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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FABIANA SOUZA DA SILVA
REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
BRASILEIRO
BOA VISTA – RORAIMA
2014
FABIANA SOUZA DA SILVA
REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Instituto de
Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), como pré-
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Ilaine Aparecida
Pagliarini
BOA VISTA – RORAIMA
2014
FABIANA SOUZA DA SILVA
REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Instituto de
Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), como pré-
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito. Defendida em ____
de novembro de 2014 e avaliada pela
seguinte banca examinadora:
________________________________________________________________
Prof. Ilaine Aparecida Pagliarini
Orientadora/ Instituto de Direito – Universidade Federal de Roraima
________________________________________________________________
Prof. 2
Curso
________________________________________________________________
Prof. 3
Curso
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, aos meus pais, que desde o início se comprometeram com a
minha educação, forma mais pura de elevação do ser humano. Ao meu irmão, por
ser um espelho a qual procuro me refletir e a todos os amigos e familiares que
contribuíram na minha jornada como acadêmica.
À Universidade Federal de Roraima e aos professores do curso de
Bacharelado em Direito, por terem sido uma porta de entrada ao conhecimento do
mundo jurídico.
À professora Ilaine, que aceitou me orientar e contribuiu imensamente para a
realização deste trabalho.
“Um público comprometido com a leitura é
crítico, rebelde, inquieto, pouco
manipulável e não crê em lemas que
alguns fazem passar por ideias”.
(Mario Vargas Llosa)
RESUMO
O presente trabalho pretende a suscitar os principais pontos relativos ao
instituto da remição e a possibilidade de remir a pena por meio do estudo e da
leitura. A pesquisa fornece um panorama geral sobre o sistema carcerário brasileiro,
assim como as teorias essenciais acerca da pena, seu fundamento e finalidade.
Entretanto o enfoque principal do estudo é a remição pelo estudo por meio da leitura
como instrumento nobre e apto a promover a reintegração do apenado à sociedade,
ainda dentro dos estabelecimentos penais. A remição da pena por estudo por meio
da leitura constitui-se na disseminação da leitura nos espaços prisionais podendo
proporcionar o resgate da autoestima, trocando momentos ociosos por atividades
enriquecedoras, que contribuem para a ressocialização do preso. Por meio do
projeto, pretende-se ampliar a capacidade leitora, oportunizando ao que lê a
mudança de opinião, construção de pensamentos críticos que vislumbrem melhor
convivência na sociedade, bem como formar leitores melhor preparados para
concluir a escolarização básica, e ingressar no ensino superior e posterior inserção
no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Sistema Carcerário. Remição da Pena. Leitura. Ressocialização.
ABSTRACT
This paper aims to raise the main points relating to the institution of redemption and
the possibility of redeeming the punishment by studying and reading. The research
provides an overview of the Brazilian prison system, as well as the essential theories
of punishment, its foundation and purpose. However the main focus of the study is
redemption through the study via reading as a noble instrument and able to promote
the reintegration of the convict into the society, still within the prisons. The
redemption of the penalty by study through reading constitutes in the dissemination
of reading in prisons, providing the rescue of the self-esteem, exchanging idle
moments for enriching activities that contribute to the rehabilitation of the prisoners.
The project intends to expand reader capacity providing opportunities to the reader
change his mind, build critical thinking, that envisage better coexistence in society as
well as to form better readers prepared to complete basic schooling, and enter higher
education and subsequent the insertion into the labor market.
Key-words: Prison System. Redemption of the penalty. Reading. Resocialization.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
CP – Código Penal
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
DMF – Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário
InfoPen – Sistema Nacional de Informação Penitenciária
LEP – Lei de Execuções Penais
ONU – Organizações das Nações Unidas
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
1. ESCOLAS PENAIS E TEORIAS SOBRE A FUNÇÃO DA PENA................ ERRO!
INDICADOR NÃO DEFINIDO.
1.1. O CONTROLE DO IUS PUNIENDI PELO ESTADO........................................................
ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
1.2. A JUSTIFICAÇÃO DO CONTROLE DO DIREITO DE PUNIR PELO ESTADO ERRO! INDICADOR
NÃO DEFINIDO.
2. DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS......................................................................17
2.1. ESCOLA CLÁSSICA ...............................................................................................17
2.2. ESCOLA POSITIVISTA ............................................................................................18
2.3. ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA .................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
2.4. ESCOLA CORRECIONALISTA.....................................................................................
2.5. DEFESA SOCIAL......................................................................................................
3. AS FUNÇÕES DA PENA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...... ERRO!
INDICADOR NÃO DEFINIDO.
3.1. TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUCIONISTAS DA PENA.............................................
ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
3.2. TEORIAS RELATIVAS OU PREVENTIVAS DA
PENA.......................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
3.3. A PREVENÇÃO GERAL....................................................................................................................
3.4. A PREVENÇÃO ESPECIAL..............................................Erro! Indicador não definido.
3.5. A TEORIA MISTA OU UNIFICADORA DA PENA...............................................................................
3.6. A FUNÇÃO DA PENA NO DIREITO BRASILEIRO...............................................................................
4. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
4.1. A PENA.................................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
4.2. HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
4.3. PENA DE RECLUSÃO................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
4.4. PENA DE DETENÇÃO .................................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
4.5. PENA DE PRISÃO SIMPLES............................................................................................
5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS ....................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
5.1. SISTEMA PENSILVÂNICO OU CELULAR...................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
5.2. O SISTEMA DE AURBURN ........................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
5.3. O SISTEMA PROGRESSIVO OU INGLÊS..............................................................................
6. REGIMES PENAIS .......................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
6.1. REGIME FECHADO ................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
6.2. REGIME SEMIABERTO..............................................................................................
Erro! Indicador não definido.
6.3. REGIME ABERTO..............................................................................................................................
6.4. PROGRESSÃO DE REGIME.............................................................................................
7. ESTABELECIMENTOS PENAIS..............................................................................
7.1. PENITENCIÁRIAS...............................................................................................................................
7.2. CADEIAS PÚBLICAS....................................................................................................
7.3. COLÔNIAS AGRÍCOLAS, INDUSTRIAIS OU SIMILARES........................................................
7.4. CASA DO ALBERGADO.................................................................................................
7.5. CENTRO DE OBSERVAÇÃO...........................................................................................
7.7. SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO...............................................................................
8. A LEITURA COMO EXTENSÃO DO ESTUDO PARA FINS DE REMIÇÃO...........
8.1. A REMIÇÃO...............................................................................................................
8.1.1. Origens da remição..........................................................................................
8.1.2. Efeitos da Remição..........................................................................................
8.1.3. Reconhecimento da Remição..........................................................................
8.1.4. Da perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave......................
9. REMIÇÃO PELO TRABALHO................................................................................
9.1. O TRABALHO INTERNO...............................................................................................
9.2. O TRABALHO EXTERNO...............................................................................................
10. REMIÇÃO PELO ESTUDO....................................................................................
10.1. A REMIÇÃO PELA LEITURA.........................................................................................
10.1.2. A Lei 17.329 de 2012.....................................................................................
10.1.3. Recomendação nº 44 de 2013......................................................................
10.1.4. A Leitura como instrumento de ressocialização do preso.........................
10.1.5. A legalidade da remição pela leitura.............................................................
CONCLUSÃO ...................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
ANEXOS.......................................................................................................................
10
INTRODUÇÃO
O sistema prisional brasileiro enfrenta grandes desafios em relação a seu
impacto ao apenado e de como ele é visto pela sociedade após ter cumprido sua
pena. O estigma que o preso carrega, mesmo depois de cumprida a sua pena, é um
dos fatores que trazem dificuldades para a ressocialização do apenado. Combinado
com, via de regra, um histórico social desprivilegiado, a tendência é que tais
indivíduos cometam novos crimes, pois se veem sem oportunidades reais para
mudar sua condição.
Tais questões afetam de maneira acentuada a percepção que o preso tem de
si mesmo e do seu papel ao deixar o estabelecimento em que cumpre sua pena. A
falta de uma estrutura eficiente, que tenha por objetivo preparar o apenado para
retornar à sociedade com perspectivas concretas de aceitação, causa diversos
problemas, como reincidências no crime, maus comportamentos na prisão, fugas,
perda de oportunidades de emprego etc.
Desse modo, surgem alguns questionamentos. Quais os meios que o Estado
pode se valer para recuperar o apenado do próprio sistema a qual é inserido? O
Estudo e o trabalho durante o cumprimento da pena são fatores edificantes para o
reeducando? A remição da pena por meio da leitura como analogia ao estudo possui
o condão de reestruturar e abrir novos horizontes aos presos? Há uma estrutura
eficiente para que tais projetos sejam implantados e tenham efetividade? Quais os
desafios do Poder Público e da política pública, além da própria sociedade em geral
ao realizar atividades de ressocialização no sistema prisional?
Desde o início da sociedade, as normas em sua essência originaram na
natureza de controlar o comportamento humano e punir os que não seguissem tal
ordem. A infração à ordem joga toda a sociedade contra o infrator perfazendo-se
uma relação desigual, onde de um lado está todo o direito, todo o poder e toda a
11
razão (FOUCAULT, 2010). Com a humanização da sociedade, a pena de morte
deixou de ser o principal flagelo adotado aos que transgrediam as normas sociais,
assim como a pena deixou de ser vista como instrumento vindicativo, passando a
ser vista como meio de reeducação do indivíduo.
Depois de muitos equívocos na gestão prisional, como a justificação de
torturas, insalubridade, penas degradantes e nenhum respeito aos apenados, houve
uma mudança de política criminal no sentido de ver a norma e a pena como defesa
da sociedade perante aqueles que não a respeitam. A prisão, nos dias atuais, tenta
se livrar destes vestígios e tornar-se mais humanista, respeitante os direitos
individuais contidos na Constituição Federal.
O Poder Público, por meio de políticas públicas e mudanças legislativas,
busca penas alternativas à privativa de liberdade, além de destinar recursos para
que os Estados possam efetivar projetos educacionais, oficinas de formação
profissional, tendo como objetivo diminuir a população carcerária no Brasil.
A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso do
mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem à pessoa o direito de
autodeterminação, por a privarem da sua liberdade. Logo, o sistema penitenciário
não deve, exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação ou para a
manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação.
O modelo constitucional de organização social e política o Brasil é o Estado
Democrático de Direito, de forma que toda a estratégia política criminal deve se valer
do princípio da dignidade humana e aos valores a ela inerentes. O modelo penal
garantista também embarca nessa concepção de Estado Constitucional de Direito
tendo sempre a Constituição como base para as normas que dela precedem
(BOTTIN; MENDES; PACELLI, 2011).
A estrutura carcerária no país ainda enfrenta sérias deficiências e há enormes
desafios para se efetivar uma organização educacional nos presídios, já que tais
ambientes são ainda vistos como “locais de punição” e não de recuperação dos
apenados. O Estado necessita questionar a própria fundamentação da pena e de
seus objetivos para que a sociedade em geral volte-se para uma solução mais
adequada e compatível com os princípios humanistas incutidos na Constituição
Federal.
12
A remição é um instituto tratado pela Lei de Execução Penal em seus artigos
126 a 130. A Lei 12.433/2011 trouxe a hipótese de remição da pena por meio do
estudo, mantendo a tradicional remição pelo trabalho (NUCCI, 2011).
O Departamento penitenciário nacional, órgão do Ministério da Justiça,
instituiu projeto que integra a leitura a outros de mesma natureza executados nas
penitenciárias nacionais, considerando a leitura uma forma análoga ao estudo. A
Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, disciplina o Projeto da Remição
pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal.
A partir desta Portaria, várias normativas surgiram com o fito de formalizar e
buscar a aplicação do Projeto Remição pela Leitura, como a Lei 17.329, de 8 de
Outubro de 2012 do Estado do Paraná, que instituiu o Projeto Remição pela Leitura
no âmbito dos estabelecimentos penais do referido estado.
O estudo do tema proposto fundamenta-se, portanto, na necessidade de
discutir sobre as possibilidades que a remição por meio da educação, mais
especificamente por meio da leitura traz ao sistema prisional e seu impacto presente
e futuro. Desse modo, demonstra-se imprescindível o estudo de tal instituto com a
finalidade de reconhecer sua importância, benefícios assim como as dificuldades e
os desafios que o cenário prisional brasileiro apresenta.
O objetivo geral do presente estudo se coaduna em analisar a remição da
pena por meio da leitura no sistema prisional nacional, suas características,
implementação e funcionamento. Quanto aos objetivos específicos, o estudo se
propõe a apresentar e examinar a institucionalização do Projeto Remição por meio
da Leitura no contexto nacional; questionar a real eficácia de tal projeto e os
desafios para sua concretização; demonstrar como o estudo e a educação podem
afetar os apenados; e avaliar possíveis soluções para a problemática apresentada.
A forma de abordagem para realização teórica da pesquisa será qualitativa,
pois objetiva-se analisar os dispositivos normativos que criaram a possibilidade da
remição pelo estudo e, assim, também pela leitura de obras. Outrossim, serão
explorados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema.
Ao seu turno, as técnicas utilizadas para a coleta e estudo de dados serão,
eminentemente, de pesquisa e revisão bibliográfica, com estudo doutrinário e
jurisprudencial, e análise de artigos, além de análise de dados atuais sobre o
encarceramento. Dessa forma, pretende-se proporcionar embasamento teórico ao
trabalho e proporcionar um panorama perfunctório do encarceramento no país.
13
Demais disso, o trabalho contará com uma estrutura básica e delimitada ao
tema, introduzindo o assunto com abordagens gerais, seguidas de uma
contextualização conceitual com a atual realidade da matéria, assim como demostrar
um panorama do sistema carcerário nacional.
Com o intuito de sistematizar a abordagem do assunto, a presente pesquisa
foi dividida em três capítulos: Escolas Penais e Teorias sobre a Função da Pena; A
Pena Privativa de Liberdade e os Sistemas Penitenciários; e A leitura Como
Extensão do Estudo Para Fins de Remição.
No primeiro capítulo serão feitas considerações acerca do controle do ius
puniendi pelo Estado e como esta legitimação se deu e como se mantém até hoje.
As principais doutrinas e Escolas penais serão analisadas e como cada uma aborda
a questão do crime e dos objetivos do sistema penal. Também serão discutidas as
funções da pena no atual Estado Democrático de Direito, principalmente as
questões relacionadas à finalidade que o legislador brasileiro busca para a pena, em
consonância com os Direitos Humanos conquistados nos últimos anos e
consagrados na Constituição Federal de 1988.
Já o segundo capítulo trata sobre a pena, focando na pena privativa de
liberdade e suas espécies. Será visto um breve histórico da pena de prisão, desde o
seu surgimento, ainda na idade média, até os tempos atuais. Os sistemas
penitenciários serão abordados para que haja uma maior compreensão sobre a
evolução da pena privativa de liberdade na sociedade. Os regimes de cumprimento
da pena de prisão, os estabelecimentos penais e o contexto atual do sistema
carcerário nacional também serão pontos abordados neste capítulo.
O terceiro e último capítulo destina-se a tratar sobre o instituto da remição,
sua origem, efeitos, procedimento, o seu reconhecimento, a perda dos dias remidos
pelo cometimento de falta grave etc. A remição pelo trabalho e pelo estudo serão
exploradas, assim como as reformas realizadas pela Lei.12.433/2011. Haverá,
finalmente, a análise sobre a novidade da remição pela leitura, como surgiu, os
propósitos, procedimentos e as dificuldades da implantação do projeto nos
estabelecimentos penais do Brasil. Destaque, a Portaria Conjunta nº 276 de 20 de
junho de 2012, A Lei 17.329 de 08 de Outubro de 2012, do Estado do Paraná e a
Recomendação nº 44 no dia 26 de Novembro de 2013 do Conselho Nacional de
Justiça.
14
Haverá, por fim, um tópico em relação à leitura como instrumento
ressocializador do apenado, que deixa o sistema carcerário para enfrentar a
sociedade. A remição da pena por estudo por meio da leitura constitui-se na
disseminação da leitura nos espaços prisionais podendo proporcionar o resgate da
autoestima do preso e garantir maiores chances de uma vida digna depois do
cumprimento de sua pena. Será abordado ainda sobre a questão da legalidade e
isonomia da instituição do projeto da remição pela leitura, como extensão do estudo.
A forma de abordagem para realização teórica da pesquisa será qualitativa,
pois objetiva-se analisar os dispositivos normativos que criaram a possibilidade da
remição pelo estudo e, assim, também pela leitura de obras. Outrossim, serão
explorados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema.
Ao seu turno, as técnicas utilizadas para a coleta e estudo de dados serão,
eminentemente, de pesquisa e revisão bibliográfica, com estudo doutrinário e
jurisprudencial, além dos dispositivos normativos que tratam sobre a remição pela
leitura. Dessa forma, pretende-se proporcionar embasamento teórico ao trabalho.
Demais disso, o trabalho contará com uma estrutura básica e delimitada ao
tema, introduzindo o assunto com abordagens gerais, seguidas de uma
contextualização conceitual com a atual realidade da matéria.
15
1. ESCOLAS PENAIS E TEORIAS SOBRE A FUNÇÃO DA PENA
1.1. O Controle do Ius Puniendi Pelo Estado
A sociedade humana é marcada por relações colidentes, pois os anseios e
decisões de uns nem sempre são compatíveis com as dos demais, o que
naturalmente gera conflitos de interesse. Tal fenômeno pode causar atos ofensivos,
que o ser humano estabeleceu como crime. Portanto, o fenômeno do crime surge
como uma mácula social que desestabiliza o controle da sociedade e põe em risco o
bem-estar coletivo.
Logo, quando a paz e o equilíbrio são contrariados por atos
estabelecidos como crimes faz-se necessária uma intervenção estatal para
reestabelecer a paz. Contrariando a autotutela, na qual as partes envolvidas no
conflito se protegem e punem o ofensor da ordem, o Estado atualmente toma para si
a tarefa de punir, da forma mais imparcial possível, o indivíduo que transgrediu uma
regra social, punida criminalmente. O ius puniendi, portanto, é atividade exclusiva do
Estado, concretizando-se pela efetiva necessidade de intervenção estatal (SANTOS,
2011).
1.2. A justificação do controle do direito de punir pelo Estado
Para justificar a necessidade de o Estado deter o Ius Puniendi o ocidente se
volta aos filósofos pré-socráticos e a Tragédia Grega, no que se perfez a Dimensão
Cósmica. Segundo Cesário dos Santos (2011, p. 19): “O cosmo designa o ser
ordenado. Logra leis próprias às quais devem inclinar-se todas as divindades e
homens. Eis que a necessidade punitiva foi concebida por uma exigência da ordem
do mundo”. Já a Dimensão racionalista surgiu na era moderna que contém traços da
necessidade punitiva. Conforme Hobbes há uma necessidade de intervenção de um
Estado forte, pois o homem é por natureza um ser egoísta e transgressor.
O Estado de natureza descrito pelo filósofo traz uma concepção humana de
eterno conflito, uma guerra de todos contra todos, no qual não há paz social. É
preciso que cada indivíduo renuncie seus direitos individuais em prol da
comunidade:
16
Cedo e transfiro o direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a
esta assembleia de homens, com a condição de transferires a eles o teu
direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso,
à multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado (HOBBES, 1997,
p.109).
Locke segue uma linha similar à Hobbes. O filosófico acredita que o Estado
deve exercer o poder de punir em nome da conservação, tanto da espécie humana
como da paz social. Locke reconhece que no estado de natureza do homem não há
regularidade da defesa e da punição, e utiliza desta alegação para fundamentar a
necessidade do contrato social:
Entendo, pois, o poder político o direito de elaborar as leis, incluindo a pena
de morte e, portanto as demais penalidades menores, no intuito de regular e
conservar a propriedade, e de utilizar a força da comunidade para garantir a
execução de tais leis e para protegê-las de ofensas externas. E tudo
visando só ao bem da comunidade. (LOCKE, 2002, p. 14).
Conforme esclarecem Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco:
Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado
suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e
impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia
um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o
cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais
e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem
pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com
sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a
satisfação da sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se
fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus
punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e
decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais
independentes e desinteressadas (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO,
2007, p. 21).
