Rafael, e à minha sogra, Evanir, que demonstraram o quanto é importante ter o apoio da família para realização de nossas metas. À minha tia Bene por ter me incentivado a ler e estudar. Aos meus tios, Luís Antônio e Marina, que tiveram um papel muito importante na minha formação como pessoa. Por serem professores me incentivaram a ser uma profissional comprometida com o trabalho. Aos colegas de mestrado por compartilharem ideias, incertezas e conquistas. Aos Professores do curso, em especial a Vera Maria de Souza Placco que foi o meu primeiro contato na PUC, me recebeu muito bem, me respeitou e contribuiu muito com o meu aprendizado. À Professora Doutora Juliana Silva Loyola do Programa de Pós-Graduação Literatura e Crítica Literária (PUC-SP) pela atenção e por ter me indicado alguns livros no início desta pesquisa. À Maria Luiza, uma pessoa maravilhosa, com quem pude compartilhar momentos de alegrias, angústias e dúvidas. À Thais que contribuiu para que esta pesquisa fosse realizada e demonstrou ser uma pessoa muito solidária e amiga.
  • 6. Aos colegas do projeto de pesquisa, em especial a Andrea J. P. Mollica que me apontou alguns caminhos, a Lilian Corrêia Pessôa que além de ter me incentivado, me ajudou na finalização deste trabalho e a Fátima Bissoto M. Cintra que fez a revisão deste trabalho com muita disposição e competência apesar do tempo reduzido. Ao Edson Aguiar por sua atenção e competência. Ao amigo e professor Doutor Clínio Jorge de Souza por ter contribuído com algumas sugestões. Aos meus colegas de trabalho que sempre foram muito solícitos e companheiros, em especial a Vivian Pistelli por ter contribuído com o abstract. À equipe gestora do colégio pela colaboração e compreensão. Ao coordenador pedagógico, João Carlos, pela compreensão quanto à minha ausência nas reuniões pedagógicas por conta das aulas do mestrado. Uma pessoa muito especial por ser um modelo em minha vida, que além de gestor foi meu professor no Ensino Fundamental II, me incentivou a gostar ainda mais de literatura e demonstrou que é possível inovar na área educacional mesmo com poucos recursos. A todos os ex-professores que me marcaram positivamente e me encorajaram a chegar até aqui. Aos alunos e ex-alunos (Ensino Fundamental e Superior) que me constituíram como professora e como pessoa. À equipe da escola que possibilitou a minha pesquisa, em especial à professora do 5º ano que compartilhou a sua história de vida. À minha amiga Bianca, que sempre esteve ao meu lado, me incentivando a seguir novos caminhos. À Deus pela graça inspiradora e por ter me abençoado durante toda a minha vida. À Capes pelo parcial apoio financeiro.
  • 7. MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon. RESUMO O objetivo desta pesquisa foi compreender, priorizando a dimensão afetiva, como o professor que trabalha com literatura infantojuvenil se constitui, considerando que para Wallon - referente teórico para este estudo -) a dimensão afetiva, integrada às dimensões cognitiva e motora, é constitutiva da pessoa. A pesquisa teve uma abordagem qualitativa e, para a produção de informações, foi realizada uma entrevista com perguntas direcionadas, e que se caracterizou como narrativa autobiográfica, já que a professora do quinto ano do Ensino Fundamental I conta a sua história de vida, desde a sua infância até os dias atuais. As informações produzidas foram organizadas em um quadro para facilitar a análise e discussão. Após essa etapa foram levantados seis eixos: convivência com o meio escolar; professores marcantes; o brincar; contato com os livros; solidariedade; e o papel do outro na atuação docente. Este estudo apontou que a afetividade interfere nas relações em sala de aula e que o outro (alunos, ex-professores ou o autor da obra literária) contribui para a constituição do professor de literatura. Palavras-chave: dimensão professores, Henri Wallon. afetiva, literatura infantojuvenil, formação de
  • 8. MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon. ABSTRACT The objective of this research was to comprehend, by prioritizing the affective dimension, how the teacher that works with children's literature constitutes himself, considering that to Wallon (theoretical reference for the present study) the affective dimension integrated with the cognitive and motor dimension constitutes the person. The research had a qualitative approach and in order to gather information an interview with directed questions was held, such interview was characterized as an autobiographical narrative since the fifth grade teacher tells the story of her life from her childhood to present day. The pieces of information were organized in a chart to facilitate the analysis and discussion. Right after this stage six main points were raised: living in the school environment; remarkable teachers; playing around; contact with books; solidarity and the role of other people influencing the teacher's work. The present study showed that affection influences in classroom relationships and that the other person (students, former teachers or the author of the literary work) contributes to the formation of the literature teacher. Key words: Affective dimension. Children's literature. Teacher formation. Henri Wallon
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO............................................... 20 1.1 Objetivo do Estudo ............................................................................................. 24 1.2 O percurso metodológico ................................................................................... 27 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................... 30 2.1 A literatura infantojuvenil no Brasil: breve histórico.............................................31 2.2 Monteiro Lobato: incentivador da literatura infantojuvenil no Brasil ...................36 2.3 O que a literatura revela sobre as obras infanto-juvenis na escola ................... 40 2.4 Representações do professor comprometido: o que dizem os estudiosos da área de educação ............................................................................................................. 43 CAPÍTULO 3 TEORIA PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON .......................... 45 3.1 Integração funcional ........................................................................................... 46 3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão .................................................... 48 3.1.2 Ato motor ......................................................................................................... 51 3.1.3 Conhecimento ................................................................................................. 52 3.1.4 Pessoa ............................................................................................................. 52 3.2 O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa ............................. 53 3.3 A questão do outro na constituição da pessoa .................................................. 55 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO .................................................................................... 57 4.1 Convivência com o meio escolar....................................................................... 58 4.2 Professores marcantes ....................................................................................... 59 4.3 O brincar ............................................................................................................. 62 4. 4 Contato com os livros .........................................................................................63 4.5 Solidariedade ...................................................................................................... 67 4.6 O papel do outro na atuação docente ............................................................... 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 75
  • 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 79 APÊNDICES ............................................................................................................. 85
  • 11. A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar. Henri Wallon
  • 12. 12 Introdução Que coisa é o livro? Que contém na sua frágil arquitetura aparente? São palavras, apenas, ou é a nua exposição de uma alma confidente? De que lenho brotou? Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a nós, sente o que sinto e vai clareando o mundo em toda parte? (DRUMMOND DE ANDRADE, C., 1973, p. 586)
  • 13. 13 O objetivo deste estudo é compreender a constituição e atuação do professor que trabalha com literatura infantojuvenil. Para esclarecer a escolha do problema de pesquisa, será relatado um pouco de minha própria história de vida, pois o trajeto percorrido está intrinsecamente ligado à minha formação acadêmica e atuação profissional. Foi na infância que começou o meu interesse pela literatura. Recordo-me do quanto eu gostava de ouvir as histórias contadas pela minha mãe. Ao final, eu pedia mais... Ao relembrar, percebo claramente o quanto de carinho havia naquele gesto, sua voz transmitia segurança, companheirismo e atenção. Mesmo depois de um dia atribulado, ela sempre arrumava tempo para esse momento. Outra lembrança que me vem à memória é do contato com os livros paradidáticos, aos dez anos de idade, quando cursava a 4ª série. Eu estudava em uma escola pública, no interior de São Paulo, e a professora nos levou até a biblioteca; recordo-me que fiquei parada, sem reação, por alguns minutos, até que ela nos mostrou onde ficavam os livros que poderíamos pegar e nos informou que quem quisesse poderia tomá-los emprestado. O fato de saber que eu poderia levar a obra para a casa e ficar mais tempo com ela, animou-me muito, porque até essa época só tinha tido contato com contos de fadas e livros curtos. A partir daquele momento, comecei a ler obras infantojuvenis, e, logo em seguida, fiquei sócia da biblioteca pública do município passando a ler cada vez mais. Ao recordar esse episódio, veio à minha memória um outro, que me fez refletir sobre algo que não havia pensado anteriormente. Essa professora que nos levou até a biblioteca foi a mesma que me desmotivou a ler livros de Monteiro Lobato. Desde os cinco anos eu assistia na televisão a série do Sítio do Pica-pau Amarelo. Saía da escola de educação infantil correndo à frente do meu avô, tudo porque não queria perder nem um pedaço da história... Quando vi que na lista de material da quarta série constavam quatro títulos do autor, fiquei muito animada. A professora nos informou que avisaria quando deveríamos começar a leitura, porém esse dia nunca chegou. Iniciei a leitura de Reinações de Narizinho no dia em que ela disse que quem quisesse poderia começar. Não sei o que aconteceu exatamente, no entanto, não consegui ler mais do que vinte páginas; os outros exemplares nem cheguei a ler. O interessante é que só li Reinações de Narizinho depois que me tornei professora e, pensando sobre isso, acredito que não fui motivada, pois eu lia
  • 14. 14 rapidamente outras obras. Hoje reflito o quanto é importante o compromisso do professor quando solicita, por exemplo, a compra de um livro. Deve dar condições para que os alunos leiam com interesse e de forma significativa a fim de contribuir para que reflitam sobre a obra e conheçam melhor o autor. É o que procuro fazer hoje como professora. Ainda falando sobre a influência dos livros na infância, lembro-me que uma das minhas tias era professora e me dava alguns exemplares de presente. Ela e alguns poucos, mas significativos, professores contribuíram para que eu me tornasse uma apaixonada pela literatura. Uma das cenas de que me recordo com carinho foi quando um professor de inglês nos propôs o desafio de encenar a peça Romeu e Julieta, na oitava série; adorei a experiência. Apresentamos somente para a nossa turma, mas aquele momento foi muito especial para mim; o compromisso em decorar as falas e o cuidado em escolher o figurino foram experiências inesquecíveis, afinal, foi a minha primeira apresentação na escola. O interessante é que, hoje, faço parte da equipe desse ex-professor de inglês, atualmente coordenador pedagógico do colégio em que trabalho, e percebo claramente que até hoje ele é um modelo para mim, pois eu o admirava como professor e hoje o admiro como coordenador. Devo reconhecer que ainda me aperfeiçoo e melhoro a cada dia, como professora, no entanto, algo que contribuiu para que esse avanço fosse intenso é o fato de saber que posso contar com ele, pois percebo claramente que sou respeitada como pessoa e como profissional, algo que nunca tinha sentido antes. Afinal já havia trabalhado em outras três escolas e três emissoras de tevê e não tenho boas recordações da maioria dos gestores. Na minha infância, recordo-me que havia duas profissões que me fascinavam: professor e repórter. Quando concluí o ensino fundamental, resolvi fazer magistério, pois me identificava muito com a docência. Nessa época, eu era catequista em uma comunidade perto da minha casa, função que comecei a exercer aos treze anos, voluntariamente, e que me motivou a tornar-me professora. No primeiro ano de magistério, tive uma experiência ruim: trabalhei um mês como estagiária em uma escola pequena de educação infantil, só que não tive apoio da direção e resolvi sair. Fiquei muito frustrada, pois percebia que naquele lugar não havia respeito com os profissionais. Um dos alunos me chutava e a diretora não se importava com isso e eu não conseguia administrar aquela situação, talvez por imaturidade ou por falta de
  • 15. 15 experiência. Recordo-me o quanto fiquei magoada, pois não aceitava a minha falta de habilidade e ficava pensando sobre o episódio. Comparando a experiência nessa escola com os encontros com os catequizandos, percebia o quanto eu era dedicada, habilidosa e o quanto me respeitavam. Como precisava trabalhar para me manter, já que meu pai sempre reclamava por ter que pagar as minhas despesas básicas, acabei me tornando estagiária em outras funções. O interessante é que mesmo sem conhecer a teoria de Wallon1, que escolhi para referencial teórico desta pesquisa, eu já levava em consideração muito do que este autor defende, ou seja, tal teoria veio ao encontro de tudo aquilo que acredito como profissional e como pessoa. Sempre respeitei o aluno e o considerei como um ser integral, pois acredito que a afetividade influencia no aprendizado, seja de forma positiva ou negativa. Ao recordar-me da época que fazia estágio, vem à minha mente a atitude de uma professora que me incomodava muito, pois ela gritava com os alunos e, certa vez, ela repetiu várias vezes para um deles “você é um burro”. Tal cena demonstra o quanto essa professora desconsiderava a dimensão afetiva e quanto desrespeitava aquele estudante. Isso deixou marcas em mim. Quando cursava o último ano do magistério, em 1996, voltei para a área da educação, algo que não imaginava que fosse acontecer. Consegui o tão sonhado emprego, fui trabalhar em um colégio grande como auxiliar de classe. Na época, trabalhava com alunos do antigo pré II e considero que foi uma experiência maravilhosa, até hoje me lembro daquelas “carinhas” lindas. Nesse período, “encontrei-me” como pessoa e como profissional, estava motivada, muito feliz e sonhava em conquistar um emprego como docente naquela instituição. No fim daquele ano, eu e outras colegas (auxiliares) recebemos a proposta da coordenadora para preparar uma aula e recebemos a informação de que assim que houvesse uma vaga, ela iria analisar o currículo e verificar a possibilidade de contratar uma de nós. Fiquei muito ansiosa, porém nunca tive um retorno, nem sei se uma daquelas auxiliares foi realmente contratada. Levei currículos a diversas escolas, mas não obtive resposta positiva. Em determinado momento, percebi que não havia boas expectativas para seguir em educação, e estava com muito medo de não conseguir trabalho na área, já que as respostas que recebia eram negativas ou, quando positivas, tratavam-se de subempregos nos quais receberia mensalmente 1 A teoria do autor será analisada no capítulo 3 quando abordaremos o referencial teórico.
