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INTRODUÇÃO
A Lei nº 11.340/06, hodiernamente conhecida como Lei Maria da Penha, tem sua destinação
precípua a proteção de mulheres, quando estas se encontrarem como vitimas de violência nos
domínios da entidade familiar. Todavia, a despeito de inexistência de previsão expressapara
aplicabilidade ao homem, pretende este estudo, demonstrar a coerente incidência
dosmecanismos de prevenção, inibição, punição e erradicação da violência doméstica para as
situações de violência em que figure o homem como vítima as agressões previstas em
lei.Tendo a razão de ser de tal entendimento, respaldo no próprio texto constitucional, quando
dispõe serem iguais, homem e mulher, perante a lei que rege o Estado Democrático de
Direito.
Seria esta igualdade meramente formal, simples disposição legal, sem qualquer eficácia, se,
tendo em vista a perpetração de violência contra o indivíduo, fosse incapaz o Estado, de
oferecer-lhe resposta apta a fazer cessar os efeitos da conduta lesiva. De modo que, apreende-
se de uma interpretação teleológica do texto da lei em estudo, o condão de proteger os
integrantes do núcleo familiar, vitimados por qualquer espécie de violência. Deste modo, a
necessária aplicação dos dispositivos legais à mulher, quando esta for a agente responsável
pela conduta danosa em face de homem, reflete manifesta isonomia material, com vistas à
proteção daquele que demonstra, no caso concreto a necessária e inadiável intervenção estatal.
Neste diapasão, questiona-se, jurisprudência e doutrina, se o principio da isonomia material,
que intenta tratar de forma desigual, os desiguais, para que se alcance uma igualdade real,
seria de fato aplicável à Lei 11.340/06, de modo a dispensar proteção, apenas, para a mulher,
tendo em vista a violência generalizada que ora se visualiza em nossa sociedade, a saber,
indiscriminadas manifestações agressivas, tanto de homens contra suas esposas ou
companheiras.
De modo que, é de relevante importância apreciar a possível aplicabilidade do diploma
especial, em favor do homem que, efetivamente, encontre-se em situação de violência
doméstica.
Para tanto, trataremos no capítulo I de uma breve exposição histórica a respeito do surgimento
em nosso país, deste regramento que disciplina este tipo de relação familiar.
2
Quando do capítulo II, abordaremos os procedimentos e medidas protetivas dispostas na Lei
Maria da Penha, a saber, os mecanismos para sua aplicação, desde as questões de competência
à formas pelas quais se dará a instauração do processo penal.
E, finalmente, no capítulo III, versaremos sobre o homem como destinatário isonômico da Lei
11.340/06, com vistas aos princípios constitucionais aplicáveis à problemática, como por
exemplo o principio da isonomia, em face da vedação à interpretação extensiva na seara
penal, e obviamente, toda a problemática que surge em decorrência disto. Trazendo também, a
baila de nossos estudos, pesquisas jurisprudenciais que, tratando sobre a questão, possam
trazer luz à este controvertido tema.
3
CAPÍTULO I
1DAS RAÍZES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A violência, em suas mais variadas manifestações, é um tema recorrente em nossa sociedade,
pois como é sabido por todos, a violência é capaz de ceifar, diariamente a vida de milhares de
indivíduos em todo o mundo.
No que diz respeito ao conceito de violência, Mameluque expõe aquilo que o Conselho Social
e Econômico das Nações Unidas vem entendendo:
O uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra
pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em
sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.
(MAMELUQUE,2010, p.01)
Deste modo, percebemos ser a violência um meio, que se destaca em todas as sociedades,
pelo qual se expressa modos de vida, comportamentos específicos e fenômenos mais gerais de
comportamentos humanos, assumindo até dado ponto, contornos de predicativo do jeito
humano de ser, como defende Strey(2001, p.47).
Esta violência, em razão do gênero, encontra-se intimamente relacionada às relações onde se
visualiza estados de subordinação, especialmente nas relações onde o gênero feminino
submete-se ao masculino. Em outras palavras, presume-se que a violência de gênero encontra-
se mais propensa a concretizar-se, em relações onde mulheres encontram-se subordinadas, por
diversos fatores, ao homem, o que por certo, encontra notório respaldo histórico, uma vez que
desde o primórdios da humanidade, à mulher é imposto um lugar de inferioridade em relação
ao homem, em praticamente todas as relações que se estabelecem nas civilizações. Com
especial relevo aquelas datadas do período das revoluções europeias do século XVIII, onde a
mulher, mesmo se vendo a desempenhar funções equiparadas ao homem, permanece relegada
à condição inferior, tal qual comenta Souza1
ou, como em nossos dias, onde mulheres
assumem posições de liderança, alcançando resultados igualmente satisfatórios aos dos
homens, no entanto não percebendo as mesmas remunerações pecuniárias2
.
1
Sérgio Ricardo de Souza,Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 36.
2
Dados do sítio do Observatório de Igualdade de Gênero, acessados em outubro de 2013, apontam diferença
de até 30% de salários entre homens e mulheres que exercem as mesmas atividades, numa evidente
disparidade salarial em razão do gênero.
4
Historicamente, as mulheres têm sido vistas nas sociedades como seres de menor escalão,
gozando de quantidade inferior de direitos e submissas à vontade e desejos do homem,
praticamente sem direitos, todavia imbuídas de diversas obrigações, como percebe-se notório
no trecho abaixo:
A mulher durante séculos foi vítima da opressão e de teorias machistas, no
entanto, nenhum obstáculo foi capaz de ofuscar o brilho feminino e impedir o
seu desenvolvimento na sociedade. Contudo o processo de emancipação da
mulher foi uma tarefa árdua, que perdurou durante séculos até alcançar o status
que possui hoje. De sexo frágil, a mulher passou a ser responsável pelo mais
novo processo que o mundo vem sofrendo: a revolução feminina, onde as
mulheres deixaram de ser apenas donas [sic] do lar, para participar efetivamente
da construção da história. (GALIZA, 2008, p. 01)
Desde a pré-história, perpassando períodos como a Idade Média, até a Idade Moderna,
percebe-se a mulher, como uma propriedade do homem, nas sociedades conhecidas como
patriarcais, onde se visualiza o homem como chefe e mantenedor da família, cabendo a
mulher tão somente a função doméstica e de procriação.
Chegando à nossa contemporaneidade, mais precisamente de eventos datados do final do
século XIX, manchetes de jornais como “Matou a esposa a punhaladas”, “Do ciúme ao crime”
ou mesmo “Crime de honra do marido traído”, eram frequentes e admitidas como práticas
comuns e permitidas na sociedade, em razão mesmo desta cultura da mulher como
propriedade do marido e, em sendo ela propriedade, poderia, certamente, seu dono, fazer
deste “bem” o que melhor lhe aprazia. Sendo este pensamento corroborado, inclusive, por
muitas mulheres à época.
Em período seguinte, já no século XX, floresce o movimento feminista e junto a ele, atos
internacionais de proteção à mulher se multiplicam ao redor do mundo. O feminismo foi um
movimento, que buscou principalmente a igualdade de direitos, respeitando as diferenças
entre sexos. Seu objetivo era reconhecer a mulher em igualdade com o homem, no intuito de
dirimir a ideia de superioridade do sexo masculino sobre o feminino.
Neste contexto de comum e tolerada violência doméstica contra a mulher, paralela a este
crescente movimento de luta por direitos femininos, visualiza-se uma premente necessidade
da intervenção estatal, com vistas àimplementação de políticas públicas que visassem proteger
as vítimas desse tipo de violência. Sendo, então, criada a Lei 11.340/2006, popularmente,
conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada em 22 de setembro do referido ano, pelo
5
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emhomenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia
Fernandes, mulher vitimada pela violência doméstica, durante anos, e que, por duas vezes,
sofreu tentativas de homicídio, por arma de fogo ,seguida de tentativa de eletrocussão,
perpetradas, ambas, por seu marido, restando à mesma paraplégica.
Incontestavelmente, a Lei Maria da Penha é legislação de cunho especial, cujo objetivo é
“criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher...”
que se lê em seu artigo 1º. Tendo então, a legislação em questão, objetivo indireto de adequar
o país à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres, das quais é o Brasil anuente3
e,aos ditames da Constituição Federal Brasileira no
tocante aos direitos e garantias universais. Pode-se dizer que a nova legislação tem como
paradigma o reconhecimento da violência contra as mulheres como uma violação direta aos
direitos humanos.
1.1LEI MARIA DA PENHA, RAZÕES HISTÓRICAS
A Lei Maria da Penha, amplamente difundida sob esta alcunha, tanto nos círculos populares
quanto nos acadêmicos, para a Lei nº. 11.340/06, remonta a década de oitenta. No dia 29 de
maio de 1983, na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, após anos de uma desgastada
relação, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, foi atingida por um tiro de
espingarda, enquanto dormia, desferido por seu então marido, o professor universitário Marco
AntonioHerediaViveros, colombiano naturalizado no Brasil. Em decorrência deste tiro, que
atingiu a vítima em sua coluna, destruindo duas de suas vertebras, resultando assim numa
lesão permanente que a deixou paraplégica. No entanto, as agressões, não findaram com estes
eventos, ocorrendo em 29 de maio de 1983, nova investida do então marido, contra a vida de
Maria. Estando ela já em sua residência após ser liberada dos procedimentos médicos em
3
A convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, conhecida como CEDAW,
foi ratificada pelo Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1984, no entanto como nesta data ainda não havia
sido promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, restou a ratificação com certas
ressalvas, sendo estas removidas quando da superveniência da nova constituição. A ratificação plena veio por
meio do Decreto Legislativo nº26/1994, promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto
nº4.377/02. Já o segundo movimento, realizado neste mesmo intuito de combate a violências, foi a ratificação
d Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como
Convenção de Belém do Pará, ratificada em 27 de novembro de 1995, por meio do Decreto Legislativo
nº107/95 e promulgado pelo Presidente da República no Decreto nº1.973/96.
6
razão do ataque narrado e, já em estado deficiente, é vitimada por nova investida, desta vez,
por meio de descarga elétrica, enquanto estava no banho4
.
O caso tornou-se notório devido à morosidade excessiva da prestação judiciária ao caso, em
relação à punição do agressor. Denunciou o fato, o Ministério Público em 1984, quase um ano
após a ocorrência dos eventos. Apenas após oito anos da prática criminosa, em 04 de maio de
1991, é levado à Júri e condenado, o Senhor Marco AntonioHeredia, então ex-marido da
vítima. Todavia, a despeito da condenação, apelou a defesa da decisão e, sendo provido o
recurso, permaneceu em liberdade o condenado, não ocorrendo a efetiva prisão. Desta feita,
nova data para novo Júri fora marcada. Em 15 de março de 1996, treze anos após o fato, é
submetido o acusado à novo Júri e, novamente condenado, mais uma vez interpõe recurso,
tendo este recebido também provimento, continuando mais uma vez em liberdade. Apenas em
setembro de 2002, contados dezenove anos da data do crime, é efetivamente preso o
condenado, permanecendo, tão somente, dois anos no cárcere.
Após estes eventos, Maria da Penha dedicou sua vida à luta pela regulamentação de norma
que buscasse a punição mais severa para condutas da natureza que à vitimara, no intuito de
proteger outras mulheres de um futuro tão nefasto quanto o dela. Nesta diligencia, tornou
notório seu caso, por meio dos meios de publicidade á ela disponíveis.
Maria da Penha enviou sua história para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de natureza doméstica. Ocasionou uma
condenação ao Brasil, em razão da negligência em relação à violência doméstica. Uma das
punições que se deflagrou, foi a recomendação para que se criasse legislação adequada para
tratar deste tipo de violência. A partir dai um conjunto de entidades reuniu-se para definir um
anti-projeto de lei, que tratava das formas de violência doméstica e familiar contra as
mulheres, estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de prática criminosa.
Previa também o prévio projeto, mecanismos para prestação assistência das vítimas5
.
4
Dados do sítio do Ministério Público do Estado do Ceará, onde está disponível entrevista com a própria Maria
da Penha que fornece detalhes sobre sua história.
5
Dados disponíveis no sítio do Observatório Lei Maria da Penha,
em:http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha, que tem como objetivo a implementação da Lei Maria da
Penha no território nacional e desenvolve suas atividades através de um Consórcio liderado formalmente pelo
NEIM/UFBA e composto por outras oito instituições.
7
Finalmente, em setembro de 2006 a lei 11.340/06 entra em vigor, removendo a violência
contra a mulher da esfera dos crimes de menor potencial ofensivo. A lei também elimina a
possibilidade de pagamento de penas, para as condutas nela previstas, por meio de cestas
básicas ou multas. Abarcando, além da violência física e sexual, também a violência
psicológica, patrimonial e o assédio moral.
8
CAPÍTULO II
2 DOS PROCEDIMENTOS E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTOS NA LEI Nº
11.340/06
O aludido diploma em seu Título II, Capítulo I, quando das disposições gerais, traz os
necessários esclarecimentos conceituais do que será admitido como violência doméstica,
definindo também a esfera de sua incidência, a saber, uma mínima definição do âmbito
familiar, como percebe-se no art.5º, incisos. Seguindo na seara das definições, no Capítulo II,
Art. 7º, incisos, trata o legislador das formas como se dá a violência doméstica contra a
mulher, elencando neste momento suas manifestações possíveis: física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral, com os devidos acréscimos esclarecedores.
Superada esta imprescindível fase conceitual, passa o legislador à propor os mecanismos
efetivos para prevenção desta violência, com vistas ao objetivo precípuo do diploma, que é
dispor mecanismos aptos à coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, contra a mulher.
Deste modo, é exposto um rol de medidas assistenciais que devem ser adotadas em relação a
vítima desta violência, abordando ainda os procedimentos a serem despendidos pr cada órgão
competente pela prevenção deste mal combatido.
Para que se fale num efetivo apoio a vítima, disciplina a lei medidas protetivas, que segundo o
novo diploma, a luz da doutrina6
, dividem-se em medidas integradas e medidas protetivas de
urgência, sendo estas ainda divididas em direcionadas ao agressor e a vítima, como restará
exposto no curso deste trabalho. Para que fosse possível a eficácia dos dispositivos
abstratamente elencados na lei, tratou ainda o legislador de estabelecer os procedimentos
cabíveis para que,efetivamente, fossem implementadas tais medidas, estabelecendo a
competência dos órgãos envolvidos no processo.
2.1MEDIDAS PROTETIVAS INTEGRADAS
O art. 8º e incisos da Lei Maria da Penha passa a dispor sobre as medidas de proteção
integradas que devem ser implementadas através de articulações, como determina o texto de
6
Neste sentido, corroboram Cleber Masson e Luiz Regis Prado
9
lei, entre União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e não apenas dos entes,
mas do próprio corpo social, como percebe-se no inciso III, quando citado os meios de
comunicação social como recursos também propícios à construção e proteção de valores
éticos de uma sociedade que movimente-se com vistas à esta pretendida proteção. Ainda em
tempo, é deveras importante mencionar, ser meramente exemplificativo o rol exposto no
artigo em questão.
A importância inicial, rapidamente desprendida da leitura da lei, é a de mobilização de todos
os entes e da sociedade como um todo na busca pela extinção ou minimização dos efeitos
desta tenebrosa manifestação de violência, de modo a convocar tantos setores sociais e
governamentais na deflagração destas diligencias especificas. Isto percebe-se com facilidade
na leitura dos incisos do art. 8º, especialmente dos incisos IV, V e IX, que manifestam o
interesse do legislador em prover meios possíveis para construção de uma nova cultura no
seio social, que vislumbre e possibilite o dialogo sobre o tema com vistas em sua eliminação7
.
