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1
O GRITO DO DESESPERO: abordagem ecossistémica da violência sexual em
vítimas do sexo feminino maiores de idade
The cry of despair: ecosystem approach to sexual violence on female victims of legal age
Ana Cláudia da Costa Paiva
Mestranda em Psiquiatria Social e Cultural
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
claudiapaiva.94@gmail.com
Coimbra, 2016
Resumo
O escrutínio social e cultural de qual a mulher é alvo, torna-a mais vulnerável à vitimação sexual.
Assim sendo, o presente artigo debruça-se sobre a incidência da violência sexual com repercussões
para a vítima, no seu desenvolvimento pessoal e social. Cingi-me inicialmente à explicação do
conceito de violência em acordo com distintas perspetivas. Num segundo ponto, surgirá uma breve
nota introdutória sobre a Legislação em foco na temática abordada, bem como uma distinção entre
a vítima e agressor. De seguida, está patente um tópico relacionado com os apoios sociais
existentes- rede formal- dando relevância à atuação do profissional da área social, destacando ainda
a rede informal e o acompanhamento dos profissionais junto do agressor. Por fim, será apresentada
uma breve conclusão sobre o tema exposto. O presente artigo assenta assim numa revisão da
literatura, sobre o tema em análise o qual procura incidir sobre o impacto de acontecimentos
traumáticos, especificamente em experiências de violência sexual nas mulheres.
Palavras-chave: mulher, stress pós-traumático, violência sexual, apoios sociais.
Abstract
Social and cultural scrutiny of what the woman is targeted, makes it more vulnerable to sexual
victimization. Therefore, this article focuses on the incidence of sexual violence with repercussions
for the victim, in his personal and social development.
Gird me initially to the explanation of the concept of violence in accordance with different
perspectives. A second point, a brief introductory note on the thematic focus legislation addressed,
as well as a distinction between the victim and offender. Then is a patent related topic with the
existing social support-formal network-giving importance to the role of the professional social area,
highlighting also the informal network and monitoring of the professionals with the aggressor.
Finally, you will be presented with a brief conclusion about the theme exposed. This article is
based on a review of the literature on the theme under review which seeks to focus on the impact of
traumatic events, specifically in experiences of sexual violence on women.
Keywords : woman, post-traumatic stress disorder, sexual violence, social support.
2
INTRODUÇÃO
A violência sexual é um crime praticado contra a liberdade sexual da mulher,
classificado por uma situação fisicamente forçada de relações sexuais ou da prática do ato
sexual humilhante ou degradante (OMS, s.d. cit. por Saraiva e Cerejeira, 2014). Pode
provocar traumas físicos e psíquicos, além de a expor a doenças sexualmente
transmissíveis e gravidez indesejada.
O episódio de violência, particularmente sexual, provoca na vítima o desencadeamento
de reações de stress e o despoletar de alterações psicofisiológicas, dando origem a sintomas
severos, persistentes e disruptivos, típicos de um Stress Pós-Traumático.
Segundo estudos efetuados, os homens estão mais expostos a eventos potencialmente
traumáticos, contudo as mulheres são as que mais desenvolvem Perturbação de Stress Pós-
Traumático (Saraiva e Cerejeira, 2014).
Albuquerque (2003, cit. por Saraiva e Cerejeira, 2014), elaborou um estudo, onde
contou com uma amostra de 2606 indivíduos da população geral em Portugal e verificou
que aquele que apresentava maior risco condicionado era o da violação sexual, com 23,1%,
muitas vezes associada a violência doméstica.
Apesar da sua invisibilidade num passado não muito longínquo, a violência contra as
mulheres é hoje objeto de políticas sociais e de visibilidade pública.
Na última década verificou-se um maior aprofundamento deste tema devido a alguns
crimes sexuais, noticiados por órgãos de comunicação social. Estes vão tendo um papel
importante na sua revelação, quando tratado de forma consciente e respeitada, não
colocando em risco o trabalho dos profissionais. Este tema tem proporcionado uma
crescente consciencialização da gravidade do problema, realçado por associações
conceituadas e que procuram dar resposta a quem as procura, como a Associação de Apoio
à Vítima (APAV)1
.
É importante realçar que apesar da presença quase quotidiana destes crimes, na
literatura ainda não são suficientemente abordados estudos práticos, nem investigações
empíricas de forma a aprofundar uma consciencialização crescente.
1
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de solidariedade social, que tem como
objetivo estatutário promover e contribuir para a informação, proteção e apoio aos cidadãos vítimas de infrações penais.
O seu apoio é prestado de forma individualizada, qualificada e humanizada a vítimas de crimes, através da prestação de
serviços gratuitos e confidenciais.
3
A Organização Mundial de Saúde (2016) alerta ainda para distintas formas de violência
sexual: casamento forçado; negação do direito de acesso à contraceção ou a outras medidas
de proteção contra as infeções sexualmente transmissíveis; esterilização forçada; aborto
forçado; gravidez forçada; mutilação genital feminina; testes de virgindade; prostituição
forçada; tráfico para fins de exploração sexual e escravatura sexual.
A literatura mostra que uma das queixas apontadas é o questionamento intrusivo de que
são alvo as mulheres, sentindo-se julgadas pelos seus atos (Tomlinson, 1999, cit. por
Martinho, 2011).
1. A VIOLÊNCIA SEXUAL E A SUA COMPLEXIDADE
Ao longo da história da Humanidade, diversos acontecimentos foram alterando o
entendimento da violência entre os seres vivos.
Em meados do século XX o sistema familiar, na generalidade dos países, apresentava
um modelo familiar centrado na “família conjugal”, onde todos os problemas eram
unicamente da responsabilidade da família (Carvalho & Pinto, 2010).
Atualmente, e do ponto de vista conceptual, prevalece a perspetiva referida no 1º Artigo
da Declaração Universal dos Direitos Humanos - “ Todos os seres humanos nascem livres
e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade” -, onde se exclui qualquer tipo de
violência.
O Homem adotou a violência como meio de sobrevivência, associada a um sentimento
de raiva, ódio e até desejo, consciente ou não, de destruição. Esta agressividade tem
sempre por base uma alteração emocional.