Hodiernamente, é o magistrado o responsável por impor a punição legitimada
pelo Estado com o fito de estabelecer a ordem social e prevenir novos atentados a
esta. Hoje é deste modo que o Ius Puniendi é legitimado em nome do contrato
social.
Como prelecionam Antônio Garcia-Pablos de Molina, Alice Bianchini e Luiz
Flávio Gomes:
A autoafirmação do Estado moderno como máxima instância política frente
às restantes instituições sociais foi produto de um lento processo histórico
paralelo ao da concentração do ius puniendi em suas mãos. Numa
sociedade conflitiva, pluralista e democrática (tal como a do nosso tempo) o
ius puniendi estatal pode se apresentar como instância pública capaz de
resolver o conflito criminal – e as expectativas que ele gera – de forma
pacífica e institucional, de forma racional e previsível, formalizada, eficaz,
com escrupuloso respeito às garantias individuais, quando fracassam os
mecanismos primários de autoproteção da ordem social. Só o ius puniendi
17
estatal encontra-se em condições de assegurar a justa tutela dos bens
jurídicos fundamentais, monopolizando a violência privada assim como a
autodefesa (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, BIANCHINI e GOMES, 2009,
p. 209).
A legitimação do controle absoluto da sanção penal pelo Estado passou e
ainda passa por crises nítidas que são perceptíveis ao analisar a forma quase
ingênua e neófita que o detentor do ius puniendi a maneja.
Dois movimentos indistintos e contrários estão presentes quando falamos
sobre tais crises, convivendo concomitantemente em um mesmo espaço social. Em
primeira mão, uma legislação penal exclusivamente simbólico, cética em relação à
reeducação e ressocialização do apenado, tendo a pena como um fim em si mesmo,
tratando-a como o castigo merecido ao transgressor, desprezando o fato de o Direito
penal ser incapaz de exercer, por si só, o papel que se lhe atribui (de diminuição da
violência). De outro lado, vê-se, em ocasiões mais raras, a preocupação do
legislador, quando na sua tarefa criadora, com direitos e garantias ao cidadão.
2. DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS
Os ideais iluministas e humanistas que atingiram a Europa, principalmente
com o advento da Revolução Francesa, que tiveram como principais expoentes
Rousseau, Montesquieu e Voltaire, combateram fortemente a legislação penal da
época, propondo penas mais dignas, a individualização e a proporcionalidade da
pena e redução da crueldade que era veementemente utilizada nas prisões.
São chamadas "escolas penais" as diversas correntes filosófico-jurídicas em
matéria penal que surgiram nos Tempos Modernos. Elas se formaram e se
distinguiram umas das outras e tratam com problemas que abordam o fenômeno do
crime e os fundamentos e objetivos do sistema penal.
Beccaria foi o primeiro a apresentar um projeto consistente de mudança, com
a obra Dos Delitos e das Penas de 1764, tornando-se o percussor da escola
clássica. As escolas penais são classificadas como um conjunto de concepções
sobre a legitimidade do direito de punir, sobre o conceito de crime e a finalidade da
sanção.
2.1. Escola Clássica
A Escola clássica surgiu basicamente com a introdução dada por Cessare
Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas (1764) com notórias influências
18
iluministas, que serviu como forma de humanização das ciências penais. As penas
comuns do século XVIII eram dotadas de crueldade e espirito de vingança, o que
exigiu uma reforma completa do sistema penal vigente.
Beccaria era contrário à pena de morte, às penas cruéis e defendia o principio
da proporcionalidade da pena em relação ao ato criminoso praticado e ao dano que
efetivamente causou à sociedade. A pena além de punir, deveria ter a missão de
regenerar o transgressor (NUCCI, 2011). Neste sentido: “Para que uma pena seja
justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime”
(BECCARIA, 1998, p. 94).
Para a Escola Clássica, a pena é um mal imposto ao indivíduo merecedor de
um castigo, por motivo de uma falta considerada crime, cometida voluntária e
conscientemente. A finalidade da pena é o restabelecimento da ordem externa na
sociedade. A pena era vista pelos clássicos como uma medida repressiva, aflitiva e
pessoal, que se aplicava a um indivíduo que houvesse agido com vontade e
consciência (BITENCOURT, 2010).
Foram os clássicos, com o principal expoente na figura de Francesco Carrara,
que iniciaram a sistematização e elaboração do exame analítico do crime. Tal
processo lógico-formal foi o ponto de partida para a formalização da dogmática da
Teoria Geral do Delito. A Escola Clássica era adepta da limitação do Direito Penal e
do arbítrio dos juízes, transformando-os em meros executores da lei.
O processo de modernização do direito penal teve nítida influência com os
ideais iluministas de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel
e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). A inspiração do
contratualismo tendia para uma racionalização na aplicação das penas, uma vez que
o indivíduo teria delegado parte de sua liberdade para o Estado punir, nas medidas
necessárias e sem excessos, os que agiam contra a comunidade. Além disso, a
pena começa a ser vista como instrumento de prevenção de crimes, em
contraposição à sua exclusiva tarefa de castigar (NUCCI, 2011).
2.2. Escola Positivista
A Escola Positivista tem seus primeiros passos no final do século XIX, com o
advento dos estudos biológicos e sociológicos. Tal corrente surgiu no contexto do
acelerado crescimento das ciências sociais.
19
Esta nova corrente filosófica teve como precursor Augusto Comte, que
representou a ascensão da burguesia emergente após a Revolução de 1789. Tinha
o objetivo de proteger a sociedade de forma mais efetiva contra a ação dos
“delinquentes”, dando-se prevalência aos direitos sociais em relação aos individuais.
A ressocialização do transgressor, portanto, passa a um segundo plano
(BITENCOURT, 2010).
Trata-se aqui de um confronto de ideias entre a Escola Clássica e a Escola
Positivista; a primeira exalta o princípio individualista, em detrimento da sociedade;
já a segunda preocupa-se com a coletividade, dispensando o indivíduo.
A Escola positivista via a criminalidade como algo biológico, inerente ao
indivíduo, como uma patologia social, dispensando assim a necessidade de
responsabilidade penal fundar-se moralmente por princípios humanistas.
A Escola Positiva pode ser dividida em três fases distintas, com três autores
símbolos em cada uma delas: fase antropológica: Cesare Lombroso (L’Uomo
Delinqüente); fase jurídica: Rafael Garofalo (Criminologia); e fase sociológica: Enrico
Ferri (Sociologia Criminale).
Na primeira fase, o médico-psiquiatra Cesare Lombroso veio abrir novos
horizontes aos estudos sobre o criminoso e a pena, atentando-se à figura do homem
delinquente, observando-o antes mesmo de observar o crime. Lombroso parte da
ideia básica da existência de um criminoso nato, cujas anomalias constituiriam um
tipo antropológico específico.
Ao longo de seus estudos, Lombroso foi modificando sucessivamente sua
teoria. Primeiramente, pensou-se a explicação do delito pelo atavismo. O criminoso
seria um ser atávico, isto é, que representa uma regressão ao homem primitivo ou
selvagem. Ele já nasce delinquente, portador de características que o impediriam de
se adaptar em sociedade (NUCCI, 2011).
Lombroso pensou na epilepsia, que ataca os centros nervosos e perturba o
desenvolvimento do organismo, produzindo regressões atávicas. Por fim,
completando as explicações biológicas do crime, Lombroso apresenta a loucura
moral, que aparentemente deixa íntegra a inteligência, porém age como supressor
do senso moral (NORONHA, 2000).
Rafael Garófalo, percussor da fase jurídica do positivismo italiano, defendia
que no indivíduo há dois sentimentos básicos, a piedade e a probidade (justiça) e o
delito é uma lesão desses sentimentos (MIRABETE, 2009).
20
Já Henrique Ferri ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os
fatores antropológicos, sociais e físicos. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o
nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu, ainda, as paixões em:
sociais (amor, piedade, nacionalismo etc.) e antissociais (ódio, inveja, avareza etc.).
A Escola Positivista teve grande influência sobre a teoria da individualização
da pena, princípio que rege no Direito Penal até os dias de hoje. É preciso levar em
consideração as qualidades inerentes ao indivíduo, como personalidade, conduta
social e outras para a fixação justa da pena.
2.3. Escola Técnico-Jurídica
A escola Técnico-Jurídica inicia-se em 1905 e é uma reação à confusão
metodológica criada pela corrente positivista. Procura-se restaurar o critério
propriamente jurídico da ciência do Direito Penal. Os positivistas mesclavam os
campos do Direito Penal, Política Criminal e da Criminologia. Havia uma
preocupação excessiva com os aspectos antropológicos e sociológicos do crime, em
detrimento do jurídico.
O seu primeiro expoente é Arturo Rocco, com sua famosa aula magna na
Universidade de Sassari, em 1905 (BITENCOURT, 2010). O maior objetivo é
desenvolver a ideia que a ciência penal é autônoma, com objeto e métodos próprios,
ou seja, é única, não se misturando com outras ciências (antropologia, sociologia,
filosofia, estatística, psicologia e política). O Direito Penal continha de tudo, menos
Direito. Rocco propõe uma reorganização onde o estudo do Direito Criminal se
restringiria apenas ao Direito Positivo vigente (BITENCOURT, 2010).
Uma das características dessa corrente é o distanciamento da investigação
filosófica, empregando com rigor científico o método denominado técnico-jurídico.
Isso num primeiro momento, pois posteriormente, outros penalistas, embora
adotando o novo método de estudo, não se afastariam por completo do
jusnaturalismo, ressuscitando o livre-arbítrio como fundamento do direito punitivo.
2.4. Escola Correcionalista
21
Surgiu primeiramente na Alemanha, em 1839, com a dissertação de Karl
Roder, Comentatio an poena malum esse debeat tenso, seu principal fundamento
em Krause, expoente do idealismo romântico alemão.
A principal característica da Escola correcionalista é a correção ou emenda do
ser infrator, como fim único e expresso da pena. Como Carlos Roder afirma: “A
teoria correcional vê na pena somente o meio racional e necessário para ajudar a
vontade injustamente determinada, de um membro do Estado, a ordenar-se por si
mesma” (BITENCOURT, 2010 apud, Carlos David Augusto Roder, 1876).
Para os correcionistas a pena deve se moldar ao homem concreto, real que é
responsável por um determinado delito, trabalhando na vontade errônea, procurando
convertê-la segundo as normas vigentes de direito. O delinquente, na visão desta
Escola seria um ser defeituoso, incapaz de livre na vida jurídica, sendo uma ameaça
à paz social. A sanção penal é tida como um bem que tem a finalidade prima de
corrigir o indivíduo.
2.5. Defesa Social
A Teoria da defesa social busca adaptar o transgressor à ordem social e
iniciou-se com Felipe Gramatica, na Itália, fundador do Centro Internacional de
Estudos de Defesa Social, que objetivava combater a criminalidade (BITENCOURT,
2010). Para Gramatica, o ser humano deve respeitar as regras sociais para que haja
uma ordem nas relações humanas.
Contudo, foi com a publicação de A nova defesa social, em 1954, de Marc
Ancel que a escola teve seu marco como doutrina humanista de proteção social
contra o crime. A pena passa a ser vista como tentativa de ressocializar o preso e
adaptá-lo à vida em sociedade (MIRABETE, 2009).
A prisão seria um mal necessário na concepção da Escola da Defesa Social,
devendo, contudo, abolir-se a pena de morte (NUCCI, 2011). As principais
características desse movimento político-criminal pregavam os seguintes princípios:
a) a filosofia humanista, com o fito de proteger o ser humano e garantir os direitos
dos cidadãos; b) análise crítica do sistema existente e sua eventual reformulação; c)
valorização das ciências humanas como instrumento interdisciplinar no estudo e
combate ao crime.
22
3. AS FUNÇÕES DA PENA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A pena e modelo socioeconômico dos Estados são conceitos intrínsecos, que
esbarram um no outro, influenciando a aplicação da sanção penal. O Estado utiliza a
sanção penal como forma de controle social, a ultima ratio, isto é a última cartada do
sistema legislativo (NUCCI, 2011).
Assim, há estreita relação da teoria do Estado e a teoria da pena, conforme o
Estado evolui a concepção sobre a pena também. Portanto, ao direito Penal é
necessário definir a função dada à pena e à medida de segurança para que seja
possível a intervenção nos moldes estipulados pela legislação.
Para a doutrina, ainda que se vislumbre a pena como meio de prevenção, o
caráter punitivo ainda encontra-se bastante presente na definição da pena.
Existem três principais teorias que objetivam explicar a função e a finalidade
da pena: as teorias absolutas, teorias relativas e teorias unificadoras ou ecléticas.
3.1. Teorias absolutas ou retribucionistas da pena
Com o advento das teorias contratualistas de um Estado liberal, assim como a
nova concepção de Estado soberano pela vontade povo e a separação dos poderes,
a pena passa a ser percebida como:
A retribuição à perturbação da ordem jurídica adotada pelos homens e
consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem
jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é
substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens (GRECO,
2 apud. Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée, p.120).
Pela teoria do contrato social o Estado intenta reduzir as divergências entre
os indivíduos que consentiram em delegar sua liberdade natural pelo bem comum. O
transgressor desse pacto é tido como traidor, já que seu ato não atende os
compromissos estabelecidos no contrato. Como Rousseau leciona: “[...] todo
malfeitor que ataca o direito social torna-se por seus crimes rebelde e traidor da
pátria, cessa de ser seu membro ao violar suas leis e pratica, inclusive, a guerra
contra ela.” (ROUSSEAU, 2009, p. 51).
Pelo sistema retribucionalista a pena passa a buscar a concretização da
Justiça. O autor do delito deve ser punido para que seu ato seja dirimido justamente.
Há uma profunda influencia filosófica e ética nesta teoria. Os principais defensores
23
de tal sistema foram Kant em sua obra a Metafísica do Poder e Hegel, em Princípios
da Filosofia do Direito.
Dentro do sistema Kantiano o delinquente deve ser punido exclusivamente
porque violou a lei, sem levar em consideração a utilidade da pena para o indivíduo
ou a sociedade em geral, negando qualquer função preventiva da pena. O direito
seria composto pelos meios segundo os quais o arbítrio de cada um pode conviver
segundo uma lei universal. A pena, ou direito de castigar, é aplicada simplesmente
como um meio de reestabelecer a justiça, devida à infringência à lei (BITENCOURT,
2010).
O pensamento de Hegel resume-se em sua conhecida frase: “a pena é a
negação da negação do Direito”. A fundamentação hegeliana abandona o vínculo
entre direito e moral de Kant buscando bases eminentemente jurídicas. Segundo o
autor, a pena tem o escopo de reestabelecer a vigência da “vontade geral”. Segundo
Hegel, o Direito vem a ser a expressão da vontade racional – vontade geral. A
liberdade e a racionalidade seriam os pilares do Direito. O delito, portanto, seria uma
manifestação de vontade irracional (vontade particular) e, portanto, a negação da
vontade geral. A aplicação da pena seria o reestabelecimento da ordem jurídica
violada pelo transgressor.
3.2. Teorias relativas ou preventivas da pena
Para a Teoria Preventiva a principal justificação para a existência da penal é
prevenir os atos contrários à lei. A pena não só é necessária, como útil para a
coletividade “pois, além de servir de exemplo, atua, diretamente, sobre a pessoa do
condenado, possibilitando sua volta ao convívio social.” (QUEIROZ, 2010). Para
Bitencourt, o início da Teoria surgiu com a famosa frase de Sêneca: “Nenhuma
pessoa responsável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a
pecar” (BITENCOURT, 2010).
A pena nesta teoria ainda é considerada um mal necessário que, entretanto,
não vê na pena uma necessidade de fazer justiça e sim de prevenir novas
ocorrências de atos contrários às normas estabelecidas. A Teoria divide-se em duas
correntes distintas, a prevenção geral e a prevenção especial.
3.3. A Prevenção Geral
24
Os principais defensores desta corrente são Bentham, Beccaria, Filangieri,
Schopenhauer e Feuerbach. Este último foi o criador da “teoria da coação
psicológica”, uma das primeiras manifestações da teoria da prevenção geral, que é
indispensável para a compreensão desta corrente.
Feuerbach leciona que a solução para a criminalidade é a ameaça da pena,
servindo como um aviso aos cidadãos do que ocorrerá quando infrinjam a lei e com
a concreta aplicação da pena, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça
realizada (BITENCOURT, 2010). Para este teórico a pena é efetivamente uma
coação psicológica que tem o objetivo de prevenir atos contrários às normas. A
prevenção geral é representada, portanto, pela intimidação dirigida ao ambiente
social (as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição) (CAPEZ,
2011).
Presumia que a racionalidade do homem poderia levar o indivíduo a pesar as
vantagens e desvantagens de realizar um ato delitivo, tendo em vista a imposição da
pena em momento posterior. Contudo, a teoria da Prevenção geral não levou em
consideração que mesmo o temor da sanção penal não implica no total respeito às
normais penais, visto que existem criminosos profissionais, impulsivos ou
contumazes.
3.4. A Prevenção Especial
A teoria da prevenção especial compartilha com a teoria da prevenção geral a
noção de que a pena deve inibir a prática delituosa, mas não de modo geral,
aplicando-se somente ao criminoso, para que este não volte a delinquir. O principal
expoente desta corrente foi Von Liszt, em sua obra Programa de Marburgo.
São quatro as correntes que inspiraram a prevenção especial: o
correlacionismo, a escola positiva italiana, a moderna escola ou escola sociológica
alemã de Von Liszt e a Defesa Social de Marc Ançel na França. O desenvolvimento
do Estado durante o século XIX e seus recorrentes erros, com grandes crises e
25
levantes populares, puseram em evidência a necessidade de uma intervenção maior
do Estado em todos os processos sociais, inclusive nos de tipo penal1
.
Para ele, a ideia da pena deve sempre acompanhar critérios relativos à
reeducação do preso e sua ressocialização. A prevenção especial não tem como fito
intimidar a sociedade nem retribuir o ato ilícito praticado, mas sim visa o ser que já
delinquiu para que não volte a fazê-lo.
Conforme Bitencourt:
Sob o ponto de vista político criminal, por exemplo, a prevenção especial
justifica-se uma vez que – se afirma – também é uma forma de prevenção o
evitar que quem delinquiu volte a fazê-lo novamente, e nisto consiste a
função preventivo-especial e, de certa forma, a do Direito Penal em seu
conjunto (BITENCOURT, 2010, p. 112).
3.5. A teoria mista ou unificadora da pena
As teorias mistas (também conhecidas por ecléticas ou unificadoras) surgiram
da tentativa de recolher os aspectos mais benéficos das teorias absolutas e
relativas. Merkel foi o principal expoente dessa teoria, que teve início no começo do
século XX.
A teoria mista estabelece a diferença entre o fundamento e o fim da pena.
Consoante ao fundamento da pena, este deve limitar-se apenas ao ato praticado. A
pena não deve ir além da responsabilidade do indivíduo decorrente do fato
praticado. A pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do
crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitur quia peccatum est et ne
peccetur) (CAPEZ, 2011) .
Luiz Regis Prado esclarece que, nesse contexto, a noção de retribuição
adquire novo conteúdo:
[...] e a pena justa é provavelmente aquela que assegura melhores
condições de prevenção geral e especial, enquanto potencialmente
compreendida e aceita pelos cidadãos e pelo autor do delito, que só
encontra nela (pena justa) a possibilidade de sua expiação e de
reconciliação com a sociedade. Dessa forma, a retribuição jurídica torna-se
um instrumento de prevenção, e a prevenção encontra na retribuição uma
barreira que impede sua degeneração (PRADO, 2007, p. 548).
1
GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas
sobre encarceramento. - Disponível em: < http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45-
finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
26
A principal crítica sofrida por esse grupo de teorias é a de que constituiria,
simplesmente, uma justaposição das teorias absolutas e relativas, que romperia com
a noção de direito penal de ultima ratio (QUEIROZ, 2010).
3.6. A função da pena no Direito Brasileiro
Apenas com a reforma penal de 1984 o legislador brasileiro se posicionou de
forma mais clara em relação à função da pena em nosso país. A teoria mista foi a
adotada pelo art. 59 do Código Penal brasileiro (GRECO, 2012).