  • 16. 16 um valor menor do que um salário mínimo. Isso era inviável para quem precisava de dinheiro para pagar o curso superior, uma vez que meus pais não iriam me ajudar; minha mãe incentivava-me a fazer uma graduação, mas não podia me auxiliar financeiramente e o meu pai nem se preocupava em contribuir para que eu tivesse uma vida melhor futuramente. Mais uma vez fui surpreendida pelo destino, pois não tive escolha e acabei trabalhando temporariamente como telefonista e recepcionista de um laboratório. Então juntei certa quantia de dinheiro e prestei vestibular para Comunicação Social com habilitação em jornalismo, retomando um dos meus sonhos de infância: trabalhar como repórter e, para a minha alegria, no primeiro ano da graduação, consegui emprego em um banco, o que me proporcionou maior tranquilidade financeira. Mesmo fazendo Comunicação, eu sentia vontade de dar aula, queria fazer Letras e exercer as duas profissões. Quando me formei, fui trabalhar como repórter em uma tevê no sul de Minas Gerais. Acabei prestando vestibular para pedagogia em uma universidade pública, porém como não havia me preparado, não passei. Depois de um ano voltei para a minha cidade natal e resolvi fazer especialização. Nesse período, tinha a intenção de dar aula no ensino superior, e não descartara a possibilidade de fazer Letras, no entanto a maioria das pessoas com quem eu tinha contato me desencorajava, dizia que eu deveria fazer mestrado, só que naquela época era impossível fazer um curso stricto sensu, já que eu trabalhava em uma emissora de televisão como repórter. Por ser uma empresa pequena (afiliada) havia apenas uma equipe e, depois de um tempo, duas para fazer reportagens no município e na região, então concluí que jamais me liberariam alguns dias para estudar. Apesar do conflito interno, “faço ou não outro curso superior”, resolvi fazer licenciatura em Letras (Português-Inglês) e hoje considero que foi a melhor coisa que fiz, pois no fim de 2009, deixei o jornalismo e retornei à docência. Em 2008 comecei a dar aula para alunos do ensino médio, em um colégio particular e, em 2009, numa faculdade, funções que eu conciliava com a tevê, porém chegou um momento em que mudei de empresa e para exercer a função de repórter teria que mudar de cidade. Resolvi, então, permanecer somente com o magistério, assim continuaria trabalhando na faculdade e no colégio, e poderia cursar o mestrado, algo que aspirava há algum tempo. Em 2010, comecei a trabalhar no colégio em que estou atualmente, que fica no interior de São Paulo. Nessa escola, dou aula de Língua Portuguesa para o 5º
  • 17. 17 ano (Fundamental 1) e 6º e 7º anos (Fundamental 2) e foi por meio dessa vivência que percebi o quanto a minha atuação, em diferentes momentos, assemelhava-se com a atuação de alguns daqueles com os quais convivi durante a vida, professores e minhas três tios professores. Observei também que as decisões que tomava revelavam a influência dessas pessoas sobre mim em diversos aspectos; um dos exemplos é o retorno à docência, após quatorze anos. Hoje, sinto-me realizada profissionalmente, pois tenho muito prazer em trabalhar com as crianças, principalmente quando o assunto é literatura. Percebo, claramente, que esses alunos contribuem para a minha constituição e, como consequência, fazem com que repense e melhore a minha prática. Um dos momentos mais significativos que reforçam a tese de que eu estava no caminho certo deste estudo, foi quando uma menina do 5º ano fez um comentário sobre a obra O Minotauro, de Monteiro Lobato. Fizemos um círculo para conversarmos sobre o livro (como é de costume após a leitura de uma obra) e ela disse que a parte da qual mais havia gostado fora o capítulo Labirinto de Creta e comentou que chorou quando leu a parte em que Emília, Visconde e Pedrinho encontraram tia Nastácia que estava desaparecida. Foi nesse momento que a mãe da menina entrou no quarto e ficou surpresa em ver a filha chorando, então elas conversaram sobre o que havia ocorrido. Por esse relato, podemos dizer o quanto a literatura afeta o leitor, ou seja, o autor também é um outro significativo para quem lê as suas obras. Concluise que não é possível dissociar qualquer um dos conjuntos funcionais2, pois nesse caso os alunos estavam lendo um livro em que Monteiro Lobato transporta as personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo para a Grécia Antiga, o que possibilita ao estudante o conhecimento da mitologia, ao mesmo tempo em que o afetivo está presente. Nessa mesma aula, enquanto eu conversava com os alunos do 5º ano, um menino do 6º ano aproximou-se, ficou ouvindo por alguns minutos, colocou a mão no meu ombro, deu um beijo no meu rosto e saiu. Relato esses fatos, porque ao receber essa demonstração de carinho mais uma vez pensei no relacionamento entre professor e aluno, pois acredito que é possível manter uma relação prazerosa e produtiva, levando em consideração o afetivo, o motor e o cognitivo. 2 Conjuntos funcionais são: afetivo, motor, cognitivo (ou conhecimento) e pessoa. Posteriormente serão mencionados com mais detalhes.
  • 18. 18 O trabalho ora apresentado parte do pressuposto de que os outros (alunos, ex-professores, tios, pais...) contribuem para a atuação e constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil no ensino básico. As questões afetivas são priorizadas nesta pesquisa, pois acredito que o afetivo é indispensável para dar direções e energizar o cognitivo e o motor e que a literatura, principalmente a infantojuvenil, tem na afetividade sua principal dimensão, inclusive de forma vicariante (re-presentar, interiorizar os afetos presentes na narrativa). Ao priorizar o professor, optei pela teoria de desenvolvimento de Henri Wallon por considerá-la mais adequada para dar suporte teórico na compreensão do problema aqui levantado. A teoria walloniana tem como ponto principal a integração dos conjuntos funcionais (afetividade, cognição, motricidade e pessoa) e a integração organismomeio. Assim ela possibilita o entendimento do indivíduo em sua totalidade, compreendendo-o, não apenas do ponto de vista de um dos conjuntos, mas sim por meio da integração constante entre eles, que resulta em uma pessoa única. O estudo de Wallon valoriza também o ambiente no qual o indivíduo está inserido, pois ambos influenciam-se de maneira recíproca, sendo esse elemento igualmente importante no seu processo de desenvolvimento (MAHONEY e ALMEIDA, 2007) Wallon pode oferecer subsídios para a compreensão das informações da minha pesquisa, porque percebo que, ao ler os livros de aventura ou os clássicos universais adaptados ou até mesmo conversar sobre a obra literária, é possível observar nas crianças essa integração, pois se for algo interessante, elas se envolvem. Na convivência com os alunos, podemos ver claramente o quanto a leitura resulta em conhecimento e o quanto a manifestação dos sentimentos é visível por meio de um sorriso, pelo envolvimento ou por comentários. Para atender aos objetivos desta pesquisa, recorremos a outros teóricos como Coelho (1973, 2000 e 2006), Lajolo (2008), Lajolo e Zilberman (1999), Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005). Procurando compreender como se constitui o professor de literatura infantojuvenil, creio que seja possível identificar as necessidades desse profissional no que se refere à formação continuada.
  • 19. 19 Alguns estudos recentes, Coelho (2000), Lajolo (2008), Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005), entre outros, têm reforçado o que se discute, já há algum tempo, sobre a importância de refletir a literatura e repensar a forma de ensiná-la. Este trabalho está estruturado da seguinte maneira: Capítulo 1 – Procedimento Metodológico. Nesta parte, são apresentadas as escolhas feitas para a produção de informações, os participantes da pesquisa, os passos seguidos para a realização da entrevista e o procedimento para a análise das informações. Capítulo 2 – Revisão da literatura. Primeiramente, há um breve histórico da literatura infantil e juvenil no Brasil. Em seguida, apresento o que as obras revelam sobre a literatura na escola. A ênfase é dada aos trabalhos que forneceram embasamento para a elaboração do projeto de pesquisa. Nesse capítulo, será mostrado também o que a literatura revela sobre o que seria um “bom” professor, ou seja, o que foi constatado até agora sobre o comprometimento dos profissionais e como seria a forma adequada ou sugerida por especialistas da área para se trabalhar literatura infantojuvenil. Capítulo 3 – Referencial teórico. Neste momento, trago alguns pontos da teoria de desenvolvimento de Henri Wallon, os quais fundamentam a análise, tais como: a integração organismo-meio, integração entre os conjuntos funcionais e o papel do outro. Capítulo 4. Análise e discussão. Apresenta a análise da entrevista de uma professora à luz da teoria walloniana, dividida em eixos temáticos, tendo em vista o objetivo deste estudo que consiste em observar o quanto o outro é e está presente na atuação do professor que trabalha com literatura infantojuvenil e o quanto a influenciam essas relações.