Contudo, importante se faz ressaltar, que, a mera proposta de mudança dos ranços culturais na
sociedade, não garante a eliminação deste mal que se prolifera tão sorrateiramente.É
imprescindível, também, que haja uma resposta eficaz dos agentes públicos que irão tratar
diretamente com as vítimas destas violências8
, de modo que se crie uma cultura, entre as
vítimas no intuito de manifestação desta luta por direitos estabelecidos no corpo legal, uma
vez que sabemos estar a mulher, ou mesmo o homem vítima deste tipo de violência, em
situação de peculiar fragilidade em razão dos vínculos afetivos que se desdobram pelos laços
familiares e todo seu entorno, logo, sem a devida recepção dos órgãos responsáveis, desta
vitima que os procura quando da ocorrência desta delicada circunstância, poderíamos verificar
o desistimo-lo pela busca de amparo estatal para tais situações de risco e, sem esta denuncia,
esta busca, que deflagraria todo o processo protetivo, estaria comprometida todo o intento
protetivo legal, em não visualizando o ambiente adequado para o surgimento desta cultura de
exposição por parte da vitima deste contexto de violência que esta experimenta no âmbito
doméstico.
7
Neste sentido o inciso IX, do art. 8º, que dispõe sobre a inclusão do tema nas diretrizes curriculares das redes
de ensino, de todos os níveis, sendo determinada já no texto da lei a ênfase que deve ser dispensada àdireitos
humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e, com destaque,a violência doméstica e familiar contra a
mulher. Num efusiva direcionamento do legislador.
8
Consoante previsão do inciso VII, do art. 8º do diploma em análise.
10
Um fator de relevante importância, que não deve ser desprezado, é o destaque dado pelo
legislador aos novos contornos que o direito vem assumindo nas ultimas décadas em todo o
mundo, com vistas a formatação das ações governamentais voltadas à evidenciação e proteção
de direitos humanos, a própria menção ao tema, quando do art. 8º em seus incisos V, VIII e
IX, revelam o interesse em sublinhar a questão na própria narrativa legal. Neste sentido
Cançado Trindade (2004), traça comentários pertinentes a estas evidentes mudanças jurídicas:
“Todo novo corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos vem de
ser construído em torno dos interesses superiores do ser humano,
independentemente de seu vinculo de nacionalidade ou de seu estatuto político
[...] Se o Direito Internacional reconhece aos indivíduos direitos e deveres (como
comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como
negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele
reconhecimento [...] O reconhecimento do individuo como sujeito tanto do
direito interno como do Direito Internacional, dotado, em ambos de plena
capacidade processual (cf. infra), representa uma verdadeira revolução jurídica,
para a qual temos o dever de contribuir. Esta revolução vem enfim dar um
conteúdo ético às normas tanto do direito interno como do Direito
Internacional.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 212-213).
A assertividade das palavras de Trindade é tal, que poderíamos trazer novamente as questões
pertinentes à pressão internacional contra o Estado Brasileiro pela legitimação e proteção dos
direitos da mulher, vitima de Tais violência, no sentido de criação de legislação especifica que
os viesse a resguardar estes direitos, o que de fato veio a ocorrer, como já demonstrado no
curso deste trabalho. Revelando assim, uma configuração, como propõe o autor, da noção de
direitos internos e internacionais para este novo indivíduo, que devem ser observados pelo
Estado, quando da proteção deste, de modo que a própria Lei Maria da Penha é a efetiva
demonstração de tal raciocínio, quando pensamos na defesa dos direitos humanos de um
determinado grupo, no caso em tela, das vítimas de violência doméstica.
2.2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA DESTINADAS AO AGRESSOR E A
OFENDIDA
No Título IV, capítulo II da Lei em estudo, são dispostas as medidas protetivas de urgência,
que assumem aqui verdadeira natureza de procedimento cautelar9
, podendo ser aplicadas
isoladamente ou em conjunto com as medida administrativas previstas nos artigos 11 e 12,
9
As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo
e eficaz aplicação do direito de punir do Estado, como ensinaAury Lopes Jr, em seu artigo: Fundamento,
requisito e princípios gerais das prisões cautelares.
11
que tratam do atendimento ministrado pela autoridade policial ao ofendido. Isto se desprende
diretamente do texto de Lei quando em seu art.19, § 2º assevera:
§2oAs medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou
cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de
maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados
ou violados.
Tais medidas podem inclusive, para que alcancem seu fim, serem concedidas inaudita altera
pars, como podemos perceber pela dicção do §1º do art.18, quando determina o texto legal
estar apto o Magistrado para conceder, imediatamente, estas medidas independentemente de
ouvidas das partes e de manifestação do Ministério Público, restando a ressalva da
comunicação deste, quando imprescindível for tal postura10
.
As medidas protetivas apresentadas no corpo da Lei Maria da Penha, podem ser direcionadas
tanto à vitima da agressão quanto ao agressor, a depender da configuração fática percebida no
caso concreto. Assim, o legislador no art. 22, autorizou o Magistrado a aplicar ao agressor as
seguintes medidas, in verbis:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em
conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre
outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao
órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o
limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe
de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
10
Fernando Capez, ao discorrer em seu Curso de Processo Penal, às paginas 420 e 421 sobre a definição e
aplicação das medidas cautelares de modo abrangente, as classifica como medidas assecuratórias, urgentes e
provisórias, determinadas com intuito de assegurar a eficácia de uma futura decisão judicial, defendendo
inclusive poder o Juiz determinar tais diligências exofficio, quando vislumbrar a sua aplicação, corroborando o
entendimento civilista, percebido no art.798 do CPC, que setraduz no poder geral de cautela que dispõe o
Juízo.
12
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Percebe-se por uma breve leitura dos incisos acima, que intenta a lei proteger a integridade
física mora e psicológica da vitima, quando percebida a efetiva violência doméstica.
Oportunamente, comenta Nucci os incisos acima destacando a validade dos mesmos no atual
contorno social:
São previstas nesta Lei medidas inéditas, que, em nosso entendimento, são
positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja
vitima não fosse somente a mulher. A suspensão da posse ou porte de arma de
fogo é valida, pois se pode evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa,
causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo é possível que, no futuro,
progrida para o homicídio. O afastamento do lar é, igualmente, salutar. Seria
uma medida de separação de corpos decorrente de crime e não de outras questões
de natureza exclusivamente civil. A proibição de aproximação soa-nos,
identicamente, correta,. Embora devesse a Lei ter previsto, exatamente o limite
mínimo da distância, evitando-se discussões acirradas nos processos. Igualmente,
a proibição de contato, que se pode dar por meio de diversas formas (email,
telefone, carta etc.), foi positiva. Quanto à frequentação de determinados lugares,
não vemos nenhum óbice. Finalmente, as medidas de caráter civil, restringindo
ou suspendendo o direito de visitas aos filhos menores e a prestação de
alimentos, só podem melhorar a eficiência da aplicação da Lei, uma vez que,
desde logo, o juiz criminal (com competência cumulativa) toma a decisão11
.
O destaque dado pelo doutrinador àassertividade das medidas legalmente propostas, somente
anunciam o compasso entre a lei e a demanda socialmente percebida, no tocante á postura que
deve ser tomada em face ao agressor, de modo que, tais medidas quando prontamente
aplicadas pelo Juiz, podem, pelo próprio bojo legal, alcançarem a eficácia pretendida,
propiciando a prevenção de danos mais gravosos à vitima e a própria entidade familiar. Indo
mais além, previu o legislador, a possível necessidade de aplicação de medidas outras que não
as elencadas no art.22, de forma tal que, destacou no parágrafo primeiro deste mesmo artigo,
o que segue:
§ 1oAs medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras
previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as
circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério
Público.
Quando faz uso da expressão outras [medidas] previstas na legislação, está nitidamente
tratando o rol do artigo 22 como meramente exemplificativo, o que mune o magistrado dos
meios necessários à efetiva proteção dos direitos á integridade física, moral e psicológica da
11
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p.1057
13
ofendida, e da própria entidade familiar. Tendo por fim a capacidade fixada no artigo 20, do
aludido diploma legal, de determinar a prisão preventiva do agressor, quando, ao valer-se
todas as medidas anteriormente previstas e potencialmente disponível, não vislumbrar a
efetiva proteção da vítima.
No tocante à vitima, tratam os artigos 23 e 24 das medidas de urgência cabíveis para sua
proteção, quando, por exemplo, no inciso I e II do art.23, determina a possiblidade de
remoção da ofendida e de seus dependentes do âmbito familiar e sua superveniente
recondução quando afastado o agressor do domicilio. Verificando-se aqui uma necessária
intervenção do Estado na condução desta proteção por meio da disponibilização e manutenção
de locais aptos ao acolhimento estes membros familiares agora desprovidos de habitação. Nos
incisos III e IV do art.23, assim como no art.24, são expostas medidas que venham proteger a
esfera patrimonial da vítima, como podemos perceber no texto legal:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles
de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda
e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e
danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins
previstos nos incisos II e III deste artigo.
Deverascoerente foi a postura do legislador ao promover a proteção do patrimônio da vítima,
tendo em vista, a hipossuficiência da ofendida em relação ao gerenciamento patrimonial dos
bens, como percebe-se na grande maioria dos lares Brasileiros, adiantando-se, a lei, a proteção
da vítima a eventuais retaliações do ofensor12
.
12
TAKAHASHI PEREIRA, em seu artigo “Medidas protetivas da Lei Maria da Penha: aplicação analógica a
meninos e homens” Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6827 comenta o fato de não serem
suficientes as cautelares já existentes para tratar as peculiaridades da relação de violência domésticas, como
por exemplo a hipossuficiência da mulher em relação à gerencia patrimonial do casal, de modo que a previsão
de medidas cautelares específicas foi uma das inovações efetivamente benéficas trazidas pelo novo diploma.
14
2.3DOS PROCEDIMENTOS
O título IV da lei em tela trata dos procedimentos a serem adotados para implemento das
medidas aqui abordadas, nesta seção da lei é registrado as disposições gerais, sem prejuízo de
perceber-se, ao longo de todo o diploma, outros tantos procedimentos necessários para
atendimento do sujeito passivo deste tipo legal.
Ainda nas disposições gerais constantes do capítulo I, deste título, é informada a aplicação
dos códigos processuais penal e cível para as questões processuais, o que não afasta o caráter
especial e consequentemente preferencial da lei 11.340 para a matéria, mesmo quando
mencionada a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, no art.13 desta seção,o que
se vislumbra neste momento é a complementação de diplomas, já previsto na própria
legislação especial, para o mais efetivo atendimento às vítimas, tendo em vista a prévia
interdisciplinaridade da questão.
2.3.1DA COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO, O JULGAMENTO E A EXECUÇÃO
O art.14 da Lei trata da possibilidade de criação de Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a mulher, considerando-os como órgãos da Justiça Ordinária, dotados de
competência cível e criminal, a serem instituídos pela União, pelo Distrito Federal e pelos
Territórios e Estados. Prevendo inclusive, conforme disposição do parágrafo único deste
mesmo artigo, a possibilidade de realização de atos destes órgãos em horário noturno, como
uma evidente alusão á urgência das medidas cabíveis.
Ainda sobre a faculdade dos entes federativosquanto da instituição de tais órgãos especiais,
debatem na doutrina, Guilherme de Souza Nucci13
e Sergio Ricardo de Souza14
, o risco que
existe no diapasão entre: manter o respeito à autonomia das Unidades Federativas na
instituição de seus órgãos judiciais, manifesto pelo verbo “poderão”, e a não efetivação do
13
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p.1057
14
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha
(11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.90
15
intento legal na criação dos mesmos. Pensando este ter andando mal o legislador por deixar a
faculdade desta instituição ensejar a sua própria ineficácia, enquanto aquele defende ter
procedido prudentemente o diploma neste tema.
2.3.2DO FORO COMPETENTE
Visando o melhor acesso à prestação jurisdicional da vítima, a Lei de proteção à mulher em
situação risco no ambiente familiar, deixou a seu encargo a escolha do foro para
processamento e julgamento das causas cíveis que se referem a lei, como apreende-se pela
dicção dos dispositivos:
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos
por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.
Podendo optar pelo local onde é residente ou domiciliada, onde se deu o fato delituoso ou
mesmo do domicílio do agressor, quando nitidamente residem em locais distintos. Criando
assim um ambiente propicio à mais eficiente busca pela ajuda, no momento em que esta se faz
necessária.
2.3.3 DO ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR
Na esteira dos procedimentos expostos no texto da lei encontramos nos artigos 11 e 12
aqueles que devem ser adotados pela autoridade policial na eminencia ou quando da efetiva
violência. É elencado o rol de providencias que devem ser tomadas quando da violência,
conforme se lê nos incisos do artigo 11:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
a autoridade policial deverá, entre outras providências:
16
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao
Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico
Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local
seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus
pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços
disponíveis.
Tratam estas disposições de um imediato amparo à vítima e seus dependentes, prestados pela
autoridade policial que lhe prestar atendimento. Importante é destacar a esta altura, que, antes
da vigência do diploma em estudo, um dos fatores determinantes para o silêncio davítima e a
inevitável perpetuação desta condição de fragilidade e violência, era o mal atendimento dado
por estes agentes quando da busca pela vitima pela ajuda. Logo, apercebendo-se deste fator
social, trata o legislador de registrar no próprio corpo da lei, as condutas que deveriam ser
óbvias a prestação mínima, de modo à garantir o auxilio eficiente aqueles que se encontrem
no curso desta situação15
.
Distinguem-se os artigos 11 e 12, pelo grau de ofensa ao direito da vítima. Discorre a doutrina
que o artigo 11 trata da eminencia da ofensa, aquele momento em que efetivamente a vítima
aindanão veio a sofrer lesão física, moral ou psicológica, embora restem as disposições do
inciso II, que orientam a autoridade policial a conduzir a ofendida ao hospital, o que se
presume uma necessidade oriunda de dano físico em algum grau. Enquanto que no artigo 12
resta evidente a intenção da lei em propor os procedimentos quando da efetiva agressão, isto
evidente pela redação do inciso IV, que faz alusão ao exame de corpo de delito, dentre outros
detalhes nos incisos seguintes. A despeito desta imprecisão do legislador, nos parece claro, a
intenção de firmar uma notória e indiscutível rol de ações das quais a autoridade policial não
poderia se escusar quando do atendimento à vitima, com vistas na proteção da ofendida e de
seus dependentes de outra forma de agressão, aquela que advém do descaso ou do
constrangimento do mau atendimento16
.
15
Neste mesmo sentido discorre Sérgio Ricardo de Souza ao tratar dos avanços procedimentais e culturais
propostos pela Lei Maria da Penha, p.73.
16
Elizabeth Do Nascimento Mateus, em sua produção que trata da relação entre a Lei Maria da Penha e os
direitos humanos da mulher, nos lembra que a recomendação para que especial atenção fosse dispensada aos
17
2.3.4DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público atuará nos casos de violência doméstica e familiar em consonância com
o artigo 26 da Lei 11.340, conforme lê-se no texto legal:
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de
assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à
mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as
medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer
irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Sendo estas atribuições pertinentes nos casos onde o Ministério Público não é parte na
demanda, bem como não possuindo caráter exaustivo, sendo o rol presente nos incisos do
artigo 26 meramente exemplificativo, além de outras funções distribuídas em outros momento
da lei, como por exemplo quando da requisição de medidas protetivas de urgência, sua
renovação e revisão17
.