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime:
O verbo citado no caput do referido artigo conjuga a necessidade de
reprovação e prevenção do crime, unificando assim as teorias relativa e absoluta.
Ou seja, no momento da sentença serão observadas as funções retributiva e
prevencionista e, no momento da execução, a função socializadora. O direito penal
pátrio, portanto, propugnou pela doutrina preponderante no debate contemporâneo,
a unitária ou mista.
Realizando, desse modo, os preceitos regentes de nossa Lei de Execução
Penal, corolário idealizado para reger as questões de execução da pena em nosso
país, da melhor forma possível (GOMES, 2006).
O artigo 1º da lei de execução penal, por sua vez, sublinha que: "A execução
penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou do
internado".
Para Nucci, a finalidade da pena é marcada por três aspectos, castigo +
intimidação ou reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e
ressocialização (NUCCI, 2011).
O art. 1º da Lei de Execução Penal preceitua que: “a assistência ao preso e
ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade”. O art. 22 do mesmo dispositivo legal afirma que “a
assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los
27
para o retorno à liberdade”. Assim, fica evidente que o legislador pretendeu
considerar a tríplice finalidade da pena no direito penal pátrio.
Como foi exposto, o direito penal pátrio adota como funções da pena, no
momento da sentença, a retribuição e a prevenção positiva e, no momento da
execução, a prevenção negativa ou ressocializadora. Isso faz de nosso sistema
penal atual e consoante com as mais modernas teorias sobre a função da pena. Os
princípios garantistas e constitucionais da dignidade da pessoa humana devem
sempre estar incluídos na finalidade que a pena é instituída pelo sistema legislativo
brasileiro.
4. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
4.1. A Pena
Segundo Nucci a pena é:
[...] a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja
finalidade é a repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos,
objetivando reeducar o delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for
necessário, bem como reafirmar os valores protegidos pelo Direito Penal e
intimidar a sociedade para que o crime seja evitado (NUCCI, 2011, p. 401).
A pena para Damásio de Jesus é a sanção aflitiva imposta pelo Estado,
mediante ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, e
cujo objetivo é evitar novos delitos (JESUS, 2011).
Portanto, tem-se que a pena é uma consequência natural (e jurídica) do
delito, imposta pelo Estado, quando do cometimento de um fato típico, antijurídico e
culpável, após a devida persecução criminal, devendo esta, num Estado
Democrático de Direito, se dar de acordo com os ditames da Constituição da
República Federativa do Brasil (GRECO, 2011).
A Constituição Federal prevê as seguintes penas (art.5º, XLVI): a) privação ou
restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e
e) suspensão ou interdição de direitos. Já o Código Penal brasileiro divide as penas
em a) privativas de liberdade; b) restritivas de direito; e c) pecuniárias.
Quanto à classificação das penas privativas de liberdade, dividem-se em: a)
reclusão; e b) detenção. Há, também, a pena de prisão simples, para as
contravenções penais.
28
4.2. Histórico da pena de prisão
Quando primeiramente surgiu, a pena de prisão foi tomada como um
instrumento idôneo para concretizar a sanção penal e que poderia, dentro de certas
circunstâncias, reabilitar o delinquente. O otimismo com que inicialmente foi
prestigiada a pena de prisão não mais existe e nos últimos anos nota-se nitidamente
a falência da pena de prisão como meio ressocializador.
Até o século XVIII, as penas capitais foram aplicadas pelo Estado, e
defendidas por grandes pensadores. Mesmo com o advento do Iluminismo, sua
completa revogação não foi advogada por todos, pois que a justificavam em alguns
casos graves, principalmente nos crimes cometidos contra o Estado (GRECO,
2011).
A pena de morte, relatada por seus defensores como único meio de gerar
medo ao delinquente, além de ser um meio econômico e eficaz de proteção à
sociedade, é atualmente rechaçada nas maiorias dos Estados Democráticos de
Direito.
Para Bitencourt:
Os transtornos e mudanças socioeconômicas que se produziram com a
passagem da Idade Média para a Idade Moderna, e que tiveram sua
expressão mais aguda nos séculos XV, XVI e XVII, tiveram como resultado
a aparição de grande quantidade de pessoas que sofriam de uma pobreza
extrema e que deviam dedicar-se à mendicidade ou a praticar atos
delituosos. Houve um crescimento excessivo de delinquentes em todo o
velho continente. A pena de morte caíra em desprestígio e não respondia
mais aos anseios de justiça. Por razões penológicas era necessário
procurar outras reações penais (BITENCOURT, 2011, p. 85).
Logo, até praticamente o advento do Iluminismo, as penas possuíam um
caráter aflitivo, descontando o ato contrário à lei no corpo do indivíduo. O mal da
infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. Contudo:
“Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição
física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor.
Penetramos na época da sobriedade punitiva” (FOUCAULT, 2010, p. 19).
A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção
penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção que demonstrava ser
meio mais eficaz de controle social (BITENCOURT, 2011). A pena de prisão tem
origens na Idade Média. As primeiras ocorrências deste tipo de punição são
retratadas como o castigo imposto aos monges e ascetas que cometiam alguma
29
falta, devendo recolher a locais fechados onde se dedicariam, em silêncio, à
meditação para se arrependerem da falta, reconciliando-se com Deus (MIRABETE,
2009).
Na Idade Moderna surge a prisão-pena. No período entre os séculos XV e há
uma transição, principalmente, graças ao crescimento sensível do comércio,
decorrente das alterações nas sociedades feudais europeias (aumento da
população, crescimento das cidades, desenvolvimento das manufaturas, etc.).
Alguns precedentes da pena de prisão são bastante conhecidos. Como, em
fins do século XVI, a House of Corretion de Bridewel, Londres (1552), seguidas
pelas de Oxford, Gloucester y Salisbury; na Holanda, os Rasphuys (1595) para
homens e Spinnhyes (1597) para mulheres e mendigos.
As cidades que compunham a liga Hanseática ergueram prisões no primeiro
terço do século XVI. Na Itália, registram-se o Hospício de São Felipe (Florença) e o
Hospício de San Miguel (Roma), em 1703. Na Bélgica, em 1775, a Maison de Force
(obra de Juan Vilain XIV, tido por muitos como pai da ciência penitenciária), local
que tinha como princípio a realização do trabalho durante o encarceramento2
.
A pena de prisão como pena privativa de liberdade, surgiu no século XVII e
consolidou-se no Século XIX. O sistema penitenciário pioneiro surgiu nas colônias
americanas. Em 1681, o sistema de prisão, idealizado por Guilhermo Penn, fundador
da colônia da Pensilvânia (NUCCI, 2011).
A pena privativa de liberdade foi a nova grande invenção social, intimidando
sempre, corrigindo amiúde, que devia fazer retroceder o delito, quiçá, derrotá-lo, no
mínimo, cercá-lo entre muros. A crise da pena de morte encontrava seu fim, porque
um método melhor e mais eficaz ocupava o seu lugar, com exceção de alguns
poucos casos mais graves.
Conforme Rogério Greco leciona:
“O período iluminista teve fundamental importância no pensamento punitivo,
uma vez que, com o apoio na “razão”, o que outrora era praticado
despoticamente, agora necessitava de provas para ser realizado. Não
somente o processo penal foi modificado, com a exigência de provas que
pudessem conduzir à condenação do acusado, mas, e, sobretudo, as penas
que poderiam ser impostas. O ser humano passou a ser encarado como tal,
e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a fúria do Estado, muitas
vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição.” (GRECO, 2011,
p.95).
2
GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas
sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45
finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
30
Contudo, o otimismo em relação a pena privativa de liberdade desvaneceu e,
em meados do século XIX, vários movimentos despontaram com o intuito de instigar
uma reforma político-criminal e dirimir os efeitos nocivos da pena de prisão. A pena
de curta duração foi aos poucos sendo vista como ineficaz, já que, ou apenado é um
delinquente habitual e a condenação é pouco útil, ou é um delinquente ocasional e a
condenação imposta é excessiva.
Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard3
, em seu livro intitulado
Estate of prisions, fixou as bases para o cumprimento de uma pena que não
agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2)
disciplina distinta para presos provisórios e condenados; 3) educação moral e
religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando (GRECO, 2011).
A pena de prisão, portanto, começou a ganhar o status de pena principal, ao
lado de outras medidas que surgiram a exemplo das penas restritivas de direito, que
impunham determinada prestação de serviço a ser realizado por aquele que havia
praticado o delito, ou mesmo a pena de multa.
3
John Howard nasceu em Clapton – Hackney –, nos arredores de Londres, no ano 1726. Sua mãe faleceu
quando ele ainda era uma criança, e seu pai, um próspero comerciante, quando ele tinha 16 anos de idade,
deixando-lhe uma fortuna considerável. Sua educação foi fundamentada em ideais calvinistas (cristãos-
evangélicos), o que fez com que fosse tratado com certa discriminação, uma vez que tais ensinos eram
diferentes e, na verdade, contrários aos da igreja Católica, que ainda predominavam. Após ficar curado de uma
grave doença, que o debilitou por algum tempo, Howard, com o coração agradecido, resolveu casar-se com
Sara Lodoire, a viúva que dele havia cuidado, sem considerar o fato de que ele contava somente 25 anos e ela
já com 50 anos de idade. Três anos mais tarde morria Sara Lodoire. Após a morte de sua primeira esposa,
Howard, no ano 1955, aos 30 anos de idade, resolveu ir a Lisboa contemplar o que havia ocorrido naquela
cidade depois do grande terremoto que a destruiu. Essa viagem seria um marco extremamente importante na
sua vida, pois, a partir dela, começaria a entender o significado da privação da liberdade de um ser humano e
as condições a que era submetido. Em 1773, aos 45 anos de idade, Howard foi nomeado sheriff do condado de
Bedford, o que fez com que, agora, viesse a familiarizar-se com as misérias das prisões de sua época, os lugares
fétidos onde seres humanos eram jogados como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era
visitar os estabelecimentos carcerários. Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato direto e intenso
com os presos, e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda mais sensibilizado com os problemas que
presenciava diariamente, tornando-se, assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema. Howard
foi um obstinado pelo problema carcerário. Além de conhecer e trabalhar para a melhora das prisões da
Inglaterra e em Gales, também empreendeu viagens para outros países, a exemplo de Portugal, da Espanha,
França, Alemanha, Holanda, Finlândia, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Áustria, Prússia, Rússia, Itália, Turquia, dentre
outros, procurando conhecer e comparar os sistemas prisionais. Realizou algumas grandes viagens que lhe
renderam anotações importantes. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países,
registrando o que de ruim havia em comum neles, bem como o que se podia aproveitar para a construção de
um sistema que atendesse não somente aos interesses da sociedade, que se via livre, mesmo que
temporariamente, daquele que havia praticado uma infração penal, como também para o acusado ou
condenado, que deveria permanecer preso durante certo período de tempo. Sua vida foi dedicada à
modificação de um sistema que começava a ser implementado, com a privação temporária ou perpétua da
liberdade dos presos. Howard faleceu em 20 de janeiro de 1790, após ter contraído, no meio em que tanto
lutou para ser melhorado, vale dizer, em algum estabelecimento carcerário de Kerson, na Crimea, a chamada
“febre carcerária” (tifus exantemático) (GRECO, 2011).
31
A pena restritiva de liberdade é a mais utilizada nas legislações
contemporâneas, apesar de haver um consenso entre os estudiosos que a falência
do sistema prisional é um fato que deve ser encarado (MIRABETE, 2009).
As críticas mais severas apontam desde o tratamento inadequado e deletério
aos encarcerados, que solapam a dignidade, a não eficácia em reeducar os presos
contumazes e reincidentes, os elevados custos de manutenção dos
estabelecimentos penais e até as consequências danosas que o encarceramento
traz aos réus primários, ocasionais, ou de pequena periculosidade.
Contudo, mesmo Foucault reconhece que não se pode abrir mão inteiramente
da pena privativa de liberdade, constituindo uma “detestável solução de que não se
pode abrir mão.” (MIRABETE, 2009, p. 238), principalmente aos delinquentes de alta
periculosidade.
4.3. Pena de Reclusão
A Reforma brasileira de 1984 adotou “penas privativas de liberdade”, como
gênero e a pena de reclusão e detenção como espécies.
Há algumas diferenças notáveis entre essas duas espécies. Apenas os
crimes considerados mais graves e punidos com uma pena maior são suscetíveis de
pena de reclusão. Esta espécie pode iniciar seu cumprimento no regime fechado, o
mais rigoroso, algo não vislumbrado pela pena de detenção. Há uma maior
dificuldade dos condenados cumpridores de reclusão conseguir os chamados
privilégios prisionais.
Conforme o Código Penal, art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em
regime fechado, semiaberto ou aberto. A reclusão se diferencia da detenção não só
quanto à espécie de regime como também em relação ao estabelecimento penal de
execução (de segurança máxima, média e mínima), à sequência de execução no
concurso material (CP, art. 69, caput), à incapacidade para o exercício do poder
familiar (art. 92, II), à medida de segurança (art. 97, caput), à fiança (CPP, art. 323, I)
e à prisão preventiva (CPP, art. 313, I e II) (JESUS, 2011).
4.4. Pena de detenção
32
A pena de detenção é resguarda para os delitos menos graves, qual seja os
crimes punidos com penas privativas de liberdade. A pena de detenção será sempre
iniciada em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência ao
regime fechado, por meio da regressão.
4.5. Pena de prisão simples
A pena de prisão simples é destinada às contravenções penais. Nunca pode
ser cumprida em regime fechado. Além disso, não existe a possibilidade do
contraventor condenado ser inserido no mesmo lugar onde se encontrem
condenados por outras espécies de penas (NUCCI, 2011).
5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
Com a evolução da teoria da pena, houve grandiosa produção metodológica
em relação às penas privativas de liberdade e os sistemas penitenciários. Os três
principais sistemas penitenciários clássicos são o de Filadélfia ou pensilvânico, o de
Auburn e o inglês Progressivo.
5.1. Sistema Pensilvânico ou Celular
O sistema pensilvânico foi inaugurado em 1790 na prisão de Walnut Street e,
em seguida, implantado nas prisões de Pittsburgh e Cherry Hill. Os principais
precursores foram Benjamin Franklin e Willian Bradford (MORAES, 2013). Tal
sistema também é conhecido como sistema filadélfico ou celular.
Tinha como principais características a segregação do apenado em uma cela
e abstinência de qualquer substância entorpecente, além da obrigatoriedade de
realizar orações. Tinha profunda base teológica, contudo já demonstrava influências
iluministas de teóricos como Beccaria e Howard (NASCIMENTO, 2011).
Tal sistema penitenciário preconiza que o sentenciado cumpra a pena na
cela, sem sair, salvo em casos de extrema necessidade. O sistema era baseado no
isolamento, no silêncio (que por isso ficou conhecido também como silent system
(MIRABETE, 2009)) e na meditação e oração.
33
Foi bastante criticado, pois se alegou que a prática da separação absoluta e
da proibição de comunicação entre os presos ocasionava problemas de insanidade,
além de não levar à readaptação social do condenado (SILVA, 2009). Já não se
trataria de um sistema penitenciário pensado para aprimorar as prisões e recuperar
o infrator, mas servia como instrumento de dominação do Estado.
O aludido sistema foi adotado, com algumas modificações, por diversos
países da Europa, durante o século XIX: Inglaterra em 1835, Bélgica em 1838,
Suécia em 1840, Dinamarca em 1846, Noruega e Holanda em 1851 e também a
Rússia (SILVA, 2009).
5.2. O Sistema de Aurburn
O sistema auburniano surgiu como uma contraposição às críticas feitas ao
sistema pensilvânico, e foi primeiramente implantado na penitenciária na cidade de
Auburn, estado de Nova York em 1818 (GRECO, 2011). Nesse sistema o apenado
cumpre uma jornada de trabalho, em silêncio, pela manhã em conjunto com os
outros presos e, à noite, é isolado. Não era permitida, sequer, a comunicação entre
os presos, com o objetivo de primar pelo silêncio total.
A diferença mais expressiva entre o sistema pensilvânico e o sistema
auburniano, diz respeito ao isolamento; naquele, a segregação era durante todo o
dia; neste, era possível o trabalho coletivo por algumas horas. Ambos, porém,
pregavam a necessidade de separação dos detentos, para impedir a comunicação e
o isolamento noturno acontecia em celas individuais (MORAIS, 2013). Tinha
motivações nitidamente econômicas, por isso a escolha pelo trabalho prisional
produtivo, que era vantajoso para os Estados Unidos na época (BITENCOURT,
2011).
Aos presos não era permitido conversar entre si, apenas com os carcereiros,
e após licença prévia. O sistema de Auburn também pregava um rigoroso regime
disciplinar aplicado, com influências militares, que ainda é comum nas prisões
atuais.
O sistema de Filadélfia foi predominante na Europa, principalmente na
Inglaterra, Alemanha e Bélgica enquanto que o sistema Auburniano se destacou
mais nos Estados Unidos. Contudo, pela severidade e ostracismo que impunham ao
apenado, sofreram diversas críticas, sendo menos de um século depois de sua
34
implantação, reavaliados e extintos em sua forma original. Após muitas críticas aos
dois sistemas surge a ideia de combiná-los, com o fito de reduzir a severidade com
que tratavam os presos. Essa reunião de sistemas resultou em uma terceira via: o
Sistema Inglês ou Progressivo.
5.3. O Sistema Progressivo ou Inglês
Esse sistema surgiu inicialmente na Inglaterra, expandindo-se posteriormente
para a Irlanda por Walter Crofton (BITENCOURT, 2010). Alexander Moconochie,
capitão da Marinha Real, impressionado com o tratamento violento e indigno infligido
aos presos enviados à Austrália, na ilha de Norfolk, em 1840, resolver reformar o
sistema vigente. Como governador do local, Moconochie realizou reformas
importantes que foram determinantes para o surgimento do sistema progressivo.
O sistema consistia em medir a pena por uma soma de trabalho e boa
conduta. A soma era representada por certa quantidade de marcas, de forma que a
quantidade de marcas que cada condenado deveria obter era proporcional à
gravidade do crime cometido. No cumprimento da pena, eram creditadas ao preso
as marcas, dependendo do trabalho produzido. Em caso de má-conduta era imposta
uma multa. Apenas o excedente dos créditos menos multas era computado para a
progressão da pena (BITENCOURT, 2010).
Era levado em conta o comportamento e aproveitamento do preso,
demonstrado pela conduta reta e o trabalho. O sistema estabeleceu três fases ou
períodos no cumprimento da pena. O primeiro estágio consistia no isolamento
celular; o segundo se caracteriza pela permissão do labor em comum, em silêncio e
alguns outros benefícios; o terceiro estágio permitia o livramento dentro de certas
condições (MIRABETE, 2009).
Em quase todos os países, nos casos em que a prisão é necessária, é
consenso que a pena deve ser executada de modo a permitir que o condenado
progressivamente alcance a liberdade, conforme o tempo de pena cumprido e o
mérito que apresente durante o cumprimento de sua pena. A reforma penal de 1984,
tal como o fizera o CP de 1940, não adotou o sistema progressivo, mas uma forma
progressiva de execução, visando à ressocialização do criminoso.
Assim, o art. 33, § 2.º do CP, afirma que “as penas privativas de liberdade
deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado”
35
(JESUS, 2011, p. 565). Por isso, no Brasil os regimes prisionais são diferenciados e
denominados pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal como fechado,
semiaberto e aberto.
6. REGIMES PENAIS
A lei n. 7.209/84 manteve a classificação dos regimes iniciais da pena
instituídos pela Lei n. 6.416/77. Contudo o fator determinante para a escolha do
regime inicial do cumprimento da pena passou a ser a espécie e a quantidade da
pena e a reincidência, em conjunto ao mérito do condenado, em conformidade com
um sistema progressivo. O juiz, na sentença condenatória, deve determinar a
espécie de regime para início de cumprimento da pena, observadas as
circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (art. 33, § 3.º).