  • 20. 20 1 Procedimento metodológico. Retomando a origem do problema para apresentar o delineamento da pesquisa Compreender como se dá o desenvolvimento das funções do domínio do conhecimento e o papel do movimento e da afetividade para sabermos canalizá-las a favor do processo de aprendizagem é essencial para o desenvolvimento da atividade docente. (PRANDINI In MAHONEY E ALMEIDA, 2004, p. 45)
  • 21. 21 Como já referido, o interesse pelo tema parte da minha atuação como professora de literatura infantojuvenil em classes do 5º e 6º anos do Ensino Fundamental I e II. Na prática docente, como professora de Língua Portuguesa, pude perceber o quanto o assunto interessa por ser algo lúdico e também por fazer com que os alunos reflitam sobre a sociedade em que vivem, principalmente após a intervenção do professor. A leitura de obras direcionadas a esse público faz com que as crianças reflitam sobre as mais diversas questões sociais e psicológicas, assim sendo, contribui para que percebam as aflições, as limitações e os desejos das personagens e façam uma relação com as suas vivências. Desde que comecei a lecionar em um colégio particular no interior de São Paulo, propus para as turmas que as aulas de leitura e os momentos de conversa sobre o livro fossem no quiosque da escola, já que havia essa “abertura” por parte da direção e da coordenação. Após a leitura das obras, nos reunimos em círculo, é um momento para dialogarmos e fazermos relações com as nossas experiências de vida em sociedade. Percebo que o dia da “conversa” é um dos momentos mais esperados pelos grupos, principalmente pelos alunos do fundamental II, uma vez que situações como essa são novidade para eles. Faço esse comentário porque percebo que a partir do 6º ano existe uma tendência, por parte da maioria dos professores, de tratá-los como “estudantes responsáveis”, assim sendo eles precisam se organizar e cumprir todas as tarefas pelo fato de terem aula com docentes especialistas. As aulas desafiadoras e motivadoras são praticamente extintas pelo fato de não serem vistas como algo tão proveitoso perante o conteúdo que deve ser repassado durante o ano letivo. Tenho a impressão de que essas crianças, que gostam de ser chamadas de pré-adolescentes, sentem falta do lúdico que tanto foi incentivado e incutido nas séries iniciais do ensino fundamental e que, com o passar do tempo, deixou de ter importância no contexto escolar. Nessa conversa, todos têm oportunidade de falar, destacar uma parte da história ou dizer o que mais gostaram e eu, como professora, faço algumas perguntas para o grupo sobre a obra de uma maneira bem descontraída, já que o espaço proporciona essa interação. Ao fazer essas questões, proponho para a classe algumas reflexões sobre a sociedade em que vivemos e percebo que essa atividade proporciona um melhor entendimento da história, o que os atrai, porque percebem algo realmente significativo.
  • 22. 22 A partir dessa vivência, surgiram-me muitas indagações no que tange à questão da formação continuada e da atuação do docente. A interação entre professor e aluno influencia a prática do docente que trabalha com literatura infantojuvenil? Os ensinamentos passados nos cursos de licenciatura são suficientes para a realização desse trabalho? De que maneira os sentimentos do professor interferem na atuação? Compreender os sentimentos dos professores de literatura seria importante para refletir sobre o papel da escola quanto à formação crítica do leitor literário? Como se dá a constituição desse professor? Como o movimento dessa constituição interfere em sua atuação? No presente estudo não pretendo responder a todas essas perguntas, particularmente, porém foi a partir da reflexão sobre elas que cheguei à delimitação central do problema desta pesquisa. Desse modo, ao longo deste trabalho pretendo responder às seguintes questões: Como se dá a constituição do professor que trabalha com a literatura infantojuvenil? Como o “outro” (alunos, ex-professores, professores, famílias) contribui nesse para essa constituição? Como o “outro” - a obra literária - entra nesse processo? A teoria walloniana oferece recursos para compreender como esse profissional se constitui nessa interação com os alunos, pois o professor afeta seus alunos e é por eles afetado. Por esse motivo, o professor deve ser um observador atento de seus alunos; levar em consideração o que comentam, como se expressam, como se manifestam, pois essa atitude pode contribuir para que melhore a sua atuação em classe. Dessa maneira, é possível dizer que o conhecimento não vem somente dos cursos realizados e dos livros lidos, mas também resulta da reflexão sobre a própria prática. Ser professor na proposta de Henri Wallon implica também estar atento para uma observação: A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar. (ALMEIDA, 2004, p. 138) Almeida argumenta que para que o aluno adquira conhecimento, o professor precisa atuar como um mediador e, por isso, podemos dizer que o docente é um
  • 23. 23 profissional das relações e a sala de aula é uma oficina de convivência. A autora destaca a importância de o professor refletir sobre suas vivências e experimentá-las no contato com os alunos, estabelecendo relações entre teoria e prática. Apesar da importância da busca pelo conhecimento, a formação psicológica dos profissionais da educação não pode ficar limitada aos livros. O professor deve conhecer as teorias de desenvolvimento, de aprendizagem, de personalidade, mas, além disso, precisa posicionar-se como um “investigador” do ser em desenvolvimento e de sua prática pedagógica. Dessa forma, o conhecimento que adquire na prática volta para enriquecer as teorias. Resumidamente, pode-se afirmar que psicologia e pedagogia, em suas relações, beneficiam-se mutuamente. (ALMEIDA, 2009) Diante da afirmação acima, podemos refletir o quanto a avaliação da prática é importante para a constituição da pessoa do professor. A literatura infantojuvenil pode contribuir para enriquecer essa prática, cabendo ressaltar a importância do papel do docente. Almeida (2009) destaca que na relação professor-aluno, é o professor quem acaba selecionando entre os saberes e os materiais de uma cultura disponíveis em um determinado momento, acrescenta que é esse profissional que tornará (ou não) esses saberes efetivamente transmissíveis, assim pode-se afirmar que é ele que faz a aproximação do aluno com a cultura de sua época. O docente comprometido trabalha a literatura infantojuvenil de forma intencional, ou seja, ele define objetivos, prepara aulas, busca novas estratégias e ouve os seus alunos. A forma como se ensina literatura pode variar, destacando que é importante interagir com os alunos, mas observa-se, nas escolas, que muitos professores exigem a leitura por parte das crianças ou adolescentes para que “esse conhecimento” seja “devolvido” em avaliações, ou seja, não proporciona uma reflexão sobre aquele livro e muito menos propõe questões para debate. Por ser um método conteudista, acreditamos que essa prática impede que o aluno se desenvolva e conheça mais sobre a sua sociedade. Acredito que ao serem trabalhadas, adequadamente, as obras literárias ampliam o conhecimento dos alunos e contribuem para que se estreite o vínculo professor-aluno no ensino fundamental. Em minha prática docente, observei que ao interagir com a classe, os alunos se dedicavam ainda mais durante as tarefas e a literatura se tornava mais atrativa e reflexiva para o grupo.
  • 24. 24 Ao iniciar o mestrado percebi que a teoria de Henri Wallon poderia me ajudar nessa discussão, já que ele defende a integração entre os conjuntos funcionais (cognitivo, motor e afetivo). Tais dimensões estão vinculadas entre si, embora estejam em constante movimento; “a cada configuração resultante, temos uma totalidade responsável pelos comportamentos daquela pessoa, naquele momento, naquelas circunstâncias” (MAHONEY, 2003, p.12). 1.1 Objetivo do Estudo Este estudo propõe-se a investigar como ocorre a constituição do professor e qual é o papel do outro nesse processo e, para isso, utiliza a narrativa autobiográfica. Dessa maneira busca analisar, sob a perspectiva walloniana, a trajetória desse profissional, os avanços, os retrocessos, suas inspirações e modelos, fracassos e sucessos, na expectativa de poder contribuir para a melhoria da prática de professores que trabalham com literatura infantojuvenil. A autobiografia está inserida num contexto de formação de adultos, e é por meio dos relatos de suas experiências que o participante da pesquisa traça o seu itinerário, ação que permite compreender de forma clara as suas escolhas e planejar o que irá fazer com mais autonomia, seja em sua vida profissional ou pessoal. Nesse sentido, pode-se afirmar que pensar sobre sua própria trajetória contribui para a formação do professor, pois é por meio da narrativa que ele pode se reapropriar de sua experiência de formação e se constituir como sujeito de sua própria história. Trata-se de utilizar a instância do discurso através do qual o indivíduo pode introduzir a sua experiência, e depois, através da análise, de nos colocarmos com ele no lugar de intérprete, para sublinharmos o distanciamento do texto em relação à experiência (não pode introduzir-se toda a experiência da formação numa narrativa), a natureza essencialmente comunicacional da língua e, por fim, o sentido da transformação principal pressuposta em toda a experiência de formação (CHENÉ, 1988, p. 90) Neste estudo, optou-se pela autobiografia oral por entender que a experiência de falar sobre si próprio produz uma narrativa sem uma perspectiva de linearidade
  • 25. 25 histórica, de montagem de um quebra-cabeça em que tempo histórico, social e cultural são invocados e impregnados na singularidade da vida do sujeito que conta o que lhe ocorreu. Quando entendida e desenvolvida como uma conversa, sem amarras, é possível fazer uma relação com estudos do imaginário e da história de vida, que privilegiam abordagens que retratam a dimensão simbólica das histórias da profissão docente. O contato entre entrevistador e entrevistado permite perceber o quanto esse instrumento é rico por possibilitar o acesso aos processos psíquicos, que nos interessam como pesquisadores da psicologia da educação, que são: sentimentos, emoções e cognições. Almeida (2012) afirma que afetar e ser afetado vale tanto para o entrevistado como para o entrevistador. Têm eles diferentes históricos em seu percurso de vida e chegam à situação de entrevista com diferentes perspectivas. É natural, pois, que no transcorrer da entrevista circulem emoções e sentimentos. Até porque, como todo encontro interpessoal, acontece um embate de subjetividades. (p. 19) Cabe ressaltar que o termo grego é autobiographia, palavra composta por auto: próprio; bios: vida e graphein: escrita. No dicionário, o termo quer dizer a vida de um indivíduo escrita por ele mesmo. No dicionário de termos literários, Massaud Moisés (2002) define a autobiografia “como um relato objetivo e completo de uma existência, tendo ela própria como centro”, porém sabemos que o sentido é mais completo do que podemos imaginar, já que se trata de um individuo único. Esse gênero que até pouco tempo era restrito à literatura, hoje tem contribuído em diversas áreas, principalmente na educação. Este sentido determina claramente sua gênese, porém não a especifica como espécie unicamente literária. Ao contrário, amplia a sua possibilidade de existência nas mais variadas áreas de conhecimento: da antropologia à sociologia, da psicanálise à filosofia (RODRIGUES, 2007, p.19). O método (auto) biográfico relaciona-se de forma expressiva com a concepção de histórias de vida, defendem Pineau e Ferrarotti (1988). Segundo Pineau, a história de vida é “um método de investigação-ação que procura estimular
