Este capítulo analisa como a prioridade do gasto público brasileiro mudou de 1990 a 2007, com foco nos investimentos e pagamento da dívida. A execução orçamentária mostra que os investimentos caíram enquanto os gastos com juros e refinanciamento da dívida aumentaram substancialmente. Isso reflete a "financeirização" crescente da economia e como honrar os compromissos financeiros passou a ser a prioridade do governo nesse período.
Aula 33 estabilização, política cambial e competitividade - plano real
Aula 20 financeirização impacto nas prioridades de gasto do estado 1990 a 2007 (economia brasileira)
1. O Brasil sob a Nova Ordem
A economia brasileira contemporânea – Uma análise dos
governos Collor a Lula
Rosa Maria Marques e
Mariana Ribeiro Jansen Ferreira
Organizadoras
1ª Edição | 2010 |
2. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado
– 1990 a 2007
Mariana Ribeiro Jansen Ferreira
3. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
Introdução
Durante o período em que esteve em vigor no Brasil o chamado
Estado desenvolvimentista, a política fiscal do governo foi afetada pela
crise fiscal-financeira que se instaurou ao final da década de 1970.
Nesse período, a economia brasileira apresentou significativa elevação
da inflação, os primeiros sinais de redução de crescimento e uma
crescente dívida pública.
A redução do gasto público culminou, desde 1999, no esforço explícito
de obtenção de superávits primários. Nesse momento, a prioridade
passou a ser claramente honrar os compromissos financeiros.
4. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
Mediante os dados disponíveis da Execução Orçamentária do Tesouro
Nacional, tem-se que, a partir da década de 1990, os dispêndios do
Estado são marcados pela forte queda nos gastos com investimento e
voltados para o desenvolvimento, refletindo os níveis crescentes de
liberalização da conta de capital e aprofundamento da financeirização
da economia.
A Execução orçamentária é uma forma usual de analisar como o
governo realiza seus gastos, tanto em termos de montantes invertidos
quanto em termos de prioridade no direcionamento do orçamento.
5. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
1. A Execução Orçamentária: 1990-2007
6. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
1.1 Execução orçamentária – por categoria econômica e por
grupo de despesa
No ano de 1990, destaca-se um grande aumento no total
orçamentário, tendo em vista os dispêndios que envolveram a
preparação e implementação da Constituição de 1988.
Além disso, nesse ano, as despesas de capital representaram 71,26%
dos gastos totais, devido aos altos dispêndios com amortização da
dívida.
Quando, a partir de 1994, o refinanciamento é separado da
amortização da dívida, sua importância fica destacada, isto é,
observa-se que, apesar do esforço de amortização, novas dívidas
foram contraídas.
7. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
A maior parte da elevação do total da execução orçamentária ocorreu
por causa do aumento da “Amortização da Dívida – Refinanciamento”,
que passou de R$178 bilhões para R$ 576 bilhões em 1994-2005,
uma elevação de 223%.
Durante o primeiro mandato do governo Fernando Henrique (1995-
1998), a participação do refinanciamento ficou entre 35% e 39%. No
início do segundo mandato, elevou-se para 45,7% e 48,8% em 1999
e 2000, reflexo do acordo realizado com o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Com o objetivo de registrar a perda de importância do investimento
realizado pelo Estado no momento em que aumenta a
“financeirização” do orçamento da União, comparam-se os gastos
voltados para Investimentos com os montantes destinados ao
pagamento de Juros e Encargos da Dívida.
9. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
1.2 Execução orçamentária – por função
As funções que apresentam maiores gastos, no intervalo de tempo
estudado, variam de forma significativa. Os gastos com
“Administração” passam por uma grande mudança a partir de 2000,
quando o seu montante caiu muito.
As demais funções de manutenção da estrutura pública, além da
“Administração”, apresentam patamar semelhante de participação no
total dos gastos.
