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Urbano Félix Pugliese do Bomfim - Tese apresentada
Patrimônio alimentar brasileiro revelado
1. 1
CURSO PRÁTICO
CULTURA, ALIMENTO, DIVERSÃO E ARTE.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO CULTURAL IMATERIAL BRASILEIRO
TODOS OS MILENARES SEGREDOS DA IGUARIA REVELADOS
PASSO-A-PASSO
RONALD TEGOO
1ª Edição
2014
2. 2
DOS DIREITOS AUTORAIS
Todos os direitos desta obra são reservados ao autor. É proibida a
reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos,
reprográficos, fonográficos, videográficos. É vedada a memorização e/ou a
recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta
obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições
aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração,
bem como à forma de como o conteúdo foi organizado. A violação dos
direitos autorais é punível como crime, na forma prevista no Código Penal
Brasileiro, com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações
previstas no Código Civil Brasileiro, e da Lei n° 9.610/98, dos Direitos
Autorais, e posteriores.
RONALD TEGOO
1ª Edição
2014
3. 3
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo, já dizia a música, é preciso amar as pessoas como se
não houvesse amanhã. É muito difícil agradecer citando-se nomes, pois que
se corre um grande risco do esquecimento, a despeito disso alguns nomes
precisam sim ser mencionados, dentre eles muitos inspiradores e
incentivadores, familiares, colaboradores, clientes, fornecedores e amigos
que, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, contribuíram cada
qual a seu modo para que este trabalho pudesse ser levado a bom termo:
Maria Paixão, Manoel Barbosa Carneiro (In Memoriam), José Maria,
Miraldo, Faina, Luis Fernando, Henrique, Gustavo, Dr. Marco Natali Ph.D.,
Antônio Pimenta, Maria Aparecida, Hélio Businotto (In Memoriam), Maria
José, Allyne, Alexandre, Ednéia, Eduarda Alessandra;
José Geraldo, Bruna, João Batista, Edite, Fernando, Marli, Franklin
Assis, Iago Espir, Thaís, Cíntia, Josiane, Carlos Henrique, Alissom;
Agradeço igualmente aos patrocinadores, os quais considero como
coautores, sem os quais esta obra fatalmente não teria sido impressa ou
editada e, muito menos, publicada ou disponibilizada ao grande público que é
a quem ela melhor se destina. (Esta obra não foi impressa nem
publicada nos moldes tradicionais, primeiro, porque não houve
interesse público e nem privado em financiá-la dado ao seu elevado
custo de impressão, bem como em razão do seu volume e extensão,
e, segundo, porque caso ainda fosse publicada e disponibilizada de
forma impressa o seu alto custo, ao consumidor final, seria
inacessível para a maioria das pessoas, o que a tornaria totalmente
impopular e, assim, não cumpriria para com o seu papel de grande
penetração em massa pretendido pelo autor, e, por isso, é que foi
disponibilizada ao grande público apenas em formato digital E-book.)
Agradeço a todos aqueles que, gentilmente, autorizaram o uso de seus
textos, das suas imagens, fotos e demais direitos autorais, e que assim
contribuíram de forma valiosa não apenas com esta obra, mas
principalmente ajudaram e contribuíram civicamente com a preservação e
divulgação dos saberes e fazeres da nossa ancestralidade e identidade
histórico-cultural, que guiaram e conduziram o processo civilizatório do nosso
povo e da nossa pátria amada.
4. 4
Em especial, agradeço a ________(Você)_______ pela aquisição deste
exemplar, o que nos ajudará a resgatar, preservar, defender, proteger,
divulgar e difundir um dos aspectos mais importantes da nossa
ancestralidade e da nossa manifestação cultural que é a nossa milenar
tradição alimentar, oriunda das nossas raízes culturais ameríndias, nosso
patrimônio histórico e artístico cultural imaterial brasileiro. Com votos de
felicidade do Autor. Boa leitura!
6. 6
DEDICATÓRIA
Em especial, dedico aos povos e às nações indígenas da América
do Sul, em especial às mais de 220 nações indígenas em território
brasileiro, cujos mais de quase 800.000, oitocentos mil, índios nativos
ainda remanecentes, ou melhor, sobreviventes do genocídio contra eles
historicamente perpetrado, e que falam cerca de 180 idiomas, não
apenas por tantos ensinamentos e exemplos de sustentabilidade, mas,
principalmente, pelo valoroso legado histórico-cultural alimentar por
nós herdado. Dedico e agradeço, ainda que com todo pesar, mas com
todo o meu amor e solidariedade, a toda classe de vendedores
ambulantes do planeta, tanto os marginalizados quanto os bem-
sucedidos, o que faço em especial e em memória de Mohamed Bouazizi
e a toda a sua família e colegas de trabalho e de luta. Ele ―é‖, apesar da
pouca memória popular, herói e mártir, haja vista que se tratava de um
jovem Tunisiano, vendedor ambulante de frutas e de legumes que, no
ano de 2011, aos 26 anos de idade, após ter sofrido grave violência
contra a sua vida, sua honra e dignidade humana, o levou, em um ato
de protesto e de desespero, a por fim à sua própria vida.
Tudo começou quando Bouazizi teve a sua principal ferramenta de
trabalho e de subsistência, que era a sua carrocinha de frutas e de
verduras, covardemente confiscada e apreendida pelo governo ditatorial
e déspota do seu país, sob a alegação de que a razão de tal confisco
era a falta de pagamento de impostos. Caso em que, uma vez definido
este quadro de abuso, depois de reiteradas reivindicações frustradas no
intuito de reavê-la, Mohamed Bouazizi pôs fim à própria vida, e o fato
trágico ocorreu após ele não ser ouvido em suas várias e reiteradas
reivindicações para reaver sua ferramenta de trabalho que lhe garantia
a sua própria vida e a vida da sua família, o que o levou então, num ato
de protesto e de desespero, a atear fogo ao próprio corpo. Tal ato de
desespero, não foi só em prol de interesse próprio, mas também em
homenagem aos seus compatriotas oprimidos pelos desmandos
ditatoriais do governo déspota, corrupto e incompetente que assolava a
sua vida tal como de toda a sua pátria.
7. 7
Com este ato Bouazizi não ateou fogo apenas em seu corpo, mas
incendiou todo o mundo Árabe, por isso, ele também é conhecido como
O Pai da Primavera Árabe, movimento popular que, em solidariedade a
Bouazizi, lutou pela queda de vários outros governos aberta e
declaradamente ditatoriais, muito comuns naquele continente.
Recomendo que pesquise mais sobre este assunto e conheça mais
sobre Mohamed Bouazizi. Em particular, eu, na condição de vendedor
ambulante de alimentos, apesar de não poder chegar sequer aos seus
pés, me sinto imensamente orgulhoso e honrado em poder possuir o
privilégio de chamá-lo de colega, não naquilo a que pertine ao símbolo
de resistência no qual ele se tornou, mas, tão somente apenas no que
se refere ao exercício dessa atividade de vendedor ambulante, muitas
vezes, ou quase sempre, incompreendida, estigmatizada e
marginalizada.
Dedico, igualmente, a todos os microempreendedores individuais,
a todos aqueles trabalhadores que atuam no âmbito da economia
criativa, empreendedores culturais, artistas culturais, Mestres e Mestras
Griôs e Griotes, Educadores Culturais e Patrimoniais. Em especial,
dedico aos ambulantes da área da alimentação, seja na área dos fast
foods ou Slow Foods e demais comidas típicas tradicionais, pelo
exemplo do sonho sul americano, mais precisamente do sonho
brasileiro, qual seja aquele que diz não importar quem você seja, onde
tenha nascido, seja qual for a sua cor, raça, condição social ou credo
religioso, mas que, ainda assim, é possível vencer pelo trabalho duro e,
acima de tudo, através do resgate, da preservação, da valorização, da
proteção, da defesa, da divulgação e da disseminação dos saberes,
fazeres e das expressões e tradições da nossa ancestralidade, bem
como das raízes histórico-culturais de cada povo. Em nome destes
ícones culturais, desses artistas populares, agentes culturais,
trabalhadores e empreendedores é que dedico esta obra, assim como
aos inúmeros outros que nos inspiraram e nos deram exemplos práticos
de que onde há uma vontade há um caminho, assim é que sigo
dedicando não necessariamente às pessoas em si, mas principalmente
à suas condutas profissionais e exemplos de sucesso que nos
inspiraram, encorajaram e nos deram força, tais como:
8. 8
Samuel Klein; Silvio Santos; David Camelô; Ricardo Eletro; o
Engenheiro que virou suco; aos fundadores do Castelinho da Pamonha e do
Frango Assado; Robinson Shiba da China in Box; Bill Gates; José de Alencar
e tantos outros anônimos que não ganharam a grande mídia, mas que
escreveram histórias parecidas, que iniciaram suas atividades do nada de
forma limitada e improvisada e, com igual paciência e persistência, também
se tornaram tão vitoriosos quanto estes que acabo de citar e que são hoje
geradores de renda e de milhares de empregos, bem como grandes e
significativos contribuintes ao fisco.
9. 9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 14
1 A MANDIOCA E A SUA ORIGEM, 23
2 LENDAS, 31
3 A FUNAI, 54
3.1 Missão, 54
3.2 As Línguas Indígenas, 58
3.3 Índios Isolados, 60
3.4 História e Política Indigenista, 60
3.5 O Estatuto do Índio, 64
4 VARIEDADES DA RAIZ, 80
5 UTILIZAÇÃO, 87
5.1 O Tacacá, 88
5.2 O Tucupi, 90
5.3 A Maniçoba, 91
5.4 Cauim, 92
5.5 Tiquira, 94
5.6 Produtos e Sub-produtos: Fécula x Amido; Polvilhos, 95
6 CÂMARA SETORIAL DA CADEIA PRODUTIVA DE MANDIOCA,
109
7 O SETOR PRODUTIVO DA MANDIOCA, 111
8 A EMBRAPA, 113
8.1 Missão, 114
10. 10
9 A UNESCO - TAPIOCA É PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL
NACIONAL, 116
9.1 Missão, 121
9.2 Estados Membros, 121
9.3 IPHAN – Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 122
9.4 A Tapioca e a sua classificação gastronômica, 131
9.5 Movimento Slow Food, 133
10 TAPIOCAS TRADICIONAIS VERSUS TAPIOCAS ESPECIAIS,
141
11 A GOMA DE TAPIOCA, RECEITA PASSO-A-PASSO, 191
12 DICAS DE TAPIOCAS SALGADAS, 195
13 DICAS DE TAPIOCAS DOCES, 202
14 RECEITAS DIVERSAS COM MANDIOCA E SUBPRODUTOS,
211
14.1 Caviar de sagu, 212
14.2 Cuscuz de tapioca, 213
14.3 Dadinhos de tapioca, 215
14.4 Escondidinho de mandioquinha, 216
14.5 Manjar de tapioca, 218
14.6 Pudim de tapioca, 219
14.7 Sagú com banana caramelizada, 220
14.8 Tapioca doce, 221
14.9 Sorvete de tapioca, 223
14.10 Sorvete de tapioca com calda de vinho e ameixa, 224
14.11 Bolo de tapioca, 225
11. 11
15 TAPIOCA FAÇA E VENDA, 226
16 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE DRINKS E AFINS, 287
16.1 Principais Utensílios e Equipamentos, 289
16.2 História do Vinho, 320
16.3 Tipos de Vinho, 321
16.4 História da Cerveja, 324
16.5 História da Cachaça, 328
16.6 História da Tequila, 332
16.7 Bebidas de A a Z, 335
16.8 Drinks Para Tempo frio, 364
16.9 Drinks de Baixas Calorias, 369
16.10 Drinks do Inferno, 371
16.11 Drinks Sem Álcool, 373
16.15 Licores, 385
16.16 Batidas, 388
17 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE AS BOAS PRÁTICAS NOS
SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO, 391
17.1 Manipulação e Conservação de Alimentos, 391
18 NOÇÕES GERAIS SOBRE A GESTÃO DE BARES,
RESTAURANTES E AFINS, 463
19 FORMALIZAÇÃO, MICRO EMPREENDEDOR INDIVIDUAL
(MEI), 494
20 REGULARIZAÇÃO DOS AMBULANTES, QUIOSQUEIROS,
TRAILISTAS E SIMILARES, 509
21 ATIVIDADE PRIORITARIAMENTE ARTÍSTICO CULTURAL,
534
22 A LEI GRIÔ PL – 1.786/2011 E PL – 1.176/2011, 561
12. 12
23 FUNDOS NACIONAL E ESTADUAL DE CULTURA, 598
24 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE PRODUÇÃO CULTURAL, 615
25 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE GESTÃO DE PROJETOS; 624
26 TAPIOCA CANTA, 721
26.1 Música Carioca, Chico Buarque, 721
26.2 Música Lua de Tapioca, Jessier Quirino, 723
26.3 Música Tapioca de Olinda, Moraes Moreira, 724
26.4 Música Massa de Mandioca, Matruz com Leite, 725
26.5 Música Tapioca Samba, Meno Del Picchia, 726
26.6 Música Abc de Tapioca, Ronald Tegoo, 728
26.7 Música Marcha de Mandioca, Ronald Tegoo, 730
26.8 Música Hino à Tapioca, Ronald Tegoo, 731
27 TAPIOCA FALA, 733
27.1 A Negra da Tapioca, Deolindo Tavares, 734
27.2 A Poesia Sem Rima, Fernando Paixão, 735
27.3 Areia Branca, Deífilo Gurgel, 738
27.4 A Tapioca, Dalinha Aragão, 741
27.5 Filha do Nordeste, Dalinha Aragão, 743
27.6 Ouro Branco, Ronald Tegoo, 744
28 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 746
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS, 751
WEBGRAFIA, 752
WEBFOTOGRAFIA, 753
CONTRACAPA, 760
13. 13
O grande escritor é aquele que é
capaz de tornar sublime o que, nas mãos
de um medíocre, não tem sublimidade.