Hoje, o assunto tornou-se público embora continue a existir um “muro de silêncio” em
torno das vítimas, que por vezes surge do medo de represálias ou de serem vitimadas pelo
agressor.
Segundo a Unidade de Estatística da APAV (2012), recorreram aos serviços da
instituição 546 vítimas de violência e crimes sexuais, apresentando especificidades face à
vítima e ao agressor (tabela 1).
4
Tabela1- Especificidades Vítima VS Agressor- estatísticas de 2012. Obtido de
http://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_ViolenciaSexual_2012.pdf
VÍTIMA AUTOR DO CRIME
• 93% dos casos eram do sexo feminino
• Faixa etária entre os 35 e 40 anos
• Estado civil: 33,2% casada e 35,3% solteira
• Tipo de família: nuclear com filhos
• Ensino superior como formação
• 35,5% encontravam-se empregadas, com rendimento próprio
• Maior percentagem de vítimas nos distritos de Lisboa,
seguido de Porto, Setúbal e Região Autónoma do Açores
• Relação autor (a) do crime com a vítima: relações de
conjugalidade
 93% dos casos eram do sexo masculino
 Faixa etária entre 35 e 40 anos de idade
 Estado civil: 38,1% casado e 35,3% solteiro
 Grande dispersão relativa aos diferentes níveis de
formação
 44% encontravam-se empregados, com rendimento
próprio
 Não tinham qualquer condenação anterior (8,2%)
 Dependências: 17% álcool
Segundo os mesmos dados existe mais do que um agressor para a mesma vítima (548
para 546 vítimas), ocorrendo em grande parte na residência comum, onde as mesmas
referem a existência de menores a assistir (36,9%).
As denúncias embora escassas são geralmente apresentadas a autoridades competentes
(PSP ou GNR), onde dos dados mencionados anteriormente 44,2% o repercutiram.
Segundo Beleza (1996, cit. por Martinho, 2011), a revisão de 1995 do Código Penal
Português, evidencia-se como um marco importante na definição dos crimes sexuais, pois
desapareceu a provocação da vítima como atenuante deste crime; estendeu-se a sua pena
de prisão e diferenciou-se cópula, coito anal e oral, não restringindo assim o crime de
violação apenas à mulher como vítima e ao homem como agressor. Esta diferenciação de
papéis na lei reforçava a ideia de subjugação da mulher. Na reforma de 2007 do Código
Penal, surge associado ao crime de violação a penalização de comportamentos sexuais com
recurso à penetração de objetos e partes do corpo, o que constitui mais um avanço
significativo neste domínio, uma vez que são contemplados pela lei uma multiplicidade de
atos abusivos, que podem igualmente tornar-se traumáticos para a vítima (Lopes, 2008, cit.
por Martinho, 2011).
No caso de existir violência sexual num casal, torna-se complicado para a vítima
comprovar o abuso a que foi sujeita, uma vez que existe intimidade entre um casal,
argumento que poderá ser utilizado a favor do agressor.
5
2. O IMPACTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA VÍTIMA
Existe uma grande dificuldade em definir “trauma”, uma vez que um evento
potencialmente traumático pode originar uma intensa sintomatologia em alguns indivíduos
(Friedman, 2007, cit. por Saraiva & Cerejeira, 2014).
A prevalência de Perturbação de Stress Pós-Traumático, em mulheres vítimas de
violência sexual, conta com uma percentagem de 50% (Creamer, et. al., cit. por Saraiva
& Cerejeira, 2014).
Depois de um ataque, as pessoas desenvolvem a Síndrome Traumática da Violação
que é caracterizada por três fases: Fase aguda, imediatamente após o ataque onde a
vítima manifesta um vasto leque de reações emocionais. Estas podem ser expressivas
(chorar e gritar) ou controladas (calmo e conformado). A segunda fase é o ajusto ao
exterior, onde a vítima se foca menos no ataque e começa a envolver-se nas atividades
do dia-a-dia. A fase final denomina-se de reorganização a longo prazo, onde a vítima
integra o ataque na sua visão e resolve os seus sentimentos em relação ao agressor
(Wilson & Kaitlin, 2006, cit. por Saraiva & Cerejeira, 2014).
Após uma situação de violação sexual, a vítima apresenta aspetos psicológicos
significativos, desenvolvendo sentimentos de vergonha, culpa, ansiedade e depressão.
De forma a transmitir uma melhor perceção do sentimento da vítima, procedi à recolha
do testemunho de uma jovem de 19 anos:
“Tínhamos ido para um miradouro isolado […]. Durante muito tempo,
culpabilizei-me […]Foi uma vertigem, disse-lhe que queria parar. Chamou-me de
tudo, disse que era o que queria, que estava a pedi-las desde o primeiro momento
em que eu olhara para ele na festa. Eu estava aterrada e hoje quero esquecer o que
se passou a seguir, mas não consigo. Depois de me ter usado como um objecto,
deitou-me para fora do carro. Andei a pé uns três ou quatro quilómetros, num
estado indescritível. Consegui bater à porta de uma colega […]. Fomos ao hospital
e tive a coragem de apresentar queixa [ …]. Fiz exames. Tinha medo de ter ficado
seropositiva, ou grávida”.
(S.N., s.d., cit. por APAV, 2016).
Esta constelação de sintomas, de desajustamento e de desorganização em resposta ao
stress causado pela experiência de violência sexual foi denominado de Síndrome do
Trauma de Violação. Esta síndrome, caracteriza-se por um padrão típico de reações da
vítima à experiência da violência vivida. Apesar das diferenças individuais que as variáveis
6
moderadoras podem explicar, esta síndrome é marcada pela manifestação de sintomas
físicos e somáticos2
, psicológicos e comportamentais.
O tipo de relação entre vítimas e agressor contribui para a procura ou não, de ajuda
junto de familiares, amigos, ou redes de suporte formal. Um exemplo disso são as vítimas
de violação marital que recorrem menos a ajuda por parte dos serviços médicos/
psicológicos do que as mulheres violadas por estranhos (Martins, Machado, & Neves,
2011, cit. por Martinho, 2011).