2.3.4DA ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR
Outro ponto do diploma legal em estudo que merece destaque são as disposições presentes no
artigo 29,in verbis:
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que
vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento
multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas
psicossocial, jurídica e de saúde.
mecanismos de controle dos atos dos próprios agentes públicos, quando do atendimento às vítimas deste tipo
de violência, já constava nos tratados específicos sobre a promoção e defesa dos direitos da mulher, dos quais
o Brasil é signatário, como a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW de 1979 e a Convenção Interamericana para Prevenir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher conhecida como Convenção de Belém do Pará, ocorrida em 1994, oque
geraram obrigações para o Estado Brasileiro neste sentido de cuidado na produção normativa, o que se refletiu
neste rol de providencias.
17
Art.19, Lei 11.340/2006, caput e § 3º
18
Em tempo, o dispostono artigo 32:
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá
prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento
multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Preocupou-se o legislador em prover um acompanhamento muito além da mera prestação
jurisdicional pontual em face da violência em seu sentido estrito, mas antes, em uma acepção
mais amplo, com vistasa seus efeitos, psicossociais, jurídicos e no que tangencia a saúde da
vítima desta espécie de violência, de modo que fica faculdade ao poder judiciário a reserva de
recursos direcionados especificamente à este tipo de atendimento.
2.3.5DO RITO PROCESSUAL
Embora tenha ido o legislador muito bem em todos os temas tratados até este ponto, não
lograra o mesmo êxito quando da elucidação do rito processual a ser utilizado, não restando
claro, em todo o bojo legal qual dever-se-ia adotar quando nestes casos de violência contra
mulher, como muito bem sublinha Maria Berenice Dias18
, que a seu turno defende a aplicação
do rito dos Juizados Especiais, com vistas a celeridade, oralidade e economia processual,
quando dos incidentes processuais cíveis, o rito previsto no código de processo civil quando
das ações cíveis propostas pelo Parquet e por fim, mantendo-se o rito do processo penal
quando das ações criminais.
Defende autorizada doutrina que a Lei Maria da Penha teria retirado dos Juizados Especiais
Criminais a competência para processar os delitos pro ela previstos, instaurando a
competência para tal julgamento para as Varas Criminais. Embora reste ainda certo grau de
divergência quanto o tema, o entendimento que vem prevalecendo, reflete-se no julgado a
seguir:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA - LEI MARIA DA PENHA -
INCONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA DO
JUÍZO SUSCITADO. I - A ação afirmativa do Estado que busque a igualdade
substantiva, após a identificação dos desníveis socioculturais que geram a
18
DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.83 e 84.
19
distinção entre iguais/desiguais, não se pode tomar como inconstitucional, já que
não lesa o princípio da isonomia, pelo contrário: busca torna-lo concreto, efetivo.
II - As ações políticas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero -
deságüem ou não em Leis - buscam a efetivação da igualdade substantiva entre
homem e mulher enquanto sujeitos passivos da violência doméstica. III - O
tratamento diferenciado que existe - e isto é fato - na Lei 11.340/06 entre homens
e mulheres não é revelador de uma faceta discriminatória de determinada política
pública, mas pelo contrário: revela conhecimento de que a violência tem
diversidade de manifestações e, em algumas de suas formas, é subproduto de
uma concepção cultural em que a submissão da mulher ao homem é um valor
histórico, moral ou religioso - a origem é múltipla. IV - O art. 33 da Lei Maria da
Penha dispõe sobre competência de juízo, competência das varas, que configura
matéria processual, ou seja, estabelece a competência das varas criminais (ainda
que de maneira transitória) para processo e julgamento dos crimes cometidos
contra a mulher no ambiente doméstico, e estabelecida esta competência é que,
conforme o disposto no art. 96, I, CF/88, na elaboração de seu regimento interno,
os tribunais disporão, com observância das normas de processo, sobre "o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos"”.
(TJMG; Proc. 1.0000.07.457002-9/000(1); Rel. Dr. ALEXANDRE VICTOR DE
CARVALHO; Publ. em 15/12/2007).
Percebe-se então, que mesmo não tendo sido plenamente claro o diploma no que tangencia a
competência de julgamento destas demandas, compete asvaras criminais o processamento e
julgamento dos crimes em estudo.
Superado este momento reservado a exposição dos caracteres de maior relevo da lei
11.340/2006, passaremosno próximo capítulo a análise do cabimento e aplicação do aludido
diploma legal ao homem, enquanto sujeito passivo na conduta típica, assim como exposição
de alguns julgados esparsos em território nacional que apontam o posicional jurisdicional
acerca do tema.
CAPÍTULO III
3HOMEM COMO SUJEITO PASSIVO NA LEI 11.340/2006
20
A máxima de que é a mulher o sexo frágil nas sociedades ocidentais é algo tão intrincado no
imaginário popular, que mesmo parcela das mulheres defende esta ideia, de modo que o
pensamento machista19
espraia-se no âmbito social, criando dificuldades para mais isonômica
marcha social.
Quando pensamos no cerne da aplicabilidade da lei em estudo, necessariamente, devemos
pensar nos personagens das relações familiares por algumas perspectivas. Primeiramente, não
podemos nos distanciar, do ranço social em que a mulher é vista e tratada como objeto,
patrimônio do marido20
, e em sendo assim, percebe-se este homem, o chefe da família e único
mantenedor, como plenamente capaz de gerir esta instituiçãocomo melhor lhe convir.
Sendoexatamente neste momento, em que vislumbramos a possibilidade de manifestações de
violência, em todos os graus, fundando-se estas numa suposta e histórica, superioridade do
homem sobre a mulher, uma vez que este e somente ele, é o líder da família. Na esteira desta
cultura, vemos incontáveis casos em que a mulher esta inserida em núcleos sociais em que
esta visão de mundo ainda é pungente de modo a coibi-la na sua legitima refutação de
quaisquer agressões. Nestes agrupamentos, quando manifesta-se a mulher contra a postura
agressiva do cônjuge passaa ser ela alvo de reprimenda, devendo manter-se em silencio e
acatar os ditames de seu marido, esta postura, quase generalizada, é que dá ensejo e fulcro à
leis como a Maria da Penha, que saem na dianteira da defesa destas mulheres que
flagrantemente são vitimadas e silenciadas por uma cultura de repressão.
Mas não podemos nos distanciar demasiadamente dos novos contornos que a sociedade passa
sempre a ter e, por isto devemos nos aperceber que nem todos os núcleos familiares onde se
vislumbra ambientes propícios á agressões, hoje, são formados por mulheres submissas e
homens violentos, por vezes a situação se iguala ou mesmo se inverte.
19
Glaucia Maria Vasconcelos Vale, em sua obra “Gênero, Imersão e empreendedorismo: sexo frágil, laços
fortes?”nos lembra que embora resista o traço sociocultural da fragilidade da mulher, a atuação econômica
desta, tem sido determinante para o avanço econômico das sociedades, o que se reflete nos avanços legais d a
proteção a mulher.
20
Margarita Danielle Ramos expõe em sua produção: “Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso
da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres”, como se deu a lenta evolução história da
mulher em relação ao homem, destacando o fato de há não muito tempo atrás era aquela, admitida como um
bem deste, quando da constância do casamento, fato este refletido na impunibilidadedo homem, quando do
cometimento de crimes contra a mulher motivados por adultério.
21
Da notória escalada feminina na sociedade e das evidentes conquistas profissionais cujo
reflexo financeiro é inevitável21
, surge uma nova espécie de mulher: aquela que não silencia
facilmente em face de agressões contra seus direitos e, esta nova mulher, este perfil mais
austero, pode por vezes, ser o sujeito ativo de agressões no bojo familiar.
É neste contexto, de um sociedade que evolui, mas que ainda sim, permanece machista, que
nos questionamos ser ou não possível a aplicação desta lei, inicialmente protetiva ao sexo
frágil, o feminino, para o homem, quando este, se encontrar vitimado por violência no âmbito
familiar, haja vista as novas dinâmicas sociais.
3.1DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANDO DA APLICAÇÃO UNILATERAL DA
LEI 11.340
A Constituição Brasileira elege como um de seus princípios basilares a igualdade entre os
indivíduos em seu artigo 5º, caput, quando assevera serem todos iguais perante a lei, sem que
haja qualquer distinção entre os indivíduos. E vai mais além quando registra o legislador
originário no inciso I, do aludido artigo serem homens e mulheres iguais, em direitos e
obrigações22
.
Sem e percebendo ser, igualmente o homem, vítima de violência doméstica, de iguais
natureza e proporções, e restando este desprotegido do amparo legal de uma Lei que se
destina a proteger o hipossuficiente nas relações domésticas, estaríamos diante flagrante
violação ao principio da isonomia.
Ignorar a atual conjectura onde é também o homem sujeito passivo de agressões por mulheres
no âmbito familiar, com fulcro em manter uma aplicação legal unicamente para o sexo
feminino, seria respaldar uma desigualdade material entre homens e mulheres, vez que a lei
protegeria estas a despeito daqueles, em uma mesma circunstância.
21
O empreendedorismo feminino vem sendo objeto de vários estudos, como ressalta Glaucia Maria
Vasconcelos Vale, dada evolução do papel da mulher na sociedade contemporânea e as peculiaridades
associadas à condição feminina.
22
Numa evidente busca pela materialização dos preceitos constitucionais de isonomia.
22
Neste sentido Cristiane Cabra Ghizoni23
destaca:
A sociedade leva muito em conta que o homem é sexo forte e dominante fator
este, que muitas vezes é utilizado por aqueles que defendem a
constitucionalidade da referida lei. Sendo assim é hipocrisia basear-se no
referido artigo constitucional para defender a defesa exclusiva da mulher, uma
vez que, apesar de minoria, muitas delas agridem seus familiares. Os homens em
sua maioria quando agredidos permanecem quietos, algumas vezes por causa dos
filhos ou por pena da própria agressora e companheira que em um acesso de
fúria, os agride. Esse ataque de fúria em sua maioria ocorre por transtornos
hormonais ou extrema paixão, sendo que alguns casos de descontrole levam
homens e mulheres a praticar fatalidades com seus companheiros e após
suicidar-se. A relação afetiva também conta muito nesses tipos de agressão
independentemente do gênero do agressor e da vítima.
Defende a autora, a inconstitucionalidade das disposições da Lei Maria da Penha, exatamente
por ferirem, segundo ela, a isonomia que deve se perfazer em todas as relaçõe jurídicas
existentes em nosso ordenamento, não podendo subsistir a ideia de que algum sexo mereça
maior proteção legal a despeito de outro, mesmo em igual situação, exclusivamente por sua
condição sexual, o que configuraria para aquele uma irremediável desproporção.
Maria Berenice Dias24
quando aborda o conceito de sujeito passivo do aludido diploma, nos
traz um conceito novo para o feminino:
No que diz com o sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade especial: ser
mulher. Nesse conceito encontram-se as lésbicas, os transgêneros, as transexuais
e as travestis, que tenham identidade com sexo feminino. A agressão contra elas
no âmbito familiar também constitui violência doméstica.
Somada ao questionamento de quão amplo pode ser hoje o conceito de feminino, que em
regra pode ir para muito além do sexo feminino em si, como proposto por Dias, somos
levados à analisar a casuística dos tribunais e nos debruçarmos sobre os mais atuais
acontecimentos sócias, como osnarrados por Ghizoni25
:
O Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira do Juizado Especial Criminal Unificado
de Cuiabá – MT foi pioneiro na utilização de tal lei por analogia, uma vez que
recebeu em seu gabinete um caso em que o homem foi vitima de agressões
psicológicas, físicas e financeiras por parte de sua ex-mulher (...). Essa vítima é
uma exceção, pois sabe-se que a demanda de homens que procuraram a Justiça
por serem vitimas de agressão familiar é mínima. Os homens, na maioria das
vezes por vergonha de virar chacota na roda de amigos, na família e no trabalho
23
GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em:
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
24
Em seu livro “A Lei Maria da Penha na Justiça”
25
GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em:
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
23
ocultam a agressão cometida por sua parceira, uma vez que ela pertence ao
considerado sexo frágil.
Poderíamos pensar ocorrer, mesmo nestes casos minoritários, uma inversão social do
fenômeno da repressão, onde o homem, agora vitimado pela mulher, se vê pressionado pelo
meio social em que circunda a permanecer em silêncio, pela vergonha que a exposição lhe
impeliria.
Manter o homem em situação de desamparo, quando este se vê em circunstancia de igual
agressão, seria proclamar uma desigualdade legalmente instituída, como assevera Ghizoni26
:
O homem sofre discriminação frente a lei em pauta, como vimos um homem e
uma mulher sofrem o mesmo tipo de violência e ela, a mulher, vai possuir muito
mais benefícios e seu agressor terá punição mais branda que o agressor do
masculino, podendo ser que, se ambos sofrerem a mesma agressão e forem
parentes a competência dos autos do homem migraram sua competência para
correrem juntamente com os autos da mulher. Contudo se o homem sofre uma
agressão igual ou pior que uma mulher, sem a companhia da mesma para figurar
como vítima, seu agressor praticamente não terá punição, uma vez que será
julgado pelo Juizado Especial (Lei 9.099/1995) por ter cometido um crime de
menor potencial ofensivo, independente dos efeitos morais e psicológicos que
ficarão para sempre em sua vítima.
Não se pretende demonstrar aqui uma ineficácia da lei, ou mesmo sugerir sua
inconstitucionalidade, mesmo porque ainda resiste fortemente o traço social, majoritário em
que fatidicamente é a mulher efetivamente o polo mais fragilizado da relação onde constata-se
violência, como elucida Sergio Ricardo de Souza27
:
Estudos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas, com ênfase
para o estudo a fundo sobre a violência contra a mulher, apresentado pelo
Secretário Geral, em cumprimento do mandado contido na Resolução 58/185 da
Assembleia Geral, deixam evidente que não só o Brasil, mas também em todos
os países, 'a violência contra mulher persiste [...] como uma violação
generalizada dos direitos humanos e um dos principais obstáculos a que se logre
a igualdade de gênero...'[...] Logo, não há igualdade material entre homens e
mulheres, não se justificando tratá-los, na questão da violência de Gênero, com
uma igualdade de cunho meramente formal.
Nota-se aqui, ser evidente a necessária aplicação das disposições do diploma legal sendo
ainda latente no seio social as causas que lhe deram origem, o que certamente não pode
26
GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em:
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
27
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contraa mulher: lei Maria da Penha
(11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.30-32
24
enublar uma outar necessidade, igualmente pungente, a de proteção aos homens que se
encontrem em semelhante situação de risco.
Presumir que não exista o risco, tão somente pela premissa de ser o homem, um individuo do
sexo masculino, seria tão somente validar a máxima de que é este o sexo forte e que não são
efetivamente iguais os indivíduos perante a lei.
Com vistas a necessária aplicação isonômica, podemos mencionar o Doutor e doutrinador
Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho28
que conclui:
Não podem discriminar em razão do sexo dos envolvidos. Podem fazê-lo,
contudo, em atenção à situação de maior ou menor vulnerabilidade, mas sem
afrontar o princípio da isonomia. [...] Assim, a referida [11.340/2006], ao
pretender estabelecer ações positivas em razão do gênero, violou o princípio
constitucional. Isso acontece, entre outras situações, quando permite a prisão
preventiva do homem, mas não da mulher acusada de lesão corporal no âmbito
doméstico ou familiar (pense numa agressão de uma irmã à outra, ou de uma
neta à avó). [...] Tais ações positivas não têm caráter genérico, pois não
beneficiam a coletividade de mulheres, mas somente uma mulher determinada,
que é a suposta vítima da violência. Tampouco a medida gera uma igualdade de
oportunidade, pois não se trata disso nos âmbitos enfocados.
No curso destas acaloradas discussões sobra constitucionalidade ou não do aludido diploma,
defende, muito acertadamente, Ghizoni29
uma aplicação isonômica dos dispositivos legais,
quando amoldadafaticamenteas situações abstratamente previstas:
Não é necessário modificar a lei, entretanto é necessário que ela se torne um
direito de todos, pois a violência familiar não escolhe sexo, idade, cor ou credo.