Temas aparentemente simples tomam um
caráter complexo nas mãos do grande
escritor.
Mário Ferreira dos Santos
14. 14
INTRODUÇÃO
Sim, devo confessar que o desafio de escrever um livro sobre
tapiocas foi muito estimulante, principalmente, ao se levar em conta
o fato inacreditável de que, até então, nenhum outro tivesse sido
dedicado exclusivamente ao mesmo tema e que não tivesse ainda
sido escrito ou publicado no seu próprio país de origem. Tal
constatação tornou essa missão deverasmente instigante e, ousaria
mesmo dizer, até um tanto quanto nobre por ter a petulância de
querer escrever um livro sobre algo cuja maioria das pessoas não
consegue escrever sequer um simples conceito ou, no máximo,
redigem uma simples receita. Muito mais instigante e eivado de
magia, encanto, poesia, lirismo e sublimidade foi o fato de tal obra
teórica, poder nascer e surgir das mãos de um autêntico tapioqueiro
ambulante, ou seja, a partir dos conhecimentos recebidos através da
oralidade e de práticas ancestrais, saberes e fazeres milenares,
revelando-se, assim, como um verdadeiro relato das experiências e
vivências de um legítimo Mestre Griô Tapioqueiro, Empreendedor
Cultural, Arte Educador, Educador Cultural e Patrimonial e Vendedor
Ambulante de Alimentos. Consubstanciou-se, assim, a junção
sistêmica de dois aspectos em um só, o aspecto puramente cultural e
o aspecto comercial, que deram origem a um outro terceiro aspecto
que é o artístico-cultural, inserindo-se tal prática e, tudo o que a ela é
naturalmente pertinente, em dois outros contextos quais sejam, o
âmbito educacional e o da economia criativa.
Mas isso ainda não é tudo, um dos principais motivos que
ensejou este livro não é apenas o fato incontestável e irrefutável da
mandioca e seus derivados serem nativos do Brasil e, ha séculos, ou,
ha milênios, ter matado a fome e garantido a sobrevivência da
maioria das nações indígenas da América do Sul e, posteriormente, a
de seus colonizadores. O que mais motivou realmente foi o fato
inacreditável e, até mesmo, aborrecedor de que, apesar disso, a
tapioca, que é o alimento tradicional mais básico produzido a partir
da raiz da mandioca, ainda seja ignorada e desconhecida no seu
próprio país de origem tanto por parte de muitos dos descendentes
diretos de índios quanto indiretos, assim como também por parte dos
descendentes diretos ou indiretos dos colonizadores europeus ou
afrodescendentes, ainda que decorridos apenas pouco mais de 500
anos da colonização.
15. 15
É assustador, é apavorante, doloroso, pesaroso e, por isso
mesmo, inaceitável ter que explicar para mestiços brasileiros, sejam
eles mulatos, mamelucos ou caboclos e cafuzos, já adultos ou idosos,
o que é a tapioca, posto que, é algo como se precisasse ensinar aos
italianos o que é uma pizza, aos espanhóis o que é uma paella, aos
chineses o que é o macarrão, aos japoneses o que é o sushi, ou aos
norte-americanos, estadunidenses, o que é um sandwich ou um hot-
dog.
Sim, porque se nós nos esquecermos de quem nós somos, e
porque nós somos quem nós somos, e como é que nós somos o que
somos, terá se descaracterizado a nossa diversidade, a nossa
identidade e a nossa ancestralidade, passaremos ou voltaremos aos
primórdios e qualquer forasteiro poderá nos transformar no que bem
entender, no que bem quiser, bastará, para tanto, como já ocorreu
no passado, nos mostrar o brilho de algum espelho e de algumas
ferramentas e equipamentos tecnológicos que não conheçamos e, de
novo, nos escravizarão, retirarão o resto das nossas já escassas
riquezas, nos domesticarão e nos adestrarão ao seu bel prazer, de
acordo com os seus interesses comerciais e valores culturais que, por
óbvio, não são os mesmos que os nossos. Que nenhuma cultura se
sobreponha a outra, não se trata de fazer apologia à hegemonia das
raças, mas que todas coexistam e se correlacionem, de forma tal que
se complementem mútua e harmoniosamente, este é o nosso desejo,
qual seja o de incentivar uma identidade sistêmica, diversa e integral,
naturalmente composta de diversas outras identidades miscigenadas
entre si.
Inegavelmente, causa-nos espanto e imensa indignação, diante
deste sinal de alerta para a nossa cultura e para este aspecto da
nossa diversa identidade, que corre perigo de desaparecer aos
poucos, haja vista que se perde um pouco aqui, outro pouco ali e
quando se tomar pé da situação poderá ser tarde demais, podendo a
nossa pátria ter sido transformada em terra de ninguém, ou pior,
terra de forasteiros colonizadores que impõe à força, ou até mesmo
de forma sutil e velada, a sua cultura em detrimento da cultura dos
nativos outrora colonizados. As palavras-chave por detrás dessa luz
vermelha que nos convoca ao urgente resgate cultural, portanto, são
autopreservação, coexistência, interdisciplinaridade, visão sistêmica e
integralizadora, cultura, arte, educação, patrimônio histórico material
e imaterial, consciência histórica e artístico-cultural.
16. 16
Até então, era fato notório que a iguaria tapioca era
culturalmente apreciada diariamente, de forma massificada, apenas
por uma restrita parcela da mestiça população brasileira das regiões
Norte e Nordeste do Brasil, onde este aspecto, da tradição alimentar
indígena, remanesceu melhor preservado até então. Por incrível que
pareça, a iguaria é totalmente desconhecida e quase extinta em
outras regiões do país, até mesmo em regiões onde outrora, nos
primórdios, foram habitadas por nações indígenas, como é o caso
aqui da minha Ituiutaba no interior de Minas Gerais, que fora
habitada pelos interioranos Caiapós do Grupo linguístico Macro-Jê e
Tapuia. Daí decorre a óbvia urgência e o maior sentido e razão em se
atender, o quanto antes, ao chamado e às orientações do IPHAN –
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e da
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura, que foi fundada em 16 de novembro de 1945,
tendo sua sede em Paris, na França, e que tem como um dos seus
principais objetivos o combate ao analfabetismo, mas também a
proteção ao patrimônio cultural e tradições de transmissão oral. De
igual forma, com a mesma preocupação e cuidado urge que nos
dediquemos a atender às diretrizes de programas como o Mais
Cultura do MEC - Ministério da Educação em parceria com o MinC -
Ministério da Cultura e MDS – Ministério do Desenvolvimento Social.
Faz-se necessário vislumbrar a pretensão de se coadunar e de se
amalgamar a aspectos defendidos e incentivados pela Secretaria de
Economia Criativa, e, assim, poder fazer valer igualmente os
preceitos e regras constitucionais, a fim de resgatar, preservar,
proteger, defender, divulgar e difundir esta milenar expressão e
manifestação cultural, esta milenar herança alimentar da tradição
ameríndia, verdadeiro patrimônio histórico e artístico cultural
imaterial do Brasil e, quiçá, até da humanidade, que contribuiu
sensivelmente para a constituição da múltipla e diversa identidade do
povo brasileiro. Por esta razão é que, justa e propositalmente, este
trabalho teve, como ponto de partida, aqui mesmo estas localidades
interioranas do país, tais como as de Minas Gerais, de onde esta
prática e este costume foram, de forma negligente e irresponsável,
para não dizer criminosa, quase que totalmente banidos e deixados
no quase total esquecimento.
17. 17
As curiosidades não param por ai, como mencionado no
primeiro parágrafo desta introdução, chega-se ao absurdo de não se
encontrar nenhum manual ou livro exclusivamente dedicado à
iguaria, que ensine verdadeira e eficazmente a se fabricar a tapioca,
pelo menos não encontrei nenhum até o presente momento, quando
da escrita desta obra, que pudesse atender a esta finalidade, salvo de
forma isolada uma ou outra receita nua e crua que, muitas vezes,
careciam de maiores e melhores detalhes, o que tem levado muitos
curiosos a inevitáveis frustrações quando das suas mal sucedidas
tentativas em produzi-la. Até então, o que havia mesmo era apenas
uma ou outra receita aqui e acolá, mas que, segundo as experiências
de muitos, e, segundo as minhas próprias, não explicavam nem
ensinavam satisfatoriamente de forma suficiente e definitiva todos os
detalhes necessários para se obter absoluto e garantido êxito e
sucesso no preparo da receita da iguaria.
Assim, pairava um mistério no ar como se fosse algo muito
difícil, cheio de segredinhos e que apenas seria uma arte
tradicionalmente repassada exclusivamente de forma oral por famílias
de tapioqueiras, de geração para geração, de pais para filhos, de
Mestres Griôs e Griotes para Griôs e Griotes Aprendizes. Até aqui é o
que verdadeiramente se constatava mesmo, ou seja, que era
realmente uma cultura, um saber, uma expressão, um modo de fazer
quase que fora apenas transmitido oralmente, por parte dos mestres
e mestras dos saberes populares, os Griôs e as Griôs, ou Griotes, aos
seus descendentes também conhecidos como Jovens Griôs e Griotes
Aprendizes.
Deste modo, esta obra corre o risco, por um lado, de ser inédita
como a primeira obra inteiramente dedicada e formalizada, de
maneira escrita e organizada, com um formato exclusivo para
desvendar, de forma minuciosa e abrangente, a iguaria tapioca, e,
por outro lado, igualmente revolucionária por tratar o tema com
inovação, saindo do aspecto puramente oral e cultural em direção a
outro aspecto de suma importância, que é o de cunho comercial, na
utilização de recheios especiais, consubstanciando-se como o
primeiro manual impresso, e/ou digital, completo, formal e
metodicamente organizado, que traz não só os pormenores da
manipulação da fécula de mandioca ou da ―goma‖, como preferem
chamar alguns, que é a matéria prima que dá origem à tapioca, como
também oferece preciosas dicas comerciais de recheios especiais e
inovadores, tudo isso ensinado por um autêntico, experiente e
popularmente reconhecido Mestre Griô Tapioqueiro Ambulante que
agora vos escreve.
18. 18
Os ganhos são incalculáveis, outrossim, para a Iniciativa
Cultural, para o Mestre Griô, para o Arte Culinarista, para o Agente
Cultural, para o Educador Cultural e Patrimonial e Vendedor
Ambulante de Alimentos Tradicionais, haja vista que lhe propicia a
passagem de um contexto puramente comercial a que se dedicava,
para um outro viés, qual seja o do aspecto puramente artístico
cultural, no que se refere a dedicar-se à pesquisa, a escrita, ao
resgate, a preservação e a divulgação do patrimônio histórico e
artístico cultural imaterial, pertinente ao modo de fazer a tapioca, e
das suas raízes históricas por tratar-se de uma herança alimentar
ameríndia. Voltar o olhar para si mesmo, para as suas origens, é, de
outra monta, para este indivíduo, um exercício prático da cidadania e
da integração social.