Em atenção a uma forma progressiva de execução, de acordo com o mérito
do condenado, o início do cumprimento da pena se dará da seguinte forma, nos
termos do art. 33, § 2.º, do CP: 1.º) o condenado a pena superior a oito anos deverá
começar a cumpri-la em regime fechado (al. a); 2.º) o não reincidente, cuja pena seja
superior a quatro anos e não exceda a oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em
regime semiaberto (al. b); 3.º) o não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a
quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (al. c).
Nas hipóteses b e c, o condenado reincidente inicia o cumprimento da pena
em regime fechado. De ver que, no último caso, admite a jurisprudência aplique-se o
regime inicial semiaberto: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto
aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as
circunstâncias judiciais” (Súmula 269 do STJ).
6.1. Regime fechado
O condenado cumpre a pena em estabelecimento penal de segurança
máxima ou média. No início do cumprimento da pena em regime fechado, o
condenado será obrigatoriamente submetido a exame criminológico de classificação
para a individualização da execução (MIRABETE, 2009) (art. 34, caput do CP).
Fica sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante o repouso
noturno (§ 1.º). Contudo, como critica Bitencourt:
36
[...] na prática esse isolamento noturno, com os requisitos exigidos da cela
individual (art. 88 da LEP), não passa de mera ‘carta de intenções’ do
legislador brasileiro, sempre tão romântico na fase de elaboração dos
diplomas legais. Com a superpopulação carcerária constatada em todos os
estabelecimentos penitenciários, jamais será possível o isolamento dos
reclusos durante o repouso noturno (BITENCOURT, 2010).
Dentro do estabelecimento, o trabalho será em comum, de acordo com as
aptidões e ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a
execução da pena (art. 34 § 2.º do CP).
Também é possível o trabalho externo em serviços ou obras públicas,
realizados por órgãos da administração direita e indireta, ou entidades privadas,
desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (art. 36 da
LEP) (GRECO, 2011).
6.2. Regime semiaberto
O condenado, no início do cumprimento da pena, pode também ser
submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da
execução. Embora o art. 35, caput, do CP, preveja a obrigatoriedade, e o art. 8.º,
parágrafo único, da LEP, fala em simples faculdade.
O sentenciado no regime semiaberto fica sujeito a trabalho em comum
durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (§
1.º). É admissível o trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos
profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (§ 2.º). O trabalho e
estudo, do condenado, assim como no regime fechado, no regime semiaberto
contam para fins de remição da pena.
Segundo Marcão:
Não obstante a literalidade do texto é notória a falência do regime
semiaberto, que pode ser identificada por diversos fatores. Em primeiro
lugar, e destacadamente, exsurge a absoluta ausência de estabelecimentos
em número suficiente para o atendimento da clientela. Diariamente,
inúmeros condenados recebem pena a ser cumprida no regime inicial
semiaberto. Entretanto, em sede de execução, imperando a ausência de
vagas em estabelecimento adequado, a alternativa tem sido determinar que
se aguarde vaga recolhido em estabelecimento destinado ao regime
fechado, em absoluta distorção aos ditames da Lei de Execução Penal. Não
raras vezes a pena que deveria ser cumprida desde o início no regime
intermediário acaba sendo cumprida quase que integralmente no regime
fechado [...] Em segundo lugar, merece destaque o fato de que o
cumprimento de pena no regime semiaberto não tem apresentado resultado
prático positivo, notadamente no campo da ressocialização, defendida por
muitos doutrinadores como finalidade precípua da pena [...] (MARCÃO,
2011, p.142 e 144).
37
6.3. Regime aberto
Baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (art.
36, caput do CP). Nele, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem
vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada,
permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga (§ 1.º).
O regime aberto é uma ponte para a completa reinserção do condenado na
sociedade. A diferença entre o regime aberto e o fechado e semiaberto se dá em
relação ao trabalho. No regime aberto não há previsão legal de remição da pena, já
que só poderá ingressar nesse regime o apenado que já estiver trabalhando ou
comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente. Sem trabalho não é possível o
regime aberto. Além disso, o condenado deverá demonstrar indícios de
recuperação, autodisciplina e responsabilidade (GRECO, 2011).
O apenado trabalha ou frequenta cursos em liberdade, durante o dia, e
recolhe-se em casa do albergado ou estabelecimento similar à noite e nos dias de
folga (JESUS, 2011). Conforme o § 2.º do art. 36 do CP, o condenado deverá ser
transferido do regime aberto se cometer fato definido como crime doloso, se frustrar
os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada.
A origem da prisão aberta se deu em 1868, no Estado de Nova York, de
forma experimental por meio do probation system, expandindo-se posteriormente no
Direito Britânico (1907), belga (1915), sueco (1918), tcheco-eslovaco (1919). No
Brasil surgiu com o Provimento nº XVI, de 1965, do Conselho Superior de
Magistratura do Estado de São Paulo (JESUS, 2011).
O art. 115 da LEP dispõe as exigências para a concessão do regime aberto:
Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão
de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e
obrigatórias:
I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de
folga;
II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;
III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;
IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades,
quando for determinado.
38
O maior mérito deste regime é manter o condenado em convívio com a
sociedade e a família, o que permite uma maior inclusão em relação aos outros
regimes, assim como uma vida laboral produtiva.
6.4. Progressão de Regime
Quando o condenado inicia o cumprimento da pena no regime estipulado na
sentença, conforme o sistema progressivo é possível a progressão para regime mais
brando. Conforme ao princípio da individualização da pena, a pena privativa de
liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, (art. 112, caput, da Lei n° 7.210/1984,
com redação dada pela Lei n° 10.792/2003).
Os requisitos para a progressão de regime é de que o preso tenha cumprido
ao menos um sexto da pena no regime que iniciou o cumprimento e o mérito do
condenado. A progressão é um misto de tempo mínimo de cumprimento da pena
(critério objetivo) com o mérito do condenado (critério subjetivo). A progressão de
regime é um instrumento de política criminal que tem o objetivo de estimular o
condenado durante o cumprimento da pena (GRECO, 2011).
Na progressão evolui-se de um regime para o outro mais brando. Conforme o
art. 33, §2 do CP. A decisão do magistrado é provisória e, a partir do regime
fechado, pode-se transferir o sentenciado para o regime semiaberto e deste paro o
aberto.
O mérito do condenado deve ser analisado para a possibilidade de progredir
de regime, como o merecimento, aptidão, capacidade que demonstrem a
compatibilidade com o regime mais brando. A progressão não poderá ser feita por
saltos, ou seja, deverá sempre obedecer ao regime legal imediatamente seguinte ao
qual o condenado está inserido.
7. ESTABELECIMENTOS PENAIS
39
Estabelecimentos Penais são todos aqueles utilizados pela Justiça com a
finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda
aqueles que estejam submetidos à medida de segurança4
.
Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à
medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso, devendo ser respeitada a
condição pessoal da mulher e do maior de sessenta anos, pelo que serão,
separadamente, recolhidos a estabelecimento próprio e adequado, sem prejuízo do
mesmo conjunto arquitetônico poder abrigar estabelecimentos de destinação diversa
desde que devidamente isolados (TÁVORA, 2013).
O art. 5º, XLVIII, da Constituição Federal determina que “a pena será
cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a
idade e o sexo do apenado”. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível
com a sua estrutura e finalidade e o limite máximo de sua capacidade será definido
pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, atendendo a sua
natureza e peculiaridades (TÁVORA, 2013).
Os estabelecimentos penais deverão contar com área destinada à educação,
trabalho, recreação e prática esportiva. Deverão, ainda, ser dotados de
compartimentos distintos para as diferentes categorias de reclusos, de modo que os
presos provisórios fiquem separados dos condenados definitivos e os presos
primários sejam mantidos em seção distinta da reservada aos reincidentes. Ao
regular a individualização da pena, o constituinte impôs restrições no que diz
respeito ao público dos estabelecimentos carcerários (art. 5º, XLVIII, CF),
determinando, inclusive, diferenciações de gênero (art. 5º, L) (CARVALO, 2008).
7.1. Penitenciárias
São os estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas
presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado5
. É
também chamado presídio e tem por finalidade acomodar o apenado (preso
definitivo) para fins de cumprimento de pena privativa de liberdade.
4
BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Conceituação e classificação de Estabelecimentos Penais.
Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp>. Acesso em out 2014.
5
BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Conceituação e classificação de Estabelecimentos Penais.
Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp>. Acesso em out 2014.
40
Em razão da Lei n° 10.792/2003, que instituiu o regime disciplinar
diferenciado (art. 52 e ss., LEP), a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os
Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos
provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos àquele regime.
O apenado trabalha no período diurno e fica isolado em cela individual com
dormitório, aparelho sanitário e lavatório (art. 88 da LEP)
São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela
concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico
adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2
(seis metros quadrados)
(LOPES, PIRES e PIRES, 2014).
Tais exigências da LEP estão em consonância com as Regras Mínimas da
ONU para o Tratamento de Reclusos, adotadas em 31 de agosto de 1955, pelo
Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinquentes. O referido dispositivo entende quanto aos locais de reclusão:
9. Locais de reclusão
9.1) As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser
ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como
excesso temporário de população prisional, for necessário que a
administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve
evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.
9.2) Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser
ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como
sendo capazes de serem alojados nestas condições. Durante a noite,
deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de
estabelecimento prisional em causa.
10. Locais destinados aos reclusos
As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios,
devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se
devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a
cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento
e a ventilação
6
.
As exigências também estão em consonância com as Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso no Brasil, Resolução n. 14, do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU, 2-12-1994)
(ANDREUCCI, 2011). O estabelecimento que abriga presos do sexo masculino
6
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre
prevenção ao crime e justiça criminal/ Organização : Secretaria Nacional de Justiça. –Brasília : 2009, p. 15.
41
deverá ser construído, em local afastado do centro urbano, à distância que não
restrinja a visitação.
7.2. Cadeias Públicas
São estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas
em caráter provisório, sempre de segurança máxima. Cada comarca terá, pelo
menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da
Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e
familiar (TÁVORA, 2013).
Tal estabelecimento será instalado próximo de centro urbano, observando-se
na construção as exigências previstas na Lei n.º 7.210/84, em seu artigo 88 e seu
parágrafo único. A cadeia pública destina-se, também, ao cumprimento da prisão
simples, visto que a prisão simples será cumprida sem rigor penitenciário, em
estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime
semiaberto ou aberto, com afastamento dos condenados à pena de reclusão ou de
detenção (LOPES, PIRES e PIRES, 2014).
7.3. Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares
São estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que
cumprem pena em regime semiaberto. Os condenados podem ser alojados em
compartimentos coletivos, observados os requisitos de salubridade exigidos nas
penitenciárias. São requisitos desses estabelecimentos a) a seleção adequada dos
presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de
individualização da pena.
A ideia da prisão própria para o regime semiaberto surgiu na Suíça, com a
construção da prisão de Witzwill. O presídio localiza-se na zona rural e recebia os
condenados que trabalhavam como colonos das fazendas próximas, com pouca
vigilância e considerável confiança nos sentenciados (MIRABETE, 2009).
Na ausência de vaga no regime semiaberto, já decidiu o STJ que “configura-
se constrangimento ilegal o cumprimento de pena em condições mais rigorosas que
42
aquelas estabelecidas na condenação, sob pena de desvio da finalidade da
pretensão executória”7
(ANDREUCCI, 2011).
7.4. Casa do Albergado
A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de
Liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Neste caso,
o prédio respectivo deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais
estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a
fuga.
O art. 95 da Lei de Execução Penal reza que em cada região haverá, pelo
menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para
acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras, devendo o
estabelecimento conter instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos
condenados. Na inexistência de Casa do Albergado, tem se admitido,
excepcionalmente, a concessão de prisão albergue domiciliar, embora em
desrespeito às disposições da LEP, já que essa modalidade de recolhimento
destina-se apenas às hipóteses elencadas no art. 117 da LEP.
Nesse sentido, já decidiu o STJ que:
[...] evidente a inadequação entre a lei de execução da pena e a realidade
brasileira. A inexistência de Casa do Albergado não pode impor ao
condenado regime mais rigoroso; caso contrário, afrontar-se-á o princípio da
legalidade, com flagrante desrespeito do título executório. Na falta de local
próprio, por analogia e precariamente, recomenda-se a prisão domiciliar,
enquanto inexistente no local próprio (STJ – RT, 764/521) (ANDREUCCI,
2011).
7.5. Centro de Observação
Estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde
devem ser realizados os exames gerais e criminológico, cujos resultados serão
encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de
estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa.
Nesse Centro poderão, ainda, ser realizadas pesquisas criminológicas, sendo
instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal. Na falta do
7
STJ – RHC 20.828/MG – Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª T. – DJU, 5-11-2007, p. 286
43
Centro de Observação, os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica
de Classificação.
7.6. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
São estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas à
medida de segurança. O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é o
estabelecimento penal destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis, aplicando-se a
ele, no que couber, as disposições referentes aos requisitos básicos necessários a
assegurar o cumprimento da medida de segurança de maneira a garantir a
efetividade do princípio da dignidade humana (TÁVORA, 2013).
Para os internados, são obrigatórios o exame psiquiátrico e os demais
exames necessários ao tratamento, valendo sublinhar que o tratamento ambulatorial
que se fizer necessário também será realizado no Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada.
7.7. Sistema Carcerário Brasileiro
O Brasil enfrenta uma luta para garantir que os direitos e os princípios
estipulados na Constituição Federal alcancem o condenado às penas privativas de
liberdade. O déficit de vagas, a falta de recursos, as condições precárias, o
despreparado dos agentes públicos, a legislação simbólica e a própria cultura de
punição são obstáculos para que se possa construir um ambiente digno para os
sentenciados.
Segundo os dados de Junho de 2014 do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas – DMF, a população carcerária do país é de atualmente 563.526
(quinhentos e sessenta e três mil quinhentos e vinte e seis) sentenciados (ver anexo
A), com um déficit de vagas nos estabelecimentos penais de 206.307 vagas8
(anexo
C). Ao ser submetido em maio de 2012 pela Revisão Periódica Universal -
instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU - o
8
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Novo Diagnóstico de Pessoas Presas. Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas - DMF
Brasília/DF, junho de 2014.
44
Brasil recebeu como recomendação “melhorar as condições das prisões e enfrentar
o problema da superlotação” 9
.
Há, de acordo com os dados do Departamento, apenas 357.219 vagas no
sistema carcerário contra um número de 711.463 pessoas presas, computada a
prisão domiciliar (ver anexo D). A própria lei de execução penal determina que: “Art.
88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho
sanitário e lavatório”.
Conduto, a realidade que se vê diariamente são celas são superlotadas, às
vezes com a impossibilidade física dos condenados se movimentarem ou dormirem
confortavelmente. A concretude das prisões brasileiras mais se assemelha a
calabouços medievais, escuros, lúgubres e austeros, onde um tratamento digno se
encontra distante da realidade.
A proporção de presos por 100 mil habitantes no país atualmente é de 358
presos (anexo E). É notável o salto deste número em relação aos dados do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2012, que atestou neste ano
287,31 presos por 100.000 habitantes.
O Brasil também é o terceiro país com a maior população carcerária,
contando com a prisão domiciliar, abaixo apenas dos Estados Unidos e China,
conforme o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, da Faculdade de Direito
King’s College, da Universidade de Londres, Reino Unido (anexo F) 10
.
Importante frisar que segundos os dados do Banco Nacional de Mandados de
Prisão, há 373.991 mandatos de prisão a serem cumpridos. A população carcerária
em regra, deveria ser maior, tendo um número total, com os mandatos de prisão em
aberto, mais o número de pessoas presas, de 1.085.454. Tal hipótese formaria um
déficit de vagas ainda maior, de 728.235 vagas (anexo G).
Em 1990, o Brasil tinha 146.592.579 habitantes. No ano de 2010, houve um
aumento para 190.755.799 habitantes. Em 20 anos o crescimento populacional no
país foi de 30%. Já a população carcerária que era de 90.000 presos, em 1990,
9
GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas
sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45-
finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
10
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Novo Diagnóstico de Pessoas Presas. Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas –
DMF, Brasília/DF, junho de 2014.
45
saltou para 513.802 detentos, em 2012. Isso representa um crescimento de 471%
da população carcerária em 20 anos e meio.
Logo, a taxa de crescimento da população carcerária foi 15,7 vezes maior que
a taxa de crescimento da população brasileira11
. Entre dezembro de 2005 e
dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361.402 para 473.626
presos, o que representou um crescimento, em quatro anos, de 31,05%12
.
Em relação aos estabelecimentos penais há, de acordo com o Sistema
Nacional de Informação Penitenciária (InfoPen), em 2012 o país contava com 1.478
estabelecimentos penais. Destes, 417 são penitenciárias masculinas e 53
femininas13
. São 821 cadeias públicas em todo o país, femininas e masculinas. Em
relação à casa de Albergados, há apenas 67 estabelecimentos em todo o território,
número escasso comparado à alta população carcerária do Brasil.
Em relação à escolaridade dos sentenciados, a maior taxa de presos se
encontra com o ensino fundamental incompleto, sendo 219,241 homens e 12,188
mulheres com tal grau de instrução somando 231,429 presos. Percebe-se, portanto,
que há uma expressiva margem de pessoas com baixa escolaridade envolvidas no
crime, já que, com limitadas oportunidades de empregos e oportunidades para esses
indivíduos, há uma maior propensão para o envolvimento em delitos.
Quanto ao indicativo de presos envolvidos em alguma atividade educacional
apenas 47,355 dos 548.003 presos no ano de 2012 realizavam atividades divididas
em alfabetização, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior e cursos
técnicos14
. O número é exíguo comparado ao total da população carcerária,
demonstrando mais uma vez a dificuldade do Estado em concretizar as medidas
legais dispostas na LEP, em relação à educação carcerária.
As tentativas de dirimir este problema palpitante levaram à reafirmação da
jurisdicionalização em 1994, quando da implementação das Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso no Brasil. Não obstante ter estabelecido relações específicas e
11
GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas
sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45-
finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
12
BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Sistema Prisional. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>.
Acesso em out 2014.
13
BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias – InfoPen. Relatório Depen – 2012. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>. Acesso em out
2014.
14
BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias – InfoPen. Relatório Depen 2012 Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>. Acesso em out 2014.
46
diretas do apenado com a Administração e com o Judiciário, vislumbrando maiores
possibilidades de tutela (arts. 31 e 32 da Resolução n° 14, de novembro de 1994),
percebe-se que a execução penal ainda continua sendo um território de vácuo
jurídico em termos de validade e eficácia constitucional (CARVALHO, 2008).
O relatório de Conclusões e Recomendações do Comitê da ONU Contra a
Tortura de 2001, concluiu pela superlotação dos presídios brasileiros, ausência de
comodidade e falta de higiene das prisões, falta de serviços básicos e de assistência
médica adequada e, em especial, pela violência entre os detentos e pelos abusos
sexuais (GRECO, 2011).
Greco lista os principais problemas do sistema prisional brasileiro e porque
ele não consegue efetivar os princípios esculpidos da Constituição Federal: a)
Ausência de compromisso por parte do Estado no que diz respeito ao problema
carcerário; b) controle ineficiente por parte daqueles que deveriam fiscalizar o
sistema penitenciário; c) Superlotação carcerária; d) Ausência de programas
destinados à ressocialização dos condenados; e) Ausência de recursos mínimos
para a manutenção da sua saúde; f) Despreparo dos funcionários que exercem suas
funções no sistema prisional (GRECO, 2011).
8. A LEITURA COMO EXTENSÃO DO ESTUDO PARA FINS DE REMIÇÃO
8.1. A Remição
Remição é o ato ou efeito de remir (-se); liberação de pena, de ofensa, de
dívida; quitação, resgate (HOUAISS, 2001). A remição é a possibilidade de resgate
da pena privativa de liberdade pelo trabalho e, com a edição da Lei 12.433/2011,
incluiu-se a possibilidade de remir a pena pelo estudo (NUCCI, 2011).
Remir significa resgatar, abater, descontar, pelo trabalho ou estudo realizado
dentro do sistema prisional, parte do tempo da pena cumprir. O preso provisório, que
não está obrigado a trabalhar, também poderá remir parte de sua futura condenação
(BITENCOURT, 2010).