Outros motivos são apontados, como a dificuldade da vítima em reconhecer o que lhe
aconteceu como crime devido à confusão emocional sentida na altura, ou por sustentarem
crenças que a impedem de reconhecer o abuso (Rozee, & Koss, 2001, cit. por Marinho,
2011).
Em paralelo, aparece a vitimação secundária, uma vez que são muitas as vítimas que
encaram o sistema de justiça como inibidor da denúncia, pois antecipam, que a resposta
dada pelas forças de segurança pública não seja adequada às suas necessidades (Hatten,
2000, cit. por Marinho, 2011). As vítimas de violação sexual por um conhecido, tendem a
não olhar para o ato como abusivo, o que não significa que a experiência não tenha sido
prejudicial (Maria, 2004, cit. por Martinho, 2011). A dificuldade em identificar-se como
vítima pode ser explicada pelas crenças culturais relativas a esta temática. Russel (1990,
cit. por Martinho, 2011), mencionou que o motor para a violação marital está relacionado
com o mito de que a mulher é prioridade do marido e como tal, deve satisfazê-lo, ideia que
muitas vezes é aceite pela vítima.
3. TRAUMATIZAÇÃO FAMILIAR, VÍTIMA E AGRESSOR- SINTOMAS DE
DESAJUSTAMENTO
Sob o ponto de vista social, a impressão deixada por ocorrências traumáticas poderá
funcionar igualmente como obstáculo a um relacionamento interpessoal bem-sucedido.
Atualmente, em Portugal, continuam a existir dois tipos de redes de suporte: as redes
informais, nas quais se inclui a família, os vizinhos, ou amigos; e as redes formais de
proteção social onde se inserem todo o tipo de programas e medidas que asseguram a
concessão de prestações pecuniárias, como é o caso dos serviços disponibilizados através
da rede de serviços e equipamentos sociais (IDS, 2002).
2
Os sintomas somáticos referem-se a sintomas que não foram causados pela violência sexual, mas que por surgirem após
a experiência sexualmente traumática, lhe são associados ou atribuídos.
7
O fenómeno da violência tem ganho proporções alarmantes, onde as vítimas necessitam
de uma intervenção primária consistente nomeadamente a nível picológico e social.
A Organização Mundial de Saúde considera o abuso sexual como um dos maiores
problemas de saúde pública, o que constitui um enorme desafio para a sociedade e para os
profissionais que lidam com essa situação. É crucial a existência de um trabalho
multidisciplinar, onde é ponto central de intervenção o indivíduo e a sua rede social de
apoio (Matos, Pires, & Campos, 2009, cit. por Saraiva & Cerejeira 2014).
Através da revisão da literatura, confrontamo-nos com a ausência de um modelo
explicativo sobre a evidência do Stress Pós-Traumático nos familiares ou indivíduos
intímos de vítimas de trauma.
Hill (1949, cit. por Oliveira, 2008) foi o autor pioneiro a suguerir que a família é
fortemente afetada por acontecimentos críticos, onde se inicia o estudo sobre o stress
familiar. Relativamente a esta perceção existem três significados envolvidos:
significados situacionais (contruídos em torno do acontecimento stressante); identidade
familiar (como a família se vê e como vê as relações familiares) e o ponto de vista da
família sobre o mundo (como a família interpreta a realidade a partir da experiência
partilhada) (Relvas, 2005, cit. por Oliveira, 2008).
O modo como as familías percecionam, avaliam e gerem as situações de stress é
relevante para a vítima. Por um lado, o contacto intímo e profundo do apoio da família,
vai permitir à vítima ter um suporte mais cuidado. Por outro lado, se os recursos
familiares forem escassos e a família avaliar a situação como ameçadora, a vítima
poderá desenvolver outras patologias associadas ao trauma (reações a longo prazo):
perturbações de ansiedade, fobias, ansiedade social, dependência de substâncias,
sintomatologia depressiva, flashbacks3
.
O abuso não deve ser apagado, mas nomeado. O retorno das lembranças repelidas
vai ser feito progressivamente durante a psicoterapia. O inconsciente da pessoa colabora
ativamente por meio de sonhos, ou imagens, onde certos acontecimentos fazem também
reaparecer os traumas esquecidos, por exemplo: um encontro com o abusador, um outro
abuso, o facto de um filho ter presenciado a agressão, o facto de se reencontrar nos
lugares da agressão, ou o falecimento do culpado.
3
Os Flashbacks aparecem como memórias ou fragmentos de memórias de acontecimentos recentes ou passados. Eles
podem ser dolorosos e até perturbadores. Pode durar alguns breves segundos ou envolver uma extensa recuperação da
memória. Eles podem ocorrer de dia ou de noite, ser na primeira pessoa (onde a se sente como estivesse ali, vendo e
experimentando as coisas através dos seus olhos) ou na terceira pessoa (onde é a personagem central). Às vezes
flashbacks reproduzem eventos dos quais a pessoa já se tinha esquecido há muito tempo.
8
Focando o trabalho do profissional da área social - Educador Social mais
propriamente - deve ser efetuado o acompanhamento das vítimas. Cabe ao mesmo
discutir estratégias de coping4
com as mesmas e acompanhar as famílias no processo de
adaptação e apoio.
Também com o autor do crime pode ser realizado um trabalho a longo prazo. Se o
agressor for reconhecido pela vítima (cônjugue, familiar, amigo…), deverá ser efetuado
um trabalho preventivo, sensibilizando para o acompanhamento/tratamento.
De acordo com um estudo produzido recentemente por uma equipa coordenada pelo
psiquiatra Alexandre Martins, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os
agressores, em grande parte das vezes, não são tão deslocados socialmente quanto se
imagina (Oliveira, 2015).
O estudo literário procurou conhecer a personalidade do autor do crime. Foram
analisados 44 documentos, 13 diziam respeito a crimes contra uma integrante da família
do agressor e 12 contra pessoas próximas: 43,2% dos agressores que foram avaliados,
não receberam diagnóstico de qualquer transtorno psiquiátrico, mas nove infratores
foram diagnosticados com um retrocesso mental. Uma grande percentagem dos
indivíduos (70,4%) foram considerados completamente responsáveis pelos seus crimes;
18,2%, parcialmente responsáveis e 11,4%, não responsáveis, por motivo de insanidade
(Oliveira, 2015). Em 10 casos (22,7%), o agressor estava sob a influência de álcool.