Ela pode ocorrer com qualquer pessoa, e seus resquícios serão levados para o
resto da vida da vitima, com feridas na alma que jamais irão cicatrizar. Assim
como uma criança que sofre abuso, um adulto também leva para sua vida o
trauma de ter sido violentado, seja física, moral ou psicologicamente.
Em que pese o posicionamento que demonstra-se mais coerente, qual seja o defenda ser
constitucional a lei 11.340/2006, fora proposta pela Advocacia Geral da União a ADC/19,
versando sobre suposta afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, presente
no artigo 5°, I da Constituição Federal de 1988, sobre a competência atribuída aos Estados
para fixar a organização judiciária local e sobre a competência dos juizados especiais para a
matéria. Tal ADC Pende de apreciação no Supremo Tribunal Federal desde 19 de dezembro
28
CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo pena e constituição: princípios constitucionais do
processo penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.p.45-46
29
GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em:
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
25
de 2007. E a Jurisprudencia não se mostra uniforme, pois sobre estes temas periféricos à
constitucionalidade, exatamente no tocante à proteção ou não exclusiva da mulher, ora tende
para a constitucionalidade, ora par a sua inconstitucionalidade, como podemos apreciar:
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. LEI Nº 11.340/2.006. PRINCÍPIO DA
ISONOMIA. OFENSA DESCARACTERIZADA. LEI Nº 9.099/95. CONFLITO
INEXISTENTE. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. A Lei nº
11.340/2.006 não contraria o princípio da isonomia esculpido no art. 5º, I, da CR,
pois a interpretação sistemática com o art. 226, § 8º, do texto constitucional
demonstra que o objetivo desta legislação ordinária é obstar a violência que
grassa no âmbito familiar, em razão da histórica desigualdade entre o homem e a
mulher brasileiros. Assim, resulta afastada a alegada inconstitucionalidade da
referida Lei nº 11.340/2.006. O princípio da especialidade, agasalhado no art. 2º
da Lei de Introdução ao Código Civil, afasta o eventual conflito entre a ''Lei
Maria da penha'' e a Lei nº 9.099/95. (TJMG - ACÓRDÃO N°
1.0015.07.036320-3/0011 - ALÉM PARAÍBA/MG – QUARTA CÂMARA
CRIMINAL - RELATOR EXMO SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA
CAMPOS. JULGADO EM 11/06/2008, PUBLICADO EM 25/06/2008).
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – RECURSO
MINISTERIAL – PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO
AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE –
DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL – IMPROVIDO. A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está
contaminada por vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos
objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF), bem como por
infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade (art. 5º, II e XLVI, 2ª
parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a
decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006,
determinando-se a competência do Juizado Especial Criminal para processar e
julgar o feito. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 2007.023422-4/0000-00
- ITAPORÃ/MS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROMERO OSME DIAS
LOPES. ACÓRDÃO JULGADO EM 26/09/07).
Por fim, tende-se a maioria, mais lúcida, da doutrina e jurisprudência, consoante o
pensamento de Ghizoni, como já mencionado, que funda-se esta tratativa diferenciada na
própria realidade social que nos aponta uma irrefutável desproporção entre homens e
mulheres, carecendo estas de uma proteção diferenciada por parte do estado. O que por sua
vez não afasta a possibilidade de aplicação ao homem, enquanto sujeito passivo da norma,
quando a mesma situação fática o coloque em tais circunstâncias de vulnerabilidade.
26
3.2DA SOLUÇÃO DO CONFLITO
A existência de lacunas em nosso ordenamento, bem como em qualquer outro, é fato
corriqueiro na práxis jurídica, de modo que o próprio ordenamento tende a desenvolver meios
para suprir estas lacunas30
, temos ainda que frisar ser vedado ao poder judiciário a não
prestação jurisdicional quando levada À sua apreciação, qualquer questão eu seja, assim,
temos, como já bastante abordado até aqui, a questão pertinente à possibilidade de uma
interpretação extensiva ou analógica aos dispositivos da lei Maria da Penha em favor do
homem e desfavor da mulher, quando esta for sujeito ativo da agressão.
Passa-se então a um analise na natureza jurídica da 11.340/2006 para em seguida verificarmos
a possibilidade, ou não, do aludido método de interpretação.
3.2.1DA NATUREZA JURÍDICA DA LEI 11.340/2006
A natureza jurídica do diploma em análise é tema pacífico, tanto em sede doutrinária quando
jurisprudencial. Trata-se de Lei cuja natureza jurídica é mista uma vez que ao tempo que
estipula direitos materiais para seus destinatários, também elenca procedimentos a serem
adotados na esfera processual civil e penal.
3.2.2DA ANALOGIA
Para ampliação deste estudo, cabe trazer os conceitos mais praticados de analogia para
compreensão mais cristalina de sua possível aplicação ao estudo em curso. Nesta seara,
evoca-se Maria Helena Diniz(2010) ao citar Tércio Sampaio Ferraz Jr:
É a analogia um procedimento quase lógico, que envolve duas fases: “a
constatação (empírica), por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-
tipos diferentes e um juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças
sobre as diferenças, tendo em vista uma decisão jurídica procurada (FERRAZ
apudDINIZ, p.462)
30
Maria helena Diniz em seu Compêndiode Introdução à ciência do direito, comenta que a existência de lacunas
no direito é eminente ao próprio sistema e, ele mesmo deve prover meios para sua solução, como de modo um
tanto quanto simplório, poder-se-ia dar pelo uso de analogia, do costume, dos princípios gerais do direito e da
equidade. p.452 a 483.
27
Em sendo analisado tão somente estes fragmentos e uma autônoma conceituação do instituto,
poder-se-ia afirmar ser possível uma aplicação analógica da Lei Maria da Penha ao homem
como sujeito passivo destinatário da norma, porém é preciso elucidar ainda a vedação de tal
prática interpretativa no direito penal.
Na esfera penal, saliente-se, é vedada a analogiain malam partem, de modo que,em se
aplicando a lei 11.340/2006 para benefício do homem em detrimento da mulher,
configurando-se nesta situação como sujeito ativo, estaria ocorrendo o que é vedado no
ordenamento, uma interpretação extensiva que alcança o agente, imputando-lhe algo que não
está expressamente previsto no texto da lei.
3.3 DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA AO HOMEM E O
POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
A despeito do posicionamento rígido dos regramentos pertinentes á aplicabilidade da lei penal
e processual penal, não podemos nos esquivar na celeuma constitucional de uma não
aplicabilidade da lei 11.340/2006 ao homem, quando flagrante sua situação de igualmente nas
situação delituosas tipificadas, o que certamente ocasionaria uma afronta direta e legalizada
ao princípio da isonomia e aos ditamos constitucionais31
.
Os Tribunais em nosso país, tem se manifestado em face aos casos concretos levados a eles,
dos quais não podem se eximir de uma resposta satisfatória, e neste diapasão, decisões,
mesmo que em menor quantidade, favoráveis a configuração do homem como sujeito passivo
da norma, tem sido identificadas, como a já notória decisão do Juiz Mário Kono de Oliveira,
31
Parte da doutrina sustenta que um dos fundamentos mais pungentes da equiparação do homem à
mulher na aplicabilidade das medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha é a admissão em
nosso ordenamento do princípio da proibição de proteção deficiente, que por sua vez determina
que: nem a lei nem o próprio Estado poderia se portar de modo a propiciar uma insuficiente tutela
dos direitos fundamentais, cabendo ao Estado, a efetiva proteção aos indivíduos e seus direitos, de
modo que não poderia abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se nestes, os de natureza
penal, assegurando assim o pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais. Emana assim, o
princípio da proibição de proteção deficiente, diretamente do princípio da proporcionalidade, que
estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente.
28
atendendo ao pedido formulado pelo marido em face aex-esposa, cujo conteúdo integral é
deveras pertinente a tema em estudo:
O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e
financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto
instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de
exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima,
e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à
vítima. Por fundamento de direito requer a aplicação da Lei de nº 11.340 ,
denominada Lei Maria da Penha, por analogia, já que inexiste lei similar a ser
aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. Resumidamente, é o
relatório.
DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e
incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência
doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a
sua maior compleição física e cultura machista, compelia a fêmea”a seus
caprichos, à sua vilania e tirania.
Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados
internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à
mulher, sob o manto da Justiça. Esta lei que já mostrou o seu valor e sua eficácia,
trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas
impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a
morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu trânsito em
julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc.
Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é
quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que
levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e
financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes
casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a
aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível?
A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei
penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o
princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código
Penal : “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem
prévia cominação legal.”
Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não
podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata
de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis
ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães
Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e
Narcélio de Queiróz” [...] Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o
réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a
própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o
homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media
esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui
obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres à beira de um ataque de
nervos, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e
simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso.
Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Poder Judiciário para fazer
cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È
sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos
também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à
29
Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução
de conflitos, em busca de uma paz social.
No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para
demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência
requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1.
que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros,
incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer
contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto
ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a
advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de
desobediência e até em prisão. I.C32
.(sic)
Note-se que a aplicação das medidas protetivas ao homem, neste caso concreto, justificaram-
se pela impossibilidade do magistrado eximir-se de uma resposta eficaz ao suplício do autor
da demanda, ao tempo em que a preservação do principio da igualdade estaria certamente
ameaça em havendo qualquer outra decisão distinta desta proferida.
Todavia, não faltam decisões no sentido de afastar a possibilidade desta aplicação analógica
ao homem, mesmo sendo esta nitidamente cabível, em razão do rígido regramento penal33
,
como percebe-se no julgado a seguir, in verbis:
CAUTELAR. PRETENSÃO DO EX-MARIDO DE COMPELIR A EX-
MULHER A FICAR LONGE DELE COM BASE NO ART. 22, III, "a", DA
LEI DA MARIA DA PENHA. Inadmissibilidade porque a lei se destina à
violência doméstica praticada contra a mulher e não pela mulher. Inaplicação do
princípio da isonomia. Indeferimento acertado. Recurso improvido, por
maioria.(APELAÇÃO CRIMINAL N° 652.125-4/5 - COMARCA DE
REGISTRO/SP – RELATOR EXMO SR. DES. MAIA DA CUNHA.
ACÓRDÃO JULGADO EM 27/08/09).
Embora seja o entendimento mais elementar, a não aplicação das medidas protetivas e dos
demais dispositivos legais da lei 11.340/2006 ao homem, o entendimento contrário, o do seu
cabimento, tem encontrado, cada vez mais, guarida nos tribunais ao longo do Pais.
Entendo o Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha34
, pelo cabimento e aplicabilidade
das medidas protetivas de urgência previstas na lei em estudo, ao homem enquanto vítima,
32
Conteúdo de decisão interlocutória proferida pelo juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, no Juizado Especial
Criminal Unificado de Cuiabá, nos Autos do processo movido por Celso Bordegatto em face de Márcia Cristina
Ferreira Dias em 2008.
33
Regramentos estes que encontram guarida nos atuais Princípios Garantistas que são em si mesmos,
fundamentais à manutenção do Estado Democrático de Direito
30
desde que observada tal situação no âmbito familiar, devendo o juízo, valer-sede seu poder
geral de cautela, pode aplicar em favor deste as medidas legais cabíveis.
Consoante este entendimento, apregoa o advogado, Dr. Rodrigo de Oliveira Machado35
, a
aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens, “sobretudo quando se encontrem em
situação de vulnerabilidade, seja em razão da idade (idosos e crianças), seja em razão de
condições físicas ou mentais (deficientes)”, fundamentando seu posicionamento, assim como
Sanches, no artigo 3º do Código de Processo Penal e no poder geral de cautela, esculpidos nos
artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil.
Neste mesmo o sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decide em sede de recurso de
apelação, evocando os artigos 5º, inciso II c/c 226, § 8º, ambos da Constituição da República,
para fundamentar a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, in verbis:
A inconstitucionalidade por discriminação propiciada pela Lei Federal 11.340/06
(Lei Maria da Penha) suscita a outorga de benefício legítimo de medidas
assecuratórias apenas às mulheres em situação em violência doméstica, quando o
art. 5º, II c/c art. 226, § 8º, da Constituição Federal, não possibilitaria
discriminação aos homens em igual situação, de modo a incidir em
inconstitucionalidade relativa, em face do princípio da isonomia.
Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autoriza a conclusão de afastamento
da lei do ordenamento jurídico, mas tão-somente a extensão dos seus efeitos aos
discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso, não
sendo, portanto, possível a simples eliminação da norma produzida como
elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela
previstas, porque o art. 5º, II c/c art. 21, I e art. 226, § 8º, todos da Constituição
Federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta
da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco
ou de violência decorrentes da relação familiar.
Inviável, por isto mesmo, a solução jurisdicional que afastou a análise de pedido
de imposição de medidas assecuratórias em face da só inconstitucionalidade da
legislação em comento, mormente porque o art. 33 da referida norma de
contenção acomete a análise ao Juízo Criminal com prioridade, sendo-lhe lícito
determinar as provas que entender pertinentes e necessárias para a complete
solução dos pedidos. Recurso provido para afastar o óbice. (TJMG, ApCrim.
1.0672.07.249317-0, j. 06.11.2007, rel. JudimarBiber, data da publicação
21.11.2008)
34
Rogério Sanches Cunha. Aplicação da Lei Maria da Penha para homens. Atualidades do Direito. Disponível
em:<atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/09/2011/aplicacao-da-lei-maria-da-penha-para-
homens/>.
35
Rodrigo de Oliveira Machado. Aplicação da Lei Maria da Penha a homens vítimas de violência doméstica.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19703>.
31
Destarte, presumir-se-ia inconstitucional a norma, quando de sua não aplicação a qualquer
membro do corpo familiar, uma vez que estaria a norma sobrepondo-se à Lei Maior, que
preza pela igualdade entre homens e mulheres, bem como, pela proteção de todos os membros
da família.
32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho de conclusão de curso tratou da viabilidade de aplicação da lei
11.340/2006 aos homens enquanto vítimas de violência doméstica, levando-se em conta a
aplicação geral do principio da isonomia.
Inicialmente discorreu-se sobre detalhes relevantes ao estudo, como o arcabouço histórico que
ensejou o surgimento da norma, bem como das características das medidas protetivas de
urgência aplicáveis segundo a previsão legal, seguiu-se com a discussão doutrinária e
jurisprudencial acerca da aplicabilidade ou não dos institutos legais ao homem, quando este
for vitimado pela violência no âmbito familiar.
Finalmente, tratou-se sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens enquanto
ofendidos, tendo como base os princípios mais elementares do nosso ordenamento jurídico,
quais sejam, da isonomia e proporcionalidade, sendo estes fundamentais à própria
manutenção do estado Democrático de Direito, verificando-se, neste interim, que a aplicação
analógica da lei ocasionaria sua própria validação, em face a urgente inconstitucionalidade ao
ocasionar a vedação ao direito á tratava isonômica de partes em estados de igual circunstancia
fática, conforme percebeu-se o entendimento dos tribunais que ora tendem á aplicação
isonômica das medidas protetivas de urgência.
Assim, tendo o principio da isonomia o caráter de norma sobre normas e não tão meramente
como uma sombra de possíveis interpretações legais, vislumbra-se o homem como sujeito
apto a receber as benesses oriundas da lei em estudo, promovendo assim uma proteção
isonômica à todas as vítimas da violência que se deflagra no âmbito familiar.
33
REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO
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DF: Senado Federal.
BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal. Diário
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doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 de agosto
de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 04 fev. 2013.