Muitos brasileiros natos, ou nativos, jovens e até adultos, que
deveriam ter por obrigação cultural, moral e cívica conhecer e saber
fazer a tapioca, muito pelo contrário, apesar de já conhecerem Pizza
Italiana, Sandwich e Hot Dog Americanos ou Estadunidenses,
Panquecas e Crepes Franceses ou Suíços, Sushi e Sashimi Japonês,
Yakissoba e Massa Chinesas, e etc., vergonhosamente, sequer
conhecem a sua própria iguaria tipicamente brasileira que é a nossa
tapioca, jamais viram e muito menos a comeram ou degustaram.
Muitos outros até já nasceram e até já morreram de velhice sem
sequer experimentar a iguaria que garantiu a sobrevivência dos seus
antepassados e que, em algumas regiões, ainda é largamente
apreciada cotidianamente por parte dos seus contemporâneos.
Vale relembrar que este ―pré-conceito‖ e o preconceito,
desconhecimento ou descaso, vale frisar, não se dão por parte de
brasileiros que nasceram ou que moram fora do país, mas sim por
parte de pessoas nascidas, criadas e erradicadas no país dos seus
antepassados, aqui mesmo no berço originário da mandioca e da
tapioca. Tal descaso ainda é agravado pelo fato de que não só a
tapioca em si como também a prática e o ofício do(a) tapioqueiro(a)
ainda é alvo do descaso do poder público de certas localidades que,
em muitos casos, não se mobiliza no sentido de resgatar, valorizar,
preservar, difundir e divulgar tal patrimônio histórico e artístico
cultural imaterial brasileiro, conferindo-lhe o devido valor, e não
procedem aos devidos e merecidos registros nos seus Livros de
Tombo, ainda que esta seja uma exigência legal e constitucional a
que estão legalmente subordinados.
19. 19
A Administração Pública está sujeita a sofrer medidas judiciais e
extrajudiciais a fim de que cumpra para com o seu dever de
salvaguardar tanto o patrimônio histórico material quanto, neste caso
em especial, o patrimônio histórico e artístico cultural imaterial
brasileiro, que são a tapioca e a atividade/ofício de Tapioqueiro(a).
Outras culturas, outros povos, conseguem transcender o aspecto
puramente histórico-cultural das suas expressões, dos seus modos de
ser e de fazer, para o campo comercial, para o universo da inovação
pertinente ao sistema da economia criativa, mas, o Brasil, ainda
peca, patina e negligencia muito destes quesitos apesar de já ter se
alertado e perseguido acertar o passo, inclusive por meio de políticas
públicas tanto no campo econômico quanto cultural e educacional.
Não deveria ser novidade para ninguém, neste país, apesar de
ainda o ser, o fato de que as nações indígenas que outrora o
habitavam e que ocupavam praticamente todo o território nacional,
de Norte a Sul e de Leste a Oeste, encontravam na mandioca e no
beiju a sua principal fonte de energia e de carboidratos, bem como,
posteriormente, quando da colonização, também o fora para os
colonizadores, pois que o trigo não se adaptou às condições
climáticas tupiniquins o que, naquela ocasião inviabilizou a produção
de pães. Diante desse agravante os colonizadores, de imediato,
foram obrigados a modificar e a adaptar os engenhos de farinha de
trigo para transformá-los em casas de farinha e, assim, também
puderam se alimentar da mandioca e dos seus derivados,
propiciando-lhes a sobrevivência e a energia necessária para dar cabo
às suas pretensões colonizadoras, daí porque alguns chamarem a
mandioca de O Pão do Brasil.
Diante de tais constatações, até certo ponto, senão totalmente
absurdas, é que esta obra tem em seu cerne a singela motivação, a
plausível justificativa, e o grande objetivo, quais sejam: os de
colaborar para com o resgate, a defesa, a preservação, a valorização,
a disseminação e a ampla e irrestrita divulgação de uma tradição oral
não só histórica e artístico-cultural, como também de algo que tem
muito a ver com as raízes da identidade e da ancestralidade do povo
brasileiro, que é o seu patrimônio histórico e artístico cultural
material e imaterial, neste caso em especial a sua herança alimentar
ameríndia, uma vez que poucas coisas são tão brasileiras quanto a
tapioca bem como o seu modo de fazer, que é a sua tradicional e
peculiar manipulação e confecção manual e artesanal.
Muito embora o assunto principal aqui seja a tapioca, não
apenas por uma questão de didática, mas também por questão de
justiça, não poderíamos deixar de tecer alguns breves e superficiais
comentários acerca dos fatos históricos a ela relacionados, bem como
20. 20
acerca da mandioca, a sua origem, e isso o faremos em capítulo
específico, posteriormente, trataremos ai sim da iguaria tapioca em
si, suas particularidades, variantes, receitas, raízes indígenas, fotos e
dicas especiais, bem como abordaremos diversos outros temas
relacionados direta ou indiretamente ao tema central desta obra, tais
como aspectos comerciais relacionados à formalização, a
regularização, boas práticas nos serviços de alimentação no que
concerne à manipulação e conservação de alimentos, noções sobre
gestão de bares, restaurantes e similares, bem como também temas
referentes ao aspecto cultural e questões atinentes ao
reconhecimento patrimonial da tapioca e do exercício da
atividade/ofício prioritariamente artístico-cultural de Tapioqueiro(a),
dentre outras variantes artísticas, culturais, educacionais e
comerciais.
Todo o conteúdo, observações, anotações e sugestões são fonte
de uma formação teórica e prática autodidata do autor, obtida
através do método da transmissão oral do conhecimento, audição,
observação, experimentação, avaliação, correção e aprendizado, sob
a óptica de um artista culinário ambulante, Mestre Griô Tapioqueiro
Ambulante, Arte Educador, Educador Cultural e Patrimonial, natural
de uma região interiorana de Minas Gerais, chamada Ituiutaba, cuja
carreira e experiência como empreendedor cultural iniciou-se
praticamente do nada, de um ponto inferior ao zero, abaixo de zero
mais precisamente, mas que, a despeito disso, conseguiu intuitiva e
acidentalmente elaborar uma das mais saborosas tapiocas especiais
do Brasil, que só não continuou sendo comercial e publicamente
oferecida em razão do descaso, não só da iniciativa privada como
principalmente por falta de interesse e descaso do poder público, em
reconhecer formal e oficialmente dentro do tempo hábil em registro
publico, em seus Livros de Tombo, a tapioca e a atividade/ofício de
Tapioqueiro(a) como patrimônio histórico e artístico cultural imaterial
local e nacional. Mas que, a despeito disso, manteve vivo o aspecto
puramente cultural, dedicando-se como Agente Cultural, Arte
Culinarista, Iniciativa Cultural, Arte Educador, Educador Cultural e
Patrimonial, Mestre Griô, pesquisador, escritor e atuante defensor e
divulgador entusiasta dessa manifestação cultural da culinária
indígena.
De modo que faço votos para que tal obra seja capaz não só
de conscientizar o povo brasileiro e os governantes, como também
seja hábil em contribuir de forma indelével para novas e futuras
pesquisas acerca do mesmo tema, que seja capaz de lançar alguma
luz sobre aqueles que a procuram e que seja capaz não só de
desmistificar e desmitificar, mas, principalmente, de descomplicar a
tão incompreendida e, às vezes, vitimada por injusto preconceito e
21. 21
totalmente estigmatizada tapioca, reconhecendo-lhe e concedendo-
lhe o devido valor e reconhecimento. Visa igualmente propiciar a
valorização dos ambulantes como um todo, sejam eles, ou não,
tapioqueiros e tapioqueiras, artistas culinários, empreendedores
culturais, Mestres e Mestras Griôs e Griotes e demais trabalhadores
que atuam no âmbito da economia criativa e que bravamente nos
ajudam a manter a nossa maior riqueza que é a nossa dignidade,
identidade e ancestralidade cultural, sejam negros, afro
descendentes, brancos, indígenas, europeus ou asiáticos, mulatos,
pardos, mamelucos, caboclos, cafuzos, dentre tantos outros mestiços,
cada qual com o seu quinhão e ao seu peculiar modo, responsáveis
por contribuir conjuntamente para com a miscigenação do nosso
povo e com o processo civilizatório do Brasil.
Em especial, suplico que esta obra consiga ajudar a promover e
a fortalecer nossa mestiça brasilidade, a nossa identidade,
diversidade e a nossa tradição cultural, mas que, principalmente sirva
a este propósito às gerações contemporâneas, bem como às futuras e
que seja um instrumento útil capaz de auxiliar na manutenção desse
aspecto da nossa milenar herança alimentar, que ora se encontra
ameaçada de extinção em algumas regiões do nosso imenso
território, o que ameaça a nossa própria identidade e diversidade
cultural, assim como expõe a um grande risco a nossa existência
cultural enquanto um encontro de ideias, valores, pensamentos,
ofícios, raças, credos e crenças, que nos faz sermos o que somos:
mestiçamente brasileiros.
Quaisquer referências às siglas de partidos políticos ou mesmo
aos nomes de políticos, ou órgãos, entidades e instituições, no corpo
dessa obra, não tem a menor finalidade de propaganda política ou
eleitoreira, nem mesmo se destina a promovê-los ou denegri-los, tais
referências, como todas as outras, em especial as referentes às raças
ou crenças, são neutras, democráticas e imparciais, meramente de
cunho informativo, educativo e elucidativo, visam tão somente
cumprir para com a fidelidade e à verdade dos fatos correlacionados
atribuindo-se os devidos créditos a quem de direito, sem qualquer
juízo de valor ou quaisquer outros interesses, sejam eles de cunho
religioso, político, ideológico ou comercial.
Para qualquer pessoa ou entidade, instituição ou órgão que se
sintam de alguma forma prejudicados, mal representados ou
ofendidos, desde já deixo de público as minhas mais sinceras, amplas
e efusivas desculpas e lanço mão tão somente do meu direito,
enquanto escritor, de fazer uso da licença poética que esta condição
me garante, bem como me apego ao direito constitucional, enquanto
cidadão, para que possa expressar-me livremente, para o bem da
22. 22
cultura, da ciência, da educação, das artes, da democracia e,
principalmente, para o bem do Brasil e do povo brasileiro.
Qualquer remuneração que o autor venha auferir em razão da
disseminação desse material, certamente não será de cunho
puramente comercial, mas tão somente uma contribuição, a título de
doação, contrapartida ou de patrocínio, de forma simbólica, isso sim,
pela prestação de serviço de mentor intelectual na compilação e
organização do conteúdo desse material, em função dos arranjos das
ideias, temas e das informações nele contidas em seu corpo, tal como
ele se apresenta formatado o qual, desde já, reputamos de domínio
público, no que, o autor reserva para si, apenas aquilo que é de sua
própria autoria. Sempre que possível e quando por ele conhecido
reputou aquilo que não lhe era próprio e nem de sua autoria a quem
de direito, nunca tendo qualquer pretensão de praticar qualquer
forma de plágio, ou cópia. E, por considerá-la, uma obra de domínio
público, haja vista que todas as referencias nela contidas foram
extraídas, adaptadas e contextualizadas de diversas matérias e
artigos disponíveis livremente ao grande público, principalmente
através da internet. Gostaríamos ainda de reiterar, sem qualquer
revestimento de vaidade, que, cada cidadão e cada cidadã deste país
são, pelo autor considerados como coautores e coautoras junto com
ele naquilo que lhes seja pertinente, tendo todos, a seu modo,
contribuído, direta ou indiretamente, consciente ou
inconscientemente, seja com textos, artigos, matérias,
documentários, músicas, poesias ou imagens postadas na internet,
ou quaisquer outros meios, para que este fosse o resultado final
alcançado.