O levantamento efetuado mostrou ainda que os sujeitos com distúrbios mentais ou
neurológicos, estavam mais propensos a estarem alcoolizados no momento do crime:
“Em alguns casos, há doentes mentais, psicopatas, mas nem sempre. Um traço
que aproxima os agressores é o fato de terem sido vítimas de violência sexual ou
doméstica na infância. Isso é um fator que, de certa forma, predispõe o indivíduo
a ter um comportamento violento no futuro […]. Conhecem as vítimas e não têm
diagnóstico de doença mental, sendo capazes de entender a gravidade de seus
crimes […]. Na maioria das vezes, não há arrependimento.”
(Hugo de Castro, médico-legista e chefe da Sessão de Sexologia Forense da Polícia Civil
do Distrito Federal, 2015).
Aliado a esta temática, aparece o conceito de Stalking5
, que ainda se constata, embora
negligenciado em contextos sociais e políticos em Portugal. No ano de 2010, segundo o
Inventário de Vitimização por Stalking, verificou-se que 19,5% dos inquiridos referiu ter
4
Conjunto de estratégias utilizadas pela pessoa, com o intuito de se adaptar a circunstâncias adversas ou stressantes.
5
O Stalking é um misto de retaliação com ameaça, de perseguição e assédio, que persistentemente vai ocupando a
consciência do indivíduo, ganhando por vezes uma dimensão obsessiva. O impacto na vítima é devastador, chegando a
privar-se da sua liberdade.
9
sido vítima de stalking. No total dos casos, 68% eram do sexo masculino, 40,2%
afirmou que o stalker era conhecido (amigo, familiar ou colega) (Matos, Grangeia,
Ferreira, & Azevedo, 2011).
Nem todos os stalkers se tornam violentos, contudo outros chegam a desenvolver
uma violência extrema, chegando mesmo ao homicídio (Matos, et. al., 2011).
CONCLUSÃO
Ao longo deste artigo foi possível perceber que a violência sexual resultará sempre do
desrespeito pelo outro (criança, homem ou mulher).
Constituído como um problema a nível mundial e não sendo um fenómeno recente, nos
últimos anos houve um crescimento vertiginoso destes casos, o que tem levado
preocupação a inúmeros governos e instituições e, claro, às próprias famílias envolvidas
nesse ato de violência. Tal situação tem exigido uma resposta firme e decidida.
É de realçar que cada vez mais somos” testemunhas” de atos violentos, ou somos nós
próprios responsáveis por ações que deixam sequelas físicas e psicológicas, quando não
denunciamos este crime público.
Por essa razão, tratar do tema violência envolve sempre o risco da sua banalização e
do uso do senso comum. Pensar o problema de maneira sociológica requer, antes de
tudo, adotar um distanciamento apropriado, procurando analisá-lo sob um enfoque
objetivo.
Após a análise bibliográfica necessária para a elaboração do presente artigo, verifico
que a vítima pode desenvolver uma patologia grave ou não, é algo cíclico que deve ser
acompanhado por familiares e profissionais de várias áreas.
Com base nas teorias analisadas pode-se dizer que para a vítima o desenvolvimento
de um stress pós-traumático estará sempre presente, e cabe a uma equipa
multidisciplinar restituir-lhes a sensação de controlo que se afigura como crucial para o
sucesso terapêutico.
De tudo o exposto, depreende-se a pertinência do tema e da necessidade de novos
estudos e reflexões. Neste ato violento, existe sobretudo uma desproporção de forças
entre os sujeitos envolvidos. Para as vítimas, são pequenos fragmentos de um amor
menor.
10
BILBIOGRAFIA
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teórica [versão eletrónica]. Estudos de Psicologia, 3 (2), 273-294 . Obtido de
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http://www.igualdade.gov.pt/IMAGES/STORIES/DOCUMENTOS/DOCUMENTACA
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ex-combatentes da Guerra Colonial com PTSD (Dissertação de mestrado). Obtido de
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/803/1/16853_Tese_-_Susana_M_Oliveira.pdf
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estudo. Página consultada a 24.02.2016, em
12
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saude/2015/03/31/interna_ciencia_saude,477660/abuso-sexual-maior-parte-dos-
agressores-conhece-vitima-diz-estudo.shtml
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S. A. (2015). Lidar com flashbacks. Obtido de https://www.livingwell.org.au/managing-
difficulties/dealing-with-flashbacks/?lang=pt
Tavares, O. (2012). Violência Conjugal- Dados sócio- demográficos, comportamentos e
crenças associados “Fragmentos de um Amor menor”- Artigo científico [versão
eletrónica]. Obtido de
http://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/4075/1/Oct%C3%A1vio%20Tavares.pdf

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Violência sexual e apoios sociais

  • 1. 1 O GRITO DO DESESPERO: abordagem ecossistémica da violência sexual em vítimas do sexo feminino maiores de idade The cry of despair: ecosystem approach to sexual violence on female victims of legal age Ana Cláudia da Costa Paiva Mestranda em Psiquiatria Social e Cultural Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra claudiapaiva.94@gmail.com Coimbra, 2016 Resumo O escrutínio social e cultural de qual a mulher é alvo, torna-a mais vulnerável à vitimação sexual. Assim sendo, o presente artigo debruça-se sobre a incidência da violência sexual com repercussões para a vítima, no seu desenvolvimento pessoal e social. Cingi-me inicialmente à explicação do conceito de violência em acordo com distintas perspetivas. Num segundo ponto, surgirá uma breve nota introdutória sobre a Legislação em foco na temática abordada, bem como uma distinção entre a vítima e agressor. De seguida, está patente um tópico relacionado com os apoios sociais existentes- rede formal- dando relevância à atuação do profissional da área social, destacando ainda a rede informal e o acompanhamento dos profissionais junto do agressor. Por fim, será apresentada uma breve conclusão sobre o tema exposto. O presente artigo assenta assim numa revisão da literatura, sobre o tema em análise o qual procura incidir sobre o impacto de acontecimentos traumáticos, especificamente em experiências de violência sexual nas mulheres. Palavras-chave: mulher, stress pós-traumático, violência sexual, apoios sociais. Abstract Social and cultural scrutiny of what the woman is targeted, makes it more vulnerable to sexual victimization. Therefore, this article focuses on the incidence of sexual violence with repercussions for the victim, in his personal and social development. Gird me initially to the explanation of the concept of violence in accordance with different perspectives. A second point, a brief introductory note on the thematic focus legislation addressed, as well as a distinction between the victim and offender. Then is a patent related topic with the existing social support-formal network-giving importance to the role of the professional social area, highlighting also the informal network and monitoring of the professionals with the aggressor. Finally, you will be presented with a brief conclusion about the theme exposed. This article is based on a review of the literature on the theme under review which seeks to focus on the impact of traumatic events, specifically in experiences of sexual violence on women. Keywords : woman, post-traumatic stress disorder, sexual violence, social support.