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fortes?. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rac/v15n4/a05v15n4.pdf>. Acesso em:02
jan 2013

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A Lei Maria da Penha e a proteção do homem vítima de violência doméstica

  • 1. 1 INTRODUÇÃO A Lei nº 11.340/06, hodiernamente conhecida como Lei Maria da Penha, tem sua destinação precípua a proteção de mulheres, quando estas se encontrarem como vitimas de violência nos domínios da entidade familiar. Todavia, a despeito de inexistência de previsão expressapara aplicabilidade ao homem, pretende este estudo, demonstrar a coerente incidência dosmecanismos de prevenção, inibição, punição e erradicação da violência doméstica para as situações de violência em que figure o homem como vítima as agressões previstas em lei.Tendo a razão de ser de tal entendimento, respaldo no próprio texto constitucional, quando dispõe serem iguais, homem e mulher, perante a lei que rege o Estado Democrático de Direito. Seria esta igualdade meramente formal, simples disposição legal, sem qualquer eficácia, se, tendo em vista a perpetração de violência contra o indivíduo, fosse incapaz o Estado, de oferecer-lhe resposta apta a fazer cessar os efeitos da conduta lesiva. De modo que, apreende- se de uma interpretação teleológica do texto da lei em estudo, o condão de proteger os integrantes do núcleo familiar, vitimados por qualquer espécie de violência. Deste modo, a necessária aplicação dos dispositivos legais à mulher, quando esta for a agente responsável pela conduta danosa em face de homem, reflete manifesta isonomia material, com vistas à proteção daquele que demonstra, no caso concreto a necessária e inadiável intervenção estatal. Neste diapasão, questiona-se, jurisprudência e doutrina, se o principio da isonomia material, que intenta tratar de forma desigual, os desiguais, para que se alcance uma igualdade real, seria de fato aplicável à Lei 11.340/06, de modo a dispensar proteção, apenas, para a mulher, tendo em vista a violência generalizada que ora se visualiza em nossa sociedade, a saber, indiscriminadas manifestações agressivas, tanto de homens contra suas esposas ou companheiras. De modo que, é de relevante importância apreciar a possível aplicabilidade do diploma especial, em favor do homem que, efetivamente, encontre-se em situação de violência doméstica. Para tanto, trataremos no capítulo I de uma breve exposição histórica a respeito do surgimento em nosso país, deste regramento que disciplina este tipo de relação familiar.
  • 2. 2 Quando do capítulo II, abordaremos os procedimentos e medidas protetivas dispostas na Lei Maria da Penha, a saber, os mecanismos para sua aplicação, desde as questões de competência à formas pelas quais se dará a instauração do processo penal. E, finalmente, no capítulo III, versaremos sobre o homem como destinatário isonômico da Lei 11.340/06, com vistas aos princípios constitucionais aplicáveis à problemática, como por exemplo o principio da isonomia, em face da vedação à interpretação extensiva na seara penal, e obviamente, toda a problemática que surge em decorrência disto. Trazendo também, a baila de nossos estudos, pesquisas jurisprudenciais que, tratando sobre a questão, possam trazer luz à este controvertido tema.
  • 3. 3 CAPÍTULO I 1DAS RAÍZES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER A violência, em suas mais variadas manifestações, é um tema recorrente em nossa sociedade, pois como é sabido por todos, a violência é capaz de ceifar, diariamente a vida de milhares de indivíduos em todo o mundo. No que diz respeito ao conceito de violência, Mameluque expõe aquilo que o Conselho Social e Econômico das Nações Unidas vem entendendo: O uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. (MAMELUQUE,2010, p.01) Deste modo, percebemos ser a violência um meio, que se destaca em todas as sociedades, pelo qual se expressa modos de vida, comportamentos específicos e fenômenos mais gerais de comportamentos humanos, assumindo até dado ponto, contornos de predicativo do jeito humano de ser, como defende Strey(2001, p.47). Esta violência, em razão do gênero, encontra-se intimamente relacionada às relações onde se visualiza estados de subordinação, especialmente nas relações onde o gênero feminino submete-se ao masculino. Em outras palavras, presume-se que a violência de gênero encontra- se mais propensa a concretizar-se, em relações onde mulheres encontram-se subordinadas, por diversos fatores, ao homem, o que por certo, encontra notório respaldo histórico, uma vez que desde o primórdios da humanidade, à mulher é imposto um lugar de inferioridade em relação ao homem, em praticamente todas as relações que se estabelecem nas civilizações. Com especial relevo aquelas datadas do período das revoluções europeias do século XVIII, onde a mulher, mesmo se vendo a desempenhar funções equiparadas ao homem, permanece relegada à condição inferior, tal qual comenta Souza1 ou, como em nossos dias, onde mulheres assumem posições de liderança, alcançando resultados igualmente satisfatórios aos dos homens, no entanto não percebendo as mesmas remunerações pecuniárias2 . 1 Sérgio Ricardo de Souza,Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 36. 2 Dados do sítio do Observatório de Igualdade de Gênero, acessados em outubro de 2013, apontam diferença de até 30% de salários entre homens e mulheres que exercem as mesmas atividades, numa evidente disparidade salarial em razão do gênero.
  • 4. 4 Historicamente, as mulheres têm sido vistas nas sociedades como seres de menor escalão, gozando de quantidade inferior de direitos e submissas à vontade e desejos do homem, praticamente sem direitos, todavia imbuídas de diversas obrigações, como percebe-se notório no trecho abaixo: A mulher durante séculos foi vítima da opressão e de teorias machistas, no entanto, nenhum obstáculo foi capaz de ofuscar o brilho feminino e impedir o seu desenvolvimento na sociedade. Contudo o processo de emancipação da mulher foi uma tarefa árdua, que perdurou durante séculos até alcançar o status que possui hoje. De sexo frágil, a mulher passou a ser responsável pelo mais novo processo que o mundo vem sofrendo: a revolução feminina, onde as mulheres deixaram de ser apenas donas [sic] do lar, para participar efetivamente da construção da história. (GALIZA, 2008, p. 01) Desde a pré-história, perpassando períodos como a Idade Média, até a Idade Moderna, percebe-se a mulher, como uma propriedade do homem, nas sociedades conhecidas como patriarcais, onde se visualiza o homem como chefe e mantenedor da família, cabendo a mulher tão somente a função doméstica e de procriação. Chegando à nossa contemporaneidade, mais precisamente de eventos datados do final do século XIX, manchetes de jornais como “Matou a esposa a punhaladas”, “Do ciúme ao crime” ou mesmo “Crime de honra do marido traído”, eram frequentes e admitidas como práticas comuns e permitidas na sociedade, em razão mesmo desta cultura da mulher como propriedade do marido e, em sendo ela propriedade, poderia, certamente, seu dono, fazer deste “bem” o que melhor lhe aprazia. Sendo este pensamento corroborado, inclusive, por muitas mulheres à época. Em período seguinte, já no século XX, floresce o movimento feminista e junto a ele, atos internacionais de proteção à mulher se multiplicam ao redor do mundo. O feminismo foi um movimento, que buscou principalmente a igualdade de direitos, respeitando as diferenças entre sexos. Seu objetivo era reconhecer a mulher em igualdade com o homem, no intuito de dirimir a ideia de superioridade do sexo masculino sobre o feminino. Neste contexto de comum e tolerada violência doméstica contra a mulher, paralela a este crescente movimento de luta por direitos femininos, visualiza-se uma premente necessidade da intervenção estatal, com vistas àimplementação de políticas públicas que visassem proteger as vítimas desse tipo de violência. Sendo, então, criada a Lei 11.340/2006, popularmente, conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada em 22 de setembro do referido ano, pelo
  • 5. 5 Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emhomenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, mulher vitimada pela violência doméstica, durante anos, e que, por duas vezes, sofreu tentativas de homicídio, por arma de fogo ,seguida de tentativa de eletrocussão, perpetradas, ambas, por seu marido, restando à mesma paraplégica. Incontestavelmente, a Lei Maria da Penha é legislação de cunho especial, cujo objetivo é “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher...” que se lê em seu artigo 1º. Tendo então, a legislação em questão, objetivo indireto de adequar o país à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, das quais é o Brasil anuente3 e,aos ditames da Constituição Federal Brasileira no tocante aos direitos e garantias universais. Pode-se dizer que a nova legislação tem como paradigma o reconhecimento da violência contra as mulheres como uma violação direta aos direitos humanos. 1.1LEI MARIA DA PENHA, RAZÕES HISTÓRICAS A Lei Maria da Penha, amplamente difundida sob esta alcunha, tanto nos círculos populares quanto nos acadêmicos, para a Lei nº. 11.340/06, remonta a década de oitenta. No dia 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, após anos de uma desgastada relação, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, foi atingida por um tiro de espingarda, enquanto dormia, desferido por seu então marido, o professor universitário Marco AntonioHerediaViveros, colombiano naturalizado no Brasil. Em decorrência deste tiro, que atingiu a vítima em sua coluna, destruindo duas de suas vertebras, resultando assim numa lesão permanente que a deixou paraplégica. No entanto, as agressões, não findaram com estes eventos, ocorrendo em 29 de maio de 1983, nova investida do então marido, contra a vida de Maria. Estando ela já em sua residência após ser liberada dos procedimentos médicos em 3 A convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, conhecida como CEDAW, foi ratificada pelo Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1984, no entanto como nesta data ainda não havia sido promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, restou a ratificação com certas ressalvas, sendo estas removidas quando da superveniência da nova constituição. A ratificação plena veio por meio do Decreto Legislativo nº26/1994, promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº4.377/02. Já o segundo movimento, realizado neste mesmo intuito de combate a violências, foi a ratificação d Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, ratificada em 27 de novembro de 1995, por meio do Decreto Legislativo nº107/95 e promulgado pelo Presidente da República no Decreto nº1.973/96.
  • 6. 6 razão do ataque narrado e, já em estado deficiente, é vitimada por nova investida, desta vez, por meio de descarga elétrica, enquanto estava no banho4 . O caso tornou-se notório devido à morosidade excessiva da prestação judiciária ao caso, em relação à punição do agressor. Denunciou o fato, o Ministério Público em 1984, quase um ano após a ocorrência dos eventos. Apenas após oito anos da prática criminosa, em 04 de maio de 1991, é levado à Júri e condenado, o Senhor Marco AntonioHeredia, então ex-marido da vítima. Todavia, a despeito da condenação, apelou a defesa da decisão e, sendo provido o recurso, permaneceu em liberdade o condenado, não ocorrendo a efetiva prisão. Desta feita, nova data para novo Júri fora marcada. Em 15 de março de 1996, treze anos após o fato, é submetido o acusado à novo Júri e, novamente condenado, mais uma vez interpõe recurso, tendo este recebido também provimento, continuando mais uma vez em liberdade. Apenas em setembro de 2002, contados dezenove anos da data do crime, é efetivamente preso o condenado, permanecendo, tão somente, dois anos no cárcere. Após estes eventos, Maria da Penha dedicou sua vida à luta pela regulamentação de norma que buscasse a punição mais severa para condutas da natureza que à vitimara, no intuito de proteger outras mulheres de um futuro tão nefasto quanto o dela. Nesta diligencia, tornou notório seu caso, por meio dos meios de publicidade á ela disponíveis. Maria da Penha enviou sua história para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de natureza doméstica. Ocasionou uma condenação ao Brasil, em razão da negligência em relação à violência doméstica. Uma das punições que se deflagrou, foi a recomendação para que se criasse legislação adequada para tratar deste tipo de violência. A partir dai um conjunto de entidades reuniu-se para definir um anti-projeto de lei, que tratava das formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres, estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de prática criminosa. Previa também o prévio projeto, mecanismos para prestação assistência das vítimas5 . 4 Dados do sítio do Ministério Público do Estado do Ceará, onde está disponível entrevista com a própria Maria da Penha que fornece detalhes sobre sua história. 5 Dados disponíveis no sítio do Observatório Lei Maria da Penha, em:http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha, que tem como objetivo a implementação da Lei Maria da Penha no território nacional e desenvolve suas atividades através de um Consórcio liderado formalmente pelo NEIM/UFBA e composto por outras oito instituições.
  • 7. 7 Finalmente, em setembro de 2006 a lei 11.340/06 entra em vigor, removendo a violência contra a mulher da esfera dos crimes de menor potencial ofensivo. A lei também elimina a possibilidade de pagamento de penas, para as condutas nela previstas, por meio de cestas básicas ou multas. Abarcando, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, patrimonial e o assédio moral.
  • 8. 8 CAPÍTULO II 2 DOS PROCEDIMENTOS E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTOS NA LEI Nº 11.340/06 O aludido diploma em seu Título II, Capítulo I, quando das disposições gerais, traz os necessários esclarecimentos conceituais do que será admitido como violência doméstica, definindo também a esfera de sua incidência, a saber, uma mínima definição do âmbito familiar, como percebe-se no art.5º, incisos. Seguindo na seara das definições, no Capítulo II, Art. 7º, incisos, trata o legislador das formas como se dá a violência doméstica contra a mulher, elencando neste momento suas manifestações possíveis: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, com os devidos acréscimos esclarecedores. Superada esta imprescindível fase conceitual, passa o legislador à propor os mecanismos efetivos para prevenção desta violência, com vistas ao objetivo precípuo do diploma, que é dispor mecanismos aptos à coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, contra a mulher. Deste modo, é exposto um rol de medidas assistenciais que devem ser adotadas em relação a vítima desta violência, abordando ainda os procedimentos a serem despendidos pr cada órgão competente pela prevenção deste mal combatido. Para que se fale num efetivo apoio a vítima, disciplina a lei medidas protetivas, que segundo o novo diploma, a luz da doutrina6 , dividem-se em medidas integradas e medidas protetivas de urgência, sendo estas ainda divididas em direcionadas ao agressor e a vítima, como restará exposto no curso deste trabalho. Para que fosse possível a eficácia dos dispositivos abstratamente elencados na lei, tratou ainda o legislador de estabelecer os procedimentos cabíveis para que,efetivamente, fossem implementadas tais medidas, estabelecendo a competência dos órgãos envolvidos no processo. 2.1MEDIDAS PROTETIVAS INTEGRADAS O art. 8º e incisos da Lei Maria da Penha passa a dispor sobre as medidas de proteção integradas que devem ser implementadas através de articulações, como determina o texto de 6 Neste sentido, corroboram Cleber Masson e Luiz Regis Prado
  • 9. 9 lei, entre União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e não apenas dos entes, mas do próprio corpo social, como percebe-se no inciso III, quando citado os meios de comunicação social como recursos também propícios à construção e proteção de valores éticos de uma sociedade que movimente-se com vistas à esta pretendida proteção. Ainda em tempo, é deveras importante mencionar, ser meramente exemplificativo o rol exposto no artigo em questão. A importância inicial, rapidamente desprendida da leitura da lei, é a de mobilização de todos os entes e da sociedade como um todo na busca pela extinção ou minimização dos efeitos desta tenebrosa manifestação de violência, de modo a convocar tantos setores sociais e governamentais na deflagração destas diligencias especificas. Isto percebe-se com facilidade na leitura dos incisos do art. 8º, especialmente dos incisos IV, V e IX, que manifestam o interesse do legislador em prover meios possíveis para construção de uma nova cultura no seio social, que vislumbre e possibilite o dialogo sobre o tema com vistas em sua eliminação7 . Contudo, importante se faz ressaltar, que, a mera proposta de mudança dos ranços culturais na sociedade, não garante a eliminação deste mal que se prolifera tão sorrateiramente.É imprescindível, também, que haja uma resposta eficaz dos agentes públicos que irão tratar diretamente com as vítimas destas violências8 , de modo que se crie uma cultura, entre as vítimas no intuito de manifestação desta luta por direitos estabelecidos no corpo legal, uma vez que sabemos estar a mulher, ou mesmo o homem vítima deste tipo de violência, em situação de peculiar fragilidade em razão dos vínculos afetivos que se desdobram pelos laços familiares e todo seu entorno, logo, sem a devida recepção dos órgãos responsáveis, desta vitima que os procura quando da ocorrência desta delicada circunstância, poderíamos verificar o desistimo-lo pela busca de amparo estatal para tais situações de risco e, sem esta denuncia, esta busca, que deflagraria todo o processo protetivo, estaria comprometida todo o intento protetivo legal, em não visualizando o ambiente adequado para o surgimento desta cultura de exposição por parte da vitima deste contexto de violência que esta experimenta no âmbito doméstico. 7 Neste sentido o inciso IX, do art. 8º, que dispõe sobre a inclusão do tema nas diretrizes curriculares das redes de ensino, de todos os níveis, sendo determinada já no texto da lei a ênfase que deve ser dispensada àdireitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e, com destaque,a violência doméstica e familiar contra a mulher. Num efusiva direcionamento do legislador. 8 Consoante previsão do inciso VII, do art. 8º do diploma em análise.
