1. Agravo de Instrumento n. 0116868-96.2015.8.24.0000
Relator: Desembargador Jorge Luiz de Borba
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
DIREITO AMBIENTAL. ORDEM DE REALIZAÇÃO DE
VISTORIA, POR PARTE DE MUNICÍPIO, PARA
AVERIGUAR OS RESPONSÁVEIS PELO LANÇAMENTO A
CÉU ABERTO DE EFLUENTES DOMÉSTICOS E
CLOACAIS COM DESÁGUE FINAL EM RIO LOCAL.
OMISSÃO ESPECÍFICA DA MUNICIPALIDADE QUANTO À
FISCALIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO EM SEU
TERRITÓRIO E AO DEVER DE PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE. EXISTÊNCIA DE AUTARQUIA MUNICIPAL
RESPONSÁVEL PELA FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL.
CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO DESVINCULA A
MUNICIPALIDADE DE SEUS DEVERES. TRINTÍDIO
ESTIPULADO PARA ADIMPLEMENTO DA MEDIDA JÁ
ELASTECIDO EM POSTERIOR INTERLOCUTÓRIO PARA
CENTO E VINTE DIAS. DECURSO, ADEMAIS, DE MAIS DE
DOIS ANOS E MEIO DESDE A DECISÃO AGRAVADA SEM
QUE HAJA NOTÍCIA DE SEU CUMPRIMENTO. RECURSO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
n. 0116868-96.2015.8.24.0000, da comarca de Criciúma (2ª Vara da Fazenda),
em que é Agravante Município de Criciúma e Agravado Ministério Público do
Estado de Santa Catarina:
A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade,
conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Des. Carlos Adilson Silva e Des. Luiz Fernando Boller.
Florianópolis, 5 de julho de 2016
Jorge Luiz de Borba
PRESIDENTE E RELATOR
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Gabinete Desembargador Jorge Luiz de Borba
RELATÓRIO
O Município de Criciúma interpôs agravo de instrumento à decisão
pela qual, nos autos da ação civil pública que lhe move o Ministério Público do
Estado de Santa Catarina, deferiu-se a liminar nos seguintes termos:
Trata-se de pedido liminar em sede de ação civil pública onde o Ministério
Público pretende que o Município de Criciúma promova vistoria nas ligações
irregulares/clandestinas junto à galeria pluvial localizada na Rua Domingos de
Villa, esquina com a Rua João Manuel Debrandino, onde supostamente está
ocorrendo o lançamento a céu aberto de afluentes domesticos e cloacais, os
quais estão, por fim, atingindo o Rio Linha Anta, nos termos da inicial.
Prestadas as informações pelo Município, os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
Decido.
Sabe-se que para a concessão de liminar é necessária a comprovação do
fumus boni iures e do periculum in mora.
In casu, e através de uma análise perfunctória da lide, percebe-se que,
em relação ao fumus boni iures da medida, os documentos juntados pelo
Ministério Público em sua inicial demonstram, através das apurações havidas
no Inquérito Civil n. 06.2013.00001461-1, que há no local indicado o
"lançamento de esgotos sanitário a céu aberto", salientando ainda que o
afluente em questão "desemboca no Rio Linha Anta, sem qualquer tratamento"
(Parecer Técnico expedido pela Fundação do Meio Ambiente de Criciúma –
FAMCRI, página 51/53). Portanto, não há dúvidas acerca do fato descrito na
inicial.
Nestes termos, e considerando ainda os preceitos de proteção ao meio
ambiente, mormente como garantia de um ecossistema equilibrado a todo
cidadão, cuja proteção abrange também os recursos hídricos, resta
caracterizado o fumus boni iures da medida.
No que tange ao periculum in mora, o mesmo se mostra configurado ante
o iminente agravamento dos prejuízos causados ao ecossistema da região,
principalmente aos recursos hídricos representados pelo "Rio Linha Anta".
Sendo assim, DEFIRO a liminar colimada para determinar que o Município
de Criciúma, no exercício do seu poder fiscalizador e de polícia, promova a
vistoria no local sub judice com o intuito de averiguar a existência de ligações
irregulares/clandestinas junto à galeria pluvial existentes naquela região,
lacrando-as se encontradas. Deve o Município ainda, quando da vistoria, listar
os proprietários dos imóveis responsáveis pelas ligações
irregulares/clandestinas que porventura sejam encontradas no local, tudo no
prazo máximo de 30 dias, nos termos da inicial (fls. 60-61).
Sustenta que "não possui condições de arcar com a tutela
pretendida e adotar providências" (fl. 3); que a Fundação Municipal do Meio
Ambiente vem acompanhando o caso e fornecendo as informações utilizadas
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pelo parquet" (fl. 4v.); que a referida autarquia municipal é a "responsável pelo
meio ambiente" (ibidem); que da decisão recorrida resultará grave lesão aos
cofres públicos; que a administração municipal vem cumprindo as suas
obrigações quanto ao saneamento básico, notadamente porque possui 40% de
seu território com esgotamento coletivo instalado; e, sucessivamente, que o
prazo assinalado para o levantamento em questão é por demais exíguo, devendo
ser ampliado para 6 (seis) meses.