A remição é uma nova proposta inserida na legislação penal pela Lei nº
7.210/84 e tem como finalidade mais expressiva a de abreviar, pelo trabalho ou
estudo, parte do tempo de condenação. O instituto da remição está consagrado no
Código Penal espanhol (art.100) e sua origem remonta ao direito penal militar da
47
guerra civil espanhola, estabelecido pelo decreto de 28/5/1937 para os prisioneiros
de guerra e os condenados por crimes especiais (MIRABETE, 2009).
A remição foi criada pela LEP e, portanto tem caráter geral, abrangendo todos
os condenados sujeitos a esse diploma legal, A natureza da lei é material – penal,
tendo aplicação retroativa, por se tratar de lei mais benéfica. Dessa forma, retroagirá
para beneficiar os apenados.
8.1.1. Origens da remição
A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal em seu item 133 mostra a
detalha a origem da remição:
"O instituto da remição é consagrado pelo Código Penal Espanhol (art.100).
Tem origem no Direito Penal Militar da guerra civil e foi estabelecido por
decreto de 28 de maio de 1937 para os prisioneiros de guerra e os
condenados por crimes especiais. Em 7 de outubro de 1938 foi criado um
Patronato Central para tratar da redención de penas por el trabajo e a partir
de 14 de março de 1939 o benefício foi estendido aos crimes comuns. Após
mais alguns avanços, a prática foi incorporada ao Código Penal com a
Reforma de 1944. Outras ampliações ao funcionamento da remição
verificaram-se em 1956 e 1963"
15
.
Embora houvesse notícias de casos de diminuição de pena em decorrência
do trabalho do condenado nas Ordenações Gerais dos Presídios da Espanha em
1834 e 1928, e no Código Penal espanhol de 1822, a redención de penas por el
trabajo foi instituída nos termos em que hoje é conhecida pelo Decreto n. 281, de 28-
5-1937, com relação aos condenados de guerra e por delitos políticos, sendo
incorporada ao Código Penal espanhol na reforma de 1944 (art. 100).
8.1.2. Efeitos da Remição
O tempo remido será computado não só para abreviar o cumprimento da
pena, como também para a concessão de livramento condicional e indulto (art. 128
da LEP).
Como cautela para evitar distorções comprometedoras à eficiência e ao
critério do instituto, determina-se que a remição depende de declaração do juiz da
execução ouvido previamente o Ministério Público (art. 126 § 8° da LEP).
Desta forma:
15
BRASIL. Ministério da Justiça. Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal. Disponível em: <
portal.mj.gov.br/services>. Acesso em set. 2014.
Remição da pena por leitura no sistema penitenciário brasileiro
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Remição da pena por leitura no sistema penitenciário brasileiro

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FABIANA SOUZA DA SILVA REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO BOA VISTA – RORAIMA 2014
  • 2. FABIANA SOUZA DA SILVA REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO Monografia apresentada ao Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), como pré- requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ilaine Aparecida Pagliarini BOA VISTA – RORAIMA 2014
  • 3. FABIANA SOUZA DA SILVA REMIÇÃO DA PENA POR MEIO DA LEITURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO Monografia apresentada ao Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), como pré- requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Defendida em ____ de novembro de 2014 e avaliada pela seguinte banca examinadora: ________________________________________________________________ Prof. Ilaine Aparecida Pagliarini Orientadora/ Instituto de Direito – Universidade Federal de Roraima ________________________________________________________________ Prof. 2 Curso ________________________________________________________________ Prof. 3 Curso
  • 4. AGRADECIMENTOS Primeiramente, aos meus pais, que desde o início se comprometeram com a minha educação, forma mais pura de elevação do ser humano. Ao meu irmão, por ser um espelho a qual procuro me refletir e a todos os amigos e familiares que contribuíram na minha jornada como acadêmica. À Universidade Federal de Roraima e aos professores do curso de Bacharelado em Direito, por terem sido uma porta de entrada ao conhecimento do mundo jurídico. À professora Ilaine, que aceitou me orientar e contribuiu imensamente para a realização deste trabalho.
  • 5. “Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias”. (Mario Vargas Llosa)
  • 6. RESUMO O presente trabalho pretende a suscitar os principais pontos relativos ao instituto da remição e a possibilidade de remir a pena por meio do estudo e da leitura. A pesquisa fornece um panorama geral sobre o sistema carcerário brasileiro, assim como as teorias essenciais acerca da pena, seu fundamento e finalidade. Entretanto o enfoque principal do estudo é a remição pelo estudo por meio da leitura como instrumento nobre e apto a promover a reintegração do apenado à sociedade, ainda dentro dos estabelecimentos penais. A remição da pena por estudo por meio da leitura constitui-se na disseminação da leitura nos espaços prisionais podendo proporcionar o resgate da autoestima, trocando momentos ociosos por atividades enriquecedoras, que contribuem para a ressocialização do preso. Por meio do projeto, pretende-se ampliar a capacidade leitora, oportunizando ao que lê a mudança de opinião, construção de pensamentos críticos que vislumbrem melhor convivência na sociedade, bem como formar leitores melhor preparados para concluir a escolarização básica, e ingressar no ensino superior e posterior inserção no mercado de trabalho. Palavras-chave: Sistema Carcerário. Remição da Pena. Leitura. Ressocialização.
  • 7. ABSTRACT This paper aims to raise the main points relating to the institution of redemption and the possibility of redeeming the punishment by studying and reading. The research provides an overview of the Brazilian prison system, as well as the essential theories of punishment, its foundation and purpose. However the main focus of the study is redemption through the study via reading as a noble instrument and able to promote the reintegration of the convict into the society, still within the prisons. The redemption of the penalty by study through reading constitutes in the dissemination of reading in prisons, providing the rescue of the self-esteem, exchanging idle moments for enriching activities that contribute to the rehabilitation of the prisoners. The project intends to expand reader capacity providing opportunities to the reader change his mind, build critical thinking, that envisage better coexistence in society as well as to form better readers prepared to complete basic schooling, and enter higher education and subsequent the insertion into the labor market. Key-words: Prison System. Redemption of the penalty. Reading. Resocialization.
  • 8. LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS CP – Código Penal DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional DMF – Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário InfoPen – Sistema Nacional de Informação Penitenciária LEP – Lei de Execuções Penais ONU – Organizações das Nações Unidas STJ – Superior Tribunal de Justiça
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1. ESCOLAS PENAIS E TEORIAS SOBRE A FUNÇÃO DA PENA................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.1. O CONTROLE DO IUS PUNIENDI PELO ESTADO........................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.2. A JUSTIFICAÇÃO DO CONTROLE DO DIREITO DE PUNIR PELO ESTADO ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2. DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS......................................................................17 2.1. ESCOLA CLÁSSICA ...............................................................................................17 2.2. ESCOLA POSITIVISTA ............................................................................................18 2.3. ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA .................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.4. ESCOLA CORRECIONALISTA..................................................................................... 2.5. DEFESA SOCIAL...................................................................................................... 3. AS FUNÇÕES DA PENA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1. TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUCIONISTAS DA PENA............................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2. TEORIAS RELATIVAS OU PREVENTIVAS DA PENA.......................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.3. A PREVENÇÃO GERAL.................................................................................................................... 3.4. A PREVENÇÃO ESPECIAL..............................................Erro! Indicador não definido. 3.5. A TEORIA MISTA OU UNIFICADORA DA PENA............................................................................... 3.6. A FUNÇÃO DA PENA NO DIREITO BRASILEIRO...............................................................................
  • 10. 4. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.1. A PENA.................................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.2. HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.3. PENA DE RECLUSÃO................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.4. PENA DE DETENÇÃO .................................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.5. PENA DE PRISÃO SIMPLES............................................................................................ 5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS ....................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 5.1. SISTEMA PENSILVÂNICO OU CELULAR...................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 5.2. O SISTEMA DE AURBURN ........................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 5.3. O SISTEMA PROGRESSIVO OU INGLÊS.............................................................................. 6. REGIMES PENAIS .......................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 6.1. REGIME FECHADO ................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 6.2. REGIME SEMIABERTO.............................................................................................. Erro! Indicador não definido. 6.3. REGIME ABERTO.............................................................................................................................. 6.4. PROGRESSÃO DE REGIME............................................................................................. 7. ESTABELECIMENTOS PENAIS.............................................................................. 7.1. PENITENCIÁRIAS............................................................................................................................... 7.2. CADEIAS PÚBLICAS.................................................................................................... 7.3. COLÔNIAS AGRÍCOLAS, INDUSTRIAIS OU SIMILARES........................................................ 7.4. CASA DO ALBERGADO................................................................................................. 7.5. CENTRO DE OBSERVAÇÃO........................................................................................... 7.7. SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO............................................................................... 8. A LEITURA COMO EXTENSÃO DO ESTUDO PARA FINS DE REMIÇÃO........... 8.1. A REMIÇÃO............................................................................................................... 8.1.1. Origens da remição.......................................................................................... 8.1.2. Efeitos da Remição.......................................................................................... 8.1.3. Reconhecimento da Remição.......................................................................... 8.1.4. Da perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave...................... 9. REMIÇÃO PELO TRABALHO................................................................................ 9.1. O TRABALHO INTERNO...............................................................................................
  • 11. 9.2. O TRABALHO EXTERNO............................................................................................... 10. REMIÇÃO PELO ESTUDO.................................................................................... 10.1. A REMIÇÃO PELA LEITURA......................................................................................... 10.1.2. A Lei 17.329 de 2012..................................................................................... 10.1.3. Recomendação nº 44 de 2013...................................................................... 10.1.4. A Leitura como instrumento de ressocialização do preso......................... 10.1.5. A legalidade da remição pela leitura............................................................. CONCLUSÃO ...................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. ANEXOS.......................................................................................................................
  • 12. 10 INTRODUÇÃO O sistema prisional brasileiro enfrenta grandes desafios em relação a seu impacto ao apenado e de como ele é visto pela sociedade após ter cumprido sua pena. O estigma que o preso carrega, mesmo depois de cumprida a sua pena, é um dos fatores que trazem dificuldades para a ressocialização do apenado. Combinado com, via de regra, um histórico social desprivilegiado, a tendência é que tais indivíduos cometam novos crimes, pois se veem sem oportunidades reais para mudar sua condição. Tais questões afetam de maneira acentuada a percepção que o preso tem de si mesmo e do seu papel ao deixar o estabelecimento em que cumpre sua pena. A falta de uma estrutura eficiente, que tenha por objetivo preparar o apenado para retornar à sociedade com perspectivas concretas de aceitação, causa diversos problemas, como reincidências no crime, maus comportamentos na prisão, fugas, perda de oportunidades de emprego etc. Desse modo, surgem alguns questionamentos. Quais os meios que o Estado pode se valer para recuperar o apenado do próprio sistema a qual é inserido? O Estudo e o trabalho durante o cumprimento da pena são fatores edificantes para o reeducando? A remição da pena por meio da leitura como analogia ao estudo possui o condão de reestruturar e abrir novos horizontes aos presos? Há uma estrutura eficiente para que tais projetos sejam implantados e tenham efetividade? Quais os desafios do Poder Público e da política pública, além da própria sociedade em geral ao realizar atividades de ressocialização no sistema prisional? Desde o início da sociedade, as normas em sua essência originaram na natureza de controlar o comportamento humano e punir os que não seguissem tal ordem. A infração à ordem joga toda a sociedade contra o infrator perfazendo-se uma relação desigual, onde de um lado está todo o direito, todo o poder e toda a
  • 13. 11 razão (FOUCAULT, 2010). Com a humanização da sociedade, a pena de morte deixou de ser o principal flagelo adotado aos que transgrediam as normas sociais, assim como a pena deixou de ser vista como instrumento vindicativo, passando a ser vista como meio de reeducação do indivíduo. Depois de muitos equívocos na gestão prisional, como a justificação de torturas, insalubridade, penas degradantes e nenhum respeito aos apenados, houve uma mudança de política criminal no sentido de ver a norma e a pena como defesa da sociedade perante aqueles que não a respeitam. A prisão, nos dias atuais, tenta se livrar destes vestígios e tornar-se mais humanista, respeitante os direitos individuais contidos na Constituição Federal. O Poder Público, por meio de políticas públicas e mudanças legislativas, busca penas alternativas à privativa de liberdade, além de destinar recursos para que os Estados possam efetivar projetos educacionais, oficinas de formação profissional, tendo como objetivo diminuir a população carcerária no Brasil. A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem à pessoa o direito de autodeterminação, por a privarem da sua liberdade. Logo, o sistema penitenciário não deve, exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação. O modelo constitucional de organização social e política o Brasil é o Estado Democrático de Direito, de forma que toda a estratégia política criminal deve se valer do princípio da dignidade humana e aos valores a ela inerentes. O modelo penal garantista também embarca nessa concepção de Estado Constitucional de Direito tendo sempre a Constituição como base para as normas que dela precedem (BOTTIN; MENDES; PACELLI, 2011). A estrutura carcerária no país ainda enfrenta sérias deficiências e há enormes desafios para se efetivar uma organização educacional nos presídios, já que tais ambientes são ainda vistos como “locais de punição” e não de recuperação dos apenados. O Estado necessita questionar a própria fundamentação da pena e de seus objetivos para que a sociedade em geral volte-se para uma solução mais adequada e compatível com os princípios humanistas incutidos na Constituição Federal.
  • 14. 12 A remição é um instituto tratado pela Lei de Execução Penal em seus artigos 126 a 130. A Lei 12.433/2011 trouxe a hipótese de remição da pena por meio do estudo, mantendo a tradicional remição pelo trabalho (NUCCI, 2011). O Departamento penitenciário nacional, órgão do Ministério da Justiça, instituiu projeto que integra a leitura a outros de mesma natureza executados nas penitenciárias nacionais, considerando a leitura uma forma análoga ao estudo. A Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, disciplina o Projeto da Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. A partir desta Portaria, várias normativas surgiram com o fito de formalizar e buscar a aplicação do Projeto Remição pela Leitura, como a Lei 17.329, de 8 de Outubro de 2012 do Estado do Paraná, que instituiu o Projeto Remição pela Leitura no âmbito dos estabelecimentos penais do referido estado. O estudo do tema proposto fundamenta-se, portanto, na necessidade de discutir sobre as possibilidades que a remição por meio da educação, mais especificamente por meio da leitura traz ao sistema prisional e seu impacto presente e futuro. Desse modo, demonstra-se imprescindível o estudo de tal instituto com a finalidade de reconhecer sua importância, benefícios assim como as dificuldades e os desafios que o cenário prisional brasileiro apresenta. O objetivo geral do presente estudo se coaduna em analisar a remição da pena por meio da leitura no sistema prisional nacional, suas características, implementação e funcionamento. Quanto aos objetivos específicos, o estudo se propõe a apresentar e examinar a institucionalização do Projeto Remição por meio da Leitura no contexto nacional; questionar a real eficácia de tal projeto e os desafios para sua concretização; demonstrar como o estudo e a educação podem afetar os apenados; e avaliar possíveis soluções para a problemática apresentada. A forma de abordagem para realização teórica da pesquisa será qualitativa, pois objetiva-se analisar os dispositivos normativos que criaram a possibilidade da remição pelo estudo e, assim, também pela leitura de obras. Outrossim, serão explorados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema. Ao seu turno, as técnicas utilizadas para a coleta e estudo de dados serão, eminentemente, de pesquisa e revisão bibliográfica, com estudo doutrinário e jurisprudencial, e análise de artigos, além de análise de dados atuais sobre o encarceramento. Dessa forma, pretende-se proporcionar embasamento teórico ao trabalho e proporcionar um panorama perfunctório do encarceramento no país.
  • 15. 13 Demais disso, o trabalho contará com uma estrutura básica e delimitada ao tema, introduzindo o assunto com abordagens gerais, seguidas de uma contextualização conceitual com a atual realidade da matéria, assim como demostrar um panorama do sistema carcerário nacional. Com o intuito de sistematizar a abordagem do assunto, a presente pesquisa foi dividida em três capítulos: Escolas Penais e Teorias sobre a Função da Pena; A Pena Privativa de Liberdade e os Sistemas Penitenciários; e A leitura Como Extensão do Estudo Para Fins de Remição. No primeiro capítulo serão feitas considerações acerca do controle do ius puniendi pelo Estado e como esta legitimação se deu e como se mantém até hoje. As principais doutrinas e Escolas penais serão analisadas e como cada uma aborda a questão do crime e dos objetivos do sistema penal. Também serão discutidas as funções da pena no atual Estado Democrático de Direito, principalmente as questões relacionadas à finalidade que o legislador brasileiro busca para a pena, em consonância com os Direitos Humanos conquistados nos últimos anos e consagrados na Constituição Federal de 1988. Já o segundo capítulo trata sobre a pena, focando na pena privativa de liberdade e suas espécies. Será visto um breve histórico da pena de prisão, desde o seu surgimento, ainda na idade média, até os tempos atuais. Os sistemas penitenciários serão abordados para que haja uma maior compreensão sobre a evolução da pena privativa de liberdade na sociedade. Os regimes de cumprimento da pena de prisão, os estabelecimentos penais e o contexto atual do sistema carcerário nacional também serão pontos abordados neste capítulo. O terceiro e último capítulo destina-se a tratar sobre o instituto da remição, sua origem, efeitos, procedimento, o seu reconhecimento, a perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave etc. A remição pelo trabalho e pelo estudo serão exploradas, assim como as reformas realizadas pela Lei.12.433/2011. Haverá, finalmente, a análise sobre a novidade da remição pela leitura, como surgiu, os propósitos, procedimentos e as dificuldades da implantação do projeto nos estabelecimentos penais do Brasil. Destaque, a Portaria Conjunta nº 276 de 20 de junho de 2012, A Lei 17.329 de 08 de Outubro de 2012, do Estado do Paraná e a Recomendação nº 44 no dia 26 de Novembro de 2013 do Conselho Nacional de Justiça.
  • 16. 14 Haverá, por fim, um tópico em relação à leitura como instrumento ressocializador do apenado, que deixa o sistema carcerário para enfrentar a sociedade. A remição da pena por estudo por meio da leitura constitui-se na disseminação da leitura nos espaços prisionais podendo proporcionar o resgate da autoestima do preso e garantir maiores chances de uma vida digna depois do cumprimento de sua pena. Será abordado ainda sobre a questão da legalidade e isonomia da instituição do projeto da remição pela leitura, como extensão do estudo. A forma de abordagem para realização teórica da pesquisa será qualitativa, pois objetiva-se analisar os dispositivos normativos que criaram a possibilidade da remição pelo estudo e, assim, também pela leitura de obras. Outrossim, serão explorados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema. Ao seu turno, as técnicas utilizadas para a coleta e estudo de dados serão, eminentemente, de pesquisa e revisão bibliográfica, com estudo doutrinário e jurisprudencial, além dos dispositivos normativos que tratam sobre a remição pela leitura. Dessa forma, pretende-se proporcionar embasamento teórico ao trabalho. Demais disso, o trabalho contará com uma estrutura básica e delimitada ao tema, introduzindo o assunto com abordagens gerais, seguidas de uma contextualização conceitual com a atual realidade da matéria.