Aos críticos, que ousarem dizer que poderiam ter feito igual ou
ainda melhor, deixamos-lhes o fato de que lhes foi dado todo o
tempo e toda a oportunidade do mundo para que pudessem tê-lo
realmente feito, mas, porém, contudo, no entanto, entretanto, não o
fizeram nem pior, nem igual e, nem muito menos, melhor, ainda que
tenham tido mais de 500 anos de colher de chá de prazo para que o
pudessem, assim, é que, por estas e por outras, só agora, o autor
resolveu dar um basta e fazê-lo por ele mesmo, de modo que
respeitamos todas e quaisquer críticas, mas, desde já, ele se declara
não ser obrigado a concordar com absolutamente nenhuma delas. De
todo modo fica à inteira disposição dos interessados todo este
conteúdo, afim de que possam valer-se dele na construção de outra
obra que julguem melhor e mais adequada.
Vamos, a partir de agora, ao que realmente nos interessa e boa
leitura!
23. 23
A MANDIOCA E A SUA ORIGEM
Mandioca é o nome pelo qual é conhecida a espécie comestível
e mais largamente difundida do gênero Manihot, que é composto por
inúmeras variantes de raízes comestíveis, em cuja polpa aloja-se a
fécula que encontra inúmeras aplicações, não apenas na culinária
como também, dentre inúmeras outras destinações, destaca-se de
forma surpreendente, em especial, na indústria da celulose, cujo
emprego se dá a fim de se alcançar a tão almejada e apreciada
brancura total das folhas de papel.
Foi merecidamente instituído, em 2007, pela EMBRAPA –
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, o dia 22 de abril como
O Dia da Mandioca, tal data se dá, propositalmente, em razão da
data comemorativa do ―suposto‖ descobrimento do Brasil, cuja
colonização, em grande parte, só foi viabilizada pelo cultivo e
conseqüente consumo dos derivados da raiz que também é
conhecida, frise-se exaustivamente, como O Pão do Brasil.
Particularmente, mais do que o Pão do Brasil considero que a
mandioca e os seus diversos derivados sejam o infindável e
inesgotável ―ouro branco‖ do Brasil. Assim sendo, apenas para
aproveitar a deixa do ensejo, e por considerar deveras oportuno,
deixo resgistrada desde já, e não poderia ser diferente, minha
particular sugestão, para que se comemore igualmente, só que agora
não mais em alusão ao dia do ―suposto‖ descobrimento ou ao dia da
mandioca, mas sim em alusão ao Dia do Índio, verdadeiro
descobridor e desbravador, que é comemorado no dia 19 de abril
que, coincidentemente, diga-se de passagem, é o dia do aniversário
de minha mãe, minha primeira Mestra Griote Tapioqueira, a fim de
que se comemore também, na mesma data, portanto, igualmente de
forma merecida, O Dia da Tapioca. Portanto, tão igualmente justo e
merecido comemorar-se no dia 22 de abril O Dia da Mandioca, em
alusão ao ―suposto‖ descobrimento do Brasil, é comemorar-se
igualmente, no dia 19 de abril, O Dia da Tapioca, em alusão ao Dia do
Índio que, a bem da verdade e da justiça, muito antes do ―suposto‖
descobrimento do Brasil, já aqui habitavam estas terras e já cultivava
em larga escala a mandioca de cujas raízes já produziam, dentre
inúmeras outras farinhas, também o beiju que agora aperfeiçoamos,
repaginamos, modernizamos e chamamos de tapioca, totalmente
adaptada e incorporada à nossa cultura contemporânea.
A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária,
atualmente, nos tempos modernos, no âmbito do capitalismo, em que
sobre tudo quanto exista pesa o valor econômico, interessa-se sim e
24. 24
muito pela fécula da mandioca não só pelo seu uso e aplicação na
culinária e na gastronomia, mas também e principalmente por uma
questão de salutar importância economica e, obviamente, estratégica
de maneira ainda mais abrangente e mais contundente, haja vista
que, dentre outras inúmeras aplicações, a indústria da celulose e do
papel utiliza largamente a fécula de mandioca para alcançar, como já
foi mencionado, folhas branquíssimas. Ocorre que, inúmeras outras
pesquisas sobre diversas outras possíveis aplicações industriais e,
conseqüentemente, econômicas em inúmeras outras áreas estão em
andamento e em estágio bastante avançado. Para maiores
informações sobre o mercado da mandioca e das suas nuances e
implicações a EMBRAPA disponibiliza, aos interessados, além do seu
site ou sitio, um livro, que é verdadeira e inquestionavelmente uma
obra de fôlego, entitulado ―Mandioca: O Pão do Brasil‖ que,
atualmente, quando da escrita deste capítulo, que se dá no último
mês do ano de 2010, custava aproximadamente R$ 200,00 (duzentos
reais), já incluso o valor do frete. Provavelmente estará lendo esta
nota bem depois de 2010, caso em que, se fará oportuno verificar
primeiro a disponibilidade da obra e, segundo, o valor atual em que
esteja sendo comercializada neste momento.
Foto:http://livraria.sct.embrapa.br/liv2/consultaProduto.do?metodo=detalhar&codigoProduto=00076800
[Capturado 26.12.2010, 19:44]
MANDIOCA: O pão do Brasil – Manioc, le pain du Brésil
O referido livro, que foi editado em 2005, possui 284 páginas
no formato 23,5 x 30,5 cm, capa em papelão n.º 18 revestido com
couchê liso 150g plastificado em 4/4 cores, sobrecapa em couchê liso
240g plastificado com 4/0 cores, miolo em couchê fosco 145g com
4/4 cores e, por óbvio, acabamento de luxo. Para adquirir, um
exemplar da obra, basta acessar a livraria da EMBRAPA - Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária, através do seu site/sitio pelo link
que, nesta ocasião era: http://livraria.sct.embrapa.br em que
cujo livro encontrava-se disponível, no momento desta pesquisa, na
seção de Agroindústria e Tecnologia de Alimentos, mas, pode ser
25. 25
que, no momento em que esta informação chegue às suas mãos este
não seja mais o link, ou ainda que o seja, pode ser ainda que o livro
já tenha se esgotado, de modo que lhe restará apenas tentar
encontá-lo através de outro link, ou, se já tiver se esgotado, poderá
tentar ainda em sebos ou bibliotecas e, quanto a isso, o máximo que
posso é desejar-lhe boa sorte. Esta não foi a única obra com este
mesmo título, antes da EMBRAPA organizar e publicar este
livro, outro de mesmo nome, bastante raro, diga-se de
passagem, já havia sido escrito e publicado por um escritor
chamado Pinto de Aguiar, alguns Sebos especializados em
obras raras ainda possuiem alguns raríssimos exemplares que
são vendidos praticamente ao mesmo valor do livro de mesmo
nome agora publicado pela EMBRAPA. São livros diferentes,
com coneúdos eenfoques diferentes, porém, levam o mesmo
nome.
Importante, desde logo, fazermos uma importantíssima
distinção técnica entre dois produtos que, apesar de muito parecidos
são muito diferentes, quais sejam o amido e a fécula, dado que por
mais que sejam visual e texturalmente muito parecidos, quase
idênticos, a fécula é um tipo de amido extraído da polpa das raizes
subterrâneas, tais como a fécula de mandioca e a fécula de batata. O
amido, propriamente dito, por sua vez, é aquele extraído de frutos ou
sementes aéreas como o amido de milho e amido de arroz. De mais a
mais tudo é amido, no entanto, a denominação de fécula para o
produto extraído da mandioca é por uma questão técnica e científica
para indicar tecnica e cientificamente que o amido fora extraído de
fontes ou raízes subterrâneas, assim como, por esta razão guarda
propriedades fisico-quimicas e aplicações distintas das que só são
possíveis para para a fécula propriamente dita e vice-e-versa.
Assim é que, frise-se, cientifica e tecnicamente, o mais correto
não é dizer amido de mandioca, mas sim fécula de mandioca, haja
vista que, a fécula, que é o amido da mandioca, é extraída de uma
raiz subterrânea.
Debaixo da terra, subterrâneo = Fécula.
Acima da terra, aéreo = Amido.
Cabe observar que nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, o
que se come é a macaxeira, já a mandioca para os nativos dessas
regiões é a mandioca brava, uma espécie venenosa não comestível e,
por isso mesmo, mortal que não deve, portanto, por uma questão de
vida ou morte, ser confundida com a inofensiva macaxeira.
Macaxeira (M. Utilíssima) = Comestível.
26. 26
Mandioca Brava (M. Esculenta) = Não comestível.
O nome dado ao arbusto da manihot é maniva, ou seja, o pé de
maniva produz manihot, seria o mesmo que dizer, a grosso modo,
que o pé de mandioca produz mandioca, assim como o pé de laranja,
a laranjeira, produz laranjas e o pé de jabuticaba, ou jabuticabeira,
produz jabuticabas. Acredita-se que o arbusto seja oriundo do Oeste
do Brasil, mais especificamente no Sudoeste da Amazônia e que,
antes da chegada dos europeus à América, pelo menos em tese, já
estaria disseminado pelas bandas da Mesoamérica na região da
Guatemala e também do México.
Espalhada, ou melhor, exportada ou contrabandeada do Brasil
para diversas outras longínquas partes do mundo, a mandioca tem
hoje a Nigéria como o seu maior produtor mundial que, vez ou outra,
só perde esta posição apenas para o próprio Brasil, que é o país de
origem da raiz.
No Brasil, de onde a raiz é nativa, possui muitos sinônimos,
usados em diferentes regiões, tais como aipi, aipim, castelinha,
macaxeira, mandioca-doce, mandioca-mansa, maniva, maniveira,
pão-de-pobre, e variedades como aiapuã e caiabana, ou nomes que
designam apenas a raiz, como caarina.
Classificação Científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Malpighiales
Família: Euphorbiaceae
Gênero: Manihot
Espécie: M. Esculenta
Nome binomial: Manihot Esculenta
Nome científico: Manihot Esculenta Crantz
Nomes populares: Mandioca, macaxeira, aipim
Nome em inglês: Cassava
Origem: Brasil
27. 27
Foto:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/99/Iwata_kenichi_cassava.jpg/250px-
Iwata_kenichi_cassava.jpg [Capturado 30.12.2010, 20:12]
PÉ DE MANDIOCA - MANIVA
A mandioca, ou manihot, inegavelmente, constitui um dos
principais alimentos energéticos para cerca de mais de 500 milhões a
um bilhão de pessoas em todo o mundo, sobretudo nos países em
desenvolvimento, onde é cultivada em pequenas áreas com baixo
nível tecnológico, ou seja, de forma rústica, sem a exigência de
elaboradas técnicas ou tecnologias agronômicas. Mais de 80 países
produzem mandioca, sendo que o Brasil participa com mais de 15%
da produção mundial e, atualmente, acredita-se que tal contribuição
possa variar e chegar à casa dos 30% ao ponto do Brasil, vez ou
outra, sair da posição de segundo maior produtor e assumir o
primeiro lugar como o maior produtor mundial da raiz.
28. 28
Foto: http://embalagemsustentavel.com.br/2010/12/03/pesquisa-plastico-mandioca/mandioca/
[Capturado 26.12.2010, 20:02]
MANIHOT - RAIZ SUBTERRÂNEA DA MANIVA- DE ONDE SE EXTRAI A
FÉCULA
De muito fácil adaptação, em razão da sua rusticidade, a
planta, o arbusto chamado de maniva ou a raiz manihot que é a
mandioca, propriamente dita, é cultivada em todos os estados
brasileiros e, segundo dados colhidos no momento da escrita deste
capítulo, situa-se entre os nove primeiros produtos agrícolas do País,
em termos de amplitude, expansão, extensão e abrangência
territorial de área cultivada, e ocupa o sexto lugar em valor
econômico de produção. Portanto, de longe, pode até passar
despercebida por muitos, pela maioria das pessoas, mas não é
pouca coisa não, tanto em relação ao seu alcance territorial quanto
ao seu valor e peso econômico.
Difícil tarefa é determinar ou precisar com exatidão quando da
sua origem, alguns estudos apontam que seja por volta de até 7.000
anos a.C., mas, pode ser que tenha surgido junto com as primeiras
plantas à milhões ou mesmo a bilhões de anos. Para se precisar,
portanto, a data exata de origem seria necessário ser mais do que
apenas um mero tapioqueiro ou mero escritor e pesquisador, seria
preciso, isso sim, talvez ser um super cientista expert, arqueólogo ou
algo do gênero, bem como se faria necessário a utilização de
aparelhos e tecnologias como o Carbono 14, além de outras
tecnologias e métodos que talvez sequer ainda foram descobertos ou
inventados.