O Exmo. Sr. Des. Subst. Luiz Zanelato indeferiu o pedido de efeito
suspensivo (fls. 65-70) e o agravado apresentou contrarrazões (fls. 75-78).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da
Exma. Sr.ª Dr.ª Walkyria Ruicir Danielski, opinou pelo desprovimento do agravo
(fls. 83-89).
VOTO
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade. Passa-se
à análise das suas razões.
Trata-se de agravo de instrumento em que se questiona a
determinação de que o agravante, o Município de Criciúma, realizasse "vistoria
no local sub judice com o intuito de averiguar a existência de ligações
irregulares/clandestinas junto à galeria pluvial existentes naquela região,
lacrando-as se encontradas" (fl. 61), listando "os proprietários dos imóveis
responsáveis pelas ligações irregulares/clandestinas que porventura sejam
encontradas no local, tudo no prazo máximo de 30 dias" (fl. 61).
Isso porque, segundo se colhe da exordial da ação civil pública de
origem, "no Bairro Imigrantes, mais especificamente na Rua Domingos de Villa,
esquina com a Rua João Manuel Debrandino, está ocorrendo o lançamento a
céu aberto de efluentes domésticos e cloacais, e que esses efluentes estão
terminando por atingir o Rio Linha Anta" (fl. 9). A alegação tem suporte em
vistoria e parecer técnico efetivados por agentes da Fundação Municipal do Meio
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Ambiente de Criciúma – Famcri.
Segundo o Parquet, a investigação ordenada por meio da decisão
aqui recorrida é necessária "para que se saiba quem está fazendo desse Rio a
sua fossa séptica e/ou sumidouro" (fl. 10), evitando com isso um "possível surto
de cólera, problemas com o borrachudo e outras doenças provenientes da água
parada ou do próprio Rio, ou ainda do próprio esgoto a 'céu aberto' que passa
pela via pública (ibidem).
No agravo de instrumento, a municipalidade não nega os fatos em
questão e tece considerações imprecisas sobre o suposto custo de semelhante
vistoria, que oneraria em demasia os cofres públicos. Além disso, afirma que
cumpre o seu papel como supervisor do saneamento básico e que a efetiva
responsável pelo meio ambiente no âmbito de seu território seria a Famcri.
Ora, de um lado, a alegação a respeito do alto custo da medida não
encontra respaldo em nenhum elemento probatório. De outro lado, a assertiva de
que cumpriria – em termos gerais – a sua função como gestor do saneamento
básico não o desincumbe de solucionar a pendência específica retratada na
exordial. Por fim, a Famcri é autarquia vinculada à administração municipal e,
conquanto por certo poderá auxiliar o agravante no cumprimento da ordem
questionada, a sua existência não serve como justificativa para a municipalidade
esquivar-se de suas responsabilidades perante o meio ambiente.
Quanto ao prazo, como bem enfatizou o recorrido em suas
contrarrazões, verifica-se que já foi elastecido para 120 (cento e vinte) dias em
decisão posteriormente lançada na actio originária, o que se aproxima em muito
dos 180 (cento e oitenta) dias sugeridos no recurso.
Ademais, desde o interlocutório recorrido, datado de dezembro de
2014, já decorreram mais de dois anos e meio e, aparentemente, ao menos do
que se colhe da movimentação processual colhida do SAJ-PG, não há
informação quanto ao cumprimento da expressa ordem.
No mais, adotam-se como razão de decidir os bem lançados
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fundamentos pelos quais o Exmo. Sr. Des. Subst. Luiz Zanelato, nestes autos,
indeferiu a antecipação da tutela recursal:
A tutela concedida pelo juízo a quo encontra respaldo constitucional, pois,
visa a proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, no qual se insere a proteção à flora e à fauna, previsto no art. 225
da Constituição da República, que assim estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo
para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
[...];
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies
ou submetam os animais a crueldade. (grifou-se).
Deve, portanto, o magistrado, como representante do Poder Judiciário,
pautar as decisões visando a concretização das garantias constitucionais
concernentes aos direitos difusos e coletivos, nos quais o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se encampado.
Com efeito, leciona Romeu Thomé:
O Poder Público é detentor de efetivos meios para "incentivar" a efetiva
preservação do meio ambiente, evitando a concretização do dano ambiental.
(...) É imperioso reconhecer que a preservação do meio ambiente
ecologicamente equilibrado constitui dever do Estado e esse relevante papel
de proteção ambiental exercido pelo Poder Público não fica restrito apenas à
atuação do Poder Executivo. Nesse sentido, o princípio onze da Declaração
do Tio/92: "Os Estados deverão promulgar leis eficazes sobre o meio
ambiente". O dever de intervenção do Estado na preservação do meio
ambiente incumbe aos três Poderes da República, em todas as esferas de
atuação. (Manual de Direito Ambiental. 2.Ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p.
79/80).