  • 17. 15 1. ESCOLAS PENAIS E TEORIAS SOBRE A FUNÇÃO DA PENA 1.1. O Controle do Ius Puniendi Pelo Estado A sociedade humana é marcada por relações colidentes, pois os anseios e decisões de uns nem sempre são compatíveis com as dos demais, o que naturalmente gera conflitos de interesse. Tal fenômeno pode causar atos ofensivos, que o ser humano estabeleceu como crime. Portanto, o fenômeno do crime surge como uma mácula social que desestabiliza o controle da sociedade e põe em risco o bem-estar coletivo. Logo, quando a paz e o equilíbrio são contrariados por atos estabelecidos como crimes faz-se necessária uma intervenção estatal para reestabelecer a paz. Contrariando a autotutela, na qual as partes envolvidas no conflito se protegem e punem o ofensor da ordem, o Estado atualmente toma para si a tarefa de punir, da forma mais imparcial possível, o indivíduo que transgrediu uma regra social, punida criminalmente. O ius puniendi, portanto, é atividade exclusiva do Estado, concretizando-se pela efetiva necessidade de intervenção estatal (SANTOS, 2011). 1.2. A justificação do controle do direito de punir pelo Estado Para justificar a necessidade de o Estado deter o Ius Puniendi o ocidente se volta aos filósofos pré-socráticos e a Tragédia Grega, no que se perfez a Dimensão Cósmica. Segundo Cesário dos Santos (2011, p. 19): “O cosmo designa o ser ordenado. Logra leis próprias às quais devem inclinar-se todas as divindades e homens. Eis que a necessidade punitiva foi concebida por uma exigência da ordem do mundo”. Já a Dimensão racionalista surgiu na era moderna que contém traços da necessidade punitiva. Conforme Hobbes há uma necessidade de intervenção de um Estado forte, pois o homem é por natureza um ser egoísta e transgressor. O Estado de natureza descrito pelo filósofo traz uma concepção humana de eterno conflito, uma guerra de todos contra todos, no qual não há paz social. É preciso que cada indivíduo renuncie seus direitos individuais em prol da comunidade:
  • 18. 16 Cedo e transfiro o direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a eles o teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado (HOBBES, 1997, p.109). Locke segue uma linha similar à Hobbes. O filosófico acredita que o Estado deve exercer o poder de punir em nome da conservação, tanto da espécie humana como da paz social. Locke reconhece que no estado de natureza do homem não há regularidade da defesa e da punição, e utiliza desta alegação para fundamentar a necessidade do contrato social: Entendo, pois, o poder político o direito de elaborar as leis, incluindo a pena de morte e, portanto as demais penalidades menores, no intuito de regular e conservar a propriedade, e de utilizar a força da comunidade para garantir a execução de tais leis e para protegê-las de ofensas externas. E tudo visando só ao bem da comunidade. (LOCKE, 2002, p. 14). Conforme esclarecem Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Grinover e Cândido Rangel Dinamarco: Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação da sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2007, p. 21). Hodiernamente, é o magistrado o responsável por impor a punição legitimada pelo Estado com o fito de estabelecer a ordem social e prevenir novos atentados a esta. Hoje é deste modo que o Ius Puniendi é legitimado em nome do contrato social. Como prelecionam Antônio Garcia-Pablos de Molina, Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes: A autoafirmação do Estado moderno como máxima instância política frente às restantes instituições sociais foi produto de um lento processo histórico paralelo ao da concentração do ius puniendi em suas mãos. Numa sociedade conflitiva, pluralista e democrática (tal como a do nosso tempo) o ius puniendi estatal pode se apresentar como instância pública capaz de resolver o conflito criminal – e as expectativas que ele gera – de forma pacífica e institucional, de forma racional e previsível, formalizada, eficaz, com escrupuloso respeito às garantias individuais, quando fracassam os mecanismos primários de autoproteção da ordem social. Só o ius puniendi
  • 19. 17 estatal encontra-se em condições de assegurar a justa tutela dos bens jurídicos fundamentais, monopolizando a violência privada assim como a autodefesa (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, BIANCHINI e GOMES, 2009, p. 209). A legitimação do controle absoluto da sanção penal pelo Estado passou e ainda passa por crises nítidas que são perceptíveis ao analisar a forma quase ingênua e neófita que o detentor do ius puniendi a maneja. Dois movimentos indistintos e contrários estão presentes quando falamos sobre tais crises, convivendo concomitantemente em um mesmo espaço social. Em primeira mão, uma legislação penal exclusivamente simbólico, cética em relação à reeducação e ressocialização do apenado, tendo a pena como um fim em si mesmo, tratando-a como o castigo merecido ao transgressor, desprezando o fato de o Direito penal ser incapaz de exercer, por si só, o papel que se lhe atribui (de diminuição da violência). De outro lado, vê-se, em ocasiões mais raras, a preocupação do legislador, quando na sua tarefa criadora, com direitos e garantias ao cidadão. 2. DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS Os ideais iluministas e humanistas que atingiram a Europa, principalmente com o advento da Revolução Francesa, que tiveram como principais expoentes Rousseau, Montesquieu e Voltaire, combateram fortemente a legislação penal da época, propondo penas mais dignas, a individualização e a proporcionalidade da pena e redução da crueldade que era veementemente utilizada nas prisões. São chamadas "escolas penais" as diversas correntes filosófico-jurídicas em matéria penal que surgiram nos Tempos Modernos. Elas se formaram e se distinguiram umas das outras e tratam com problemas que abordam o fenômeno do crime e os fundamentos e objetivos do sistema penal. Beccaria foi o primeiro a apresentar um projeto consistente de mudança, com a obra Dos Delitos e das Penas de 1764, tornando-se o percussor da escola clássica. As escolas penais são classificadas como um conjunto de concepções sobre a legitimidade do direito de punir, sobre o conceito de crime e a finalidade da sanção. 2.1. Escola Clássica A Escola clássica surgiu basicamente com a introdução dada por Cessare Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas (1764) com notórias influências
  • 20. 18 iluministas, que serviu como forma de humanização das ciências penais. As penas comuns do século XVIII eram dotadas de crueldade e espirito de vingança, o que exigiu uma reforma completa do sistema penal vigente. Beccaria era contrário à pena de morte, às penas cruéis e defendia o principio da proporcionalidade da pena em relação ao ato criminoso praticado e ao dano que efetivamente causou à sociedade. A pena além de punir, deveria ter a missão de regenerar o transgressor (NUCCI, 2011). Neste sentido: “Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime” (BECCARIA, 1998, p. 94). Para a Escola Clássica, a pena é um mal imposto ao indivíduo merecedor de um castigo, por motivo de uma falta considerada crime, cometida voluntária e conscientemente. A finalidade da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade. A pena era vista pelos clássicos como uma medida repressiva, aflitiva e pessoal, que se aplicava a um indivíduo que houvesse agido com vontade e consciência (BITENCOURT, 2010). Foram os clássicos, com o principal expoente na figura de Francesco Carrara, que iniciaram a sistematização e elaboração do exame analítico do crime. Tal processo lógico-formal foi o ponto de partida para a formalização da dogmática da Teoria Geral do Delito. A Escola Clássica era adepta da limitação do Direito Penal e do arbítrio dos juízes, transformando-os em meros executores da lei. O processo de modernização do direito penal teve nítida influência com os ideais iluministas de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). A inspiração do contratualismo tendia para uma racionalização na aplicação das penas, uma vez que o indivíduo teria delegado parte de sua liberdade para o Estado punir, nas medidas necessárias e sem excessos, os que agiam contra a comunidade. Além disso, a pena começa a ser vista como instrumento de prevenção de crimes, em contraposição à sua exclusiva tarefa de castigar (NUCCI, 2011). 2.2. Escola Positivista A Escola Positivista tem seus primeiros passos no final do século XIX, com o advento dos estudos biológicos e sociológicos. Tal corrente surgiu no contexto do acelerado crescimento das ciências sociais.
  • 21. 19 Esta nova corrente filosófica teve como precursor Augusto Comte, que representou a ascensão da burguesia emergente após a Revolução de 1789. Tinha o objetivo de proteger a sociedade de forma mais efetiva contra a ação dos “delinquentes”, dando-se prevalência aos direitos sociais em relação aos individuais. A ressocialização do transgressor, portanto, passa a um segundo plano (BITENCOURT, 2010). Trata-se aqui de um confronto de ideias entre a Escola Clássica e a Escola Positivista; a primeira exalta o princípio individualista, em detrimento da sociedade; já a segunda preocupa-se com a coletividade, dispensando o indivíduo. A Escola positivista via a criminalidade como algo biológico, inerente ao indivíduo, como uma patologia social, dispensando assim a necessidade de responsabilidade penal fundar-se moralmente por princípios humanistas. A Escola Positiva pode ser dividida em três fases distintas, com três autores símbolos em cada uma delas: fase antropológica: Cesare Lombroso (L’Uomo Delinqüente); fase jurídica: Rafael Garofalo (Criminologia); e fase sociológica: Enrico Ferri (Sociologia Criminale). Na primeira fase, o médico-psiquiatra Cesare Lombroso veio abrir novos horizontes aos estudos sobre o criminoso e a pena, atentando-se à figura do homem delinquente, observando-o antes mesmo de observar o crime. Lombroso parte da ideia básica da existência de um criminoso nato, cujas anomalias constituiriam um tipo antropológico específico. Ao longo de seus estudos, Lombroso foi modificando sucessivamente sua teoria. Primeiramente, pensou-se a explicação do delito pelo atavismo. O criminoso seria um ser atávico, isto é, que representa uma regressão ao homem primitivo ou selvagem. Ele já nasce delinquente, portador de características que o impediriam de se adaptar em sociedade (NUCCI, 2011). Lombroso pensou na epilepsia, que ataca os centros nervosos e perturba o desenvolvimento do organismo, produzindo regressões atávicas. Por fim, completando as explicações biológicas do crime, Lombroso apresenta a loucura moral, que aparentemente deixa íntegra a inteligência, porém age como supressor do senso moral (NORONHA, 2000). Rafael Garófalo, percussor da fase jurídica do positivismo italiano, defendia que no indivíduo há dois sentimentos básicos, a piedade e a probidade (justiça) e o delito é uma lesão desses sentimentos (MIRABETE, 2009).
  • 22. 20 Já Henrique Ferri ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu, ainda, as paixões em: sociais (amor, piedade, nacionalismo etc.) e antissociais (ódio, inveja, avareza etc.). A Escola Positivista teve grande influência sobre a teoria da individualização da pena, princípio que rege no Direito Penal até os dias de hoje. É preciso levar em consideração as qualidades inerentes ao indivíduo, como personalidade, conduta social e outras para a fixação justa da pena. 2.3. Escola Técnico-Jurídica A escola Técnico-Jurídica inicia-se em 1905 e é uma reação à confusão metodológica criada pela corrente positivista. Procura-se restaurar o critério propriamente jurídico da ciência do Direito Penal. Os positivistas mesclavam os campos do Direito Penal, Política Criminal e da Criminologia. Havia uma preocupação excessiva com os aspectos antropológicos e sociológicos do crime, em detrimento do jurídico. O seu primeiro expoente é Arturo Rocco, com sua famosa aula magna na Universidade de Sassari, em 1905 (BITENCOURT, 2010). O maior objetivo é desenvolver a ideia que a ciência penal é autônoma, com objeto e métodos próprios, ou seja, é única, não se misturando com outras ciências (antropologia, sociologia, filosofia, estatística, psicologia e política). O Direito Penal continha de tudo, menos Direito. Rocco propõe uma reorganização onde o estudo do Direito Criminal se restringiria apenas ao Direito Positivo vigente (BITENCOURT, 2010). Uma das características dessa corrente é o distanciamento da investigação filosófica, empregando com rigor científico o método denominado técnico-jurídico. Isso num primeiro momento, pois posteriormente, outros penalistas, embora adotando o novo método de estudo, não se afastariam por completo do jusnaturalismo, ressuscitando o livre-arbítrio como fundamento do direito punitivo. 2.4. Escola Correcionalista
  • 23. 21 Surgiu primeiramente na Alemanha, em 1839, com a dissertação de Karl Roder, Comentatio an poena malum esse debeat tenso, seu principal fundamento em Krause, expoente do idealismo romântico alemão. A principal característica da Escola correcionalista é a correção ou emenda do ser infrator, como fim único e expresso da pena. Como Carlos Roder afirma: “A teoria correcional vê na pena somente o meio racional e necessário para ajudar a vontade injustamente determinada, de um membro do Estado, a ordenar-se por si mesma” (BITENCOURT, 2010 apud, Carlos David Augusto Roder, 1876). Para os correcionistas a pena deve se moldar ao homem concreto, real que é responsável por um determinado delito, trabalhando na vontade errônea, procurando convertê-la segundo as normas vigentes de direito. O delinquente, na visão desta Escola seria um ser defeituoso, incapaz de livre na vida jurídica, sendo uma ameaça à paz social. A sanção penal é tida como um bem que tem a finalidade prima de corrigir o indivíduo. 2.5. Defesa Social A Teoria da defesa social busca adaptar o transgressor à ordem social e iniciou-se com Felipe Gramatica, na Itália, fundador do Centro Internacional de Estudos de Defesa Social, que objetivava combater a criminalidade (BITENCOURT, 2010). Para Gramatica, o ser humano deve respeitar as regras sociais para que haja uma ordem nas relações humanas. Contudo, foi com a publicação de A nova defesa social, em 1954, de Marc Ancel que a escola teve seu marco como doutrina humanista de proteção social contra o crime. A pena passa a ser vista como tentativa de ressocializar o preso e adaptá-lo à vida em sociedade (MIRABETE, 2009). A prisão seria um mal necessário na concepção da Escola da Defesa Social, devendo, contudo, abolir-se a pena de morte (NUCCI, 2011). As principais características desse movimento político-criminal pregavam os seguintes princípios: a) a filosofia humanista, com o fito de proteger o ser humano e garantir os direitos dos cidadãos; b) análise crítica do sistema existente e sua eventual reformulação; c) valorização das ciências humanas como instrumento interdisciplinar no estudo e combate ao crime.
  • 24. 22 3. AS FUNÇÕES DA PENA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO A pena e modelo socioeconômico dos Estados são conceitos intrínsecos, que esbarram um no outro, influenciando a aplicação da sanção penal. O Estado utiliza a sanção penal como forma de controle social, a ultima ratio, isto é a última cartada do sistema legislativo (NUCCI, 2011). Assim, há estreita relação da teoria do Estado e a teoria da pena, conforme o Estado evolui a concepção sobre a pena também. Portanto, ao direito Penal é necessário definir a função dada à pena e à medida de segurança para que seja possível a intervenção nos moldes estipulados pela legislação. Para a doutrina, ainda que se vislumbre a pena como meio de prevenção, o caráter punitivo ainda encontra-se bastante presente na definição da pena. Existem três principais teorias que objetivam explicar a função e a finalidade da pena: as teorias absolutas, teorias relativas e teorias unificadoras ou ecléticas. 3.1. Teorias absolutas ou retribucionistas da pena Com o advento das teorias contratualistas de um Estado liberal, assim como a nova concepção de Estado soberano pela vontade povo e a separação dos poderes, a pena passa a ser percebida como: A retribuição à perturbação da ordem jurídica adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens (GRECO, 2 apud. Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée, p.120). Pela teoria do contrato social o Estado intenta reduzir as divergências entre os indivíduos que consentiram em delegar sua liberdade natural pelo bem comum. O transgressor desse pacto é tido como traidor, já que seu ato não atende os compromissos estabelecidos no contrato. Como Rousseau leciona: “[...] todo malfeitor que ataca o direito social torna-se por seus crimes rebelde e traidor da pátria, cessa de ser seu membro ao violar suas leis e pratica, inclusive, a guerra contra ela.” (ROUSSEAU, 2009, p. 51). Pelo sistema retribucionalista a pena passa a buscar a concretização da Justiça. O autor do delito deve ser punido para que seu ato seja dirimido justamente. Há uma profunda influencia filosófica e ética nesta teoria. Os principais defensores
  • 25. 23 de tal sistema foram Kant em sua obra a Metafísica do Poder e Hegel, em Princípios da Filosofia do Direito. Dentro do sistema Kantiano o delinquente deve ser punido exclusivamente porque violou a lei, sem levar em consideração a utilidade da pena para o indivíduo ou a sociedade em geral, negando qualquer função preventiva da pena. O direito seria composto pelos meios segundo os quais o arbítrio de cada um pode conviver segundo uma lei universal. A pena, ou direito de castigar, é aplicada simplesmente como um meio de reestabelecer a justiça, devida à infringência à lei (BITENCOURT, 2010). O pensamento de Hegel resume-se em sua conhecida frase: “a pena é a negação da negação do Direito”. A fundamentação hegeliana abandona o vínculo entre direito e moral de Kant buscando bases eminentemente jurídicas. Segundo o autor, a pena tem o escopo de reestabelecer a vigência da “vontade geral”. Segundo Hegel, o Direito vem a ser a expressão da vontade racional – vontade geral. A liberdade e a racionalidade seriam os pilares do Direito. O delito, portanto, seria uma manifestação de vontade irracional (vontade particular) e, portanto, a negação da vontade geral. A aplicação da pena seria o reestabelecimento da ordem jurídica violada pelo transgressor. 3.2. Teorias relativas ou preventivas da pena Para a Teoria Preventiva a principal justificação para a existência da penal é prevenir os atos contrários à lei. A pena não só é necessária, como útil para a coletividade “pois, além de servir de exemplo, atua, diretamente, sobre a pessoa do condenado, possibilitando sua volta ao convívio social.” (QUEIROZ, 2010). Para Bitencourt, o início da Teoria surgiu com a famosa frase de Sêneca: “Nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a pecar” (BITENCOURT, 2010). A pena nesta teoria ainda é considerada um mal necessário que, entretanto, não vê na pena uma necessidade de fazer justiça e sim de prevenir novas ocorrências de atos contrários às normas estabelecidas. A Teoria divide-se em duas correntes distintas, a prevenção geral e a prevenção especial. 3.3. A Prevenção Geral
  • 26. 24 Os principais defensores desta corrente são Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e Feuerbach. Este último foi o criador da “teoria da coação psicológica”, uma das primeiras manifestações da teoria da prevenção geral, que é indispensável para a compreensão desta corrente. Feuerbach leciona que a solução para a criminalidade é a ameaça da pena, servindo como um aviso aos cidadãos do que ocorrerá quando infrinjam a lei e com a concreta aplicação da pena, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça realizada (BITENCOURT, 2010). Para este teórico a pena é efetivamente uma coação psicológica que tem o objetivo de prevenir atos contrários às normas. A prevenção geral é representada, portanto, pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição) (CAPEZ, 2011). Presumia que a racionalidade do homem poderia levar o indivíduo a pesar as vantagens e desvantagens de realizar um ato delitivo, tendo em vista a imposição da pena em momento posterior. Contudo, a teoria da Prevenção geral não levou em consideração que mesmo o temor da sanção penal não implica no total respeito às normais penais, visto que existem criminosos profissionais, impulsivos ou contumazes. 3.4. A Prevenção Especial A teoria da prevenção especial compartilha com a teoria da prevenção geral a noção de que a pena deve inibir a prática delituosa, mas não de modo geral, aplicando-se somente ao criminoso, para que este não volte a delinquir. O principal expoente desta corrente foi Von Liszt, em sua obra Programa de Marburgo. São quatro as correntes que inspiraram a prevenção especial: o correlacionismo, a escola positiva italiana, a moderna escola ou escola sociológica alemã de Von Liszt e a Defesa Social de Marc Ançel na França. O desenvolvimento do Estado durante o século XIX e seus recorrentes erros, com grandes crises e
  • 27. 25 levantes populares, puseram em evidência a necessidade de uma intervenção maior do Estado em todos os processos sociais, inclusive nos de tipo penal1 . Para ele, a ideia da pena deve sempre acompanhar critérios relativos à reeducação do preso e sua ressocialização. A prevenção especial não tem como fito intimidar a sociedade nem retribuir o ato ilícito praticado, mas sim visa o ser que já delinquiu para que não volte a fazê-lo. Conforme Bitencourt: Sob o ponto de vista político criminal, por exemplo, a prevenção especial justifica-se uma vez que – se afirma – também é uma forma de prevenção o evitar que quem delinquiu volte a fazê-lo novamente, e nisto consiste a função preventivo-especial e, de certa forma, a do Direito Penal em seu conjunto (BITENCOURT, 2010, p. 112). 3.5. A teoria mista ou unificadora da pena As teorias mistas (também conhecidas por ecléticas ou unificadoras) surgiram da tentativa de recolher os aspectos mais benéficos das teorias absolutas e relativas. Merkel foi o principal expoente dessa teoria, que teve início no começo do século XX. A teoria mista estabelece a diferença entre o fundamento e o fim da pena. Consoante ao fundamento da pena, este deve limitar-se apenas ao ato praticado. A pena não deve ir além da responsabilidade do indivíduo decorrente do fato praticado. A pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitur quia peccatum est et ne peccetur) (CAPEZ, 2011) . Luiz Regis Prado esclarece que, nesse contexto, a noção de retribuição adquire novo conteúdo: [...] e a pena justa é provavelmente aquela que assegura melhores condições de prevenção geral e especial, enquanto potencialmente compreendida e aceita pelos cidadãos e pelo autor do delito, que só encontra nela (pena justa) a possibilidade de sua expiação e de reconciliação com a sociedade. Dessa forma, a retribuição jurídica torna-se um instrumento de prevenção, e a prevenção encontra na retribuição uma barreira que impede sua degeneração (PRADO, 2007, p. 548). 1 GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas sobre encarceramento. - Disponível em: < http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45- finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
  • 28. 26 A principal crítica sofrida por esse grupo de teorias é a de que constituiria, simplesmente, uma justaposição das teorias absolutas e relativas, que romperia com a noção de direito penal de ultima ratio (QUEIROZ, 2010). 3.6. A função da pena no Direito Brasileiro Apenas com a reforma penal de 1984 o legislador brasileiro se posicionou de forma mais clara em relação à função da pena em nosso país. A teoria mista foi a adotada pelo art. 59 do Código Penal brasileiro (GRECO, 2012). Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: O verbo citado no caput do referido artigo conjuga a necessidade de reprovação e prevenção do crime, unificando assim as teorias relativa e absoluta. Ou seja, no momento da sentença serão observadas as funções retributiva e prevencionista e, no momento da execução, a função socializadora. O direito penal pátrio, portanto, propugnou pela doutrina preponderante no debate contemporâneo, a unitária ou mista. Realizando, desse modo, os preceitos regentes de nossa Lei de Execução Penal, corolário idealizado para reger as questões de execução da pena em nosso país, da melhor forma possível (GOMES, 2006). O artigo 1º da lei de execução penal, por sua vez, sublinha que: "A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou do internado". Para Nucci, a finalidade da pena é marcada por três aspectos, castigo + intimidação ou reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e ressocialização (NUCCI, 2011). O art. 1º da Lei de Execução Penal preceitua que: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. O art. 22 do mesmo dispositivo legal afirma que “a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los
  • 29. 27 para o retorno à liberdade”. Assim, fica evidente que o legislador pretendeu considerar a tríplice finalidade da pena no direito penal pátrio. Como foi exposto, o direito penal pátrio adota como funções da pena, no momento da sentença, a retribuição e a prevenção positiva e, no momento da execução, a prevenção negativa ou ressocializadora. Isso faz de nosso sistema penal atual e consoante com as mais modernas teorias sobre a função da pena. Os princípios garantistas e constitucionais da dignidade da pessoa humana devem sempre estar incluídos na finalidade que a pena é instituída pelo sistema legislativo brasileiro. 4. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS 4.1. A Pena Segundo Nucci a pena é: [...] a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade é a repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar os valores protegidos pelo Direito Penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado (NUCCI, 2011, p. 401). A pena para Damásio de Jesus é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, e cujo objetivo é evitar novos delitos (JESUS, 2011). Portanto, tem-se que a pena é uma consequência natural (e jurídica) do delito, imposta pelo Estado, quando do cometimento de um fato típico, antijurídico e culpável, após a devida persecução criminal, devendo esta, num Estado Democrático de Direito, se dar de acordo com os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil (GRECO, 2011). A Constituição Federal prevê as seguintes penas (art.5º, XLVI): a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e e) suspensão ou interdição de direitos. Já o Código Penal brasileiro divide as penas em a) privativas de liberdade; b) restritivas de direito; e c) pecuniárias. Quanto à classificação das penas privativas de liberdade, dividem-se em: a) reclusão; e b) detenção. Há, também, a pena de prisão simples, para as contravenções penais.