  • 2. 2 INTRODUÇÃO A violência sexual é um crime praticado contra a liberdade sexual da mulher, classificado por uma situação fisicamente forçada de relações sexuais ou da prática do ato sexual humilhante ou degradante (OMS, s.d. cit. por Saraiva e Cerejeira, 2014). Pode provocar traumas físicos e psíquicos, além de a expor a doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. O episódio de violência, particularmente sexual, provoca na vítima o desencadeamento de reações de stress e o despoletar de alterações psicofisiológicas, dando origem a sintomas severos, persistentes e disruptivos, típicos de um Stress Pós-Traumático. Segundo estudos efetuados, os homens estão mais expostos a eventos potencialmente traumáticos, contudo as mulheres são as que mais desenvolvem Perturbação de Stress Pós- Traumático (Saraiva e Cerejeira, 2014). Albuquerque (2003, cit. por Saraiva e Cerejeira, 2014), elaborou um estudo, onde contou com uma amostra de 2606 indivíduos da população geral em Portugal e verificou que aquele que apresentava maior risco condicionado era o da violação sexual, com 23,1%, muitas vezes associada a violência doméstica. Apesar da sua invisibilidade num passado não muito longínquo, a violência contra as mulheres é hoje objeto de políticas sociais e de visibilidade pública. Na última década verificou-se um maior aprofundamento deste tema devido a alguns crimes sexuais, noticiados por órgãos de comunicação social. Estes vão tendo um papel importante na sua revelação, quando tratado de forma consciente e respeitada, não colocando em risco o trabalho dos profissionais. Este tema tem proporcionado uma crescente consciencialização da gravidade do problema, realçado por associações conceituadas e que procuram dar resposta a quem as procura, como a Associação de Apoio à Vítima (APAV)1 . É importante realçar que apesar da presença quase quotidiana destes crimes, na literatura ainda não são suficientemente abordados estudos práticos, nem investigações empíricas de forma a aprofundar uma consciencialização crescente. 1 A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de solidariedade social, que tem como objetivo estatutário promover e contribuir para a informação, proteção e apoio aos cidadãos vítimas de infrações penais. O seu apoio é prestado de forma individualizada, qualificada e humanizada a vítimas de crimes, através da prestação de serviços gratuitos e confidenciais.
  • 3. 3 A Organização Mundial de Saúde (2016) alerta ainda para distintas formas de violência sexual: casamento forçado; negação do direito de acesso à contraceção ou a outras medidas de proteção contra as infeções sexualmente transmissíveis; esterilização forçada; aborto forçado; gravidez forçada; mutilação genital feminina; testes de virgindade; prostituição forçada; tráfico para fins de exploração sexual e escravatura sexual. A literatura mostra que uma das queixas apontadas é o questionamento intrusivo de que são alvo as mulheres, sentindo-se julgadas pelos seus atos (Tomlinson, 1999, cit. por Martinho, 2011). 1. A VIOLÊNCIA SEXUAL E A SUA COMPLEXIDADE Ao longo da história da Humanidade, diversos acontecimentos foram alterando o entendimento da violência entre os seres vivos. Em meados do século XX o sistema familiar, na generalidade dos países, apresentava um modelo familiar centrado na “família conjugal”, onde todos os problemas eram unicamente da responsabilidade da família (Carvalho & Pinto, 2010). Atualmente, e do ponto de vista conceptual, prevalece a perspetiva referida no 1º Artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos - “ Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” -, onde se exclui qualquer tipo de violência. O Homem adotou a violência como meio de sobrevivência, associada a um sentimento de raiva, ódio e até desejo, consciente ou não, de destruição. Esta agressividade tem sempre por base uma alteração emocional. Hoje, o assunto tornou-se público embora continue a existir um “muro de silêncio” em torno das vítimas, que por vezes surge do medo de represálias ou de serem vitimadas pelo agressor. Segundo a Unidade de Estatística da APAV (2012), recorreram aos serviços da instituição 546 vítimas de violência e crimes sexuais, apresentando especificidades face à vítima e ao agressor (tabela 1).
  • 4. 4 Tabela1- Especificidades Vítima VS Agressor- estatísticas de 2012. Obtido de http://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_ViolenciaSexual_2012.pdf VÍTIMA AUTOR DO CRIME • 93% dos casos eram do sexo feminino • Faixa etária entre os 35 e 40 anos • Estado civil: 33,2% casada e 35,3% solteira • Tipo de família: nuclear com filhos • Ensino superior como formação • 35,5% encontravam-se empregadas, com rendimento próprio • Maior percentagem de vítimas nos distritos de Lisboa, seguido de Porto, Setúbal e Região Autónoma do Açores • Relação autor (a) do crime com a vítima: relações de conjugalidade  93% dos casos eram do sexo masculino  Faixa etária entre 35 e 40 anos de idade  Estado civil: 38,1% casado e 35,3% solteiro  Grande dispersão relativa aos diferentes níveis de formação  44% encontravam-se empregados, com rendimento próprio  Não tinham qualquer condenação anterior (8,2%)  Dependências: 17% álcool Segundo os mesmos dados existe mais do que um agressor para a mesma vítima (548 para 546 vítimas), ocorrendo em grande parte na residência comum, onde as mesmas referem a existência de menores a assistir (36,9%). As denúncias embora escassas são geralmente apresentadas a autoridades competentes (PSP ou GNR), onde dos dados mencionados anteriormente 44,2% o repercutiram. Segundo Beleza (1996, cit. por Martinho, 2011), a revisão de 1995 do Código Penal Português, evidencia-se como um marco importante na definição dos crimes sexuais, pois desapareceu a provocação da vítima como atenuante deste crime; estendeu-se a sua pena de prisão e diferenciou-se cópula, coito anal e oral, não restringindo assim o crime de violação apenas à mulher como vítima e ao homem como agressor. Esta diferenciação de papéis na lei reforçava a ideia de subjugação da mulher. Na reforma de 2007 do Código Penal, surge associado ao crime de violação a penalização de comportamentos sexuais com recurso à penetração de objetos e partes do corpo, o que constitui mais um avanço significativo neste domínio, uma vez que são contemplados pela lei uma multiplicidade de atos abusivos, que podem igualmente tornar-se traumáticos para a vítima (Lopes, 2008, cit. por Martinho, 2011). No caso de existir violência sexual num casal, torna-se complicado para a vítima comprovar o abuso a que foi sujeita, uma vez que existe intimidade entre um casal, argumento que poderá ser utilizado a favor do agressor.