  • 26. 26 a autoformação, na medida em que o esforço pessoal de explicitação de uma dada trajetória de vida obriga a uma grande implicação e contribui para uma tomada de consciência individual e colectiva” (apud NÓVOA, 1988). Desse modo, o caminho percorrido por um indivíduo pode servir de referência ou reflexão para outros, ou seja, “a união do mais pessoal com o mais universal, segundo NÓVOA e FINGER (1988, p.14). Há, porém, estudiosos que apresentam diferenciação entre a narrativa autobiográfica e a história de vida feita especificamente para uma determinada pesquisa; Josso (2004, p.31) ressalta: Notar esta diferença é salientar que as histórias de vida postas ao serviço de um projeto são necessariamente adaptadas à perspectiva definida pelo projeto no qual elas se inserem, enquanto que as histórias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica própria. Independentemente da terminologia, esta perspectiva de investigação manifesta uma possibilidade de recorrer à memória que, por meio da narrativa, articula a subjetividade, as escolhas feitas pelo indivíduo e também os processos de desenvolvimento da pessoa (professor). Pereira (2000) aponta a memória como uma contribuição para se compreender os processos de formação do docente (em tempos e espaços distintos) ou de como as pessoas se tornaram os professores que são hoje. Perante questionamentos como esses, trabalhar com a memória tem sido um exercício de implicar-se também, o que possibilita que o sujeito revisite as imagens, as representações construídas por quem pesquisa conjuntamente com quem está sendo pesquisado. Cabe ressaltar que a memória é um suporte importante na reconstrução das experiências vividas e, no caso de profissionais da educação, pode se tornar alicerce de uma formação contínua. Segundo Placco e Souza (2006) revisitar a memória traz conhecimento. oportunidades para novas interpretações e construção do
  • 27. 27 Os processos de formação do indivíduo ocorrem em lugares/tempos diferentes, tendo a memória um trabalho essencial na reconstrução dos referenciais que se configuram na narrativa autobiográfica que pode ser caracterizada por narrativa de formação, já que possibilita mudanças significativas no sujeito a partir do contato consigo mesmo. Nessa perspectiva, as histórias da infância e dos processos de escolarização são revisitados na tentativa de buscar as referências construídas, nas quais há recursos experienciais e representações sobre escolhas, influências, modelos, preferências e estilos, o que possibilita a reflexão sobre quem é esse professor hoje, algo que o singulariza como pessoa (OLIVEIRA, 2006). Revisitar o passado e reconstruir essas imagens com a perspectiva de problematização pode ser algo muito significativo. O reconhecimento da potencialidade educativa da autobiografia apoia-se na tentativa de propor uma reflexão favorecida pela reconstituição da história individual de relações e experiências (com o conhecimento, a leitura, a escrita e a escola), as quais permitem reinterpretações férteis do próprio sujeito, dos processos e práticas de ensinar. Michel Pollark (apud CATANI, 1997) defende que as histórias de vida nas ciências sociais servem de “instrumentos de reconstrução da identidade e não apenas como relatos factuais” e comenta também que a narração ordena acontecimentos que balizaram uma existência e que ao contar a vida, de uma forma geral, o indivíduo tenta estabelecer certa coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos significativos com continuidade, resultante da ordenação cronológica. 1.2 O percurso metodológico. Caracterização da escola e da professora selecionada A pesquisa foi realizada em uma escola particular, mais especificamente uma instituição religiosa, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo (SP), com 1300 alunos e 103 professores. A escola atende alunos da classe média alta; sendo que a maioria deles mora na região.
  • 28. 28 A entrevistada foi uma professora do 5º ano do Ensino Fundamental I, formada em Pedagogia e História, com especialização em Psicopedagogia, tendo anteriormente cursado magistério (nível técnico). Ela foi indicada pela direção do colégio por realizar um trabalho muito significativo de literatura infantojuvenil. A entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada. A entrevista foi agendada por intermédio de uma colega que trabalha nessa instituição e foi realizada na própria escola, numa terça-feira no período da manhã. Sentamos uma ao lado da outra, em um banco na capela do colégio, pois esse era um dos lugares mais tranquilos naquele período. Foi nessa ocasião que nos conhecemos pessoalmente Num primeiro momento percebi que a professora estava ansiosa e receosa, inclusive ela verbalizou que considerava a entrevista uma situação delicada e não saberia se iria ajudar muito, porém, no decorrer da conversa, percebi que ficou mais tranquila e me senti numa situação confortável, pois a professora demonstrou que estava disposta a contribuir e compartilhar a sua história de vida comigo. Antes de iniciar a entrevista acordamos que seria gravada, pois esse procedimento iria permitir uma análise mais rigorosa e fiel, e combinamos também que ela não seria identificada, por esse motivo usaria nomes fictícios para referir-me a ela e aos outros professores. Dei a ela o nome de Marta. Ao concluir a entrevista, ouvi repetidas vezes a gravação e fiz a transcrição cuidadosa para evitar equívocos. Efetuei várias leituras do material transcrito para iniciar a análise, apreendendo os dados mais importantes, aqueles que pudessem contribuir mais com a pesquisa. Durante a análise das falas fui identificando trechos distinguíveis das mesmas em relação ao problema de pesquisa e, junto com minha orientadora, formatei toda a entrevista em duas colunas, de tal forma que na coluna da esquerda ficasse o conteúdo da narrativa e na da direita as ideias mais relevantes em relação a cada trecho delimitado. Assim como Henri Wallon define o psiquismo humano como uma unidade que resulta de diferentes domínios funcionais, esta pesquisa entende que não é possível fazer uma ruptura entre os aspectos pessoais e profissionais de uma pessoa, neste caso específico, do professor que trabalha com literatura infantil ou juvenil. Por mais
  • 29. 29 que se admita a existência dos dois aspectos, também reconhece que suas manifestações acontecem de forma articulada. Desse modo, a atuação profissional do professor não é isolada do âmbito pessoal e, para que seja possível o entendimento da primeira, torna-se fundamental incluir o estudo da segunda.
  • 30. 30 2 Revisão de literatura Uma história não é mais que um grão de trigo. É ao ouvinte, ao leitor que compete fazê-lo germinar. Se não germina, é questão de falta de ar, de sol, de liberdade, de solidão. (Déon, In SILVA, 1998, p. 69)
  • 31. 31 2.1 A Literatura Infantojuvenil no Brasil: breve histórico As primeiras formas de literatura infantil eram confundidas com aquelas que eram direcionadas aos adultos e cabe salientar que foram trazidas ao Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses. Essas obras eram compostas por narrativas orais transmitidas pelo povo e pelas cortes europeias, cujas origens precisas são desconhecidas, porém essas narrativas são muito antigas e, inclusive, há registro sobre elas nas primeiras tribos humanas. A origem da literatura infantojuvenil se confunde com o princípio da própria narrativa, assim pode-se dizer que “contar histórias” é tão antigo quanto o próprio homem. Porém, há informações sobre o nascimento da literatura infantil especificamente associada aos contos de fadas. Os estudos históricos anglo-saxões são os que mais aprofundaram a relação entre os contos de fadas e o nascimento da literatura infantil. Na verdade, a Grã-Bretanha é o único lugar onde os estudos gerais de história literária foram um referencial importante no momento de abordar a reflexão sobre o nascimento e o desenvolvimento dos livros infantis, posto que conta com uma rica discussão a respeito, desde os estudos literários do século XIX, com a intervenção de nomes tão relevantes quanto Coleridge, Dickens, Tolkien, Chesterton ou Stevenson. (COLOMER, 2003, p. 56) Na maioria das vezes, essas histórias vinculadas ao mítico ou ao sagrado ganham caráter profano e, após a invenção da escrita3, começam a ser registradas. Na antiguidade grega, já havia uma quantidade relativa de registros de escrituras literárias, como: as epopeias, a poesia lírica e o teatro. Nesse período, surge Esopo, um grande fabulista que viveu provavelmente no século 6 a.C. De acordo com a lenda, ele foi um escravo que, após ser libertado, reuniu contos populares da Ásia, Egito e Grécia, já que as fábulas existiam na Grécia e no Oriente desde a mais remota antiguidade (LAJOLO, 1999). Vale ressaltar que essas fábulas foram escritas somente duzentos anos depois e reúnem cerca de trezentas histórias, como A raposa e as uvas, A galinha e a pomba, A galinha dos ovos de ouro, O leão e o rato, e A águia e a coruja. 3 Estima-se que a escrita foi inventada nos anos 4000 a 3500 a.C pelos sumérios.
  • 32. 32 As personagens principais das fábulas geralmente são animais e nessas narrativas há sempre um ensinamento, ou seja, a moral da história. Os bichos falam, são bons ou maus, sábios ou tolos, cometem erros, se assemelham com os homens, porque a intenção do fabulista era mostrar como o ser humano poderia agir. Por isso, as fábulas (embora não fossem um gênero exclusivamente infantil) tinham a função de educar, corrigir e zelar pela formação das crianças, conforme os padrões da sociedade da época (LAJOLO, 1999). Essa função era também atribuída aos contos maravilhosos ou contos de fadas, largamente difundidos na literatura popular de países europeus nos séculos XVII e XVIII. Quando se busca investigar a origem da conhecida Literatura Infantil deve-se atentar que o seu início foi no final do século XVII e se estendeu pelo século XVIII, já que havia a influência dos contos de fadas4. As histórias populares, principalmente aquelas nas quais se destacavam atitudes exemplares e moralizantes, tiveram influência da ação catequizadora dos jesuítas até 1759 (época do Brasil Colônia). O cenário social e político da época contribuiu para o surgimento da literatura infantil, entre esses acontecimentos estão: o crescimento e diversificação da população que morava na área urbana, a incorporação progressiva dos imigrantes, a complexidade da estrutura administrativa e a extinção do trabalho escravo. Nesse período, além dos livros infantis, os escolares eram fortalecidos pelas diversas campanhas de alfabetização lideradas por intelectuais, políticos e educadores. Por outro lado, a literatura direcionada aos adultos era criticada, pois as pessoas esperavam que o escritor assumisse novas funções perante os comentários de modernização. Naquele momento, a intenção era criar e divulgar o discurso, os símbolos e as metáforas da nova imagem do Brasil e destacar o compromisso com a modernização, segundo Zilberman e Lajolo (1999). É preciso ressaltar que até esse período não havia literatura infantil no país, então tudo que ocorria no exterior poderia repercutir no Brasil. A existência de uma 4 Nesse período, os contos de fadas tinham sido adaptados para atender à educação das crianças. Esses textos tinham o objetivo de transmitir valores morais e os bons sentimentos descritos em histórias e vidas heróicas e exemplares.