  • 10. 10 Um fator de relevante importância, que não deve ser desprezado, é o destaque dado pelo legislador aos novos contornos que o direito vem assumindo nas ultimas décadas em todo o mundo, com vistas a formatação das ações governamentais voltadas à evidenciação e proteção de direitos humanos, a própria menção ao tema, quando do art. 8º em seus incisos V, VIII e IX, revelam o interesse em sublinhar a questão na própria narrativa legal. Neste sentido Cançado Trindade (2004), traça comentários pertinentes a estas evidentes mudanças jurídicas: “Todo novo corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos vem de ser construído em torno dos interesses superiores do ser humano, independentemente de seu vinculo de nacionalidade ou de seu estatuto político [...] Se o Direito Internacional reconhece aos indivíduos direitos e deveres (como comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele reconhecimento [...] O reconhecimento do individuo como sujeito tanto do direito interno como do Direito Internacional, dotado, em ambos de plena capacidade processual (cf. infra), representa uma verdadeira revolução jurídica, para a qual temos o dever de contribuir. Esta revolução vem enfim dar um conteúdo ético às normas tanto do direito interno como do Direito Internacional.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 212-213). A assertividade das palavras de Trindade é tal, que poderíamos trazer novamente as questões pertinentes à pressão internacional contra o Estado Brasileiro pela legitimação e proteção dos direitos da mulher, vitima de Tais violência, no sentido de criação de legislação especifica que os viesse a resguardar estes direitos, o que de fato veio a ocorrer, como já demonstrado no curso deste trabalho. Revelando assim, uma configuração, como propõe o autor, da noção de direitos internos e internacionais para este novo indivíduo, que devem ser observados pelo Estado, quando da proteção deste, de modo que a própria Lei Maria da Penha é a efetiva demonstração de tal raciocínio, quando pensamos na defesa dos direitos humanos de um determinado grupo, no caso em tela, das vítimas de violência doméstica. 2.2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA DESTINADAS AO AGRESSOR E A OFENDIDA No Título IV, capítulo II da Lei em estudo, são dispostas as medidas protetivas de urgência, que assumem aqui verdadeira natureza de procedimento cautelar9 , podendo ser aplicadas isoladamente ou em conjunto com as medida administrativas previstas nos artigos 11 e 12, 9 As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e eficaz aplicação do direito de punir do Estado, como ensinaAury Lopes Jr, em seu artigo: Fundamento, requisito e princípios gerais das prisões cautelares.
  • 11. 11 que tratam do atendimento ministrado pela autoridade policial ao ofendido. Isto se desprende diretamente do texto de Lei quando em seu art.19, § 2º assevera: §2oAs medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. Tais medidas podem inclusive, para que alcancem seu fim, serem concedidas inaudita altera pars, como podemos perceber pela dicção do §1º do art.18, quando determina o texto legal estar apto o Magistrado para conceder, imediatamente, estas medidas independentemente de ouvidas das partes e de manifestação do Ministério Público, restando a ressalva da comunicação deste, quando imprescindível for tal postura10 . As medidas protetivas apresentadas no corpo da Lei Maria da Penha, podem ser direcionadas tanto à vitima da agressão quanto ao agressor, a depender da configuração fática percebida no caso concreto. Assim, o legislador no art. 22, autorizou o Magistrado a aplicar ao agressor as seguintes medidas, in verbis: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; 10 Fernando Capez, ao discorrer em seu Curso de Processo Penal, às paginas 420 e 421 sobre a definição e aplicação das medidas cautelares de modo abrangente, as classifica como medidas assecuratórias, urgentes e provisórias, determinadas com intuito de assegurar a eficácia de uma futura decisão judicial, defendendo inclusive poder o Juiz determinar tais diligências exofficio, quando vislumbrar a sua aplicação, corroborando o entendimento civilista, percebido no art.798 do CPC, que setraduz no poder geral de cautela que dispõe o Juízo.
  • 12. 12 V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Percebe-se por uma breve leitura dos incisos acima, que intenta a lei proteger a integridade física mora e psicológica da vitima, quando percebida a efetiva violência doméstica. Oportunamente, comenta Nucci os incisos acima destacando a validade dos mesmos no atual contorno social: São previstas nesta Lei medidas inéditas, que, em nosso entendimento, são positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja vitima não fosse somente a mulher. A suspensão da posse ou porte de arma de fogo é valida, pois se pode evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo é possível que, no futuro, progrida para o homicídio. O afastamento do lar é, igualmente, salutar. Seria uma medida de separação de corpos decorrente de crime e não de outras questões de natureza exclusivamente civil. A proibição de aproximação soa-nos, identicamente, correta,. Embora devesse a Lei ter previsto, exatamente o limite mínimo da distância, evitando-se discussões acirradas nos processos. Igualmente, a proibição de contato, que se pode dar por meio de diversas formas (email, telefone, carta etc.), foi positiva. Quanto à frequentação de determinados lugares, não vemos nenhum óbice. Finalmente, as medidas de caráter civil, restringindo ou suspendendo o direito de visitas aos filhos menores e a prestação de alimentos, só podem melhorar a eficiência da aplicação da Lei, uma vez que, desde logo, o juiz criminal (com competência cumulativa) toma a decisão11 . O destaque dado pelo doutrinador àassertividade das medidas legalmente propostas, somente anunciam o compasso entre a lei e a demanda socialmente percebida, no tocante á postura que deve ser tomada em face ao agressor, de modo que, tais medidas quando prontamente aplicadas pelo Juiz, podem, pelo próprio bojo legal, alcançarem a eficácia pretendida, propiciando a prevenção de danos mais gravosos à vitima e a própria entidade familiar. Indo mais além, previu o legislador, a possível necessidade de aplicação de medidas outras que não as elencadas no art.22, de forma tal que, destacou no parágrafo primeiro deste mesmo artigo, o que segue: § 1oAs medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. Quando faz uso da expressão outras [medidas] previstas na legislação, está nitidamente tratando o rol do artigo 22 como meramente exemplificativo, o que mune o magistrado dos meios necessários à efetiva proteção dos direitos á integridade física, moral e psicológica da 11 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.1057
  • 13. 13 ofendida, e da própria entidade familiar. Tendo por fim a capacidade fixada no artigo 20, do aludido diploma legal, de determinar a prisão preventiva do agressor, quando, ao valer-se todas as medidas anteriormente previstas e potencialmente disponível, não vislumbrar a efetiva proteção da vítima. No tocante à vitima, tratam os artigos 23 e 24 das medidas de urgência cabíveis para sua proteção, quando, por exemplo, no inciso I e II do art.23, determina a possiblidade de remoção da ofendida e de seus dependentes do âmbito familiar e sua superveniente recondução quando afastado o agressor do domicilio. Verificando-se aqui uma necessária intervenção do Estado na condução desta proteção por meio da disponibilização e manutenção de locais aptos ao acolhimento estes membros familiares agora desprovidos de habitação. Nos incisos III e IV do art.23, assim como no art.24, são expostas medidas que venham proteger a esfera patrimonial da vítima, como podemos perceber no texto legal: Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. Deverascoerente foi a postura do legislador ao promover a proteção do patrimônio da vítima, tendo em vista, a hipossuficiência da ofendida em relação ao gerenciamento patrimonial dos bens, como percebe-se na grande maioria dos lares Brasileiros, adiantando-se, a lei, a proteção da vítima a eventuais retaliações do ofensor12 . 12 TAKAHASHI PEREIRA, em seu artigo “Medidas protetivas da Lei Maria da Penha: aplicação analógica a meninos e homens” Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6827 comenta o fato de não serem suficientes as cautelares já existentes para tratar as peculiaridades da relação de violência domésticas, como por exemplo a hipossuficiência da mulher em relação à gerencia patrimonial do casal, de modo que a previsão de medidas cautelares específicas foi uma das inovações efetivamente benéficas trazidas pelo novo diploma.
  • 14. 14 2.3DOS PROCEDIMENTOS O título IV da lei em tela trata dos procedimentos a serem adotados para implemento das medidas aqui abordadas, nesta seção da lei é registrado as disposições gerais, sem prejuízo de perceber-se, ao longo de todo o diploma, outros tantos procedimentos necessários para atendimento do sujeito passivo deste tipo legal. Ainda nas disposições gerais constantes do capítulo I, deste título, é informada a aplicação dos códigos processuais penal e cível para as questões processuais, o que não afasta o caráter especial e consequentemente preferencial da lei 11.340 para a matéria, mesmo quando mencionada a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, no art.13 desta seção,o que se vislumbra neste momento é a complementação de diplomas, já previsto na própria legislação especial, para o mais efetivo atendimento às vítimas, tendo em vista a prévia interdisciplinaridade da questão. 2.3.1DA COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO, O JULGAMENTO E A EXECUÇÃO O art.14 da Lei trata da possibilidade de criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, considerando-os como órgãos da Justiça Ordinária, dotados de competência cível e criminal, a serem instituídos pela União, pelo Distrito Federal e pelos Territórios e Estados. Prevendo inclusive, conforme disposição do parágrafo único deste mesmo artigo, a possibilidade de realização de atos destes órgãos em horário noturno, como uma evidente alusão á urgência das medidas cabíveis. Ainda sobre a faculdade dos entes federativosquanto da instituição de tais órgãos especiais, debatem na doutrina, Guilherme de Souza Nucci13 e Sergio Ricardo de Souza14 , o risco que existe no diapasão entre: manter o respeito à autonomia das Unidades Federativas na instituição de seus órgãos judiciais, manifesto pelo verbo “poderão”, e a não efetivação do 13 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.1057 14 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha (11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.90
  • 15. 15 intento legal na criação dos mesmos. Pensando este ter andando mal o legislador por deixar a faculdade desta instituição ensejar a sua própria ineficácia, enquanto aquele defende ter procedido prudentemente o diploma neste tema. 2.3.2DO FORO COMPETENTE Visando o melhor acesso à prestação jurisdicional da vítima, a Lei de proteção à mulher em situação risco no ambiente familiar, deixou a seu encargo a escolha do foro para processamento e julgamento das causas cíveis que se referem a lei, como apreende-se pela dicção dos dispositivos: Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor. Podendo optar pelo local onde é residente ou domiciliada, onde se deu o fato delituoso ou mesmo do domicílio do agressor, quando nitidamente residem em locais distintos. Criando assim um ambiente propicio à mais eficiente busca pela ajuda, no momento em que esta se faz necessária. 2.3.3 DO ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Na esteira dos procedimentos expostos no texto da lei encontramos nos artigos 11 e 12 aqueles que devem ser adotados pela autoridade policial na eminencia ou quando da efetiva violência. É elencado o rol de providencias que devem ser tomadas quando da violência, conforme se lê nos incisos do artigo 11: Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
  • 16. 16 I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Tratam estas disposições de um imediato amparo à vítima e seus dependentes, prestados pela autoridade policial que lhe prestar atendimento. Importante é destacar a esta altura, que, antes da vigência do diploma em estudo, um dos fatores determinantes para o silêncio davítima e a inevitável perpetuação desta condição de fragilidade e violência, era o mal atendimento dado por estes agentes quando da busca pela vitima pela ajuda. Logo, apercebendo-se deste fator social, trata o legislador de registrar no próprio corpo da lei, as condutas que deveriam ser óbvias a prestação mínima, de modo à garantir o auxilio eficiente aqueles que se encontrem no curso desta situação15 . Distinguem-se os artigos 11 e 12, pelo grau de ofensa ao direito da vítima. Discorre a doutrina que o artigo 11 trata da eminencia da ofensa, aquele momento em que efetivamente a vítima aindanão veio a sofrer lesão física, moral ou psicológica, embora restem as disposições do inciso II, que orientam a autoridade policial a conduzir a ofendida ao hospital, o que se presume uma necessidade oriunda de dano físico em algum grau. Enquanto que no artigo 12 resta evidente a intenção da lei em propor os procedimentos quando da efetiva agressão, isto evidente pela redação do inciso IV, que faz alusão ao exame de corpo de delito, dentre outros detalhes nos incisos seguintes. A despeito desta imprecisão do legislador, nos parece claro, a intenção de firmar uma notória e indiscutível rol de ações das quais a autoridade policial não poderia se escusar quando do atendimento à vitima, com vistas na proteção da ofendida e de seus dependentes de outra forma de agressão, aquela que advém do descaso ou do constrangimento do mau atendimento16 . 15 Neste mesmo sentido discorre Sérgio Ricardo de Souza ao tratar dos avanços procedimentais e culturais propostos pela Lei Maria da Penha, p.73. 16 Elizabeth Do Nascimento Mateus, em sua produção que trata da relação entre a Lei Maria da Penha e os direitos humanos da mulher, nos lembra que a recomendação para que especial atenção fosse dispensada aos
  • 17. 17 2.3.4DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público atuará nos casos de violência doméstica e familiar em consonância com o artigo 26 da Lei 11.340, conforme lê-se no texto legal: Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros; II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas; III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sendo estas atribuições pertinentes nos casos onde o Ministério Público não é parte na demanda, bem como não possuindo caráter exaustivo, sendo o rol presente nos incisos do artigo 26 meramente exemplificativo, além de outras funções distribuídas em outros momento da lei, como por exemplo quando da requisição de medidas protetivas de urgência, sua renovação e revisão17 . 2.3.4DA ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR Outro ponto do diploma legal em estudo que merece destaque são as disposições presentes no artigo 29,in verbis: Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. mecanismos de controle dos atos dos próprios agentes públicos, quando do atendimento às vítimas deste tipo de violência, já constava nos tratados específicos sobre a promoção e defesa dos direitos da mulher, dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW de 1979 e a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher conhecida como Convenção de Belém do Pará, ocorrida em 1994, oque geraram obrigações para o Estado Brasileiro neste sentido de cuidado na produção normativa, o que se refletiu neste rol de providencias. 17 Art.19, Lei 11.340/2006, caput e § 3º
  • 18. 18 Em tempo, o dispostono artigo 32: Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Preocupou-se o legislador em prover um acompanhamento muito além da mera prestação jurisdicional pontual em face da violência em seu sentido estrito, mas antes, em uma acepção mais amplo, com vistasa seus efeitos, psicossociais, jurídicos e no que tangencia a saúde da vítima desta espécie de violência, de modo que fica faculdade ao poder judiciário a reserva de recursos direcionados especificamente à este tipo de atendimento. 2.3.5DO RITO PROCESSUAL Embora tenha ido o legislador muito bem em todos os temas tratados até este ponto, não lograra o mesmo êxito quando da elucidação do rito processual a ser utilizado, não restando claro, em todo o bojo legal qual dever-se-ia adotar quando nestes casos de violência contra mulher, como muito bem sublinha Maria Berenice Dias18 , que a seu turno defende a aplicação do rito dos Juizados Especiais, com vistas a celeridade, oralidade e economia processual, quando dos incidentes processuais cíveis, o rito previsto no código de processo civil quando das ações cíveis propostas pelo Parquet e por fim, mantendo-se o rito do processo penal quando das ações criminais. Defende autorizada doutrina que a Lei Maria da Penha teria retirado dos Juizados Especiais Criminais a competência para processar os delitos pro ela previstos, instaurando a competência para tal julgamento para as Varas Criminais. Embora reste ainda certo grau de divergência quanto o tema, o entendimento que vem prevalecendo, reflete-se no julgado a seguir: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA - LEI MARIA DA PENHA - INCONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. I - A ação afirmativa do Estado que busque a igualdade substantiva, após a identificação dos desníveis socioculturais que geram a 18 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.83 e 84.