Acredita-se que a tapioca, por sua vez, enquanto um alimento
primitivamente processado, tenha surgido bem depois, já
29. 29
concomitantemente ao cultivo e uso doméstico da mandioca. De
modo que fica difícil imaginar a sobrevivência dos ameríndios sem a
raiz, a manihot, e seus derivados, o que nos leva à formular outra
conjectura de que talvez a planta, a maniva, já existisse, obviamente,
mesmo antes das primeiras tribos se formarem e que tal surgimento
e perpetuação dos povos e nações indígenas da América do Sul, só
tenham sido viabilizados com inegável sucesso pelo cultivo e pela
massiça utilização alimentar da mesma.
A fim de contextualizar localmente o tema do capítulo com a
minha própria realidade histórica, gostaria de fazer constar meus
achados em pesquisas realizadas em livros que dão conta de fatos
históricos relativos à minha cidade, assim como em registros em
Livros de Tombo.
“No começo foi assim: índios Caiapós do grupo GÊ ou Tapuia, viviam nesta
região; eram felizes caçando, pescando e colhendo frutos; eram índios (nômades), isto
é, não fixavam residência por muito tempo e moravam sempre nas beiradas dos Rios
Tijuco e Paranaíba. Ao escassear os alimentos, iam para outros lugares. Cultivavam
algumas lavouras, principalmente a mandioca, de cuja raiz faziam farinhas.” Texto
do historiador José Benedito Zoccoli, extraído do Livro 2001 - Centenário de
Ituiutaba, pag. 21. (Grifei)
O texto a seguir contextualiza localmente e territorialmente a
proposta do presente Trabalho, em relação às origens indígenas em
nossa cidade de Ituiutaba/MG, cujo próprio nome é de origem
toponímica indígena, o que será abordado em momento posterior, os
originais de onde se extraiu o trecho a seguir, estão arquivados na
Cúria, ou, Mitra Diocesana, da minha interiorana cidade
Ituiutaba/MG:
―A catechese dos Índios nem um só instante tem sido
esquecida. Apezar de nossa grande pobreza desde muito preparamos
os elementos necessários para a realização deste nosso desejo.
Esperamos brevemente dar começo a esta obra, apezar de contarmos
com muitas oposições, com muita perseguição, com tudo quanto
pode imaginar o inferno para não perder tantas almas sujeitas ao seu
cruel captiveiro”.
O Texto acima foi extraído do Livro N. 01 de Tombo da Igreja
Matriz de São José do Tijuco, arquivado junto a Cúria/Mitra Diocesana
de Ituiutaba/MG, cujo termo de abertura, em maio de 1884, é
assinado pelo então Pe. Ângelo Tardio Bruno que, mais tarde, foi
elevado à condição de Cônego Ângelo Tardio Bruno, o qual, após ter
cumprido a sua missão junto à igreja, morreu em um asilo no Rio de
Janeiro. Mais especificamente o texto poderá ser encontrado no
30. 30
referido Livro em Acta que relata o Termo da Visita Pastoral do Exmo.
Revmo. Bispo Diocesano D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão,
pg. 09.
Poderia eu, tranquilamente, parafrasear tal texto, trazendo-o
para o meu contexto local e atual, assim como para a minha luta
diária, assim:
A herança alimentar ameríndia, a tapioca, nosso patrimônio
histórico e artístico cultural imaterial brasileiro, seu resgate,
valorização, preservação, disseminação e divulgação nem um
só instante tem sido esquecidos. Apesar de nossa grande
pobreza desde muito preparamos os elementos necessários
para a realização deste nosso desejo. Esperamos brevemente,
mesmo sofrendo o periculum in mora, dar melhor destinação a
esta obra, apesar de contarmos com muitas oposições, com
muita perseguição, com toda sorte de injustas humilhações,
preconceitos, descasos, lesões, danos morais, materiais e
psíquicos, e com tudo o mais quanto pode imaginar o inferno
para não perder tantas riquezas sujeitas ao seu cruel
esquecimento.
Foi de grande importância encontrar tais registros históricos, o
que nos permitiu contextualizar e estabelecer o vínculo sociocultural
com a nossa cidade de origem, o que nos colocou física, mental,
emocional e espiritualmente envolvidos, com esta pesquisa, o que
atribuiu maior e melhor sentido e significado para as nossas vidas e
para o nosso trabalho, porque passamos a melhor sentir e se
identificar com o chão a partir do qual os nossos pés estão pisados.
31. 31
LENDAS
Para falarmos de tapioca, não poderia ser diferente, teríamos
que falar um pouco sobre as suas origens, tanto em relação ao
produto em si, da planta, da qual naturalmente deriva, quanto em
relação ao meio cultural no qual ela emergiu, qual seja entre os
ameríndios.
Isso feito, cabe ainda notar que existem alguns mitos e
algumas lendas populares e indígenas acerca da origem da planta,
tais praticas fazem, ou mesmo fizeram, parte da transmissão oral de
tais saberes e fazeres da ancestralidade, propriciando a chegada
dessas informações até o nosso tempo nos dias atuais, de modo que
encontramos no folclorista Câmara Cascudo o registro de algumas
das principais delas:
Entre os parecis, povo de Mato Grosso, a história ou “estória” contada
é a seguinte: Zatiamare e sua esposa Kôkôtêrô tiveram um par de filhos - o
menino Zôkôôiê e uma menina, Atiolô - que era desprezada pelo pai, que a
ela nunca falava senão por assovios. Amargurada pelo desprezo paterno, a
menina pediu à mãe que a enterrasse viva; esta resistiu ao estranho apelo,
mas ao fim de certo tempo, atendeu-a: a menina foi enterrada no cerrado,
onde o calor a desagradou, e depois no campo, também lugar que a
incomodara. Finalmente, foi enterrada na mata onde foi do seu agrado;
recomendou à mãe para que não olhasse quando desse um grito, o que
ocorreu após algum tempo. A mãe acorreu ao lugar, onde encontrou um
belo e alto arbusto que ficou rasteiro quando ela se aproximou; a índia
Kôkôtêrô, porém, cuidou da planta que mais tarde colheu do solo,
descobrindo que era a mandioca.
Foto: http://www.canseidesercowboy.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/04/mandioca01.jpg
[Capturado 27.12.2010, 21:18]
32. 32
Foto: Eliana Pacheco
LENDA DOS PARECIS - ATIOLÔ DOS TEMPOS MODERNOS
A Segunda lenda, dá conta de que entre os bacairis a resenha é
outra e conta a ―estória‖ de um veado que salvara o bagadu, que era
um peixe da família Practocephalus e que este peixe, por sua vez,
para recompensar o veado por ter-lhe salvado a vida, deu-lhe
algumas mudas da mandioca que tinha guardadas e escondidas sob o
leito do rio. O veado conservou a planta para alimentação de sua
família, mas, o herói dos bacairis, Keri, de forma astuta conseguiu
pegar do domínio do animal algumas sementes que, posteriormente,
distribuiu entre as mulheres da sua tribo que as cultivaram, colheram
e utilizaram.
A terceira lenda que elencamos, é a Lenda de Mani, talvez uma
das mais famosas, senão a mais bela e famosa dentre as três lendas
mais conhecidas, e foi registrada em 1876, não mais por Câmara
Cascudo, mas sim por Couto de Magalhães. Em domínio público, este
foi o registro:
"Em tempos idos, apareceu grávida a filha dum chefe selvagem, que
residia nas imediações do lugar em que está hoje a cidade Santarém-
PA. O chefe quis punir no autor da desonra de sua filha a ofensa que
sofrera seu orgulho e, para saber quem ele era, empregou debalde
rogos, ameaças e por fim castigos severos. Tanto diante dos rogos
como diante dos castigos a moça permaneceu inflexível, dizendo que
33. 33
nunca tinha tido relação com homem algum. O chefe tinha deliberado
matá-la, quando lhe apareceu em sonho um homem branco que lhe
disse que não matasse a moça, porque ela efetivamente era inocente,
e não tinha tido relação com homem. Passados os nove meses, ela
deu à luz uma menina lindíssima e branca, causando este último fato
a surpresa não só da tribo como das nações vizinhas, que vieram
visitar a criança, para ver aquela nova e desconhecida raça. A
criança, que teve o nome de Mani e que andava e falava
precocemente, morreu ao cabo de um ano, sem ter adoecido e sem
dar mostras de dor. Foi ela enterrada dentro da própria casa,
descobrindo-se e regando-se diariamente a sepultura, segundo o
costume do povo. Ao cabo de algum tempo, brotou da cova uma
planta que, por ser inteiramente desconhecida, deixaram de arrancar.
Cresceu, floresceu e deu frutos. Os pássaros que comeram os frutos
se embriagaram, e este fenômeno, desconhecido dos índios,
aumentou-lhes a superstição pela planta. A terra afinal fendeu-se,
cavaram-na e julgaram reconhecer no fruto que encontraram o corpo
de Mani. Comeram-no e assim aprenderam a usar da mandioca."
Foto:http://sergiobastos.files.wordpress.com/2008/03/lenda-da-mandioca.jpg [Capturado
26.12.2010, 20:21]
LENDA DA MANDIOCA – A Lenda de MANI
Foto:http://gororobasdobrasil.blogspot.com/2008/04/tapioca-o-alimento-bsico-dos-ndios.html
[Capturado 26.12.2010, 21:30]
ÍNDIA COANDO O BAGAÇO OU, MAIS PRECISAMENTE, A POLPA DA
MANDIOCA PARA EXTRAÇÃO DA FÉCULA E DA GOMA
34. 34
Foto:http://educarencantando.blogspot.com/2009/04/os-sabores-indigenas.html [Capturado
27.12.2010, 03:17]
ÍNDIA COM A GOMA JÁ AO FOGO FABRICANDO TAPIOCA OU BEIJU
De forma precisa e elucidativa, devo voltar às considerações de
Câmara Cascudo que acrescenta ainda mais informações e nos diz
que o nome mandioca advém de Mani + oca, significando casa de
Mani. É, segundo este autor, um mito tupi, recontado em obras
posteriores como Lendas dos Índios do Brasil, de Herbert Baldus
(1946), e Antologia de Lendas dos Índios Brasileiros, de Alberto da
Costa e Silva (1956).
Tais lendas milenares trazem um encantamento e um charme
ainda maior à nossa também milenar e tão querida e versátil
manihot, foi assim, graças as lendas e histórias de transmissão oral,
de geração para geração, de ascendentes para descendentes, que
este conhecimento pode chegar até os tempos atuais.
Alem destas, outras lendas indígenas, consideradas
amazônicas, também foram recontadas em emissão especial dos
Correios. A origem do guaraná, explicada pelos Sateré-Mawé, e da
mandioca, em versão difundida entre vários povos amazônicos,
inspiraram os selos ―Mitos e Lendas: Guaraná e Mandioca‖. As peças
foram lançadas em 22 de agosto de 2012 em Belém e também em
Manaus. A emissão brasileira faz parte da série América, da UPAEP –
União Postal das Américas, Espanha e Portugal, que, neste ano de
2012, teve como tema mitos e lendas. Os selos têm arte de Márcio
Guimarães e valor facial de R$ 1,85 (um real e oitenta e cinco
centavos). A tiragem de cada peça foi limitada a 180 mil exemplares,
em um total de 360 mil. Após o lançamento, estiveram disponíveis
em agências e na loja virtual dos Correios.
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SELO ESPECIAL DOS CORREIOS SÉRIE AMÉRICA – MITOS E
LENDAS: MANDIOCA
Para aproveitar o ensejo, não poderia deixar de mencionar que,
um pouco antes disso, em 01/05/2012, os Correios lançaram, uma
emissão conjunta Brasil-México, inspirada nos aspectos comuns da
culinária dos dois países. Os selos ―Comida tradicional à base de
milho e mandioca‖ tiveram lançamento oficial em Patos - MG e em
Brasília - DF, onde o embaixador Alejandro de la Peña Navarrete fez a
primeira obliteração, em cerimônia na Embaixada do México.
O selo brasileiro, referente a esta campanha, reproduz a
fotografia de uma tradicional mesa de café-da-manhã, com espigas
de milho e a raiz de mandioca, além de iguarias, por óbvio, delas
derivadas: broa e bolo de milho, pamonha, bolo de mandioca, pão de
queijo, tapioca e beiju.