  • 33. 33 rede de bibliotecas públicas na região anglo-saxônica permitiu que surgisse uma categoria socioprofissional caracterizada por uma formação cultural e pelo contato direto com os destinatários da literatura infantil e juvenil. As mulheres cultas contribuíram na formação da literatura direcionada às crianças daquele país. A preocupação com a leitura resultou na fundação de bibliotecas infantis experimentais, na criação de instrumentos de animação de leitura e na produção de uma importante reflexão sobre os critérios de seleção das obras, de acordo com Colomer (2003). No século XVIII, são publicadas no mercado livreiro, as primeiras obras direcionadas ao público infantil: além dos contos de fadas de Perrault, algumas adaptações de romances de aventuras, como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe (1719) e Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726). Isso ocorre em sociedades agora burguesas e industrializadas devido ao novo status da criança, à qual é atribuída uma visão caracterizada pela fragilidade e pela dependência e à qual são direcionados objetos industrializados (brinquedos), culturais (o livro) e científicos (pediatria, pedagogia). Enquanto a literatura infantil europeia iniciou-se em 1697 com a publicação de Contos da Mamãe Gansa, de Charles Perrault, no Brasil a literatura nasceu bem depois, somente no final do século XIX, quase no século XX. Antes das últimas décadas dos anos oitocentos, a circulação de livros infantis era precária e irregular, a representação era feita pelas edições de Portugal, conforme afirmam Zilberman e Lajolo (1993). Perante esse cenário, duas instituições ganham importância na sociedade daquele momento: a família e a escola. A família era pensada e vivida como fonte de sobrevivência e transmissora de bens, e como consequência tinha a função de preservar a infância. Já a escola, até então facultativa, tinha como tarefa preparar a criança para enfrentar os obstáculos da vida conforme suas regras, juntamente com a família. A escola também tinha por finalidade preparar as crianças para a leitura e a literatura infantil surge para auxiliar nessa incumbência, tendo de respeitar e até mesmo motivar as características infantis. Por outro lado, adota uma postura rígida, ou seja, passa a ter uma “utilidade pedagógica”, como consequência proporciona
  • 34. 34 confiança à burguesia, por imitar seu comportamento e estimular os valores moralizantes dessa classe. A escola tinha como tarefa educativa repassar o gênero literário. A aproximação entre a instituição e o gênero literário não é fortuita. Sintoma disso é que os primeiros textos para crianças são escritos por pedagogos e professoras, com marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança. (ZILBERMAN, 2003, p. 16) Lajolo (1999) destaca a diferença entre Chapeuzinho Vermelho, narrada por Perrault (séc. XVII) e a mesma personagem descrita pelos Grimm e por Andersen (séc. XIX). No primeiro caso, o autor oferece à menina uma personalidade revestida de beleza: uma criança atraente e corajosa. No segundo caso, os escritos dão a ela atributos moralizantes: boa, obediente, carinhosa, entre outras qualidades associadas aos interesses sociais da época. Em 1812, os irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) editam a coleção de contos de fadas que conquistam as crianças. Em contrapartida, destacam-se também outros autores, entre eles: Hans Christian Andersen (Contos, 1833), Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas, 1863), Carlo Collodi (Pinóquio, 1883), Jules Verne (Viagem ao centro da Terra, 1864), Mark Twain (As aventuras de Tom Sawyer, 1876), Robert Louis Stevenson (A ilha do tesouro, 1882). Esses títulos se tornaram clássicos universais pelo fato de até hoje serem lidos e apreciados por leitores de vários cantos do mundo. Nos séculos XVIII e XIX a literatura infantil fica conhecida como “literatura infantil feita por adultos”, ou seja, destaca-se a forma como o adulto quer que a criança veja o mundo, buscando sua “aprovação”. Além disso, a forma literária permite a representação pela fantasia, o que, com frequência, ultrapassa a criação de um mundo idealizado. Zilberman (2003) afirma que o direito das crianças foi sonegado, capacita-se a transmissão do conhecimento e as suas formas de manifestação segundo a visão do adulto, o que garante a razão e o poder.
  • 35. 35 Desarmada, a criança não reage; e sua impassibilidade é tomada como sinal de aceitação da engrenagem. Por todos esses aspectos, a escola participa do processo de manipulação da criança, conduzindo-a ao respeito da norma vigente, que é também a da classe dominante, a burguesia, cuja emergência, como se viu, desencadeou os fatos até aqui descritos. (ZILBERMAN, 2003, p. 23) Apesar de o assunto ser Literatura Infantil, é necessário considerar o cenário político do Brasil naquela época. A proclamação da República trazia consigo a imagem de um país ambicioso e era esperada uma acentuada modernização. O novo regime, que foi liderado por um militar, teve a participação de membros de vários partidos republicanos regionais. Os governantes estudavam medidas como exportação do café e substituição da mão de obra escrava pela assalariada, e havia interesse na economia dos países industrializados, como a Inglaterra. O desejo de se expandir, atitude influenciada pelo capitalismo, e a necessidade de sobrevivência fizeram com que a Inglaterra não medisse esforços para patrocinar uma política favorecedora de diversas camadas médias que eram consumidoras virtuais de sua produção. Esses grupos eram compostos por imigrantes que não se adaptaram ao trabalho rural e de ex-empregados envolvidos na comercialização do café. Eles contribuíram para a multiplicação do número de bancos e casas exportadoras, ampliaram o quadro de funcionalismo público, estenderam a rede ferroviária e houve crescimento do movimento dos portos, conforme relata Lajolo (1999). Perante esse cenário de aceleração urbana (fim do século XIX e início do XX), o momento se torna ideal para o surgimento da literatura infantil. A princípio, a literatura infantil foi uma adaptação das obras destinadas aos adultos. Cabe destacar que nesse período a criança era vista como um “adulto em miniatura” e que a infância era um momento que deveria ser encurtado o mais rapidamente possível. Nesse período ainda prevaleciam os padrões europeus e os clássicos infantis da Europa eram traduzidos e adaptados. Essas obras refletiam o comportamento esperado naquela época, pois a educação era rígida, disciplinadora e punitiva e assim utilizava a literatura como algo exemplar, que procurava levar o pequeno leitor a assumir, de maneira precoce, atitudes consideradas “ideais” para aquela sociedade, comenta Coelho (2000). Entre os livros publicados a partir de 1808 estavam: a tradução de As aventuras pasmosas
  • 36. 36 do Barão de Munkausen e, em 1818, a coletânea de José Saturnino da Costa Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, história de Portugal e história natural. Os livros nessa época, inspirados em modelos estrangeiros, eram verdadeiras cartilhas de nacionalidade. O civismo e o patriotismo se destacavam, assim cabe exemplificar com a obra Por que me ufano de meu país, de Afonso Celso publicado em 1901, que evidencia o entusiasmo patriótico que contagiou os textos infantis. Hoje pode-se dizer que a literatura está em constante processo de mudança e é possível refletir sobre diversos aspectos. No livro Ensino de Literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura, Cereja afirma que a literatura se transforma o tempo todo e é muito mais complexa do que muitos imaginam. Uma perspectiva a um só tempo diacrônica e sincrônica, que procura encontrar não apenas as relações da literatura com o seu tempo, mas também os diálogos que a própria literatura mantém dentro dela mesma, dando saltos, provocando rupturas, morrendo e renascendo, se transformando. Aí estaria o verdadeiro sentido de historicidade do texto literário, um sentido de vida, de permanência, que difere do engessamento da historicidade descritiva e classificatória. (CEREJA, 2005, p. 200) Neste estudo, optamos em abordar brevemente a história da literatura infantil e juvenil e daremos destaque a Monteiro Lobato por dois motivos: primeiro, porque ele foi um autor inovador, que permanece como referência literária no Brasil até hoje, e também porque o escritor foi citado pela entrevistada. 2.2 Monteiro Lobato: inovação e criatividade Monteiro Lobato foi um inovador e permanece como referência literária no Brasil, pois antes dele as crianças só conheciam traduções de obras estrangeiras. O autor se destacou pelo estilo de escrita, principalmente por priorizar a linguagem simples em que a realidade e a fantasia estavam interligadas. O contista, ensaísta e tradutor nasceu em Taubaté, interior de São Paulo, no ano de 1882 e faleceu em 1948.
  • 37. 37 A paixão pelos livros começou na infância e o interesse foi aumentando ao ter acesso à biblioteca que ficava no escritório de seu avô, o Visconde de Tremembé, numa chácara situada na Rua XV de Novembro, junto ao Largo do Teatro, em Taubaté, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o Journal des Voyages. Era um salão cheio de grossos tomos de revistas da época. Havia a Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini, ou a Novo Mundo, de J. C. Rodrigues. Uma coleção do Journal des Voyages foi, no entanto, o meu maior regalo. Cada vez que me pilhava na biblioteca do meu avô, abria um daqueles volumes e me deslumbrava (LOBATO apud DANTAS, 2005, p.25). Juca, como era conhecido quando criança, filho de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusto Lobato, na infância dividia seu tempo brincando com as suas irmãs menores, Ester e Judite, na fazenda em que moravam. Anos mais tarde, esse cenário serviria de inspiração para a criação de suas personagens e de suas obras infantojuvenis. Segundo Luiz (2003), o nome de batismo de Monteiro Lobato era José Renato e não José Bento como o conhecemos. Ele alterou o próprio nome para que pudesse usar a estimada bengala que pertencera a seu pai e que trazia inscritas as iniciais J.B.M.L. Na adolescência, José Bento foi estudar na capital. Lobato queria matricular-se na Escola de Belas Artes, mas, por imposição de seu avô materno, que assumiu a tutela do jovem após a morte de seus pais, entrou com 18 anos para a Academia de Direito, formando-se em 1904. Enfrentou, porém, dificuldades no início, pois em sua primeira tentativa de admissão aos preparatórios para o curso superior foi reprovado em português. Mas isso não o desanimou; após a decepção, estudou muito e conseguiu ser aprovado. Formado em Direito, Lobato atuou como promotor público até se tornar fazendeiro, após receber uma herança deixada por seu avô. Com a mudança de estilo de vida, o escritor passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas; posteriormente reuniu uma série deles em Urupês, seu primeiro livro. Nesse período, Monteiro Lobato escrevia textos a seu amigo Rangel, solicitando-lhe que apontasse os erros de gramática.