  • 30. 28 4.2. Histórico da pena de prisão Quando primeiramente surgiu, a pena de prisão foi tomada como um instrumento idôneo para concretizar a sanção penal e que poderia, dentro de certas circunstâncias, reabilitar o delinquente. O otimismo com que inicialmente foi prestigiada a pena de prisão não mais existe e nos últimos anos nota-se nitidamente a falência da pena de prisão como meio ressocializador. Até o século XVIII, as penas capitais foram aplicadas pelo Estado, e defendidas por grandes pensadores. Mesmo com o advento do Iluminismo, sua completa revogação não foi advogada por todos, pois que a justificavam em alguns casos graves, principalmente nos crimes cometidos contra o Estado (GRECO, 2011). A pena de morte, relatada por seus defensores como único meio de gerar medo ao delinquente, além de ser um meio econômico e eficaz de proteção à sociedade, é atualmente rechaçada nas maiorias dos Estados Democráticos de Direito. Para Bitencourt: Os transtornos e mudanças socioeconômicas que se produziram com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, e que tiveram sua expressão mais aguda nos séculos XV, XVI e XVII, tiveram como resultado a aparição de grande quantidade de pessoas que sofriam de uma pobreza extrema e que deviam dedicar-se à mendicidade ou a praticar atos delituosos. Houve um crescimento excessivo de delinquentes em todo o velho continente. A pena de morte caíra em desprestígio e não respondia mais aos anseios de justiça. Por razões penológicas era necessário procurar outras reações penais (BITENCOURT, 2011, p. 85). Logo, até praticamente o advento do Iluminismo, as penas possuíam um caráter aflitivo, descontando o ato contrário à lei no corpo do indivíduo. O mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. Contudo: “Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva” (FOUCAULT, 2010, p. 19). A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção que demonstrava ser meio mais eficaz de controle social (BITENCOURT, 2011). A pena de prisão tem origens na Idade Média. As primeiras ocorrências deste tipo de punição são retratadas como o castigo imposto aos monges e ascetas que cometiam alguma
  • 31. 29 falta, devendo recolher a locais fechados onde se dedicariam, em silêncio, à meditação para se arrependerem da falta, reconciliando-se com Deus (MIRABETE, 2009). Na Idade Moderna surge a prisão-pena. No período entre os séculos XV e há uma transição, principalmente, graças ao crescimento sensível do comércio, decorrente das alterações nas sociedades feudais europeias (aumento da população, crescimento das cidades, desenvolvimento das manufaturas, etc.). Alguns precedentes da pena de prisão são bastante conhecidos. Como, em fins do século XVI, a House of Corretion de Bridewel, Londres (1552), seguidas pelas de Oxford, Gloucester y Salisbury; na Holanda, os Rasphuys (1595) para homens e Spinnhyes (1597) para mulheres e mendigos. As cidades que compunham a liga Hanseática ergueram prisões no primeiro terço do século XVI. Na Itália, registram-se o Hospício de São Felipe (Florença) e o Hospício de San Miguel (Roma), em 1703. Na Bélgica, em 1775, a Maison de Force (obra de Juan Vilain XIV, tido por muitos como pai da ciência penitenciária), local que tinha como princípio a realização do trabalho durante o encarceramento2 . A pena de prisão como pena privativa de liberdade, surgiu no século XVII e consolidou-se no Século XIX. O sistema penitenciário pioneiro surgiu nas colônias americanas. Em 1681, o sistema de prisão, idealizado por Guilhermo Penn, fundador da colônia da Pensilvânia (NUCCI, 2011). A pena privativa de liberdade foi a nova grande invenção social, intimidando sempre, corrigindo amiúde, que devia fazer retroceder o delito, quiçá, derrotá-lo, no mínimo, cercá-lo entre muros. A crise da pena de morte encontrava seu fim, porque um método melhor e mais eficaz ocupava o seu lugar, com exceção de alguns poucos casos mais graves. Conforme Rogério Greco leciona: “O período iluminista teve fundamental importância no pensamento punitivo, uma vez que, com o apoio na “razão”, o que outrora era praticado despoticamente, agora necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi modificado, com a exigência de provas que pudessem conduzir à condenação do acusado, mas, e, sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição.” (GRECO, 2011, p.95). 2 GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45 finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014.
  • 32. 30 Contudo, o otimismo em relação a pena privativa de liberdade desvaneceu e, em meados do século XIX, vários movimentos despontaram com o intuito de instigar uma reforma político-criminal e dirimir os efeitos nocivos da pena de prisão. A pena de curta duração foi aos poucos sendo vista como ineficaz, já que, ou apenado é um delinquente habitual e a condenação é pouco útil, ou é um delinquente ocasional e a condenação imposta é excessiva. Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard3 , em seu livro intitulado Estate of prisions, fixou as bases para o cumprimento de uma pena que não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2) disciplina distinta para presos provisórios e condenados; 3) educação moral e religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando (GRECO, 2011). A pena de prisão, portanto, começou a ganhar o status de pena principal, ao lado de outras medidas que surgiram a exemplo das penas restritivas de direito, que impunham determinada prestação de serviço a ser realizado por aquele que havia praticado o delito, ou mesmo a pena de multa. 3 John Howard nasceu em Clapton – Hackney –, nos arredores de Londres, no ano 1726. Sua mãe faleceu quando ele ainda era uma criança, e seu pai, um próspero comerciante, quando ele tinha 16 anos de idade, deixando-lhe uma fortuna considerável. Sua educação foi fundamentada em ideais calvinistas (cristãos- evangélicos), o que fez com que fosse tratado com certa discriminação, uma vez que tais ensinos eram diferentes e, na verdade, contrários aos da igreja Católica, que ainda predominavam. Após ficar curado de uma grave doença, que o debilitou por algum tempo, Howard, com o coração agradecido, resolveu casar-se com Sara Lodoire, a viúva que dele havia cuidado, sem considerar o fato de que ele contava somente 25 anos e ela já com 50 anos de idade. Três anos mais tarde morria Sara Lodoire. Após a morte de sua primeira esposa, Howard, no ano 1955, aos 30 anos de idade, resolveu ir a Lisboa contemplar o que havia ocorrido naquela cidade depois do grande terremoto que a destruiu. Essa viagem seria um marco extremamente importante na sua vida, pois, a partir dela, começaria a entender o significado da privação da liberdade de um ser humano e as condições a que era submetido. Em 1773, aos 45 anos de idade, Howard foi nomeado sheriff do condado de Bedford, o que fez com que, agora, viesse a familiarizar-se com as misérias das prisões de sua época, os lugares fétidos onde seres humanos eram jogados como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era visitar os estabelecimentos carcerários. Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato direto e intenso com os presos, e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda mais sensibilizado com os problemas que presenciava diariamente, tornando-se, assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema. Howard foi um obstinado pelo problema carcerário. Além de conhecer e trabalhar para a melhora das prisões da Inglaterra e em Gales, também empreendeu viagens para outros países, a exemplo de Portugal, da Espanha, França, Alemanha, Holanda, Finlândia, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Áustria, Prússia, Rússia, Itália, Turquia, dentre outros, procurando conhecer e comparar os sistemas prisionais. Realizou algumas grandes viagens que lhe renderam anotações importantes. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países, registrando o que de ruim havia em comum neles, bem como o que se podia aproveitar para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da sociedade, que se via livre, mesmo que temporariamente, daquele que havia praticado uma infração penal, como também para o acusado ou condenado, que deveria permanecer preso durante certo período de tempo. Sua vida foi dedicada à modificação de um sistema que começava a ser implementado, com a privação temporária ou perpétua da liberdade dos presos. Howard faleceu em 20 de janeiro de 1790, após ter contraído, no meio em que tanto lutou para ser melhorado, vale dizer, em algum estabelecimento carcerário de Kerson, na Crimea, a chamada “febre carcerária” (tifus exantemático) (GRECO, 2011).
  • 33. 31 A pena restritiva de liberdade é a mais utilizada nas legislações contemporâneas, apesar de haver um consenso entre os estudiosos que a falência do sistema prisional é um fato que deve ser encarado (MIRABETE, 2009). As críticas mais severas apontam desde o tratamento inadequado e deletério aos encarcerados, que solapam a dignidade, a não eficácia em reeducar os presos contumazes e reincidentes, os elevados custos de manutenção dos estabelecimentos penais e até as consequências danosas que o encarceramento traz aos réus primários, ocasionais, ou de pequena periculosidade. Contudo, mesmo Foucault reconhece que não se pode abrir mão inteiramente da pena privativa de liberdade, constituindo uma “detestável solução de que não se pode abrir mão.” (MIRABETE, 2009, p. 238), principalmente aos delinquentes de alta periculosidade. 4.3. Pena de Reclusão A Reforma brasileira de 1984 adotou “penas privativas de liberdade”, como gênero e a pena de reclusão e detenção como espécies. Há algumas diferenças notáveis entre essas duas espécies. Apenas os crimes considerados mais graves e punidos com uma pena maior são suscetíveis de pena de reclusão. Esta espécie pode iniciar seu cumprimento no regime fechado, o mais rigoroso, algo não vislumbrado pela pena de detenção. Há uma maior dificuldade dos condenados cumpridores de reclusão conseguir os chamados privilégios prisionais. Conforme o Código Penal, art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A reclusão se diferencia da detenção não só quanto à espécie de regime como também em relação ao estabelecimento penal de execução (de segurança máxima, média e mínima), à sequência de execução no concurso material (CP, art. 69, caput), à incapacidade para o exercício do poder familiar (art. 92, II), à medida de segurança (art. 97, caput), à fiança (CPP, art. 323, I) e à prisão preventiva (CPP, art. 313, I e II) (JESUS, 2011). 4.4. Pena de detenção
  • 34. 32 A pena de detenção é resguarda para os delitos menos graves, qual seja os crimes punidos com penas privativas de liberdade. A pena de detenção será sempre iniciada em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência ao regime fechado, por meio da regressão. 4.5. Pena de prisão simples A pena de prisão simples é destinada às contravenções penais. Nunca pode ser cumprida em regime fechado. Além disso, não existe a possibilidade do contraventor condenado ser inserido no mesmo lugar onde se encontrem condenados por outras espécies de penas (NUCCI, 2011). 5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS Com a evolução da teoria da pena, houve grandiosa produção metodológica em relação às penas privativas de liberdade e os sistemas penitenciários. Os três principais sistemas penitenciários clássicos são o de Filadélfia ou pensilvânico, o de Auburn e o inglês Progressivo. 5.1. Sistema Pensilvânico ou Celular O sistema pensilvânico foi inaugurado em 1790 na prisão de Walnut Street e, em seguida, implantado nas prisões de Pittsburgh e Cherry Hill. Os principais precursores foram Benjamin Franklin e Willian Bradford (MORAES, 2013). Tal sistema também é conhecido como sistema filadélfico ou celular. Tinha como principais características a segregação do apenado em uma cela e abstinência de qualquer substância entorpecente, além da obrigatoriedade de realizar orações. Tinha profunda base teológica, contudo já demonstrava influências iluministas de teóricos como Beccaria e Howard (NASCIMENTO, 2011). Tal sistema penitenciário preconiza que o sentenciado cumpra a pena na cela, sem sair, salvo em casos de extrema necessidade. O sistema era baseado no isolamento, no silêncio (que por isso ficou conhecido também como silent system (MIRABETE, 2009)) e na meditação e oração.
  • 35. 33 Foi bastante criticado, pois se alegou que a prática da separação absoluta e da proibição de comunicação entre os presos ocasionava problemas de insanidade, além de não levar à readaptação social do condenado (SILVA, 2009). Já não se trataria de um sistema penitenciário pensado para aprimorar as prisões e recuperar o infrator, mas servia como instrumento de dominação do Estado. O aludido sistema foi adotado, com algumas modificações, por diversos países da Europa, durante o século XIX: Inglaterra em 1835, Bélgica em 1838, Suécia em 1840, Dinamarca em 1846, Noruega e Holanda em 1851 e também a Rússia (SILVA, 2009). 5.2. O Sistema de Aurburn O sistema auburniano surgiu como uma contraposição às críticas feitas ao sistema pensilvânico, e foi primeiramente implantado na penitenciária na cidade de Auburn, estado de Nova York em 1818 (GRECO, 2011). Nesse sistema o apenado cumpre uma jornada de trabalho, em silêncio, pela manhã em conjunto com os outros presos e, à noite, é isolado. Não era permitida, sequer, a comunicação entre os presos, com o objetivo de primar pelo silêncio total. A diferença mais expressiva entre o sistema pensilvânico e o sistema auburniano, diz respeito ao isolamento; naquele, a segregação era durante todo o dia; neste, era possível o trabalho coletivo por algumas horas. Ambos, porém, pregavam a necessidade de separação dos detentos, para impedir a comunicação e o isolamento noturno acontecia em celas individuais (MORAIS, 2013). Tinha motivações nitidamente econômicas, por isso a escolha pelo trabalho prisional produtivo, que era vantajoso para os Estados Unidos na época (BITENCOURT, 2011). Aos presos não era permitido conversar entre si, apenas com os carcereiros, e após licença prévia. O sistema de Auburn também pregava um rigoroso regime disciplinar aplicado, com influências militares, que ainda é comum nas prisões atuais. O sistema de Filadélfia foi predominante na Europa, principalmente na Inglaterra, Alemanha e Bélgica enquanto que o sistema Auburniano se destacou mais nos Estados Unidos. Contudo, pela severidade e ostracismo que impunham ao apenado, sofreram diversas críticas, sendo menos de um século depois de sua
  • 36. 34 implantação, reavaliados e extintos em sua forma original. Após muitas críticas aos dois sistemas surge a ideia de combiná-los, com o fito de reduzir a severidade com que tratavam os presos. Essa reunião de sistemas resultou em uma terceira via: o Sistema Inglês ou Progressivo. 5.3. O Sistema Progressivo ou Inglês Esse sistema surgiu inicialmente na Inglaterra, expandindo-se posteriormente para a Irlanda por Walter Crofton (BITENCOURT, 2010). Alexander Moconochie, capitão da Marinha Real, impressionado com o tratamento violento e indigno infligido aos presos enviados à Austrália, na ilha de Norfolk, em 1840, resolver reformar o sistema vigente. Como governador do local, Moconochie realizou reformas importantes que foram determinantes para o surgimento do sistema progressivo. O sistema consistia em medir a pena por uma soma de trabalho e boa conduta. A soma era representada por certa quantidade de marcas, de forma que a quantidade de marcas que cada condenado deveria obter era proporcional à gravidade do crime cometido. No cumprimento da pena, eram creditadas ao preso as marcas, dependendo do trabalho produzido. Em caso de má-conduta era imposta uma multa. Apenas o excedente dos créditos menos multas era computado para a progressão da pena (BITENCOURT, 2010). Era levado em conta o comportamento e aproveitamento do preso, demonstrado pela conduta reta e o trabalho. O sistema estabeleceu três fases ou períodos no cumprimento da pena. O primeiro estágio consistia no isolamento celular; o segundo se caracteriza pela permissão do labor em comum, em silêncio e alguns outros benefícios; o terceiro estágio permitia o livramento dentro de certas condições (MIRABETE, 2009). Em quase todos os países, nos casos em que a prisão é necessária, é consenso que a pena deve ser executada de modo a permitir que o condenado progressivamente alcance a liberdade, conforme o tempo de pena cumprido e o mérito que apresente durante o cumprimento de sua pena. A reforma penal de 1984, tal como o fizera o CP de 1940, não adotou o sistema progressivo, mas uma forma progressiva de execução, visando à ressocialização do criminoso. Assim, o art. 33, § 2.º do CP, afirma que “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado”
  • 37. 35 (JESUS, 2011, p. 565). Por isso, no Brasil os regimes prisionais são diferenciados e denominados pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal como fechado, semiaberto e aberto. 6. REGIMES PENAIS A lei n. 7.209/84 manteve a classificação dos regimes iniciais da pena instituídos pela Lei n. 6.416/77. Contudo o fator determinante para a escolha do regime inicial do cumprimento da pena passou a ser a espécie e a quantidade da pena e a reincidência, em conjunto ao mérito do condenado, em conformidade com um sistema progressivo. O juiz, na sentença condenatória, deve determinar a espécie de regime para início de cumprimento da pena, observadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (art. 33, § 3.º). Em atenção a uma forma progressiva de execução, de acordo com o mérito do condenado, o início do cumprimento da pena se dará da seguinte forma, nos termos do art. 33, § 2.º, do CP: 1.º) o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado (al. a); 2.º) o não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto (al. b); 3.º) o não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (al. c). Nas hipóteses b e c, o condenado reincidente inicia o cumprimento da pena em regime fechado. De ver que, no último caso, admite a jurisprudência aplique-se o regime inicial semiaberto: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais” (Súmula 269 do STJ). 6.1. Regime fechado O condenado cumpre a pena em estabelecimento penal de segurança máxima ou média. No início do cumprimento da pena em regime fechado, o condenado será obrigatoriamente submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da execução (MIRABETE, 2009) (art. 34, caput do CP). Fica sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante o repouso noturno (§ 1.º). Contudo, como critica Bitencourt:
  • 38. 36 [...] na prática esse isolamento noturno, com os requisitos exigidos da cela individual (art. 88 da LEP), não passa de mera ‘carta de intenções’ do legislador brasileiro, sempre tão romântico na fase de elaboração dos diplomas legais. Com a superpopulação carcerária constatada em todos os estabelecimentos penitenciários, jamais será possível o isolamento dos reclusos durante o repouso noturno (BITENCOURT, 2010). Dentro do estabelecimento, o trabalho será em comum, de acordo com as aptidões e ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena (art. 34 § 2.º do CP). Também é possível o trabalho externo em serviços ou obras públicas, realizados por órgãos da administração direita e indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (art. 36 da LEP) (GRECO, 2011). 6.2. Regime semiaberto O condenado, no início do cumprimento da pena, pode também ser submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da execução. Embora o art. 35, caput, do CP, preveja a obrigatoriedade, e o art. 8.º, parágrafo único, da LEP, fala em simples faculdade. O sentenciado no regime semiaberto fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (§ 1.º). É admissível o trabalho externo, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (§ 2.º). O trabalho e estudo, do condenado, assim como no regime fechado, no regime semiaberto contam para fins de remição da pena. Segundo Marcão: Não obstante a literalidade do texto é notória a falência do regime semiaberto, que pode ser identificada por diversos fatores. Em primeiro lugar, e destacadamente, exsurge a absoluta ausência de estabelecimentos em número suficiente para o atendimento da clientela. Diariamente, inúmeros condenados recebem pena a ser cumprida no regime inicial semiaberto. Entretanto, em sede de execução, imperando a ausência de vagas em estabelecimento adequado, a alternativa tem sido determinar que se aguarde vaga recolhido em estabelecimento destinado ao regime fechado, em absoluta distorção aos ditames da Lei de Execução Penal. Não raras vezes a pena que deveria ser cumprida desde o início no regime intermediário acaba sendo cumprida quase que integralmente no regime fechado [...] Em segundo lugar, merece destaque o fato de que o cumprimento de pena no regime semiaberto não tem apresentado resultado prático positivo, notadamente no campo da ressocialização, defendida por muitos doutrinadores como finalidade precípua da pena [...] (MARCÃO, 2011, p.142 e 144).