  • 19. 19 distinção entre iguais/desiguais, não se pode tomar como inconstitucional, já que não lesa o princípio da isonomia, pelo contrário: busca torna-lo concreto, efetivo. II - As ações políticas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero - deságüem ou não em Leis - buscam a efetivação da igualdade substantiva entre homem e mulher enquanto sujeitos passivos da violência doméstica. III - O tratamento diferenciado que existe - e isto é fato - na Lei 11.340/06 entre homens e mulheres não é revelador de uma faceta discriminatória de determinada política pública, mas pelo contrário: revela conhecimento de que a violência tem diversidade de manifestações e, em algumas de suas formas, é subproduto de uma concepção cultural em que a submissão da mulher ao homem é um valor histórico, moral ou religioso - a origem é múltipla. IV - O art. 33 da Lei Maria da Penha dispõe sobre competência de juízo, competência das varas, que configura matéria processual, ou seja, estabelece a competência das varas criminais (ainda que de maneira transitória) para processo e julgamento dos crimes cometidos contra a mulher no ambiente doméstico, e estabelecida esta competência é que, conforme o disposto no art. 96, I, CF/88, na elaboração de seu regimento interno, os tribunais disporão, com observância das normas de processo, sobre "o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos"”. (TJMG; Proc. 1.0000.07.457002-9/000(1); Rel. Dr. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO; Publ. em 15/12/2007). Percebe-se então, que mesmo não tendo sido plenamente claro o diploma no que tangencia a competência de julgamento destas demandas, compete asvaras criminais o processamento e julgamento dos crimes em estudo. Superado este momento reservado a exposição dos caracteres de maior relevo da lei 11.340/2006, passaremosno próximo capítulo a análise do cabimento e aplicação do aludido diploma legal ao homem, enquanto sujeito passivo na conduta típica, assim como exposição de alguns julgados esparsos em território nacional que apontam o posicional jurisdicional acerca do tema. CAPÍTULO III 3HOMEM COMO SUJEITO PASSIVO NA LEI 11.340/2006
  • 20. 20 A máxima de que é a mulher o sexo frágil nas sociedades ocidentais é algo tão intrincado no imaginário popular, que mesmo parcela das mulheres defende esta ideia, de modo que o pensamento machista19 espraia-se no âmbito social, criando dificuldades para mais isonômica marcha social. Quando pensamos no cerne da aplicabilidade da lei em estudo, necessariamente, devemos pensar nos personagens das relações familiares por algumas perspectivas. Primeiramente, não podemos nos distanciar, do ranço social em que a mulher é vista e tratada como objeto, patrimônio do marido20 , e em sendo assim, percebe-se este homem, o chefe da família e único mantenedor, como plenamente capaz de gerir esta instituiçãocomo melhor lhe convir. Sendoexatamente neste momento, em que vislumbramos a possibilidade de manifestações de violência, em todos os graus, fundando-se estas numa suposta e histórica, superioridade do homem sobre a mulher, uma vez que este e somente ele, é o líder da família. Na esteira desta cultura, vemos incontáveis casos em que a mulher esta inserida em núcleos sociais em que esta visão de mundo ainda é pungente de modo a coibi-la na sua legitima refutação de quaisquer agressões. Nestes agrupamentos, quando manifesta-se a mulher contra a postura agressiva do cônjuge passaa ser ela alvo de reprimenda, devendo manter-se em silencio e acatar os ditames de seu marido, esta postura, quase generalizada, é que dá ensejo e fulcro à leis como a Maria da Penha, que saem na dianteira da defesa destas mulheres que flagrantemente são vitimadas e silenciadas por uma cultura de repressão. Mas não podemos nos distanciar demasiadamente dos novos contornos que a sociedade passa sempre a ter e, por isto devemos nos aperceber que nem todos os núcleos familiares onde se vislumbra ambientes propícios á agressões, hoje, são formados por mulheres submissas e homens violentos, por vezes a situação se iguala ou mesmo se inverte. 19 Glaucia Maria Vasconcelos Vale, em sua obra “Gênero, Imersão e empreendedorismo: sexo frágil, laços fortes?”nos lembra que embora resista o traço sociocultural da fragilidade da mulher, a atuação econômica desta, tem sido determinante para o avanço econômico das sociedades, o que se reflete nos avanços legais d a proteção a mulher. 20 Margarita Danielle Ramos expõe em sua produção: “Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres”, como se deu a lenta evolução história da mulher em relação ao homem, destacando o fato de há não muito tempo atrás era aquela, admitida como um bem deste, quando da constância do casamento, fato este refletido na impunibilidadedo homem, quando do cometimento de crimes contra a mulher motivados por adultério.
  • 21. 21 Da notória escalada feminina na sociedade e das evidentes conquistas profissionais cujo reflexo financeiro é inevitável21 , surge uma nova espécie de mulher: aquela que não silencia facilmente em face de agressões contra seus direitos e, esta nova mulher, este perfil mais austero, pode por vezes, ser o sujeito ativo de agressões no bojo familiar. É neste contexto, de um sociedade que evolui, mas que ainda sim, permanece machista, que nos questionamos ser ou não possível a aplicação desta lei, inicialmente protetiva ao sexo frágil, o feminino, para o homem, quando este, se encontrar vitimado por violência no âmbito familiar, haja vista as novas dinâmicas sociais. 3.1DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANDO DA APLICAÇÃO UNILATERAL DA LEI 11.340 A Constituição Brasileira elege como um de seus princípios basilares a igualdade entre os indivíduos em seu artigo 5º, caput, quando assevera serem todos iguais perante a lei, sem que haja qualquer distinção entre os indivíduos. E vai mais além quando registra o legislador originário no inciso I, do aludido artigo serem homens e mulheres iguais, em direitos e obrigações22 . Sem e percebendo ser, igualmente o homem, vítima de violência doméstica, de iguais natureza e proporções, e restando este desprotegido do amparo legal de uma Lei que se destina a proteger o hipossuficiente nas relações domésticas, estaríamos diante flagrante violação ao principio da isonomia. Ignorar a atual conjectura onde é também o homem sujeito passivo de agressões por mulheres no âmbito familiar, com fulcro em manter uma aplicação legal unicamente para o sexo feminino, seria respaldar uma desigualdade material entre homens e mulheres, vez que a lei protegeria estas a despeito daqueles, em uma mesma circunstância. 21 O empreendedorismo feminino vem sendo objeto de vários estudos, como ressalta Glaucia Maria Vasconcelos Vale, dada evolução do papel da mulher na sociedade contemporânea e as peculiaridades associadas à condição feminina. 22 Numa evidente busca pela materialização dos preceitos constitucionais de isonomia.
  • 22. 22 Neste sentido Cristiane Cabra Ghizoni23 destaca: A sociedade leva muito em conta que o homem é sexo forte e dominante fator este, que muitas vezes é utilizado por aqueles que defendem a constitucionalidade da referida lei. Sendo assim é hipocrisia basear-se no referido artigo constitucional para defender a defesa exclusiva da mulher, uma vez que, apesar de minoria, muitas delas agridem seus familiares. Os homens em sua maioria quando agredidos permanecem quietos, algumas vezes por causa dos filhos ou por pena da própria agressora e companheira que em um acesso de fúria, os agride. Esse ataque de fúria em sua maioria ocorre por transtornos hormonais ou extrema paixão, sendo que alguns casos de descontrole levam homens e mulheres a praticar fatalidades com seus companheiros e após suicidar-se. A relação afetiva também conta muito nesses tipos de agressão independentemente do gênero do agressor e da vítima. Defende a autora, a inconstitucionalidade das disposições da Lei Maria da Penha, exatamente por ferirem, segundo ela, a isonomia que deve se perfazer em todas as relaçõe jurídicas existentes em nosso ordenamento, não podendo subsistir a ideia de que algum sexo mereça maior proteção legal a despeito de outro, mesmo em igual situação, exclusivamente por sua condição sexual, o que configuraria para aquele uma irremediável desproporção. Maria Berenice Dias24 quando aborda o conceito de sujeito passivo do aludido diploma, nos traz um conceito novo para o feminino: No que diz com o sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade especial: ser mulher. Nesse conceito encontram-se as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com sexo feminino. A agressão contra elas no âmbito familiar também constitui violência doméstica. Somada ao questionamento de quão amplo pode ser hoje o conceito de feminino, que em regra pode ir para muito além do sexo feminino em si, como proposto por Dias, somos levados à analisar a casuística dos tribunais e nos debruçarmos sobre os mais atuais acontecimentos sócias, como osnarrados por Ghizoni25 : O Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – MT foi pioneiro na utilização de tal lei por analogia, uma vez que recebeu em seu gabinete um caso em que o homem foi vitima de agressões psicológicas, físicas e financeiras por parte de sua ex-mulher (...). Essa vítima é uma exceção, pois sabe-se que a demanda de homens que procuraram a Justiça por serem vitimas de agressão familiar é mínima. Os homens, na maioria das vezes por vergonha de virar chacota na roda de amigos, na família e no trabalho 23 GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013 24 Em seu livro “A Lei Maria da Penha na Justiça” 25 GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
  • 23. 23 ocultam a agressão cometida por sua parceira, uma vez que ela pertence ao considerado sexo frágil. Poderíamos pensar ocorrer, mesmo nestes casos minoritários, uma inversão social do fenômeno da repressão, onde o homem, agora vitimado pela mulher, se vê pressionado pelo meio social em que circunda a permanecer em silêncio, pela vergonha que a exposição lhe impeliria. Manter o homem em situação de desamparo, quando este se vê em circunstancia de igual agressão, seria proclamar uma desigualdade legalmente instituída, como assevera Ghizoni26 : O homem sofre discriminação frente a lei em pauta, como vimos um homem e uma mulher sofrem o mesmo tipo de violência e ela, a mulher, vai possuir muito mais benefícios e seu agressor terá punição mais branda que o agressor do masculino, podendo ser que, se ambos sofrerem a mesma agressão e forem parentes a competência dos autos do homem migraram sua competência para correrem juntamente com os autos da mulher. Contudo se o homem sofre uma agressão igual ou pior que uma mulher, sem a companhia da mesma para figurar como vítima, seu agressor praticamente não terá punição, uma vez que será julgado pelo Juizado Especial (Lei 9.099/1995) por ter cometido um crime de menor potencial ofensivo, independente dos efeitos morais e psicológicos que ficarão para sempre em sua vítima. Não se pretende demonstrar aqui uma ineficácia da lei, ou mesmo sugerir sua inconstitucionalidade, mesmo porque ainda resiste fortemente o traço social, majoritário em que fatidicamente é a mulher efetivamente o polo mais fragilizado da relação onde constata-se violência, como elucida Sergio Ricardo de Souza27 : Estudos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas, com ênfase para o estudo a fundo sobre a violência contra a mulher, apresentado pelo Secretário Geral, em cumprimento do mandado contido na Resolução 58/185 da Assembleia Geral, deixam evidente que não só o Brasil, mas também em todos os países, 'a violência contra mulher persiste [...] como uma violação generalizada dos direitos humanos e um dos principais obstáculos a que se logre a igualdade de gênero...'[...] Logo, não há igualdade material entre homens e mulheres, não se justificando tratá-los, na questão da violência de Gênero, com uma igualdade de cunho meramente formal. Nota-se aqui, ser evidente a necessária aplicação das disposições do diploma legal sendo ainda latente no seio social as causas que lhe deram origem, o que certamente não pode 26 GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013 27 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contraa mulher: lei Maria da Penha (11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.30-32
  • 24. 24 enublar uma outar necessidade, igualmente pungente, a de proteção aos homens que se encontrem em semelhante situação de risco. Presumir que não exista o risco, tão somente pela premissa de ser o homem, um individuo do sexo masculino, seria tão somente validar a máxima de que é este o sexo forte e que não são efetivamente iguais os indivíduos perante a lei. Com vistas a necessária aplicação isonômica, podemos mencionar o Doutor e doutrinador Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho28 que conclui: Não podem discriminar em razão do sexo dos envolvidos. Podem fazê-lo, contudo, em atenção à situação de maior ou menor vulnerabilidade, mas sem afrontar o princípio da isonomia. [...] Assim, a referida [11.340/2006], ao pretender estabelecer ações positivas em razão do gênero, violou o princípio constitucional. Isso acontece, entre outras situações, quando permite a prisão preventiva do homem, mas não da mulher acusada de lesão corporal no âmbito doméstico ou familiar (pense numa agressão de uma irmã à outra, ou de uma neta à avó). [...] Tais ações positivas não têm caráter genérico, pois não beneficiam a coletividade de mulheres, mas somente uma mulher determinada, que é a suposta vítima da violência. Tampouco a medida gera uma igualdade de oportunidade, pois não se trata disso nos âmbitos enfocados. No curso destas acaloradas discussões sobra constitucionalidade ou não do aludido diploma, defende, muito acertadamente, Ghizoni29 uma aplicação isonômica dos dispositivos legais, quando amoldadafaticamenteas situações abstratamente previstas: Não é necessário modificar a lei, entretanto é necessário que ela se torne um direito de todos, pois a violência familiar não escolhe sexo, idade, cor ou credo. Ela pode ocorrer com qualquer pessoa, e seus resquícios serão levados para o resto da vida da vitima, com feridas na alma que jamais irão cicatrizar. Assim como uma criança que sofre abuso, um adulto também leva para sua vida o trauma de ter sido violentado, seja física, moral ou psicologicamente. Em que pese o posicionamento que demonstra-se mais coerente, qual seja o defenda ser constitucional a lei 11.340/2006, fora proposta pela Advocacia Geral da União a ADC/19, versando sobre suposta afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, presente no artigo 5°, I da Constituição Federal de 1988, sobre a competência atribuída aos Estados para fixar a organização judiciária local e sobre a competência dos juizados especiais para a matéria. Tal ADC Pende de apreciação no Supremo Tribunal Federal desde 19 de dezembro 28 CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo pena e constituição: princípios constitucionais do processo penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.p.45-46 29 GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013
  • 25. 25 de 2007. E a Jurisprudencia não se mostra uniforme, pois sobre estes temas periféricos à constitucionalidade, exatamente no tocante à proteção ou não exclusiva da mulher, ora tende para a constitucionalidade, ora par a sua inconstitucionalidade, como podemos apreciar: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. LEI Nº 11.340/2.006. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. OFENSA DESCARACTERIZADA. LEI Nº 9.099/95. CONFLITO INEXISTENTE. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. A Lei nº 11.340/2.006 não contraria o princípio da isonomia esculpido no art. 5º, I, da CR, pois a interpretação sistemática com o art. 226, § 8º, do texto constitucional demonstra que o objetivo desta legislação ordinária é obstar a violência que grassa no âmbito familiar, em razão da histórica desigualdade entre o homem e a mulher brasileiros. Assim, resulta afastada a alegada inconstitucionalidade da referida Lei nº 11.340/2.006. O princípio da especialidade, agasalhado no art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, afasta o eventual conflito entre a ''Lei Maria da penha'' e a Lei nº 9.099/95. (TJMG - ACÓRDÃO N° 1.0015.07.036320-3/0011 - ALÉM PARAÍBA/MG – QUARTA CÂMARA CRIMINAL - RELATOR EXMO SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS. JULGADO EM 11/06/2008, PUBLICADO EM 25/06/2008). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – RECURSO MINISTERIAL – PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – IMPROVIDO. A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está contaminada por vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF), bem como por infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade (art. 5º, II e XLVI, 2ª parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006, determinando-se a competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar o feito. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 2007.023422-4/0000-00 - ITAPORÃ/MS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROMERO OSME DIAS LOPES. ACÓRDÃO JULGADO EM 26/09/07). Por fim, tende-se a maioria, mais lúcida, da doutrina e jurisprudência, consoante o pensamento de Ghizoni, como já mencionado, que funda-se esta tratativa diferenciada na própria realidade social que nos aponta uma irrefutável desproporção entre homens e mulheres, carecendo estas de uma proteção diferenciada por parte do estado. O que por sua vez não afasta a possibilidade de aplicação ao homem, enquanto sujeito passivo da norma, quando a mesma situação fática o coloque em tais circunstâncias de vulnerabilidade.