  • 38. 38 Na época, os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa e por conta dessa carência no mercado, Lobato fundou uma editora e tornou-se também editor. Isso possibilitou que implantasse uma série de mudanças nos livros didáticos e infantis do país. Cabe destacar que Monteiro Lobato questionava a forma como as obras infantis eram elaboradas, principalmente quanto à rigidez gramatical e fixidez da linguagem; propôs, então, que os livros fossem lidos pelos leitores como se alguém estivesse contando uma história, mais próximos da linguagem viva ou oral. Ainda subentendida no pensamento lobatiano referente à literatura infantil, fica a proposta do autor de romper com a tradição de textos didáticos ou de formação moral e cívica para crianças, como eram os textos anteriores aos seus. Seu projeto era outro: queria justamente educar seus leitores para exercerem o direito a liberdade e questionarem o que lhes era dado (LOPES, 1999, p.48) Cabe salientar que, na época, a maioria dos escritores iniciantes dependia dos poucos editores ligados às casas estrangeiras para publicar suas obras; no entanto, Monteiro Lobato tornou-se empresário de sua produção intelectual. Dessa maneira, o empresário e editor Monteiro Lobato instalava-se como tal na segunda década do século XX. Nesse período, os investimentos, como os do empresário, dependiam das mudanças conjunturais provocadas pela primeira guerra mundial. Assim, estimulado pela experiência bem-sucedida de duas primeiras publicações autofinanciadas (O Saci-Pererê e Urupês), Monteiro Lobato começou comprando, por dez contos, a propriedade da Revista Brasil, um órgão de prestígio entre os literatos e que serviria de veículo de divulgação para uma editora de livros, de acordo com Koshiyama (2006). Algumas das personagens (principalmente as infantis) renderam muitas histórias e, inclusive, ganharam espaço na tevê, entre as mais conhecidas estão dona Benta e seus netos Narizinho e Pedrinho, lembrando que Monteiro Lobato identificava-se com o menino quando criança. Na obra destacaram-se outras personagens, entre elas Visconde de Sabugosa, personagem que era uma sábia espiga de milho e que se destacava por ser um adulto consciente em diversos aspectos; Emília, uma boneca de pano com sentimentos e ideias independentes e revolucionárias; tia Nastácia, uma exescrava que era muito querida por todos; Saci Pererê, que representava o folclore
  • 39. 39 brasileiro e Cuca, vilã que aterrorizava as pessoas que viviam no sítio; e outras personagens que participavam das aventuras na zona rural O Sítio do Pica-Pau Amarelo até hoje encanta crianças e adultos. Monteiro Lobato foi um dos poucos escritores da época que obtiveram sucesso em vida, pois a maioria deles teve suas obras conhecidas só após a morte. O autor demonstra surpresa com a popularidade da personagem Emília em uma carta enviada a um amigo. Ele destaca também o quanto era consciente da importância de inovar na área da educação. A minha Emília está realmente um sucesso entre as crianças e os professores. Basta dizer que tirei uma edição inicial de 20.0000 e o Octales está com medo que não aguente o resto do ano. Só aí no Rio, 4.000 vendidas num mês. Mas a crítica de fato não percebeu a significação da obra. Vale como significação de que há caminhos novos para o ensino das matérias abstratas. Numa escola que visitei, a criançada me rodeou com grandes festas e me pediram: “Faça a Emília do país da aritmética”. Esse pedido espontâneo, esse grito d´alma da criança não está indicando um caminho? (LOBATO apud LAJOLO, 2008, p. 95) Assim como o sucesso, o fracasso também fez parte da vida do escritor. Na década de 1930 foi à falência e passou a escrever livros para sobreviver. Devido a essa necessidade, Lobato planejou com Octales, da Companhia Editora Nacional, o livro D. Quixote das crianças. A obra, lançada em 1936, foi resultado de um projeto de leitura, de tradução e de adaptação. De acordo com Lajolo (2008), o educador contemporâneo pode encontrar, nesse Quixote, possíveis respostas para questões referentes ao cotidiano escolar, uma delas é: “qual livro indicar?” Inclusive, isso o levou a refletir sobre a importância dos clássicos e a adequação a cada faixa etária. Monteiro Lobato escreveu obras infantis, como A Menina do Nariz Arrebitado, Reinações de Narizinho, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática, Memórias da Emília, O Poço do Visconde, O Pica-Pau Amarelo, O Saci, Fábulas do Marquês de Rabicó, Aventuras do Príncipe, Noivado de Narizinho, O Pó de Pirlimpimpim, e A Chave do Tamanho, entre outras.. Podemos observar que muitas obras lobatianas relacionam de uma maneira lúdica a turma do sítio do Pica-pau Amarelo e as personagens de outros livros, principalmente dos contos de fadas. Alguns estudiosos de Lobato dizem que o escritor relaciona leitura com alimentação.
  • 40. 40 Se o Visconde pode “sugar” o conhecimento dos livros, se Emília pode fazer livros comestíveis e as crianças podem “beber” as histórias de Dona Benta ou Tia Nastácia, o próprio texto de Lobato, como leitor e escritor está “bebendo” e apropriando-se das histórias dos contos de fadas quando retoma as outras histórias, trazendo as personagens maravilhosas do imaginário europeu para o universo do Sítio (LOPES, 1999, p. 61) Além dos contos de fadas deve-se destacar a relevância das personagens da mitologia e do folclore brasileiro. O escritor brasileiro escreveu não só livros infantis como outras obras literárias, entre as quais se destacam O Choque das Raças, Urupês, A Barca de Gleyre e o Escândalo do Petróleo (último livro, que demonstra seu nacionalismo). Nessa obra, Monteiro Lobato posiciona-se de maneira favorável à exploração do petróleo apenas por empresas brasileiras, uma questão muito delicada na época por envolver interesses políticos. A produção e ação de Lobato demonstram as tensões contraditórias que se debatiam em seu espírito. De um lado, o impulso individualista de raiz românticoliberal e de outro a consciência crítica, que alertava para os equívocos, hipocrisias e injustiças da época. Coelho (2006) faz um breve comentário sobre as acusações de “preconceituoso”, porém destaca a sua obra. De qualquer forma, algo é indiscutível: a obra lobatiana (infantil ou adulta) não pode ser desvinculada do momento em que foi construída, sob pena de ser truncada em sua verdadeira significação. Nela estão presentes as ambigüidades e paradoxos que marcaram a realidade brasileira na primeira metade do século XX. (COELHO, 2006, p.638) 2.3 O que a Literatura Revela sobre as Obras Infantojuvenis na Escola A literatura infantil e a escola mantiveram sempre uma relação de dependência mútua, pois a escola utiliza a literatura para difundir conceitos e sentimentos, atitudes e comportamentos que lhe compete passar para os alunos. Os livros são utilizados com frequência, seja como material de leitura obrigatória ou como complemento de outras tarefas pedagógicas. A escola utilizava a literatura para demonstrar alguns exemplos de comportamentos que deveriam ser seguidos por todo cidadão. Um exemplo disso, eram as poesias de Olavo Bilac que serviam de estímulos de civismo, amor aos
  • 41. 41 estudos e respeito aos mais velhos. O príncipe dos poetas e seus colegas de profissão contavam com os professores para garantir o mercado para obras infantis (LAJOLO, 2008, p.66). Atualmente a visão que se tem da literatura é muito diferente da que se tinha no século passado. Hoje ela é considerada como arte, por ser um fenômeno de criatividade que representa ou não a vida, o homem e o mundo por meio das palavras e expressa alguma experiência humana e muito mais. Coelho (2000, p. 27) afirma que: “Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamentam..).” Estudos na área de comunicação têm contribuído para essa visão sobre literatura, segundo Colomer (2003). A noção de “comunicação” permitiu-lhe pôr em ordem os numerosos temas implicados no fenômeno da literatura infantil e assinalar que a finalidade de seu estudo é, “em definitivo, o diálogo que, de uma época para outra, de uma sociedade para a outra, de uma sociedade para outra, se estabelece as crianças e os adultos por meio da literatura” (p. 189). Os estudos literários devem ser privilegiados na escola de maneira abrangente, pois estimulam o exercício mental, a percepção da realidade, a consciência de si em relação aos outros, a leitura do mundo e incentivam o estudo e o conhecimento da língua, entre outros. Ao proporcionar aulas motivadoras e espaços para o diálogo, o interesse dos alunos pela leitura pode aumentar com o passar do tempo. período de 7 a 12 ou 14 anos é aquele em que a objetividade substitui o sincretismo. As coisas e a pessoa vão pouco a pouco deixando de ser os fragmentos de absoluto que se impunham sucessivamente à intuição. A rede das categorias faz irradiar sobre elas as mais diversas classificações e relações. Mas seu animador é a atividade da criança. A própria atividade entra em sua fase categorial: atribui-se tarefas entre as quais se torna capaz de se dividir, a fim de tirar de cada uma seus possíveis efeitos. O interesse pela tarefa é indispensável e deixa bem para trás o mero adestramento. (WALLON, 2007, p.197) Contudo, observamos que há falta de clareza sobre o ensino ou incentivo à literatura. Em muitas escolas, verifica-se um trabalho embasado em atividades de interpretação de texto, fichas de leitura, resumos e, na maioria das vezes, os livros
  • 42. 42 são “cobrados” em provas, sem uma discussão ou comentários significativos sobre essas obras. Acreditamos que o leitor criativo não é somente um decifrador de códigos, um decodificador da palavra e, sim, alguém que busca compreender o texto, dialogando com ele, ou seja, ele tenta recriar sentidos implícitos, faz referências e estabelece relações com outras obras, períodos anteriores e até com a sua própria história de vida, assim tudo isso pode resultar em conhecimento. Quando se faz uma leitura há um diálogo constante entre o leitor e o texto ou obra, segundo Mikhail Bakhtin5. Na perspectiva backhtiana, o outro, na figura do destinatário, se instala no próprio movimento de produção do texto na medida em que o autor orienta a sua fala tendo em vista o público-alvo selecionado. Tem-se, ainda, o outro na figura do interdiscurso, do diálogo que todo texto trava com outros textos. Cabe ao leitor mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido, resgatar essa intediscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos que atravessaram o texto. (BRANDÃO, 2011, p. 17) Coelho (2000, p. 17) defende que o espaço escolar deve ser “libertário (sem ser anárquico) e orientador (sem ser dogmático), para permitir ao ser em formação chegar ao autoconhecimento e a ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a sociedade a que ele pertence”. Por meio da literatura é possível se envolver ao ponto de estabelecer uma vivência íntima e profunda que faz com que o leitor tenha o desejo de prolongar ou renovar as experiências que veicula. Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre as fantasias, desencadeia nossas emoções, ativa o nosso intelecto, trazendo e produzindo conhecimento. Ela é criação, uma espécie de irrealidade que adensa a realidade, tornando-nos observadores de nós mesmos. ler um texto literário significa entrar em novas relações, sofrer um processo de transformação. (BRANDÃO, 2011, p.23) 5 Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um pensador russo que se dedicou ao estudo e análise da linguagem com base em discursos cotidianos, literários, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais.