A função “Trabalho” tem, em 2007, patamar semelhante ao observado
no início da década de 1990 – 1,57% em 1990 e 1,66% em 2007,
sendo que somente em 1991 houve um valor significativamente
diferente da média histórica verificada nessa série.
10. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
Os gastos com “Previdência Social/Assistência Social” se elevam após
a Constituição de 1988: de cerca de 11,5%, em 1990, para
aproximadamente 19% em 1991. Sua maior participação foi em 1996
(22,19%), reduzindo-se a partir de então.
A função “Encargos Especiais” é criada em 2000, sendo responsável
por parte substancial dos dispêndios da União, pois representa desde
então ao menos 21,7% do total de gastos.
Todas as demais funções, caracterizadas pelo forte vínculo com o
crescimento nacional, apresentam retração ao longo do
período de análise: “Agricultura”, “Comércio e Serviços/Indústria”;
“Comunicações”; “Energia”; “Transporte”; “Desenvolvimento
Regional”.
11. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
A forte retração dos gastos com “Transporte” também marca essa
mudança na forma de dispêndio do governo; tal função, que
representava 2,46% em 1991, a partir de 1997 mantém um patamar
abaixo de 1%, sendo de 0,49% em 2007.
Deve-se lembrar que, durante esses anos, o governo federal
praticamente deixou de investir em estradas – o que foi seguido pela
passagem de seus cuidados, em vários casos, a empresas privadas,
mediante a cobrança de pedágio.
Considerações Finais
A análise da Execução Orçamentária mostra que as prioridades do
governo estabelecidas no começo da década de 1990 mantiveram-se
ao longo dos anos de análise e eram bastante diferentes daquelas
existentes entre as décadas de 1930 e 1970 no País.
12. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
Da análise da execução orçamentária, tem-se que não só a forma de
atuação do Estado se modificou, em comparação com as décadas
anteriores, mas a própria maneira como a dívida pública é percebida e
utilizada transformou-se.
A partir da década de 1990, é defendida a necessidade de ajustes
fiscais, colocando como meta a consecução de um equilíbrio fiscal que
permitiria, no médio prazo, uma eliminação estrutural do déficit
público.
Assim, a política em vigor tende a sacrificar gastos importantes do
governo, como os voltados para o investimento, sem reduzir o ônus
financeiro da dívida, o que aparece como parte da “nova” forma de
inserção estatal, permeada pela lógica financeira dominante.
13. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
A despesa com os juros da dívida apresenta uma trajetória
ascendente, de forma que a realização de superávits primários passou
a ser prioritária na agenda governamental.
Os elevados gastos com juros são, em grande medida, alimentados
pelos altos índices de juros Selic, um dos principais indexadores da
dívida pública no País, porque a manutenção de altas taxas de juros
torna o serviço da dívida pública extremamente oneroso.
Tal endividamento pautou a adoção da política, por parte do governo,
da obtenção de superávits primários.
14. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
O estudo da Execução Orçamentária da União, assim como a análise
da evolução do investimento, do crescimento do PIB, da taxa de juros,
isto é, de grande parte dos principais indicadores econômicos do País,
mostra que o Estado exerce, ao longo da década de 1990, e
atualmente na década de 2000, um papel distinto do que possuía
anteriormente.
Tal mudança teve como propulsor a idéia de que o Estado
“desenvolvimentista”, antes existente, não só havia entrado em
falência como era inadequado à realidade da mundialização da
economia, demandando uma reformulação na sua atuação social e
econômica.
15. Capítulo 3
Financeirização: impacto nas
prioridades de gasto do Estado – 1990 a
2007
O que se tem, na realidade, é que o Estado retraiu sua função como
propulsor do crescimento econômico – o que realizava principalmente
mediantes seus investimentos – e manteve sua participação ativa
como “garantidor” da preservação dos interesses financeiros e
rentistas.
Como o refinanciamento da dívida pública não só não se retrai mas
também se torna cada vez mais robusto como parte dos gastos
estatais, tal trajetória tende a se perpetuar tanto na execução
orçamentária do governo quanto em toda esfera de atuação pública.