  • 26. 26 3.2DA SOLUÇÃO DO CONFLITO A existência de lacunas em nosso ordenamento, bem como em qualquer outro, é fato corriqueiro na práxis jurídica, de modo que o próprio ordenamento tende a desenvolver meios para suprir estas lacunas30 , temos ainda que frisar ser vedado ao poder judiciário a não prestação jurisdicional quando levada À sua apreciação, qualquer questão eu seja, assim, temos, como já bastante abordado até aqui, a questão pertinente à possibilidade de uma interpretação extensiva ou analógica aos dispositivos da lei Maria da Penha em favor do homem e desfavor da mulher, quando esta for sujeito ativo da agressão. Passa-se então a um analise na natureza jurídica da 11.340/2006 para em seguida verificarmos a possibilidade, ou não, do aludido método de interpretação. 3.2.1DA NATUREZA JURÍDICA DA LEI 11.340/2006 A natureza jurídica do diploma em análise é tema pacífico, tanto em sede doutrinária quando jurisprudencial. Trata-se de Lei cuja natureza jurídica é mista uma vez que ao tempo que estipula direitos materiais para seus destinatários, também elenca procedimentos a serem adotados na esfera processual civil e penal. 3.2.2DA ANALOGIA Para ampliação deste estudo, cabe trazer os conceitos mais praticados de analogia para compreensão mais cristalina de sua possível aplicação ao estudo em curso. Nesta seara, evoca-se Maria Helena Diniz(2010) ao citar Tércio Sampaio Ferraz Jr: É a analogia um procedimento quase lógico, que envolve duas fases: “a constatação (empírica), por comparação, de que há uma semelhança entre fatos- tipos diferentes e um juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças sobre as diferenças, tendo em vista uma decisão jurídica procurada (FERRAZ apudDINIZ, p.462) 30 Maria helena Diniz em seu Compêndiode Introdução à ciência do direito, comenta que a existência de lacunas no direito é eminente ao próprio sistema e, ele mesmo deve prover meios para sua solução, como de modo um tanto quanto simplório, poder-se-ia dar pelo uso de analogia, do costume, dos princípios gerais do direito e da equidade. p.452 a 483.
  • 27. 27 Em sendo analisado tão somente estes fragmentos e uma autônoma conceituação do instituto, poder-se-ia afirmar ser possível uma aplicação analógica da Lei Maria da Penha ao homem como sujeito passivo destinatário da norma, porém é preciso elucidar ainda a vedação de tal prática interpretativa no direito penal. Na esfera penal, saliente-se, é vedada a analogiain malam partem, de modo que,em se aplicando a lei 11.340/2006 para benefício do homem em detrimento da mulher, configurando-se nesta situação como sujeito ativo, estaria ocorrendo o que é vedado no ordenamento, uma interpretação extensiva que alcança o agente, imputando-lhe algo que não está expressamente previsto no texto da lei. 3.3 DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA AO HOMEM E O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL A despeito do posicionamento rígido dos regramentos pertinentes á aplicabilidade da lei penal e processual penal, não podemos nos esquivar na celeuma constitucional de uma não aplicabilidade da lei 11.340/2006 ao homem, quando flagrante sua situação de igualmente nas situação delituosas tipificadas, o que certamente ocasionaria uma afronta direta e legalizada ao princípio da isonomia e aos ditamos constitucionais31 . Os Tribunais em nosso país, tem se manifestado em face aos casos concretos levados a eles, dos quais não podem se eximir de uma resposta satisfatória, e neste diapasão, decisões, mesmo que em menor quantidade, favoráveis a configuração do homem como sujeito passivo da norma, tem sido identificadas, como a já notória decisão do Juiz Mário Kono de Oliveira, 31 Parte da doutrina sustenta que um dos fundamentos mais pungentes da equiparação do homem à mulher na aplicabilidade das medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha é a admissão em nosso ordenamento do princípio da proibição de proteção deficiente, que por sua vez determina que: nem a lei nem o próprio Estado poderia se portar de modo a propiciar uma insuficiente tutela dos direitos fundamentais, cabendo ao Estado, a efetiva proteção aos indivíduos e seus direitos, de modo que não poderia abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se nestes, os de natureza penal, assegurando assim o pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais. Emana assim, o princípio da proibição de proteção deficiente, diretamente do princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente.
  • 28. 28 atendendo ao pedido formulado pelo marido em face aex-esposa, cujo conteúdo integral é deveras pertinente a tema em estudo: O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima, e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à vítima. Por fundamento de direito requer a aplicação da Lei de nº 11.340 , denominada Lei Maria da Penha, por analogia, já que inexiste lei similar a ser aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. Resumidamente, é o relatório. DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a sua maior compleição física e cultura machista, compelia a fêmea”a seus caprichos, à sua vilania e tirania. Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à mulher, sob o manto da Justiça. Esta lei que já mostrou o seu valor e sua eficácia, trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu trânsito em julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc. Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível? A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal : “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz” [...] Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres à beira de um ataque de nervos, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso. Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Poder Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à
  • 29. 29 Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de uma paz social. No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1. que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de desobediência e até em prisão. I.C32 .(sic) Note-se que a aplicação das medidas protetivas ao homem, neste caso concreto, justificaram- se pela impossibilidade do magistrado eximir-se de uma resposta eficaz ao suplício do autor da demanda, ao tempo em que a preservação do principio da igualdade estaria certamente ameaça em havendo qualquer outra decisão distinta desta proferida. Todavia, não faltam decisões no sentido de afastar a possibilidade desta aplicação analógica ao homem, mesmo sendo esta nitidamente cabível, em razão do rígido regramento penal33 , como percebe-se no julgado a seguir, in verbis: CAUTELAR. PRETENSÃO DO EX-MARIDO DE COMPELIR A EX- MULHER A FICAR LONGE DELE COM BASE NO ART. 22, III, "a", DA LEI DA MARIA DA PENHA. Inadmissibilidade porque a lei se destina à violência doméstica praticada contra a mulher e não pela mulher. Inaplicação do princípio da isonomia. Indeferimento acertado. Recurso improvido, por maioria.(APELAÇÃO CRIMINAL N° 652.125-4/5 - COMARCA DE REGISTRO/SP – RELATOR EXMO SR. DES. MAIA DA CUNHA. ACÓRDÃO JULGADO EM 27/08/09). Embora seja o entendimento mais elementar, a não aplicação das medidas protetivas e dos demais dispositivos legais da lei 11.340/2006 ao homem, o entendimento contrário, o do seu cabimento, tem encontrado, cada vez mais, guarida nos tribunais ao longo do Pais. Entendo o Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha34 , pelo cabimento e aplicabilidade das medidas protetivas de urgência previstas na lei em estudo, ao homem enquanto vítima, 32 Conteúdo de decisão interlocutória proferida pelo juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, no Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, nos Autos do processo movido por Celso Bordegatto em face de Márcia Cristina Ferreira Dias em 2008. 33 Regramentos estes que encontram guarida nos atuais Princípios Garantistas que são em si mesmos, fundamentais à manutenção do Estado Democrático de Direito
  • 30. 30 desde que observada tal situação no âmbito familiar, devendo o juízo, valer-sede seu poder geral de cautela, pode aplicar em favor deste as medidas legais cabíveis. Consoante este entendimento, apregoa o advogado, Dr. Rodrigo de Oliveira Machado35 , a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens, “sobretudo quando se encontrem em situação de vulnerabilidade, seja em razão da idade (idosos e crianças), seja em razão de condições físicas ou mentais (deficientes)”, fundamentando seu posicionamento, assim como Sanches, no artigo 3º do Código de Processo Penal e no poder geral de cautela, esculpidos nos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil. Neste mesmo o sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decide em sede de recurso de apelação, evocando os artigos 5º, inciso II c/c 226, § 8º, ambos da Constituição da República, para fundamentar a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, in verbis: A inconstitucionalidade por discriminação propiciada pela Lei Federal 11.340/06 (Lei Maria da Penha) suscita a outorga de benefício legítimo de medidas assecuratórias apenas às mulheres em situação em violência doméstica, quando o art. 5º, II c/c art. 226, § 8º, da Constituição Federal, não possibilitaria discriminação aos homens em igual situação, de modo a incidir em inconstitucionalidade relativa, em face do princípio da isonomia. Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autoriza a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, mas tão-somente a extensão dos seus efeitos aos discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso, não sendo, portanto, possível a simples eliminação da norma produzida como elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela previstas, porque o art. 5º, II c/c art. 21, I e art. 226, § 8º, todos da Constituição Federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar. Inviável, por isto mesmo, a solução jurisdicional que afastou a análise de pedido de imposição de medidas assecuratórias em face da só inconstitucionalidade da legislação em comento, mormente porque o art. 33 da referida norma de contenção acomete a análise ao Juízo Criminal com prioridade, sendo-lhe lícito determinar as provas que entender pertinentes e necessárias para a complete solução dos pedidos. Recurso provido para afastar o óbice. (TJMG, ApCrim. 1.0672.07.249317-0, j. 06.11.2007, rel. JudimarBiber, data da publicação 21.11.2008) 34 Rogério Sanches Cunha. Aplicação da Lei Maria da Penha para homens. Atualidades do Direito. Disponível em:<atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/09/2011/aplicacao-da-lei-maria-da-penha-para- homens/>. 35 Rodrigo de Oliveira Machado. Aplicação da Lei Maria da Penha a homens vítimas de violência doméstica. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19703>.
  • 31. 31 Destarte, presumir-se-ia inconstitucional a norma, quando de sua não aplicação a qualquer membro do corpo familiar, uma vez que estaria a norma sobrepondo-se à Lei Maior, que preza pela igualdade entre homens e mulheres, bem como, pela proteção de todos os membros da família.
  • 32. 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho de conclusão de curso tratou da viabilidade de aplicação da lei 11.340/2006 aos homens enquanto vítimas de violência doméstica, levando-se em conta a aplicação geral do principio da isonomia. Inicialmente discorreu-se sobre detalhes relevantes ao estudo, como o arcabouço histórico que ensejou o surgimento da norma, bem como das características das medidas protetivas de urgência aplicáveis segundo a previsão legal, seguiu-se com a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicabilidade ou não dos institutos legais ao homem, quando este for vitimado pela violência no âmbito familiar. Finalmente, tratou-se sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens enquanto ofendidos, tendo como base os princípios mais elementares do nosso ordenamento jurídico, quais sejam, da isonomia e proporcionalidade, sendo estes fundamentais à própria manutenção do estado Democrático de Direito, verificando-se, neste interim, que a aplicação analógica da lei ocasionaria sua própria validação, em face a urgente inconstitucionalidade ao ocasionar a vedação ao direito á tratava isonômica de partes em estados de igual circunstancia fática, conforme percebeu-se o entendimento dos tribunais que ora tendem á aplicação isonômica das medidas protetivas de urgência. Assim, tendo o principio da isonomia o caráter de norma sobre normas e não tão meramente como uma sombra de possíveis interpretações legais, vislumbra-se o homem como sujeito apto a receber as benesses oriundas da lei em estudo, promovendo assim uma proteção isonômica à todas as vítimas da violência que se deflagra no âmbito familiar.
  • 33. 33 REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em: 05 fev. 2013. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 04 fev. 2013. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de jan. de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 05 fev. 2013. CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto.Direitos Humanos. Personalidade e Capacidade JurídicaInternacional do Indivíduo. In COSTA, Érica A. e SILVA, Carlos A. C. G. da. (orgs.) Direito Internacional Moderno. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo pena e constituição: princípios constitucionais do processo penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. CARVALHO, Thiago Amorim Dos Reis. O âmbito de incidência da Lei 11.340/06 consoante a delimitação dada por seu art. 5º. Disponível em:<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5171/O-ambito-de-incidencia-da-Lei-11340- 06-consoante-a-delimitacao-dada-por-seu-art-5o>. Acesso em: 10 fev 2013 CUNHA, Rogério Sanches. Aplicação da Lei Maria da Penha para homens. Atualidades do Direito. 21 set 2011. Disponível em:<atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/09/2011/aplicacao-da-lei-maria-da- penha-para-homens/>. Acesso em: 20 fev 2013. DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito.21.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
  • 34. 34 GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013 INSTITUTO Elo. Maria da Penha: o quê? quem? Saiba mais sobre as medidas de proteção e a história por trás dessa lei. Disponível em: < http://www.institutoelo.org.br/site/noticias/leitura/1051>. Acesso em: 19 fev 2013. LEI MARIA DA PENHA É APLICADA PARA PROTEGER HOMEM. Disponível em:<http://direito-publico.jusbrasil.com.br/noticias/157860/lei-maria-da-penha-e-aplicada- para-proteger-homem>. Acesso em: 20 mar 2013. LOPES JR, Aury. Fundamento, requisito e princípios gerais das prisões cautelares. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5060>. Acesso em: 09 fev 2013 MACHADO, Rodrigo de Oliveira. Aplicação da Lei Maria da Penha a homens vítimas de violência doméstica. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2955, 4 ago 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19703>. Acesso em: 06 nov 2013. MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte especial. 4.ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. MATEUS, Elizabeth do Nascimento. A Lei Maria da Penha e os direitos humanos da mulher no contexto internacional. Disponível em:<http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8243>. Acesso em: 08 fev 2013 MINISTÉRIO Público do Estado do Ceará. Disponível em: < http://www.mpce.mp.br/nespeciais/ promulher/defesaamulher/noticias/entrevista_mariadaPenha.pdf>. Acesso em: 20 fev 2013. NASCIMENTO, Isabel Cristina Aquino do. Da (in)aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens vítimas de violência doméstica. Disponível em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/da-inaplicabilidade-da-lei-maria-da-penha-aos- homens-v%C3%ADtimas-de-viol%C3%AAncia-dom%C3%A9stica>. Acesso em: 20 mar 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. OBSERVE – Observatório Lei Maria da Penha. Disponível em: < http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha>. Acesso em 20 fev 2013. PEREIRA, Marcela Harumi Takahashi. Medidas protetivas da Lei Maria da Penha: aplicação analógica a meninos e homens. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6827>. Acesso em: 15 jan 2013
  • 35. 35 RAMOS, Margarita Danielle. Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2012000100004&script=sci_arttext>. Acesso em: 20 fev 2013 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha (11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. VALE, Glaucia Maria Vasconcelos. Gênero, imersão e empreendedorismo: sexo frágil, laços fortes?. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rac/v15n4/a05v15n4.pdf>. Acesso em:02 jan 2013