  • 43. 43 2.4 Representações do Professor Comprometido segundo os Estudiosos Atualmente se discute muito sobre o comprometimento/descomprometimento com a educação. Muitos estudiosos propõem a reflexão sobre a prática pedagógica como uma importante ferramenta, mas na forma entendida por Pelisson, ou seja: Para se desenvolver profissionalmente, necessário se faz que tome conhecimento das concepções teóricas atuais, no campo da educação, acompanhe as mudanças que ocorrem nesse meio e, a partir delas, ressignifique suas práticas, num processo contínuo de reflexão, preferencialmente coletivo. (PELISSON, 2006, p. 292) O profissional da educação deve dominar quais são os conhecimentos necessários para cada faixa etária, como ocorre o desenvolvimento da criança e como são processadas essas informações. O professor deve estar preparado para auxiliar o estudante na busca pelo conhecimento: Wallon insiste que se pode confiar na atividade da criança, em sua criatividade e em sua espontaneidade para investigar, mas que ela precisa de um mestre, exatamente para ajudá-la a utilizar seus próprios recursos. O professor, por conhecer o processo de desenvolvimento e aprendizagem, está capacitado para reconhecer e atender às necessidades e possibilidades dos alunos. (ALMEIDA, 2004, p.127) A literatura também pode contribuir para a constituição do professor, pois ao ouvir os alunos, o docente pode refletir sobre a sua prática e tentar melhorar a sua atuação em sala de aula. Outro ponto que se deve destacar é que ao ouvir a opinião dos alunos sobre uma determinada obra, o professor deve criar condições afetivas para que o aluno tenha interesse e assim aumente a possibilidade dessas informações se transformarem em conhecimento, já que o plano afetivo é um lastro para o desenvolvimento cognitivo, e vice-versa, segundo Wallon. Cereja (2005) chama a atenção para o papel do professor em classe e os fatores que dificultam o ensino de literatura de uma maneira significativa; o autor
  • 44. 44 estudou o ensino da literatura no ensino médio, porém as ideias podem ser consideradas válidas para o ensino fundamental. O que pudemos observar até aqui é que as práticas de ensino de literatura no ensino médio encontram-se cristalizadas há mais de um século. As razões disso, como vimos, são várias e de ordem histórica, ideológica, política, legal, contextual, etc. Uma mudança de perspectiva e de ação pedagógica é, porém, possível e depende de um fator simples: a consciência do professor do ensino médio sobre para que serve o ensino de literatura. (CEREJA, 2005, p. 198) Há necessidade de repensarmos o ensino em geral, e para isso há a necessidade de voltar-se para a formação continuada dos docentes. Muitos pesquisadores têm apontado alguns caminhos, entre eles a narrativa autobiográfica, como contribuição para se conhecer melhor, rever algumas questões, refletir sobre elas, identificar novos caminhos e saídas. Ao falar da formação da pessoa do professor, vejo um espaço onde o mesmo pode atuar e decidir sobre algumas estratégias de ação, pois acredito que num determinado momentos da história individual seja possível tomá-la nas mãos e modificá-la, resistindo com firmeza e rigor aos percalços, desde aqueles que nos aparecem pelas contingências da situação, até aqueles devidos à nossa resistência à mudança e à aceitação do novo. (JESUS, 2003, p.110) Um professor comprometido é, então, segundo esses estudiosos, um professor que confia na capacidade e espontaneidade de seus alunos para imaginar, criar, investigar; que observa atento seus alunos e respectivos meios para conhecer seus desejos e expectativas, e que aproveita os espaços para uma atuação de qualidade.
  • 45. 45 3 Teoria psicogenética de Henri Wallon (1879/1962) As pessoas do meio nada mais são, em suma, que ocasiões ou motivos para o sujeito exprimir-se e realizar-se. Mas, se ele pode dar-lhes vida e consistência fora de si, é porque realizou, em si, a distinção do seu “eu” e do que lhe é complemento indispensável: esse estranho essencial que é o “outro”. (WALLON, 1986, p. 164)
  • 46. 46 A psicogenética walloniana oferece recursos para compreender o processo de constituição da criança e do adulto. A psicologia genética define o psiquismo na sua formação e na sua transformação (WALLON, 1975). De acordo com a teoria, essa transformação ocorre por meio da integração das condições orgânicas do ser humano com o meio no qual está inserido. Os dados biográficos do psicólogo, médico, pesquisador e educador podem ser localizados em várias obras, entre elas: Dantas (1983), Oliveira (2004) e Werebe (1986), por esse motivo não discorrerei sobre esse aspecto, lembrando apenas que o autor francês (1879-1962) viveu numa Europa de grande turbulência, tendo participado das duas grandes guerras: na primeira atuou como médico de batalhão e na segunda como membro da Resistência Francesa. Para este estudo destacam-se, particularmente, os seguintes pontos: a) Integração funcional; b) O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa; c) A questão do outro na constituição da pessoa. 3.1 Integração Funcional Retomando, a Psicologia Genética estuda o psiquismo em sua formação e transformação, transformações estas decorrentes da integração organismo-meio. A integração que permeia a teoria walloniana ocorre de duas maneiras que são articuladas e dialéticas: a integração organismo-meio e a integração entre os conjuntos funcionais. A primeira refere-se à integração entre o indivíduo e o meio ao qual se relaciona (real ou virtual). A outra tem relação com os domínios funcionais (afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa); apesar da especificidade dessas dimensões, podemos afirmar que elas se integram de tal forma que uma interfere na(s) outra(s). Só podemos separá-las para fins didáticos, ou seja, para compreendermos o processo, porém na prática isso não é possível. Conforme explica Mahoney (2009) qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas, assim como toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas.
  • 47. 47 A teoria de desenvolvimento de Wallon especifica os seguintes estágios: a) Impulsivo Emocional (0 a 1 ano); b) Sensório Motor e projetivo (1 a 3 anos); c) Personalismo (3 a 6 anos); d) Categorial (6 a 11 anos); e) Puberdade e adolescência (11 anos em diante). Vale ressaltar que o mais importante não é o fator idade e sim as condições do meio onde a criança está inserida. Neste estudo apenas o estágio categorial será detalhado, por se tratar da faixa etária dos leitores de obras infantojuvenis. No estágio categorial, a criança aprende a denominar os objetos que fazem parte do seu dia a dia, já consegue percebê-los como algo separado de si mesma, ou seja, consegue discernir e organizar as semelhanças e diferenças desses objetos e das ações, o que conduz a representações fixas e constantes. A comparação dos objetos entre si é fundamental para a análise e classificação de tudo que está ao seu redor. É com o desenvolvimento da função categorial que a apropriação da causalidade ocorre, o que possibilita que a criança ligue o efeito à causa que o produziu. A noção de espaço e tempo passam a se integrar a um sistema, permitindo que ela relacione as suas implicações com o movimento. É possível afirmar que a criança continua se desenvolvendo tanto no plano motor como no afetivo, porém as características predominantes do seu comportamento são identificadas pelo desenvolvimento intelectual e é nesse domínio que podem ser percebidos grandes saltos. A criança aprende a se conhecer como pessoa ao pertencer a diferentes grupos, pois exerce papéis e atividades variados e isso possibilita que ela tome conhecimento mais completo e concreto de si própria (AMARAL, 2009). Nesse estágio,o sincretismo se dissolve; com a aquisição do pensamento categorial a criança se reconhece como pessoa polivalente, que pode identificar as diversas características dos objetos e situações e estabelecer relações e distinções coerentes. Há o aumento de concentração e atenção na tarefa que está sendo realizada, permitindo que as atividades espontâneas sejam progressivamente
  • 48. 48 substituídas por atividades intencionais. No entanto, o professor não pode descuidar de outros aspectos: A reconquista da dimensão melódica da linguagem, como a emancipação do gesto ao controle da vontade constituem objetivos de certas modalidades artísticas. Sua existência demonstra que o desenvolvimento representa também perda ou atrofia de possibilidades, que precisam ser recuperadas e resgatadas. Esta noção, compatível apenas com concepções paradoxais, não lineares, de desenvolvimento, está implícita no alerta feito por Wallon em relação ao sincretismo: é preciso ser capaz de preservá-lo, tanto quanto discipliná-lo, uma vez que dele depende a possibilidade de combinações inteiramente novas e originais de ideias. (DANTAS, 1992, p. 44) Segundo Wallon, não é possível dissociar na pessoa qualquer um dos conjuntos funcionais (inteligência, afetividade ou ato motor), pois a criança é considerada como um todo que continua a se desenvolver, ressaltando que uma etapa constitui sempre um sistema mais amplo que a idade biológica. Os estágios são caracterizados por um conjunto de necessidades e interesses que buscam assegurar o desenvolvimento da pessoa. Assim, é necessário ter em conta que a matéria do pensamento não se forma unicamente pelo desenvolvimento do sistema nervoso, mas pela pessoal em sua totalidade, em sua relação com o meio, no qual a criança se integra de acordo com suas possibilidades. (AMARAL, 2009, p. 57) 3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão Na psicogenética walloniana, a dimensão afetiva é constitutiva da pessoa. A primeira fase do primeiro estágio (impulsivo/ afetivo) reduz-se às manifestações fisiológicas da emoção, o que se caracteriza como o ponto de partida do psiquismo. Conforme os estudos de Wallon, a cada estágio é possível perceber a predominância de um dos conjuntos funcionais. Especificamente em relação ao conjunto afetivo, podemos observar uma predominância nos estágios nos quais o indivíduo está mais voltado para si mesmo, que é o caso dos estágios: impulsivo emocional (0 a 1 ano), do personalismo (3 a 6 anos) e do estágio da puberdade ou adolescência (a partir dos 11 anos).
  • 49. 49 Na fase adulta o indivíduo está mais seguro de si, sendo que já passou pelas outras etapas do desenvolvimento. A tendência é que ele conheça suas possibilidades, valores, motivações e sentimentos e assim passa a ter condições de fazer as escolhas mais adequadas em situações diversas. Nesse momento de maturidade tem condições de centrar-se em si e também no outro, o que resulta em um equilíbrio entre o conhecimento de si mesmo e o conhecimento do mundo (MAHONEY e ALMEIDA, 2007). Porém, isso não significa que o processo de desenvolvimento tenha chegado ao fim, pois no contato com o meio no qual o indivíduo está inserido as transformações continuam. Ao mesmo tempo em que é influenciado, o homem também influencia os outros. Cabe ressaltar um aspecto importante que a teoria walloniana nos aponta em relação à afetividade, ela apresenta três momentos de evolução: emoção, sentimentos e paixão. A emoção é o substrato orgânico da afetividade; os espasmos iniciais do bebê vão, de forma progressiva, adquirindo formas próprias de expressão, que variam conforme as interações que se estabelecem entre o sujeito e as pessoas com quem ele convive, que são os outros6. Pessôa (2010) explica que os espasmos iniciais (choro e cólica) implicam-se diretamente com a motricidade da criança, com o seu tônus (contração e descontração). Portanto, podemos afirmar que a emoção7 é visivelmente percebida e é corpórea, pelo fato de se manifestar no corpo. Por conta disso, por exemplo, observamos que quando uma pessoa está nervosa suas mãos ficam trêmulas ou apresenta sudorese ou chora. Zazzo (1978, p.98), a partir da teoria walloniana, afirma que a emoção se manifesta antes da linguagem: “a emoção esboça o pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária e dá também início à distinção do eu e de outrem, preludia as afirmações da personalidade.” A emoção é o substrato orgânico da afetividade, entretanto, na medida em que ela se expressa socialmente está sujeita a interpretações pessoais fundamentadas no social e na cultura, as quais modulam e constituem a dinâmica do psiquismo humano. Pode-se dizer que a emoção é a exteriorização da afetividade 6 O outro sempre está inserido no meio e, na perspectiva walloniana, os dois estão imbricados e se constituem de forma mútua. 7 Wallon define emoção como um sistema de atitudes.