  • 5. 5 2. O IMPACTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA VÍTIMA Existe uma grande dificuldade em definir “trauma”, uma vez que um evento potencialmente traumático pode originar uma intensa sintomatologia em alguns indivíduos (Friedman, 2007, cit. por Saraiva & Cerejeira, 2014). A prevalência de Perturbação de Stress Pós-Traumático, em mulheres vítimas de violência sexual, conta com uma percentagem de 50% (Creamer, et. al., cit. por Saraiva & Cerejeira, 2014). Depois de um ataque, as pessoas desenvolvem a Síndrome Traumática da Violação que é caracterizada por três fases: Fase aguda, imediatamente após o ataque onde a vítima manifesta um vasto leque de reações emocionais. Estas podem ser expressivas (chorar e gritar) ou controladas (calmo e conformado). A segunda fase é o ajusto ao exterior, onde a vítima se foca menos no ataque e começa a envolver-se nas atividades do dia-a-dia. A fase final denomina-se de reorganização a longo prazo, onde a vítima integra o ataque na sua visão e resolve os seus sentimentos em relação ao agressor (Wilson & Kaitlin, 2006, cit. por Saraiva & Cerejeira, 2014). Após uma situação de violação sexual, a vítima apresenta aspetos psicológicos significativos, desenvolvendo sentimentos de vergonha, culpa, ansiedade e depressão. De forma a transmitir uma melhor perceção do sentimento da vítima, procedi à recolha do testemunho de uma jovem de 19 anos: “Tínhamos ido para um miradouro isolado […]. Durante muito tempo, culpabilizei-me […]Foi uma vertigem, disse-lhe que queria parar. Chamou-me de tudo, disse que era o que queria, que estava a pedi-las desde o primeiro momento em que eu olhara para ele na festa. Eu estava aterrada e hoje quero esquecer o que se passou a seguir, mas não consigo. Depois de me ter usado como um objecto, deitou-me para fora do carro. Andei a pé uns três ou quatro quilómetros, num estado indescritível. Consegui bater à porta de uma colega […]. Fomos ao hospital e tive a coragem de apresentar queixa [ …]. Fiz exames. Tinha medo de ter ficado seropositiva, ou grávida”. (S.N., s.d., cit. por APAV, 2016). Esta constelação de sintomas, de desajustamento e de desorganização em resposta ao stress causado pela experiência de violência sexual foi denominado de Síndrome do Trauma de Violação. Esta síndrome, caracteriza-se por um padrão típico de reações da vítima à experiência da violência vivida. Apesar das diferenças individuais que as variáveis
  • 6. 6 moderadoras podem explicar, esta síndrome é marcada pela manifestação de sintomas físicos e somáticos2 , psicológicos e comportamentais. O tipo de relação entre vítimas e agressor contribui para a procura ou não, de ajuda junto de familiares, amigos, ou redes de suporte formal. Um exemplo disso são as vítimas de violação marital que recorrem menos a ajuda por parte dos serviços médicos/ psicológicos do que as mulheres violadas por estranhos (Martins, Machado, & Neves, 2011, cit. por Martinho, 2011). Outros motivos são apontados, como a dificuldade da vítima em reconhecer o que lhe aconteceu como crime devido à confusão emocional sentida na altura, ou por sustentarem crenças que a impedem de reconhecer o abuso (Rozee, & Koss, 2001, cit. por Marinho, 2011). Em paralelo, aparece a vitimação secundária, uma vez que são muitas as vítimas que encaram o sistema de justiça como inibidor da denúncia, pois antecipam, que a resposta dada pelas forças de segurança pública não seja adequada às suas necessidades (Hatten, 2000, cit. por Marinho, 2011). As vítimas de violação sexual por um conhecido, tendem a não olhar para o ato como abusivo, o que não significa que a experiência não tenha sido prejudicial (Maria, 2004, cit. por Martinho, 2011). A dificuldade em identificar-se como vítima pode ser explicada pelas crenças culturais relativas a esta temática. Russel (1990, cit. por Martinho, 2011), mencionou que o motor para a violação marital está relacionado com o mito de que a mulher é prioridade do marido e como tal, deve satisfazê-lo, ideia que muitas vezes é aceite pela vítima. 3. TRAUMATIZAÇÃO FAMILIAR, VÍTIMA E AGRESSOR- SINTOMAS DE DESAJUSTAMENTO Sob o ponto de vista social, a impressão deixada por ocorrências traumáticas poderá funcionar igualmente como obstáculo a um relacionamento interpessoal bem-sucedido. Atualmente, em Portugal, continuam a existir dois tipos de redes de suporte: as redes informais, nas quais se inclui a família, os vizinhos, ou amigos; e as redes formais de proteção social onde se inserem todo o tipo de programas e medidas que asseguram a concessão de prestações pecuniárias, como é o caso dos serviços disponibilizados através da rede de serviços e equipamentos sociais (IDS, 2002). 2 Os sintomas somáticos referem-se a sintomas que não foram causados pela violência sexual, mas que por surgirem após a experiência sexualmente traumática, lhe são associados ou atribuídos.