Ora, sendo a proteção do meio ambiente saudável e equilibrado dever de
todos, inclusive, com a interferência do Poder Judiciário, descabido o
argumento do agravante de que não dispõe de meios para efetivar a medida
determinada, pois, não foi omisso e a competência para realizar tal ato seria da
Fundação Municipal do Meio Ambiente.
Os autos relatam a existência de esgoto a céu aberto junto à galeria
pluvial localizada na Rua Domingos de Villa, ou seja, o problema ambiental é
ainda mais grave, pois, afeto à própria saúde pública, sendo perfeitamente legal
a determinação da medida em face da municipalidade, ante sua inércia em
resolvê-lo, seja por si ou por meio de suas secretarias, autarquias ou
concessionárias.
Não se olvida que o município não só pode, mas deve, distribuir suas
funções entre os diversos entes em que se desdobra a estrutura da
administração pública, a fim de cumprir o princípio constitucional da eficiência,
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todavia, não pode se valer de tal permissivo para se esquivar de suas
obrigações, notadamente, quanto àquelas de proteção constitucional, como o
meio ambiente, a saúde e a educação. Se o agravante entende que a Fundação
Municipal do Meio Ambiente é quem detém condições de cumprir a obrigação, é
dotado dos meios administrativos de coerção para determinar que o faça.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência de nossa Corte de Justiça:
AGRAVO POR INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO
DETERMINANDO A TOMADA DE PROVIDÊNCIAS PARA RECUPERAÇÃO
DO RIO ARAÚJO, LOCALIZADO NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ,
CONSISTENTES NO IMPEDIMENTO DE EVENTUAIS INVASÕES,
DESVIOS E ATERROS, ALÉM DO DESASSOREAMENTO E LIMPEZA DE
TODO O CURSO, COM A RETIRADA DE ENTULHO E LIXO,
PROMOVENDO-SE, AINDA, O REFLORESTAMENTO DO ENTORNO COM
VEGETAÇÃO DE FLORA NATIVA. PROCESSUAL CIVIL. ANÁLISE
VERTICALMENTE SUMARIZADA E NÃO EXAURIENTE, RESTRITA AO
ACERTO OU DESACERTO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL
COMBATIDO. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DAS ASSERTIVAS
RELACIONADAS A RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS NO AVENTADO DANO AMBIENTAL PORQUANTO NÃO
APRECIADAS EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO, SOB PENA DE
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. Tratando-se de agravo por instrumento,
somente se admite a análise do pronunciamento judicial combatido sob a
ótica do acerto ou desacerto do ato hostilizado, desautorizado o exame
aprofundado acerca do mérito da ação em trâmite na origem, sob pena de
supressão de instância. MÉRITO. IRRESIGNAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
SÃO JOSÉ, SOB O FUNDAMENTO DE SER DA CASAN,
CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO
SANITÁRIO, A RESPONSABILIDADE PELA DEGRADAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE. INCONSISTÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. OMISSÃO DO ENTE
PÚBLICO MUNICIPAL NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS
NORMAS AMBIENTAIS E DO CONTRATO DE CONCESSÃO. DEVER DE
FISCALIZAR ORIUNDO DO PODER DE POLÍCIA. OBRIGAÇÃO
CONSTITUCIONAL DE PROTEGER O MEIO AMBIENTE. DECISÃO
ESCORREITA. DEFESA DO INTERESSE DA COLETIVIDADE. APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. [...]. (TJSC, Agravo de Instrumento n.
2012.020756-0, de São José, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 21-5-2013).
Dessa forma, não se descarta que a referida fundação poderia constar do
polo passivo da lide, o que não é objeto deste recurso, mas impossível excluir a
responsabilidade do município em solucionar um problema ambiental grave,
cuja ciência possui há mais de dois anos. Pouco crível, ainda, supor que não
houve omissão por parte do agravante em permitir que problema tão grosseiro
persista por tantos anos.
Aliás, destaca-se que nas informações prestadas ao juízo de origem,
conforme se extrai de consulta realizada no Sistema de Automação do
Judiciário (SAJ), o recorrente, ao contrário do que sustenta neste recurso,
afirmou que a responsabilidade pela solução do problema é da CASAN.
Possível perceber, portanto, que a municipalidade tenta, de toda forma,
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esquivar-se de sua obrigação em manter o meio ambiente equilibrado.
No que toca ao prazo de trinta dias para a execução da medida, não
obstante os argumentos do recorrente, verifica-se que a ação civil pública é
datada de 19-2-2013 (fl. 28-v), ou seja, há mais de dois anos que a
municipalidade tem conhecimento dos fatos, sem, contudo, realizar medida
efetiva para solucioná-lo. Ora, se o problema é anterior ao ano de 2013, ao
recorrente já foi concedido prazo bastante extenso para que o resolvesse
voluntariamente, porém, pelo que refletem os autos, prefere a inércia. Aliás,
destaca-se que não colacionou ao presente agravo de instrumento qualquer
documento hábil a demonstrar a razão do prazo ser exíguo, ônus que lhe
incumbia a teor do que dispõe o art. 525, II do CPC (fls. 66-69).
Ante o exposto, o recurso deve ser conhecido mas desprovido.
É o voto.