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SELO ESPECIAL DOS CORREIOS EMISSÃO CONJUNTA
BRASIL/MÉXICO: COMIDA TRADICIONAL MILHO E MANDIOCA
Lendas são narrativas transmitidas oralmente pelas pessoas
com o objetivo de explicar acontecimentos misteriosos ou
sobrenaturais. Para isso há uma mistura de fatos reais com
imaginários. Misturam a história real e elementos da fantasia. As
lendas vão sendo contadas ao longo do tempo e modificadas e
aperfeiçoadas através da imaginação do povo. Ao se tornarem
conhecidas, são registradas na linguagem escrita. Do latim legenda
(aquilo que deve ser lido), as lendas inicialmente contavam histórias
de santos, mas ao longo do tempo o conceito se transformou em
histórias que falam sobre toda a tradição de um povo, suas crenças,
suas danças, seus deuses, suas comidas, suas ferramentas de caça e
de trabalho, suas música, seus rituais, suas plantas medicinais, enfim
de tudo o que faz parte da sua cultura.
Principais características de uma Lenda:
- Se utiliza da fantasia ou ficção, misturando-as com a realidade dos
fatos.
- Faz parte da tradição oral, e vem sendo contada através dos
tempos.
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- Usam fatos reais e históricos para dar suporte às histórias, mas
junto com eles envolvem a imaginação para ―aumentar um ponto‖ na
realidade.
- Fazem parte da realidade cultural de todos os povos.
- Assim como os mitos, fornecem explicações aos fatos que não são
explicáveis pela ciência ou pela lógica. Essas explicações, porém, são
mais facilmente aceitas, pois apesar de serem fruto da imaginação
não são necessariamente sobrenaturais ou fantásticas.
- Sofrem alterações ao longo do tempo, por serem repassadas
oralmente e receberem a impressão e interpretação daqueles que a
propagam através dos tempos.
Os Mitos, por sua vez, são narrativas utilizadas pelos povos
antigos para explicar fatos da realidade e fenômenos da natureza que
não eram compreendidos por eles, como tufões, furacões,
tempestades, raios, trovões, terremotos, maremotos, etc. Os mitos
se utilizam de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e
heróis. Todos estes componentes são misturados a fatos reais,
características humanas e pessoas que realmente existiram. Um dos
objetivos do mito é transmitir conhecimento e explicar fatos que a
ciência ainda não havia explicado até aquele momento, bem como
visa trazer conforto cognitivo ao homem no mundo.
As principais características de um mito são:
- Tem caráter explicativo ou simbólico.
- Relaciona-se com uma data ou com uma religião.
- Procura explicar as origens do mundo e do homem por meio de
personagens sobrenaturais como deuses ou semideuses.
- Ao contrário da explicação filosófica, que se utiliza da argumentação
lógica para explicar a realidade, o mito explica a realidade através de
suas histórias sagradas, que não possuem nenhum tipo de
embasamento lógico ou científico para serem aceitas como verdades.
- Alguns acontecimentos históricos podem se tornar mitos, desde que
as pessoas de determinada cultura agreguem uma simbologia que
tornem o fato relevante para as suas vidas.
- Todas as culturas possuem seus mitos. Alguns assuntos, como a
criação do mundo, são bases para vários mitos diferentes.
- Mito não é o mesmo que fábula, conto de fadas ou lenda.
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Algumas Lendas Brasileiras:
Bruxa: Figura carimbada nas histórias infantis é uma velha de nariz
e queixo grandes, com cabelos brancos e assanhados, vestida sempre
de preto. Segundo a lenda, ela entra nas casas para carregar crianças
que não querem dormir. Muitas vezes é confundida com a Cuca ou
com outras personagens noturnas que desempenham o mesmo
papel.
Cuca: Segundo a lenda, carrega as crianças inquietas, que não
querem dormir ou que falam muito dentro de um saco e some
imediatamente. A sua aparência é quase a mesma da bruxa, velha,
cabelos brancos e enrugada. É um personagem criado no Brasil e
está constantemente presente em cantigas de ninar.
Saci Pererê: Garoto negro de uma perna só, possui poderes mágicos
através de seu gorro vermelho e se aproveita deles para fazer muitas
travessuras com as pessoas que vivem ou passam pela mata.
Caracteriza-se por usar sempre um cachimbo.
Mula-sem-cabeça: é a história de uma mulher que teve um
romance com um padre e recebeu um castigo: todas as noites de
quinta-feira, é transformada em um animal e sai galopando e
soltando fogo pelas narinas.
Curupira ou Caipora: É a lenda de um anão que tem os pés virados
para trás. Protege as matas e os animais. Algumas pessoas acreditam
que ele é o responsável pelo desaparecimento de algumas pessoas
nas matas brasileiras.
Mãe-d’água ou Iara: A palavra Iara/Yara é de origem indígena e
significa ―aquela que mora nas águas‖. Provavelmente foi gerada na
mitologia através do mito da Sereia. É uma mulher metade peixe
metade humana, que atrai os homens com seu belo canto e os leva
para os rios onde vive, no norte do país. Os homens que conseguem
voltar de lá ficam loucos, e o encanto só é quebrado através do feitiço
de um pajé.
Mãe-de-ouro: é a lenda de uma bola de fogo que indica onde se
encontra o ouro. É conhecida também como uma mulher que vive nas
cavernas e que atrai os homens casados.
Boitatá: Conta a lenda que foi uma cobra sobrevivente de um dilúvio
que cobriu toda a terra. Por causa disso ele se escondeu em um
buraco e seus olhos cresceram. Desde então, anda pelas madrugadas
perseguindo viajantes noturnos e procurando restos de animais.
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Também conhecido como ―fogo que corre‖ o mito do boitatá é de
origem indígena e consiste na história de uma cobra de fogo que
protege a natureza, perseguindo aqueles que a desrespeitam e até
matando-os.
Lobisomem: Este mito não é exclusivamente brasileiro. Conta a
história de um homem que por algum motivo foi mordido por um lobo
e ao invés de morrer adquiriu a capacidade de transformar-se em um
ser monstruoso, com características de lobo e de homem, e que
ataca as pessoas nas noites de lua cheia. Há uma outra história a
respeito do lobisomem: seria uma maldição para o sétimo filho de
uma mesma mulher. Aos 13 anos ele começaria a se transformar no
tal monstro e o encanto só se quebra quando alguém se aproximar
dele sem que ele veja bater na cabeça do monstro.
Pisadeira: A lenda de uma velha que aparece durante a noite e pisa
na barriga das pessoas que dormiram de estômago cheio,
provocando nelas falta de ar.
Para retomar a questão dos indígenas caberá notar que as
principais Nações Indígenas podem ser conhecidas usando-se
critérios linguísticos, de modo que podemos dividir os índios do Brasil
em quatro grandes nações:
- Caraíbas - encontrados no norte da bacia Amazônica;
- Nuaruaques - encontrados na bacia Amazônica, até os Andes;
- Caiapós - Jês ou Tapuias - encontrados no Planalto Central
brasileiro;
- Tupis - encontrados por toda a costa atlântica e algumas
áreas do interior.
A maior parte dos indígenas que habitavam o litoral do Brasil,
na época do ―suposto‖ descobrimento pertencia ao grupo linguístico
tupi. O indígena brasileiro, encontrado pelos portugueses, vivia em
um regime de comunidade primitiva, ou seja, uma forma de
organização social onde a ausência da propriedade privada e dos
meios de produção resulta numa economia comunitária, onde não
existiam formas de governo, classes sociais, trabalho remunerado,
dinheiro ou muito menos qualquer tipo de comércio. Os índios viviam,
e alguns poucos ainda vivem, naturalmente integrados à natureza, de
forma totalmente sustentável, da qual extraiam e ainda extraem de
maneira exemplarmente sustentável os seus alimentos, a água e
constroem os seus abrigos.
40. 40
Os índios deram importante contribuição para os costumes,
cultura e a formação do povo brasileiro. Dentre essas contribuições,
podemos destacar:
- o uso da rede para dormir, tão comum nas regiões Norte e
Nordeste;
- a utilização do milho, da mandioca, do guaraná, plantas
medicinais, etc.;
- as técnicas da coivara, ou queimada das roças antes de fazer
novo plantio;
- diversos vocabulários incorporados e falados no nosso idioma.
Na época do suposto ―descobrimento‖, a população indígena do
Brasil era estimada em mais de um milhão de pessoas, há quem
eleve estes números de cinco a dez milhões, mas, atualmente, está
reduzida a menos de 900.000 novecentos mil. Os primeiros contatos
entre brancos e índios foram, além de trágicos, teatralmente
amigáveis. Mais tarde, porém, quando teve início a outro tipo de
exploração, que foi e que ainda é a exploração agrícola, os índios
passaram a ser mais uma vez um obstáculo para os colonizadores,
que precisavam de suas terras e de seu trabalho. Assim, os indígenas
começaram a perder seus territórios e, ainda por cima, muitos foram
obrigados ao trabalho escravo nas lavouras.
Importante entender este processo, haja vista que,
diferentemente da Colonização de Povoamento a exemplo da ocorrida
nos EUA, aqui ocorreu a Colonização da Exploração, os colonizadores,
ou exploradores não tinham a menor intenção de fincar raízes, de
morar, de viver aqui por estas bandas. Queriam tão somente explorar
o máximo possível sem qualquer método sustentável, todas e
quaisquer riquezas possíveis e imagináveis, assim como escravizar as
pessoas que aqui habitavam, no caso dos índios, assim como os
escravos africanos para cá trazidos, a fim de enviarem tudo aquilo
que conseguissem em termos de madeira, pedras preciosas e
minerais para a Europa. Em razão disso, nenhuma preocupação com
infraestrutura houve por aqui, tal como houve nos EUA, afinal lá
havia sim o interesse de firmar raízes, de morar, de viver e de
preservar todas as riquezas para consumo próprio e futuro. Assim é
que, o Brasil, não foi descoberto, mas sim foi inventado e explorado
pelos Portugueses e seus sócios e parceiros comerciais. A grande
verdade é que, os índios já o haviam naturalmente descoberto, já
tinham naturalmente se apossado e habitado todo o território, mas,
41. 41
os portugueses se acharam no direito de se acharem superiores ao
ponto de dizerem que haviam descoberto o Brasil e contaram e
continuam contando essa mentira deslavada, inclusive em livros
didáticos, assim é que nos referimos a este ―suposto‖ descobrimento
como sendo, na verdade, uma reinvenção do Brasil aos moldes dos
portugueses que se intitulam os maiorais e, por isso, se sentiram no
direito de, à força, soterrar a cultura indígena em prol da cultura
europeia reinante naquela oportunidade. Trágico e criminoso!
Muitos índios foram massacrados ou escravizados pelos
colonizadores, que lhes roubavam as terras e atacavam suas
mulheres. A escravidão dos indígenas acontecia principalmente nas
áreas mais pobres, onde haviam poucos recursos para a compra de
escravos negros. O maior exemplo disso foi a Capitania de São
Vicente (São Paulo), nos séculos XVI e XVII; de lá partiam as
bandeiras do ciclo do apresamento indígena, que promoviam
verdadeiras guerras de extermínio, nas quais grandes genocídios
ocorreram e continuaram até pouco tempo na década de 60. Ocorre
que para o índio era muito fácil fugir, afinal, a mata era a sua casa,
de modo que a escravidão voltou-se mais para os povos africanos,
cujos negros fugiam muito menos do que os índios dado que não
tinham a mesma afinidade com as matas.
A seguir, fez-se oportuno, já que estamos a abordar a questão
do índio, transcreverei George de Cerqueira Leite Zarur:
―RAÍZES ÉTNICAS DO BRASIL: MODELOS DE INTEGRAÇÃO
(Conferência apresentada à 38ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil -
publicada pela CNBB)
George de Cerqueira Leite Zarur
Quero expressar meu agradecimento `a CNBB, nas pessoas de seu
Presidente, D. Jaime Henrique Chemello, de seu Vice-Presidente, D. Marcelo
Pinto Carvalheira e de seu Secretário Geral, D. Raymundo Damasceno
Assis, pelo honroso convite para proferir esta conferência aos bispos
brasileiros. Guardarei, sempre, a lembrança deste momento, com muita
gratidão e alegria. Saúdo o moderador desta conferência, o Padre Marcelo
Azevedo, Diretor do IBRADES, e todos os bispos e convidados presentes. É
uma grande emoção sentir pulsar o coração da Igreja.