  • 50. 50 por meio da expressão corporal, motora, visível, ativada pelo fisiológico. A emoção aparece no bebê na forma de espasmos, que são contrações musculares e viscerais e também se manifestam como expressões de bem-estar ou mal-estar, assim a emoção estabelece os primeiros laços com o mundo humano e por meio dele, com o mundo físico. Segundo Almeida (2010), a emoção é determinante na evolução mental, pois a criança responde a estímulos musculares (sensibilidade proprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva) e externos (sensibilidade exteroceptiva). Aos poucos a criança vai afinando suas trocas com o mundo e é pela resposta do outro que ela passa a produzir os traços dos estímulos, assim podemos dizer que as atitudes que resultam da emoção têm influência da percepção e da interpretação do outro. A voz “trêmula” durante uma exposição, por exemplo, pode demonstrar ansiedade por se expressar em público ou insegurança por não ter se preparado para o evento; um sorriso, durante um discurso, pode ser interpretado como descontração e para outro pode revelar tensão e nervosismo. O sentimento é a representação da emoção, pois Wallon refere-se às representações para traduzir a emoção que podem ser elaboradas variavelmente pelo indivíduo, pois este utiliza a linguagem, os gestos, a arte ou a literatura para interagir. Essa representação é elaborada mentalmente e pode ou não se tornar conhecida, o que não é o caso da emoção. Os sentimentos permeiam as relações sociais que acontecem em diferentes meios, como é o caso da atuação do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, pois ele é afetado pelos seus alunos e pela obras literárias. Já a paixão pressupõe o autocontrole do indivíduo para atender a um objetivo; é a capacidade de tornar secreta a emoção que se faz presente, mantendo em segredo algo que o sentimento publicaria, assim a paixão torna a emoção silenciosa, de acordo com a teoria walloniana. Pessôa (2010, p. 54 ) salienta que é preciso compreender: “ainda que não haja exteriorização, ou seja, uma manifestação objetiva da emoção, esta não deixa de existir e de ser constitutiva do indivíduo, podendo, algum momento, vir à tona e tornar-se pública (muitas vezes até de modo inadequado)”. Sobre a exigência do autocontrole no convívio social, Wallon nos atenta para o fato de que a paixão só se manifesta após os três anos de idade.
  • 51. 51 A paixão pode ser intensa e profunda na criança. Mas com ela aparece a capacidade de tornar a emoção silenciosa. Portanto, para se desenvolver, pressupõe o autocontrole da pessoa e não pode vir antes da oposição claramente sentida entre si mesmo e o outro, cuja consciência não se dá antes dos 3 anos. Então a criança se torna capaz de alimentar secretamente frenéticos ciúmes, apegos exclusivos, ambições talvez vagas, mas nem por isso menos exigentes. (WALLON, 2007, p.126) 3.1.2 Ato motor Na teoria walloniana, o ato motor vai além do deslocamento físico do corpo no tempo e no espaço. Para Wallon, o movimento também é entendido na sua expressão simbólica, já que o homem é o único ser que possui tal capacidade; afirma ele que o ato mental se desenvolve a partir do ato motor e com o passar do tempo passa a inibi-lo, porém sem deixar de ser atividade corpórea. É a motricidade expressiva da mímica, inteiramente ineficaz do ponto de vista instrumental: não tem efeitos transformadores sobre o ambiente físico. Mas o mesmo não acontece em relação ao ambiente social: pela expressividade o indivíduo humano atua sobre o outro, e é isto que lhe permite sobreviver, durante o seu prolongado período de dependência. (DANTAS, 1992, p.38) Wallon, em sua análise genética, evidencia que a motricidade humana começa pela atuação sobre o meio social, antes de haver a possibilidade de modificar o meio físico e esse contato nunca é direito, pois é sempre intermediado pelo social, tanto na dimensão interpessoal quanto cultural. De acordo com o psicólogo, o movimento começa na vida fetal e ao longo do desenvolvimento, o ato motor se aperfeiçoa, o que significa que o bebê apresenta um movimento global, mas ele passa a ser ajustado com o tempo e o meio influencia ao proporcionar ou não situações desafiadoras: A maturação em conjunto com a ação do meio humano, exercendo um sobre o ouro uma influência recíproca, provocará progressos decisivos na evolução da criança. Sob os efeitos dessa influência recíproca, os movimentos impulsivos vão se transformando em movimentos que traduzem meios de expressão e formas de comunicação mais elaborados. (DUARTE; GULASSA, 2009, p.24)
  • 52. 52 3.1.3 Conhecimento Assim como o movimento, o conhecimento também se apresenta de maneira global e não muito clara nos primeiros anos de vida, mas ao longo do tempo vai se aprimorando por meio da interação do indivíduo com o ambiente e com os outros. No processo de aprendizagem, o conhecimento e a afetividade compõem uma díade, a qual se alterna com mais clareza durante os estágios iniciais do desenvolvimento do indivíduo, porém essa relação continua por toda a vida. Pelo fato de a escola ser o locus da aprendizagem formal, cabe ao professor buscar maneiras de proporcionar o acesso da criança à literatura de uma maneira agradável e auxiliá-la na reflexão sobre as obras e a sociedade na qual está inserida. 3.1.4 Pessoa Embora com as suas especificidades estruturais e funcionais, o ato motor, o conhecimento e a afetividade têm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, pois, ao mesmo tempo que este garante a integração dos conjuntos funcionais, é também resultado dela. Mahoney (2004, p. 19) explica que: Cada indivíduo tem uma forma própria e única, que caracteriza sua personalidade em movimento contínuo que vai desde a pessoa orgânica (predomínio do motor- nos três primeiros meses) até a pessoa moral (adolescência-predomínio do afetivo), passando pelo sensório-motor e categorial. A separação ocorre para que possamos compreender a particularidade dos domínios, porém na realidade cada um é parte constitutiva dos outros, ou seja, estão interligados embora haja predominância de um ou de outro, dependendo da situação. De acordo com Prandini (2004), o imbricamento e o dinamismo dos conjuntos conferem movimento ao psiquismo do indivíduo. Não ocorre uma simples junção dos domínios, pois é a maneira pela qual se articulam que configura o domínio funcional pessoa, que é o todo diante do qual cada um dos outros domínios deve ser visto, pois para Wallon cada parte deve ser considerada diante do todo do qual é parte constitutiva, sob pena de, ao contrário, perder seu significado essencial.
  • 53. 53 Pode-se dizer que pessoa é um conceito abstrato, genérico, que se refere ao que há em comum entre os homens, opondo-se ao conceito de indivíduo, como homem particular, concreto. Pessôa (2010) usa a metáfora do caleidoscópio para explicar o conjunto funcional pessoa. Segundo a autora, os espelhos que há em seu interior podem ser entendidos como os domínios afetividade, ato motor e conhecimento, e as contas coloridas representariam características e especificidades de cada um dos domínios. Já a bela imagem que pode ser vista pelo orifício corresponde ao quarto conjunto funcional: pessoa. No caleidoscópio há diversas possibilidades de combinações, inclusão ou exclusão de peças que podem representar os elementos constitutivos deste domínio funcional, o que representa a individualidade do psiquismo humano e o quanto as relações com seus pares e com o meio também podem influenciar em suas atitudes ou decisões, principalmente na adolescência e na fase adulta, pois o seu objeto não é mais o concreto e o pessoal, mas o metafísico e o universal, segundo a teoria walloniana. A pessoa parece então ir além dela mesma. Para as diversas relações sociais que acabara de aceitar e nas quais parecia ter apagado, procura uma significação, uma justificativa. Confronta entre si valores e compara-se com eles. Com esse novo progresso, termina a preparação para a vida que a infância foi. (WALLON, 2007, p. 190) 3.2 O Papel dos Meios e dos Grupos na Constituição da Pessoa Ao estudar a teoria walloniana, percebemos o quanto o meio é importante para o processo de desenvolvimento do ser humano. “O meio é o complemento indispensável do ser vivo. Ele deverá corresponder às suas necessidades e às suas aptidões sensoriomotoras e, depois, psicomotoras.” (WALLON, 1986, p.168). Perante essa afirmação, destaca-se que o ser e o mundo em que vive se complementam, pois há trocas entre eles, assim as suas transformações são mútuas.
  • 54. 54 O meio é diferente do grupo, pois o meio contém o grupo, inclusive dentro do meio pode haver diversos grupos, como, por exemplo, a família8 ou os grupos que se formam na escola ou no ambiente de trabalho e é por conta dessa organização de trabalho que ocorrem as relações interpessoais e assim os indivíduos se humanizam. Wallon (1973a, p.163) apresenta três tipos de meios: a) meio físico-químico: refere-se às condições do ambiente que são fundamentais para a sobrevivência dos seres vivos, com por exemplo a água, oxigênio etc.; b) meio biológico: corresponde ao espaço em que convivem várias espécies (oceanos, florestas), o que proporciona um estado de equilíbrio mais ou menos estável; c) meio social: é um ambiente de convivência de indivíduos. O meio social sobrepõe-se o meio físico. O psicólogo francês explica que a existência biológica do indivíduo civilizado já não é exatamente a mesma de um homem reduzido ao estado da natureza, assim pode-se concluir que ela muda conforme o nível e as formas de civilização. Sabe-se que a sociedade põe o sujeito em presença de novos meios, de novas necessidades e possibilidades de evolução, assim a criança ou adolescente pode ter como mudar a sua realidade, porém isso dependerá também do meio em que vive. Sobre essa questão Wallon (1973a, p.165) afirma o seguinte: A constituição biológica da criança ao nascer não será a lei única do seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais de sua existência, donde a escolha pessoal não está ausente. Para esse teórico, meios e grupos são distintos, porém em alguns casos podem coexistir como é o caso da família. Um grupo é um conjunto de pessoas, as quais atuam em função de objetivos determinados e são esses objetivos que definem a composição do grupo, a divisão de tarefas, os procedimentos que regulam as relações dos membros entre si e sua hierarquia. O teórico ressalta que assim 8 Segundo Wallon alguns meios são grupos ao mesmo tempo, isso ocorre porque sua existência é baseada na reunião de indivíduos que mantêm relações que determinam o papel ou o lugar de cada um. Exemplo: a família (ALMEIDA, 2009).