  • 7. 7 O fenómeno da violência tem ganho proporções alarmantes, onde as vítimas necessitam de uma intervenção primária consistente nomeadamente a nível picológico e social. A Organização Mundial de Saúde considera o abuso sexual como um dos maiores problemas de saúde pública, o que constitui um enorme desafio para a sociedade e para os profissionais que lidam com essa situação. É crucial a existência de um trabalho multidisciplinar, onde é ponto central de intervenção o indivíduo e a sua rede social de apoio (Matos, Pires, & Campos, 2009, cit. por Saraiva & Cerejeira 2014). Através da revisão da literatura, confrontamo-nos com a ausência de um modelo explicativo sobre a evidência do Stress Pós-Traumático nos familiares ou indivíduos intímos de vítimas de trauma. Hill (1949, cit. por Oliveira, 2008) foi o autor pioneiro a suguerir que a família é fortemente afetada por acontecimentos críticos, onde se inicia o estudo sobre o stress familiar. Relativamente a esta perceção existem três significados envolvidos: significados situacionais (contruídos em torno do acontecimento stressante); identidade familiar (como a família se vê e como vê as relações familiares) e o ponto de vista da família sobre o mundo (como a família interpreta a realidade a partir da experiência partilhada) (Relvas, 2005, cit. por Oliveira, 2008). O modo como as familías percecionam, avaliam e gerem as situações de stress é relevante para a vítima. Por um lado, o contacto intímo e profundo do apoio da família, vai permitir à vítima ter um suporte mais cuidado. Por outro lado, se os recursos familiares forem escassos e a família avaliar a situação como ameçadora, a vítima poderá desenvolver outras patologias associadas ao trauma (reações a longo prazo): perturbações de ansiedade, fobias, ansiedade social, dependência de substâncias, sintomatologia depressiva, flashbacks3 . O abuso não deve ser apagado, mas nomeado. O retorno das lembranças repelidas vai ser feito progressivamente durante a psicoterapia. O inconsciente da pessoa colabora ativamente por meio de sonhos, ou imagens, onde certos acontecimentos fazem também reaparecer os traumas esquecidos, por exemplo: um encontro com o abusador, um outro abuso, o facto de um filho ter presenciado a agressão, o facto de se reencontrar nos lugares da agressão, ou o falecimento do culpado. 3 Os Flashbacks aparecem como memórias ou fragmentos de memórias de acontecimentos recentes ou passados. Eles podem ser dolorosos e até perturbadores. Pode durar alguns breves segundos ou envolver uma extensa recuperação da memória. Eles podem ocorrer de dia ou de noite, ser na primeira pessoa (onde a se sente como estivesse ali, vendo e experimentando as coisas através dos seus olhos) ou na terceira pessoa (onde é a personagem central). Às vezes flashbacks reproduzem eventos dos quais a pessoa já se tinha esquecido há muito tempo.
  • 8. 8 Focando o trabalho do profissional da área social - Educador Social mais propriamente - deve ser efetuado o acompanhamento das vítimas. Cabe ao mesmo discutir estratégias de coping4 com as mesmas e acompanhar as famílias no processo de adaptação e apoio. Também com o autor do crime pode ser realizado um trabalho a longo prazo. Se o agressor for reconhecido pela vítima (cônjugue, familiar, amigo…), deverá ser efetuado um trabalho preventivo, sensibilizando para o acompanhamento/tratamento. De acordo com um estudo produzido recentemente por uma equipa coordenada pelo psiquiatra Alexandre Martins, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os agressores, em grande parte das vezes, não são tão deslocados socialmente quanto se imagina (Oliveira, 2015). O estudo literário procurou conhecer a personalidade do autor do crime. Foram analisados 44 documentos, 13 diziam respeito a crimes contra uma integrante da família do agressor e 12 contra pessoas próximas: 43,2% dos agressores que foram avaliados, não receberam diagnóstico de qualquer transtorno psiquiátrico, mas nove infratores foram diagnosticados com um retrocesso mental. Uma grande percentagem dos indivíduos (70,4%) foram considerados completamente responsáveis pelos seus crimes; 18,2%, parcialmente responsáveis e 11,4%, não responsáveis, por motivo de insanidade (Oliveira, 2015). Em 10 casos (22,7%), o agressor estava sob a influência de álcool. O levantamento efetuado mostrou ainda que os sujeitos com distúrbios mentais ou neurológicos, estavam mais propensos a estarem alcoolizados no momento do crime: “Em alguns casos, há doentes mentais, psicopatas, mas nem sempre. Um traço que aproxima os agressores é o fato de terem sido vítimas de violência sexual ou doméstica na infância. Isso é um fator que, de certa forma, predispõe o indivíduo a ter um comportamento violento no futuro […]. Conhecem as vítimas e não têm diagnóstico de doença mental, sendo capazes de entender a gravidade de seus crimes […]. Na maioria das vezes, não há arrependimento.” (Hugo de Castro, médico-legista e chefe da Sessão de Sexologia Forense da Polícia Civil do Distrito Federal, 2015). Aliado a esta temática, aparece o conceito de Stalking5 , que ainda se constata, embora negligenciado em contextos sociais e políticos em Portugal. No ano de 2010, segundo o Inventário de Vitimização por Stalking, verificou-se que 19,5% dos inquiridos referiu ter 4 Conjunto de estratégias utilizadas pela pessoa, com o intuito de se adaptar a circunstâncias adversas ou stressantes. 5 O Stalking é um misto de retaliação com ameaça, de perseguição e assédio, que persistentemente vai ocupando a consciência do indivíduo, ganhando por vezes uma dimensão obsessiva. O impacto na vítima é devastador, chegando a privar-se da sua liberdade.