Foi-me indicado discorrer sobre o tema “Raízes étnicas do Brasil: modelos
de integração”. Vou-me concentrar nas raízes étnicas negra e indígena,
aquelas que sofreram os efeitos da escravidão e sofrem, hoje, com maior
peso, o da exclusão social e política, lamentavelmente lembrada pela
violência gratuita contra índios que, há pouco, se manifestavam em Santa
42. 42
Cruz de Cabrália. Os portugueses serão considerados, na medida em que
seu poder colonial impôs as relações étnicas no Brasil e os demais a eles
foram forçados a se integrar. Usarei a comparação com o sistema
interétnico norte-americano, como metodologia para melhor avançar a
discussão. Afinal, a história americana também se construiu a partir das
relações entre europeus, índios e negros, e muitas das análises sobre o
Brasil e propostas de ação política para o nosso País são produzidas nos
Estados Unidos, por pesquisadores norte-americanos.
Cabe, também, uma discussão preliminar do que seja etnia e das
implicações deste conceito para as ciências sociais e para o pensamento
político. Tal preocupação decorre do entendimento de que conceitos, como
armas, podem ferir ou matar. O conceito de “etnia” tem sido
particularmente danoso. Sua definição precisa é indispensável para que
represente um instrumento de defesa de populações definidas por um
critério étnico, e não o contrário.
Etnia é um conceito antropológico que denota grupos humanos que marcam
sua identidade por diferenças culturais escolhidas para este fim.
Uma primeira relação do conceito de etnia é, portanto com o de identidade
social. Este último conceito passou a ser amplamente utilizado, a partir da
década de 70, como marco para novas questões teóricas e para a pesquisa
empírica. A partir de então, "identidade étnica" passou a representar um
termo de extrema importância. Hoje, o conceito de etnia é, em
consequência, intrinsecamente associado ao de identidade. Um importante
avanço decorrente desta relação foi o abandono da ideia de etnia como algo
imanente aos seres humanos. Pelo contrário, passou-se a conceber as
distinções étnicas como contextualmente construídas, relativizadas a
culturas, histórias, geografias e interesses particulares.
A percepção das diferenças físicas ou biológicas entre seres humanos é,
assim, culturalmente produzida, e os efeitos discriminatórios desta
percepção, também resultam da ótica de cada cultura particular. Assim,
supostas diferenças “raciais” representam, apenas, um critério particular de
diferenciação étnica. Comuns são, também, as distinções étnicas definidas
exclusivamente por critérios religiosos, caso de sérvios, croatas e bósnios,
por exemplo. O número de situações em que “raça”, conceito biológico, é
utilizado para a segmentação étnica é muito pequeno e reflete a ênfase dos
últimos séculos. No século XVI, Shakespeare apreende este movimento
histórico, ao criar a figura trágica de Otelo, triste mouro de pele escura,
inferiorizado em seu ciúme, mas, ainda assim, um importante líder militar,
casado com mulher branca.
Raça e etnia são conceitos que, embora distintos, carregam uma perigosa
proximidade semântica. “Raça” implica elementos biológicos como base
para diferenças culturais inatas. “Etnia” também implica diferenças
culturais, porém sem causas biológicas. Supostas diferenciações “raciais”
são, elas mesmas, critérios culturais de diferenciação entre grupos
humanos, ou seja, critérios para traçar fronteiras étnicas, da mesma forma
43. 43
pela qual religião, rituais, roupas, nomes e alimentos são usados para este
fim. A diferença entre “raça” e “etnia” é, portanto, sutil, e, por isto mesmo
deve ser sempre acentuada.
A questão das identidades étnicas é, ainda, complicada por sua relação com
os sentimentos associados com a ideia de nação. Ao contrário das antigas
dinastias imperiais que reuniam sob seu governo diferentes povos, a
tendência do estado nacional moderno republicano, surgido com a revolução
francesa, é a uniformidade linguística e cultural. No Brasil, a solução mais
eficaz para o paradoxo envolvendo diversidade étnica e nação está na tese
da miscigenação, que encontraria sua expressão maior na brilhante obra de
Gilberto Freyre.
Não se sabe ao certo quantos indígenas viviam no Brasil ao tempo da
chegada dos europeus, mas, levando-se em conta o acentuado decréscimo
populacional decorrente do contato interétnico, este número devia a chegar
a algo entre cinco e dez milhões.
Os índios que os europeus encontraram, aqui em Porto Seguro, falavam
uma língua do tronco linguístico tupi. Eram os tupis litorâneos, como os
tupinambás ou tupiniquins, descritos pelos primeiros cronistas, que
ocupavam as costas brasileiras de Santa Catarina ao Pará, adentrando as
barrancas do Rio Amazonas por milhares de quilômetros. Além dos tupis, o
Brasil ainda contava, em seu interior, com grupos indígenas classificados
nos troncos jê e aruak, além de uma importante grande família isolada, a
carib.
Posteriormente, haveria uma uniformização linguística, criando-se uma
verdadeira “língua brasileira”, o nhengatú ou “língua geral”. Os jesuítas
traduziram a Bíblia para a língua dos tupis da costa e passaram a utilizá-la
como língua brasileira, a todos ensinada como aspecto da própria
catequese. Até finais do século XVIII, era falada em quase todo o território
nacional, funcionando mais ou menos como o guarani, hoje no Paraguai. Há
não muito tempo, o nhengatú ainda era língua franca em áreas caboclas e
indígenas do Alto Rio Negro.
As classificações linguísticas escondem a enorme diversidade existente
entre os grupos indígenas brasileiros. De fato, a distância filogenética entre
diferentes línguas do tronco tupi faladas no Brasil é maior do que a
existente, por exemplo, entre os povos indo-europeus. Do ponto de vista
político, os indígenas não possuíam qualquer sentimento de unidade
intertribal. A identidade não era a de “índio”, mas de tupinambá de tal e tal
aldeia, ou a de aweti, ou a de awa-canoeiro ou a de tapirapé, e assim por
diante. O índio genérico é uma criação do colonizador.
Considerando tal diversidade, que incluía centenas de línguas, milhares de
dialetos e de micro-unidades políticas, a maneira mais adequada de se
caracterizar a situação dos índios brasileiros é através de uma tipologia
ecológica, ou seja, por intermédio da relação entre meio ambiente natural e
cultura. Desta forma, nas terras baixas da América do Sul, isto é, fora dos
44. 44
Andes, há dois grandes tipos de grupos indígenas: o primeiro é formado
pelos habitantes das florestas tropicais e o segundo, pelos habitantes das
savanas e outros campos abertos.
Há cerca de vinte anos, explorei tais diferenças em um estudo, sobre os
indígenas do Centro-Oeste brasileiro, investigando o contraste entre os
índios de cerrado e os do Alto Xingu, de floresta tropical. As conclusões
então obtidas podem ser extrapoladas para a maior parte da América do
Sul.
As principais diferenças entre os dois tipos consistem em uma maior
população e complexidade social dos grupos do cerrado. Caçadores,
organizam sua sociedade a partir da premissa da mobilidade no espaço, do
nomadismo interno a uma determinada área e da velocidade nos
deslocamentos para raids guerreiros. Enfatizam rígidas e formalizadas
classes de idade, além das diferenças entre os sexos na divisão do trabalho
e na sua organização interna. Possuem uma agricultura desenvolvida.
Já os índios xinguanos, nossa amostra dos grupos de floresta tropical, são,
primeiramente pescadores e classificam como tabu a carne de grandes
animais. Estão distribuídos em aldeias com pequenas populações
espalhadas à beira de mananciais piscosos. Sua organização interna
fundamenta-se, apenas, na divisão do trabalho entre os sexos e, assim, na
oposição entre homens e mulheres. É, portanto, menos complexa do que a
dos caçadores dos campos abertos, onde, adicionalmente, as hierarquias
etárias assumem um papel importante.
Os tupis do litoral tinham populações maiores, ficando em uma situação
transicional entre os dois tipos acima descritos. O tamanho de suas
populações decorria da sua organização para a guerra, destinada à captura
de prisioneiros para o sacrifício ritual.
Todos os grupos indígenas brasileiros partilham, em sua organização
original, o fato absolutamente relevante de não constituírem sociedades de
classe. As diferenças sociais são mínimas e conferidas por genealogia e
status guerreiro. Não há propriedade individual da terra, mas, apenas, a de
instrumentos agrícolas e a de uns poucos bens pessoais. A organização
social depende do sistema de parentesco, do status, e não do contrato. A
divisão do trabalho dá-se, essencialmente, entre homens e mulheres e
entre jovens e velhos. Desta forma, todo homem adulto é guerreiro,
pescador ou caçador, artesão, desenvolve atividades agrícolas e religiosas,
além de participar da vida política da aldeia. Em muitas das pequenas
comunidades indígenas, o sistema político vigente é o que uma colega
antropóloga denominou como sendo de ”anarquia sem caos”, uma
democracia ainda mais direta do que a grega, pois inclui todos os homens
adultos. As mulheres são excluídas do sistema político, uma vez que a
igualdade civil entre homens e mulheres é um fenômeno historicamente
recente, do século XX, resultante do progresso tecnológico ocidental, que
anula as diferenças físicas entre os sexos no trabalho humano.
45. 45
Nas comunidades indígenas tradicionais, isoladas do contato com a
sociedade ocidental, trabalha-se muito pouco, duas horas e meia por dia,
segundo alguns cálculos. Come-se muito bem e tinha-se, antes da chegada
dos europeus, um bom padrão de saúde. Não existe nada mais enganoso do
que a imagem dos chamados “primitivos” famintos, por não controlarem
adequadamente a natureza. Como sobra tempo, dança-se e canta-se muito.
É enfatizada a solidariedade, a partilha, a distribuição da riqueza por meio
de atividades rituais. Festa, religião e trabalho não são esferas da atividade
humana distintas e não se pode separar, com clareza, o sagrado do
profano. A exploração dos recursos naturais é realizada de forma a se
garantir sua renovação permanente.
Isto não quer dizer que as sociedades indígenas fossem, antes da chegada
dos europeus, livres de problemas decorrentes da guerra e de outros
fatores. Seus membros eram, porém, em geral, mais felizes do que os
homens nascidos em nossa sociedade ocidental contemporânea.
A chegada dos europeus representou um cataclismo para essas pequenas
comunidades, iniciando-se, então, um dos mais terríveis genocídios da
história humana. Primeiro, a doença. Os índios, simplesmente, não tinham
resistência a alguma moléstias, como a gripe e o sarampo. Não mais do que
um incômodo passageiro para os portugueses, representavam, para os
índios, a morte em larga escala e o fim de sociedades inteiras, algo
semelhante à peste negra que dizimou a Europa medieval. Pequenas aldeias
espalhadas, com a população dispersa, eram mais protegidas contra essas
epidemias. A prática de “aldear” os índios, em grandes reduções, para sua
catequese acabou por facilitar a transmissão de doenças e contribuir para o
seu extermínio. Os indígenas assim concentrados, tornavam-se, também,
presas mais fáceis para bandeirantes em busca de escravos.
Mesmo quando o índio escapava da escravidão e da doença, a
desorganização de sua cultura levava à miséria material e moral. A
destruição sistemática de valores morais e religiosos e de costumes
tradicionais, desestruturava identidades coletivas e individuais, criando um
novo índio, bêbado e maltrapilho, que não encontrava qualquer melhor
razão para continuar vivendo.
Embora não pudessem livrar-se do pensamento de sua época e do contexto
colonial que os envolvia e os fazia seus agentes, era de alguns religiosos a
única voz que se ouvia em favor dos índios. Jesuítas, como Anchieta, viviam
em conflito com os colonos portugueses. Jamais serão esquecidos os
emocionantes sermões do Padre Antônio Vieira, em sua defesa, as leis que
conseguiu junto ao Rei D. João IV, e a luta que por eles travou durante toda
a sua vida. Na América espanhola, aquele que viria a ser o bispo de
Chiapas, o Padre Bartolomé de Las Casas conseguiu ver vitoriosa sua tese
de que os índios tinham alma, qualificando-se, portanto, como seres
humanos.