  • 39. 37 6.3. Regime aberto Baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (art. 36, caput do CP). Nele, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga (§ 1.º). O regime aberto é uma ponte para a completa reinserção do condenado na sociedade. A diferença entre o regime aberto e o fechado e semiaberto se dá em relação ao trabalho. No regime aberto não há previsão legal de remição da pena, já que só poderá ingressar nesse regime o apenado que já estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente. Sem trabalho não é possível o regime aberto. Além disso, o condenado deverá demonstrar indícios de recuperação, autodisciplina e responsabilidade (GRECO, 2011). O apenado trabalha ou frequenta cursos em liberdade, durante o dia, e recolhe-se em casa do albergado ou estabelecimento similar à noite e nos dias de folga (JESUS, 2011). Conforme o § 2.º do art. 36 do CP, o condenado deverá ser transferido do regime aberto se cometer fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada. A origem da prisão aberta se deu em 1868, no Estado de Nova York, de forma experimental por meio do probation system, expandindo-se posteriormente no Direito Britânico (1907), belga (1915), sueco (1918), tcheco-eslovaco (1919). No Brasil surgiu com o Provimento nº XVI, de 1965, do Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo (JESUS, 2011). O art. 115 da LEP dispõe as exigências para a concessão do regime aberto: Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.
  • 40. 38 O maior mérito deste regime é manter o condenado em convívio com a sociedade e a família, o que permite uma maior inclusão em relação aos outros regimes, assim como uma vida laboral produtiva. 6.4. Progressão de Regime Quando o condenado inicia o cumprimento da pena no regime estipulado na sentença, conforme o sistema progressivo é possível a progressão para regime mais brando. Conforme ao princípio da individualização da pena, a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, (art. 112, caput, da Lei n° 7.210/1984, com redação dada pela Lei n° 10.792/2003). Os requisitos para a progressão de regime é de que o preso tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime que iniciou o cumprimento e o mérito do condenado. A progressão é um misto de tempo mínimo de cumprimento da pena (critério objetivo) com o mérito do condenado (critério subjetivo). A progressão de regime é um instrumento de política criminal que tem o objetivo de estimular o condenado durante o cumprimento da pena (GRECO, 2011). Na progressão evolui-se de um regime para o outro mais brando. Conforme o art. 33, §2 do CP. A decisão do magistrado é provisória e, a partir do regime fechado, pode-se transferir o sentenciado para o regime semiaberto e deste paro o aberto. O mérito do condenado deve ser analisado para a possibilidade de progredir de regime, como o merecimento, aptidão, capacidade que demonstrem a compatibilidade com o regime mais brando. A progressão não poderá ser feita por saltos, ou seja, deverá sempre obedecer ao regime legal imediatamente seguinte ao qual o condenado está inserido. 7. ESTABELECIMENTOS PENAIS
  • 41. 39 Estabelecimentos Penais são todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos à medida de segurança4 . Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso, devendo ser respeitada a condição pessoal da mulher e do maior de sessenta anos, pelo que serão, separadamente, recolhidos a estabelecimento próprio e adequado, sem prejuízo do mesmo conjunto arquitetônico poder abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados (TÁVORA, 2013). O art. 5º, XLVIII, da Constituição Federal determina que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade e o limite máximo de sua capacidade será definido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, atendendo a sua natureza e peculiaridades (TÁVORA, 2013). Os estabelecimentos penais deverão contar com área destinada à educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Deverão, ainda, ser dotados de compartimentos distintos para as diferentes categorias de reclusos, de modo que os presos provisórios fiquem separados dos condenados definitivos e os presos primários sejam mantidos em seção distinta da reservada aos reincidentes. Ao regular a individualização da pena, o constituinte impôs restrições no que diz respeito ao público dos estabelecimentos carcerários (art. 5º, XLVIII, CF), determinando, inclusive, diferenciações de gênero (art. 5º, L) (CARVALO, 2008). 7.1. Penitenciárias São os estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado5 . É também chamado presídio e tem por finalidade acomodar o apenado (preso definitivo) para fins de cumprimento de pena privativa de liberdade. 4 BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Conceituação e classificação de Estabelecimentos Penais. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp>. Acesso em out 2014. 5 BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Conceituação e classificação de Estabelecimentos Penais. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp>. Acesso em out 2014.
  • 42. 40 Em razão da Lei n° 10.792/2003, que instituiu o regime disciplinar diferenciado (art. 52 e ss., LEP), a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos àquele regime. O apenado trabalha no período diurno e fica isolado em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório (art. 88 da LEP) São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados) (LOPES, PIRES e PIRES, 2014). Tais exigências da LEP estão em consonância com as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos, adotadas em 31 de agosto de 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes. O referido dispositivo entende quanto aos locais de reclusão: 9. Locais de reclusão 9.1) As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local. 9.2) Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nestas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em causa. 10. Locais destinados aos reclusos As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação 6 . As exigências também estão em consonância com as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, Resolução n. 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU, 2-12-1994) (ANDREUCCI, 2011). O estabelecimento que abriga presos do sexo masculino 6 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal/ Organização : Secretaria Nacional de Justiça. –Brasília : 2009, p. 15.
  • 43. 41 deverá ser construído, em local afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação. 7.2. Cadeias Públicas São estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de segurança máxima. Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar (TÁVORA, 2013). Tal estabelecimento será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências previstas na Lei n.º 7.210/84, em seu artigo 88 e seu parágrafo único. A cadeia pública destina-se, também, ao cumprimento da prisão simples, visto que a prisão simples será cumprida sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto, com afastamento dos condenados à pena de reclusão ou de detenção (LOPES, PIRES e PIRES, 2014). 7.3. Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares São estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semiaberto. Os condenados podem ser alojados em compartimentos coletivos, observados os requisitos de salubridade exigidos nas penitenciárias. São requisitos desses estabelecimentos a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. A ideia da prisão própria para o regime semiaberto surgiu na Suíça, com a construção da prisão de Witzwill. O presídio localiza-se na zona rural e recebia os condenados que trabalhavam como colonos das fazendas próximas, com pouca vigilância e considerável confiança nos sentenciados (MIRABETE, 2009). Na ausência de vaga no regime semiaberto, já decidiu o STJ que “configura- se constrangimento ilegal o cumprimento de pena em condições mais rigorosas que
  • 44. 42 aquelas estabelecidas na condenação, sob pena de desvio da finalidade da pretensão executória”7 (ANDREUCCI, 2011). 7.4. Casa do Albergado A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de Liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Neste caso, o prédio respectivo deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. O art. 95 da Lei de Execução Penal reza que em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras, devendo o estabelecimento conter instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados. Na inexistência de Casa do Albergado, tem se admitido, excepcionalmente, a concessão de prisão albergue domiciliar, embora em desrespeito às disposições da LEP, já que essa modalidade de recolhimento destina-se apenas às hipóteses elencadas no art. 117 da LEP. Nesse sentido, já decidiu o STJ que: [...] evidente a inadequação entre a lei de execução da pena e a realidade brasileira. A inexistência de Casa do Albergado não pode impor ao condenado regime mais rigoroso; caso contrário, afrontar-se-á o princípio da legalidade, com flagrante desrespeito do título executório. Na falta de local próprio, por analogia e precariamente, recomenda-se a prisão domiciliar, enquanto inexistente no local próprio (STJ – RT, 764/521) (ANDREUCCI, 2011). 7.5. Centro de Observação Estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde devem ser realizados os exames gerais e criminológico, cujos resultados serão encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa. Nesse Centro poderão, ainda, ser realizadas pesquisas criminológicas, sendo instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal. Na falta do 7 STJ – RHC 20.828/MG – Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª T. – DJU, 5-11-2007, p. 286
  • 45. 43 Centro de Observação, os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação. 7.6. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico São estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas à medida de segurança. O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é o estabelecimento penal destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis, aplicando-se a ele, no que couber, as disposições referentes aos requisitos básicos necessários a assegurar o cumprimento da medida de segurança de maneira a garantir a efetividade do princípio da dignidade humana (TÁVORA, 2013). Para os internados, são obrigatórios o exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento, valendo sublinhar que o tratamento ambulatorial que se fizer necessário também será realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada. 7.7. Sistema Carcerário Brasileiro O Brasil enfrenta uma luta para garantir que os direitos e os princípios estipulados na Constituição Federal alcancem o condenado às penas privativas de liberdade. O déficit de vagas, a falta de recursos, as condições precárias, o despreparado dos agentes públicos, a legislação simbólica e a própria cultura de punição são obstáculos para que se possa construir um ambiente digno para os sentenciados. Segundo os dados de Junho de 2014 do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, a população carcerária do país é de atualmente 563.526 (quinhentos e sessenta e três mil quinhentos e vinte e seis) sentenciados (ver anexo A), com um déficit de vagas nos estabelecimentos penais de 206.307 vagas8 (anexo C). Ao ser submetido em maio de 2012 pela Revisão Periódica Universal - instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU - o 8 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Novo Diagnóstico de Pessoas Presas. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas - DMF Brasília/DF, junho de 2014.
  • 46. 44 Brasil recebeu como recomendação “melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação” 9 . Há, de acordo com os dados do Departamento, apenas 357.219 vagas no sistema carcerário contra um número de 711.463 pessoas presas, computada a prisão domiciliar (ver anexo D). A própria lei de execução penal determina que: “Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”. Conduto, a realidade que se vê diariamente são celas são superlotadas, às vezes com a impossibilidade física dos condenados se movimentarem ou dormirem confortavelmente. A concretude das prisões brasileiras mais se assemelha a calabouços medievais, escuros, lúgubres e austeros, onde um tratamento digno se encontra distante da realidade. A proporção de presos por 100 mil habitantes no país atualmente é de 358 presos (anexo E). É notável o salto deste número em relação aos dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2012, que atestou neste ano 287,31 presos por 100.000 habitantes. O Brasil também é o terceiro país com a maior população carcerária, contando com a prisão domiciliar, abaixo apenas dos Estados Unidos e China, conforme o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, da Faculdade de Direito King’s College, da Universidade de Londres, Reino Unido (anexo F) 10 . Importante frisar que segundos os dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão, há 373.991 mandatos de prisão a serem cumpridos. A população carcerária em regra, deveria ser maior, tendo um número total, com os mandatos de prisão em aberto, mais o número de pessoas presas, de 1.085.454. Tal hipótese formaria um déficit de vagas ainda maior, de 728.235 vagas (anexo G). Em 1990, o Brasil tinha 146.592.579 habitantes. No ano de 2010, houve um aumento para 190.755.799 habitantes. Em 20 anos o crescimento populacional no país foi de 30%. Já a população carcerária que era de 90.000 presos, em 1990, 9 GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45- finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014. 10 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Novo Diagnóstico de Pessoas Presas. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, Brasília/DF, junho de 2014.
  • 47. 45 saltou para 513.802 detentos, em 2012. Isso representa um crescimento de 471% da população carcerária em 20 anos e meio. Logo, a taxa de crescimento da população carcerária foi 15,7 vezes maior que a taxa de crescimento da população brasileira11 . Entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361.402 para 473.626 presos, o que representou um crescimento, em quatro anos, de 31,05%12 . Em relação aos estabelecimentos penais há, de acordo com o Sistema Nacional de Informação Penitenciária (InfoPen), em 2012 o país contava com 1.478 estabelecimentos penais. Destes, 417 são penitenciárias masculinas e 53 femininas13 . São 821 cadeias públicas em todo o país, femininas e masculinas. Em relação à casa de Albergados, há apenas 67 estabelecimentos em todo o território, número escasso comparado à alta população carcerária do Brasil. Em relação à escolaridade dos sentenciados, a maior taxa de presos se encontra com o ensino fundamental incompleto, sendo 219,241 homens e 12,188 mulheres com tal grau de instrução somando 231,429 presos. Percebe-se, portanto, que há uma expressiva margem de pessoas com baixa escolaridade envolvidas no crime, já que, com limitadas oportunidades de empregos e oportunidades para esses indivíduos, há uma maior propensão para o envolvimento em delitos. Quanto ao indicativo de presos envolvidos em alguma atividade educacional apenas 47,355 dos 548.003 presos no ano de 2012 realizavam atividades divididas em alfabetização, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior e cursos técnicos14 . O número é exíguo comparado ao total da população carcerária, demonstrando mais uma vez a dificuldade do Estado em concretizar as medidas legais dispostas na LEP, em relação à educação carcerária. As tentativas de dirimir este problema palpitante levaram à reafirmação da jurisdicionalização em 1994, quando da implementação das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Não obstante ter estabelecido relações específicas e 11 GECAP-USP (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP) Finalidades da pena - 7 informações básicas sobre encarceramento. - Disponível em: <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/noticias/45- finalidades-da-pena-7-informacoes-basicas-sobre-encarceramento> Acesso em out 2014. 12 BRASIL. Ministério da Justiça. Execução penal. Sistema Prisional. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>. Acesso em out 2014. 13 BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen. Relatório Depen – 2012. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>. Acesso em out 2014. 14 BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen. Relatório Depen 2012 Disponível em: < http://portal.mj.gov.br>. Acesso em out 2014.
  • 48. 46 diretas do apenado com a Administração e com o Judiciário, vislumbrando maiores possibilidades de tutela (arts. 31 e 32 da Resolução n° 14, de novembro de 1994), percebe-se que a execução penal ainda continua sendo um território de vácuo jurídico em termos de validade e eficácia constitucional (CARVALHO, 2008). O relatório de Conclusões e Recomendações do Comitê da ONU Contra a Tortura de 2001, concluiu pela superlotação dos presídios brasileiros, ausência de comodidade e falta de higiene das prisões, falta de serviços básicos e de assistência médica adequada e, em especial, pela violência entre os detentos e pelos abusos sexuais (GRECO, 2011). Greco lista os principais problemas do sistema prisional brasileiro e porque ele não consegue efetivar os princípios esculpidos da Constituição Federal: a) Ausência de compromisso por parte do Estado no que diz respeito ao problema carcerário; b) controle ineficiente por parte daqueles que deveriam fiscalizar o sistema penitenciário; c) Superlotação carcerária; d) Ausência de programas destinados à ressocialização dos condenados; e) Ausência de recursos mínimos para a manutenção da sua saúde; f) Despreparo dos funcionários que exercem suas funções no sistema prisional (GRECO, 2011). 8. A LEITURA COMO EXTENSÃO DO ESTUDO PARA FINS DE REMIÇÃO 8.1. A Remição Remição é o ato ou efeito de remir (-se); liberação de pena, de ofensa, de dívida; quitação, resgate (HOUAISS, 2001). A remição é a possibilidade de resgate da pena privativa de liberdade pelo trabalho e, com a edição da Lei 12.433/2011, incluiu-se a possibilidade de remir a pena pelo estudo (NUCCI, 2011). Remir significa resgatar, abater, descontar, pelo trabalho ou estudo realizado dentro do sistema prisional, parte do tempo da pena cumprir. O preso provisório, que não está obrigado a trabalhar, também poderá remir parte de sua futura condenação (BITENCOURT, 2010). A remição é uma nova proposta inserida na legislação penal pela Lei nº 7.210/84 e tem como finalidade mais expressiva a de abreviar, pelo trabalho ou estudo, parte do tempo de condenação. O instituto da remição está consagrado no Código Penal espanhol (art.100) e sua origem remonta ao direito penal militar da
  • 49. 47 guerra civil espanhola, estabelecido pelo decreto de 28/5/1937 para os prisioneiros de guerra e os condenados por crimes especiais (MIRABETE, 2009). A remição foi criada pela LEP e, portanto tem caráter geral, abrangendo todos os condenados sujeitos a esse diploma legal, A natureza da lei é material – penal, tendo aplicação retroativa, por se tratar de lei mais benéfica. Dessa forma, retroagirá para beneficiar os apenados. 8.1.1. Origens da remição A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal em seu item 133 mostra a detalha a origem da remição: "O instituto da remição é consagrado pelo Código Penal Espanhol (art.100). Tem origem no Direito Penal Militar da guerra civil e foi estabelecido por decreto de 28 de maio de 1937 para os prisioneiros de guerra e os condenados por crimes especiais. Em 7 de outubro de 1938 foi criado um Patronato Central para tratar da redención de penas por el trabajo e a partir de 14 de março de 1939 o benefício foi estendido aos crimes comuns. Após mais alguns avanços, a prática foi incorporada ao Código Penal com a Reforma de 1944. Outras ampliações ao funcionamento da remição verificaram-se em 1956 e 1963" 15 . Embora houvesse notícias de casos de diminuição de pena em decorrência do trabalho do condenado nas Ordenações Gerais dos Presídios da Espanha em 1834 e 1928, e no Código Penal espanhol de 1822, a redención de penas por el trabajo foi instituída nos termos em que hoje é conhecida pelo Decreto n. 281, de 28- 5-1937, com relação aos condenados de guerra e por delitos políticos, sendo incorporada ao Código Penal espanhol na reforma de 1944 (art. 100). 8.1.2. Efeitos da Remição O tempo remido será computado não só para abreviar o cumprimento da pena, como também para a concessão de livramento condicional e indulto (art. 128 da LEP). Como cautela para evitar distorções comprometedoras à eficiência e ao critério do instituto, determina-se que a remição depende de declaração do juiz da execução ouvido previamente o Ministério Público (art. 126 § 8° da LEP). Desta forma: 15 BRASIL. Ministério da Justiça. Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal. Disponível em: < portal.mj.gov.br/services>. Acesso em set. 2014.