  • 9. 9 sido vítima de stalking. No total dos casos, 68% eram do sexo masculino, 40,2% afirmou que o stalker era conhecido (amigo, familiar ou colega) (Matos, Grangeia, Ferreira, & Azevedo, 2011). Nem todos os stalkers se tornam violentos, contudo outros chegam a desenvolver uma violência extrema, chegando mesmo ao homicídio (Matos, et. al., 2011). CONCLUSÃO Ao longo deste artigo foi possível perceber que a violência sexual resultará sempre do desrespeito pelo outro (criança, homem ou mulher). Constituído como um problema a nível mundial e não sendo um fenómeno recente, nos últimos anos houve um crescimento vertiginoso destes casos, o que tem levado preocupação a inúmeros governos e instituições e, claro, às próprias famílias envolvidas nesse ato de violência. Tal situação tem exigido uma resposta firme e decidida. É de realçar que cada vez mais somos” testemunhas” de atos violentos, ou somos nós próprios responsáveis por ações que deixam sequelas físicas e psicológicas, quando não denunciamos este crime público. Por essa razão, tratar do tema violência envolve sempre o risco da sua banalização e do uso do senso comum. Pensar o problema de maneira sociológica requer, antes de tudo, adotar um distanciamento apropriado, procurando analisá-lo sob um enfoque objetivo. Após a análise bibliográfica necessária para a elaboração do presente artigo, verifico que a vítima pode desenvolver uma patologia grave ou não, é algo cíclico que deve ser acompanhado por familiares e profissionais de várias áreas. Com base nas teorias analisadas pode-se dizer que para a vítima o desenvolvimento de um stress pós-traumático estará sempre presente, e cabe a uma equipa multidisciplinar restituir-lhes a sensação de controlo que se afigura como crucial para o sucesso terapêutico. De tudo o exposto, depreende-se a pertinência do tema e da necessidade de novos estudos e reflexões. Neste ato violento, existe sobretudo uma desproporção de forças entre os sujeitos envolvidos. Para as vítimas, são pequenos fragmentos de um amor menor.
  • 10. 10 BILBIOGRAFIA Antoniazzi, A., Aglio, D., & Bandeira, D. (1998). O conceito de coping: uma revisão teórica [versão eletrónica]. Estudos de Psicologia, 3 (2), 273-294 . Obtido de http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a06v03n2 Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2012). Estatísticas APAV- Violência Sexual. Página consultada a 24.02.2016. Obtido de http://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_ViolenciaSexual_2012.pdf Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2013). Manual UNIsexo: para o atendimento a vítimas de violência sexual. Página consultada a 24.02.2016. Obtido de http://apav.pt/publiproj/images/yootheme/PDF/Manual_UNISEXO.pdf Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2015). Testemunhos de Vítimas. Página consultada a 24.02.2016. Obtido de http://www.apav.pt/apav_v3/index.php/pt/12- vitima/68-testemunhos-de-vitimas Carvalho, M. & Pinto, A. (2010). Cadernos de História A8- Tempos, Espaços e Protagonistas 2ª Parte. Localização: Porto Editora. Diário da República Eletrónico (1997-2016). Obtido de: https://dre.pt/web/guest/home/- /dre/list/normal?p_auth=fAVsbhA3&_diarioDoDia_WAR_drefrontofficeportlet_serie=I Facuri, C., Fernandes, A., Oliveira, K., Andrade, T., & Azevedo, R. (2013). Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil [versão eletrónica]. Cad. Saúde Pública, 29 (5), 889-898. Obtido de http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/6-Abuso_sexual_cronico.pdf IDS (2002). Guia para a Intervenção com Maiores em Situação de Incapacidade. Obtido de http://www.udipss- aveiro.com/Noticias/AttachedFiles/1291648452Guia_Para_Interveno_Com_Pessoas_E m_Situao_de_Incapacidade.pdf
  • 11. 11 Lugão, K., Gonçalves, G., Gomes, I., Silva, V., Jacobson, L., & Cardoso, C. (2012). Abuso Sexual Crônico: Estudo de uma Série de Casos Ocorridos na Infância e na Adolescência [versão eletrónica]. DST- J bras Doenças Sex Transm, 24 (3), 179-182. Obtido de http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/6-Abuso_sexual_cronico.pdf Marques, A. (2009). A Violência Doméstica: A intervenção dos técnicos de acompanhamento na construção de projetos de vida alternativos- Um estudo de caso (Dissertação de mestrado). Obtido de http://repositorio.uportu.pt/jspui/bitstream/11328/111/2/TMES%207.pdf Martinho, G. (2011). Crimes sexuais contra mulheres adultas: Da avaliação forense à decisão judicial (Dissertação de mestrado). Obtido de https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/18642/1/Gabriela%20Maria%20Figue ira%20Martinho.pdf Martins, M. (2011). Crime Sexual Contra Mulheres: Psicopatia e Responsabilidade nas Relações Sociais; Contributo da Psicologia Forense (Dissertação de mestrado). Obtido de https://repositorio- aberto.up.pt/bitstream/10216/57192/2/Tese%20de%20Mestrado%20%20Mrcia%20Martin s.pdf Matos, M., Grangeia, H., Ferreira, C., & Azevedo, V. (2011). STALKING Boas práticas no apoio à vítima- manual para profissionais. Obtido de http://www.igualdade.gov.pt/IMAGES/STORIES/DOCUMENTOS/DOCUMENTACA O/PUBLICACOES/STALKING.PDF Oliveira, S. (2008). Traumas na Guerra: Traumatização Secundária das Famílias dos ex-combatentes da Guerra Colonial com PTSD (Dissertação de mestrado). Obtido de http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/803/1/16853_Tese_-_Susana_M_Oliveira.pdf Oliveira, I. (2015). Abuso Sexual: Maior parte dos agressores conhece a vítima, diz estudo. Página consultada a 24.02.2016, em
  • 12. 12 http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e- saude/2015/03/31/interna_ciencia_saude,477660/abuso-sexual-maior-parte-dos- agressores-conhece-vitima-diz-estudo.shtml Organização Mundial de Saúde (2016). Publicações da OMS. Obtido de http://www.who.int/eportuguese/publications/pt/ Saraiva, C., & Cerejeira, J. (2014). Psiquiatria fundamental. Lisboa: LIDEL S. A. (2015). Lidar com flashbacks. Obtido de https://www.livingwell.org.au/managing- difficulties/dealing-with-flashbacks/?lang=pt Tavares, O. (2012). Violência Conjugal- Dados sócio- demográficos, comportamentos e crenças associados “Fragmentos de um Amor menor”- Artigo científico [versão eletrónica]. Obtido de http://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/4075/1/Oct%C3%A1vio%20Tavares.pdf