Os primeiros portugueses que se instalaram nesta Bahia e em outros
lugares, como São Vicente, usaram os índios como escravos e as índias
46. 46
como procriadoras. Como demonstra recente pesquisa de biólogos da
Universidade Federal de Minas Gerais, a miscigenação com mulheres índias
foi, até mesmo, maior do que com negras, associada à inexistência
estatística de cruzamentos de homens índios com mulheres brancas. O fato
de no Brasil se falar, predominantemente, o nhengatú, até o século XVIII,
devia-se não só à opção dos preceptores jesuítas, mas também, ao fato de
ser esta a língua falada em casa pelas mães da maior parte dos brasileiros.
Criou-se, assim, uma sociedade de mestiços, os mamelucos, que uniam a
avidez predatória dos exploradores coloniais ao conhecimento do ambiente
e às técnicas de sobrevivência indígenas.
O sistema de relacionamento com os índios era, no Brasil, inteiramente
diverso do norte-americano. Estimulava-se a mestiçagem, devido à falta de
gente em Portugal, e os índios eram considerados como súditos reais.
Mesmo sem maiores consequências práticas, havia leis para sua defesa. Nos
Estados Unidos, os indígenas eram considerados como nações autônomas,
com as quais se assinavam tratados e se fazia guerra, declaradamente de
extermínio, para a desocupação de suas terras para os colonos brancos.
Já no século XVII, relatava-se a virtual destruição das populações nativas
que habitavam o litoral brasileiro, seja por doença, seja pelos sofrimentos
da escravidão, seja devido a guerras. Os que sobreviviam pertenciam a
comunidades com populações originais altas, dentre as quais, por chance
estatística, alguns escapavam. Essas populações residuais seriam capazes
de, ao longo dos séculos, criar mecanismos de resistência às doenças
trazidas pelos europeus e de voltar a crescer. Calcula-se, hoje, em mais de
trezentos mil, o número de índios no território nacional. Há bolsões
indígenas espalhados por quase todo o País. São, geralmente, sociedades
marginais à economia, à política e à cultura nacionais, vivendo uma brutal
crise de valores que atinge, mesmo, situações extremas de suicídio coletivo,
caso de alguns grupos de Mato Grosso do Sul.
Muitos grupos indígenas que permaneceram no Brasil sobreviveram em
áreas de refúgio, regiões ermas, sem maior atrativo econômico para a
expansão ocidental. Alguns estabeleceram contatos comerciais mais ou
menos permanentes com a sociedade envolvente. Outros permaneceram
completamente isolados. Até hoje, nosso País possui, em seu território,
populações nativas isoladas, concentradas no Alto Solimões, Rondônia e
Acre. Esta situação , possivelmente, se repete apenas na Nova Guiné.
Há os casos mais díspares. Em áreas como Roraima e no Alto Rio Negro, as
populações indígenas são numericamente predominantes. Na Amazônia, o
mestiço com feições indígenas está em todo lugar. Há, ali, uma sutil
gradação social e cultural que vai do índio ao caboclo. No Nordeste, apenas
um grupo indígena, os fulniô, de Águas Belas, Alagoas, mantém sua língua
nativa. Quase todos os demais agregam-se em torno de um único ritual
tradicional, o Toré. No Sul e no interior de São Paulo, a sobrevivência dos
poucos índios remanescentes, xokleng e kaingang e guarany, já se deve à
política indigenista estatal, pela garantia da terra aos que escaparam dos
ataques dos bugreiros, assassinos profissionais, que no começo do século
47. 47
passado os exterminavam para que seu território fosse ocupado por colonos
europeus e fazendas de café.
Os índios constituem, claramente, grupos étnicos, com fronteiras sociais
bem delimitadas. Já a caracterização étnica dos negros brasileiros é muito
mais complicada, devido à ausência de critérios evidentes, comunitários, de
delimitação étnica.
Os escravos negros vieram substituir os escravos índios, exterminados
rapidamente. Eram, em geral, vendidos por potentados locais a mercadores
africanos ou árabes, que os revendiam aos portugueses. A escravidão
começava na própria África. Suas sociedades de origem estavam, portanto,
articuladas ao que hoje se denomina “globalização econômica” pois, já
chegaram ao Brasil presos às correntes do “brigue imundo” de que nos
falou o poeta. Originários de etnias diversas e falando línguas diferentes
eram amalgamados nas senzalas. Calcula-se que tenham vindo em número
de três milhões e, hoje, seus descendentes estão em todo o País.
Este foi outro genocídio em larga escala, consubstanciado pela morte de
milhões de seres humanos nos porões dos navios, no excesso do trabalho,
na má alimentação e nos castigos físicos. O debate intelectual no interior da
Igreja espelhava as contradições da época. O Padre Las Casas, no século
XVI, defendia a posse de alma pelo índios, mas não pelos negros! O nosso
querido Padre Vieira, como demonstrou o Padre José Carlos Aleixo,
antecipou-se a Castro Alves, denunciando o sofrimento dos negros e D.
João Evangelista Terra, em seus importantes livros sobre a catequese de
índios e negros no Brasil Colonial, demonstrou o reconhecimento dos
direitos religiosos a negros e sua defesa pela Igreja, a partir do sec XVI. Por
outro lado, de acordo com José Murilo de Carvalho, nos finais do sec. XVIII,
D. José Joaquim de Azeredo Coutinho, Bispo de Pernambuco e,
posteriormente, Inquisidor-Mor do Santo Ofício defendia acaloradamente a
escravidão, em seus escritos.
É verdade que seria disseminada no pensamento social brasileiro a tese do
“bom senhor de escravos” brasileiro, que o historiador norte-americano
Frank Tannenbaum trataria de desenvolver nos finais dos anos 40,
contrastando os sistemas escravocratas norte-americano e brasileiro. O
argumento principal é o de que a escravidão no Brasil não teria sido tão
cruel quanto nos Estados Unidos, pois, na tradição católica, os escravos
ocupariam um lugar na sociedade, tendo o direito ao batismo, a construir
suas igrejas, a pertencer a irmandades religiosas, além da possibilidade de
constituir família. Com o tempo, já nos séculos XVII e XVIII, não se
discutia, na América Ibérica, se os negros tinham ou não tinham alma, pois
já não havia mais dúvidas a respeito de sua essencial humanidade. Assim,
era-lhes permitida a alforria, fosse como retribuição a serviços prestados ou
reconhecimento de paternidade de mestiços, fosse por compra, uma vez
que podiam trabalhar por conta própria, quando não estivessem prestando
serviço ao senhor. Era aos ex-escravos, até permitida a posse de escravos.
Tannenbaum relaciona a escravidão brasileira com a romana, onde tal
relação jurídica não era considerada um estigma definitivo, biológico, mas
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um infortúnio econômico temporário. Daí o título de seu pequeno clássico
sobre o tema: “Escravo e Cidadão”.
O contraste com os Estados Unidos, especialmente com os estados do Sul,
era, de fato, impressionante. Sua humanidade era rejeitada por postulado
genético, pois, à semelhança das criações de cavalos ou de gado,
disseminaram-se, nesse País, as fazendas de criação de escravos. Era
escolhido o escravo mais saudável e forte como reprodutor, sendo-lhe
entregue mulheres selecionadas para que a prole alcançasse um melhor
preço no mercado. Os direitos de organização religiosa, o primeiro passo
para a afirmação de sua cidadania, só seriam alcançados muito
tardiamente.
No mundo ideal das normas, o ponto de vista de Tannenbaum é defensável,
pois alguns direitos, atribuídos aos escravos no Brasil, inexistiam nos
Estados Unidos. Na prática, é desmentido pelos instrumentos de tortura,
pela morte precoce devido ao excesso de trabalho e à falta de alimentos,
pelo estupro sistemático da mulher negra pelo senhor branco, bem como,
pela multiplicação dos quilombos, cujo número atesta as reais condições de
vida nas senzalas brasileiras. Eram em pequeno número os negros que
tinham acesso àqueles elementares direitos.
A denúncia da existência de preconceito contra negros no Brasil iria
acontecer, gradativamente, a partir dos anos 50. De transcendental
importância, neste sentido, foi a realização de uma pesquisa financiada pela
UNESCO, que incluiu sociólogos e antropólogos das universidades de São
Paulo, da Bahia e de Columbia, em Nova York. O pensamento produzido nas
universidades, a partir dessa investigação pioneira, iria popularizar-se, ao
longo das décadas e influenciar a maneira pela qual os brasileiros passaram
a se ver.
A equipe de sociólogos paulistas, liderada pelas figuras notáveis de
Florestan Fernandes e Roger Bastide, incluía alguns de seus alunos mais
conhecidos, como Otávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Uma das
teses centrais da pesquisa então desenvolvida, apresentada no livro de
Fernandes “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”, fazia a ponte
entre o marxismo e a questão étnica. Ficou evidenciada a existência de
fortes atitudes de estigmatização de negros no Brasil, ou seja, a existência
do preconceito e que este decorria da competição presente na sociedade
capitalista. Onde o capitalismo estivesse mais avançado, o preconceito se
faria sentir com maior força.
A pesquisa na Bahia, desenvolvida sob a liderança dos antropólogos Thales
de Azevedo e Charles Wagley, chegou a conclusões extremamente
interessantes. A equipe incluía, dentre outros, o estudante de pós-
graduação Marvin Harris, que viria a ser um dos mais importantes
antropólogos norte-americanos de sua geração. Como a investigação
realizada em São Paulo, também contribuiu para demonstrar que o Brasil
não era nenhum paraíso racial e que o preconceito fazia parte do cotidiano
da vida brasileira. Porém, enquanto a pesquisa paulista referenciava a
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situação brasileira a um quadro interpretativo geral, o marxismo, a pesquisa
realizada na Bahia partia da comparação entre as situações empíricas
brasileiras e norte-americanas.
Assim, os pesquisadores norte-americanos e brasileiros constataram que os
sistemas de classificação étnica brasileira e norte-americana diferiam
radicalmente. Nos Estados Unidos, o critério de classificação de uma pessoa
como negra é biológico/racial. A biologia popular é elevada ao plano legal,
de forma que, por exemplo, no estado de Mississipi, quem tiver 1/8 de
“sangue” negro é considerado como negro. Ser negro, nos Estados Unidos
é, portanto, uma questão de “contágio” genealógico, o que leva a que
existam pessoas louras, de olhos azuis, com aparência nórdica, legal e
socialmente classificadas como negras. Há, desta forma, uma oposição
absoluta entre negros e brancos, sendo o mulato, a classe intermediária,
uma categoria sociologicamente inoperante. É o jus sanguinis, aplicado ao
sistema de classificação étnica, segmentando internamente a sociedade.
Já, no Brasil, a classificação étnica parte da aparência externa dos
indivíduos. Uma pessoa clara, com traços afilados, jamais será classificada
como “negra”, mesmo tendo algum ancestral negro muito próximo. Não há,
no Brasil, a oposição absoluta entre negros e brancos, mas um continuum
que vai do branco louro, ao chamado “negro puro”, passando por dezenas
de categorias intermediárias, como mulato claro, mulato escuro, mulato
sarará, e muitas outras. A cor da pele, isoladamente, só classifica alguém
como negro se a pessoa for muito escura. Traços como a forma do nariz,
dos lábios, e o tipo de cabelo são igualmente importantes.
Outro aspecto na classificação étnica brasileira é a posição social do
indivíduo, gerando o que se denominou de “raça social”. Quanto mais
elevada o status de alguém, maior a tendência a ser considerado como
“branco”. Inversamente, quanto mais pobre, mal vestida e menos educada
a pessoa, maior a tendência a ser percebida como mulata ou negra. Dessa
mesma pesquisa, resultou a constatação de que quanto mais pobre o setor
considerado, maior a miscigenação.
Tal contraste entre os sistemas norte-americano e brasileiro foi
elegantemente descrito pelo professor Oracy Nogueira, que denomina o
primeiro “preconceito de raça”, e o segundo, “preconceito de marca”.
Esta pesquisa, dos anos 50, explicitou diversos aspectos das relações entre
negros-brancos, no Brasil, alguns dos quais, hoje, percebemos como
evidentes, mas que, na época, não eram. Contrariou o senso comum
nacional, que postulava a perfeita igualdade entre etnias. Demonstrou, por
outro lado, a americanos que “raça”, enquanto herança biológica interna
genotípica, não era uma categoria universalmente reconhecida. Mostrou
que, no Brasil, a ausência da violência física sistemática contra negros,
como encontrada nos Estados Unidos, era compensada por uma extrema
brutalidade na repressão aos pobres, brancos ou negros, e à sua
organização política.