Lei municipal sobre segurança em caixas eletrônicos é inconstitucional
1. MENSAGEM DE LEI Nº 40/2010
Maringá, 16 de março de 2010.
Senhor Presidente:
O Projeto de Lei nº 8573/2010, de autoria do
Vereador Aparecido Domingos Regini - Zebrão, que dispõe sobre a obrigatoriedade
de as instituições bancárias e equivalentes manterem profissionais de segurança no
âmbito dos caixas eletrônicos ou serviços de autoatendimento durante o horário das
06 às 22 horas. Esta medida estende-se aos estabelecimentos comerciais que
possuírem caixas eletrônicos ou serviços de atendimento.
Precipuamente, veio felicitá-los pela iniciativa ao se
preocuparem com a segurança de nossos cidadãos maringaenses e visitantes.
Porém, cabe tecer algumas considerações sobre a matéria ora em comento,
resultando na decisão desta Administração.
Cabe destacar que a Constituição brasileira de 1988,
na esteira do aperfeiçoamento de nossa organização política, estabeleceu um
complexo sistema de repartição de competências. A competência legislativa, em
nossa Constituição, aparece de três formas distintas, a saber: a) competência
privativa; b) competência concorrente; c) competência suplementar. A competência
administrativa, por sua vez, apresenta-se apenas como competência privativa ou
como competência comum.
A competência legislativa privativa é a que cabe
exclusivamente a um órgão componente do Estado Federal. Estão nesta categoria as
competências da União estabelecidas no art. 22 da Carta Magna, a competência
remanescente dos Estados, a competência do Município para legislar sobre assuntos
de interesse local, as competências de cada ente para estabelecer tributos e para
definir a organização administrativa.
Especificamente ao caso em apreço, reportando-nos
aos ditames constitucionais, o artigo 22, inciso XXII, disciplina que a competência
para legislar sobre matéria de segurança é privativa da União, ou seja, somente a
União poderá elaborar leis pertinentes às normas de segurança. Excetuada a
disposição do Art. 144, § 8º da Carta Magna, Título V, Capítulo III intitulado “Da
2. segurança pública”, para a qual os Municípios poderão constituir guardas
municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações,conforme dispuser a lei.
Seguindo esta orientação, a Lei Orgânica do
Município estatuiu o que segue, in verbis:
Art. 184. A segurança pública, também dever do Município,
direito e responsabilidade de todos, será exercida para a
preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do
patrimônio, no âmbito de competência do Município, com a
participação da Guarda Municipal.
Extrai-se do excerto legal que a competência do
Município para legislar sobre questões de segurança pública restringe-se ao âmbito
da Guarda Municipal.
Reportando ao caso em destaque, a União editou ato
legislativo dispondo sobre a segurança para estabelecimentos financeiros e
estabeleceu normas para funcionamento das empresas particulares que exploram
serviços de vigilância e de transporte de valores1. Esta Lei delega ao Ministério da
Justiça regulamentar e fiscalizar a segurança privada em âmbito nacional.
A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido
da inconstitucionalidade de lei municipal que disciplina sobre a presença de vigilância
no autoatendimento, senão vejamos:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Liminar. Possibilidade de
apreciação da questão cautelar pelo relator. Lei Municipal nº
3.630, de 2 de junho de 2007 do Município de Taquaritinga de
iniciativa de vereador que “obriga as instituições bancárias do
Município a oferecer manutenção de segurança através de
pessoal especializado até às 2 00 horas (sic) nos terminais
eletrônicos estabelecendo sanção pecuniária e administrativa em
caso de descumprimento. Lei que colide com o princípio da
reserva de iniciativa, art 47 inciso II da Carta Estadual, e com
Lei Federal nº 7.102/83 com a redação da Lei Fed. 9.017/95, que
trata da segurança bancária. Invalidação integral da lei municipal
não obstante não impugnados seus arts. 1º e 5º, porque dispõ
sobre matéria objeto de lei federal e são conexos com os demais
dispositivos impugnados. Ação direta procedente, com efeito
ex tunc.” (ADI nº 164.946-0/4-00 / TJSP, Relator Desem. José
Santana) (grifei)
1 Vide Lei 7.102/93 com alterações dadas pela Lei nº 9.017/95.
3. De acordo com o princípio da legalidade, elencado
pela Constituição como um dos corolários da Administração Pública, esta só pode
atender os ditames da lei. Neste compasso, insta salientar a seguinte preleção de
MELLO2:
"Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e
captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de
que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de
submeter os exercentes do poder em concreto –
administrativo – a um quadro normativo que embargue
favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se
através da norma geral, abstrata e impessoal, a lei, editada
pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de
todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social
– garantir que a atuação do Executivo nada mais seja
senão a concretização da vontade geral". [grifo nosso]
A natureza da função pública e a finalidade do Estado
impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres
que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem
utilizados em benefício da coletividade não podem ser renunciados ou descumpridos
pelo administrador, sem ofensa ao bem-comum, que é o supremo e único objetivo de
toda ação administrativa.
Diante do exposto, o Município não possui
competência legislativa para disciplinar questões de segurança em estabelecimentos
financeiros.
Ademais, mister aplicar ao presente caso o princípio
da razoabilidade, alusão frequente nos arestos de nossa egrégia Corte,
O instituto da razoabilidade encontra ressonância na
ajustabilidade da providência administrativa consoante o
consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é
conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à
razoabilidade "aquilo que não pode ser". A proporcionalidade,
como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os
meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução
das finalidades, quando exorbitantes, superam a
proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto
com o resultado almejado. (REsp. nº 728.999/PR, 1ª turma,
Relator Ministro Luiz Fux, dj 26.10.2006, p. 229) (grifei)
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo. 7ª. ed. São Paulo: Malheiros Ed. p. 57.
4. A respeito do Princípio da Razoabilidade merece
destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello in "Curso de Direito
Administrativo", 14ª ed. Malheiros, 2002, p. 91-93:
"Princípio da razoabilidade.
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no
exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do
ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de
pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram
a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se
colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas
também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis - ,
as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas
com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam
atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência,
sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei
atributiva da discrição manejada.
(...)
Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-
se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os
princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os
mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).
O Município, conforme listagem anexa, conta
atualmente com 90 (noventa) pontos de caixas eletrônicos ou serviços de
autoatendimento fora dos estabelecimentos bancários, tudo para facilitar a vida das
pessoas.
Se promulgado este Projeto de Lei, poderá ocasionar
a retirada dos serviços de autoatendimento naqueles locais, devido ao custo do
serviço de segurança.
Poderá também ocorrer uma “corrida” às instituições
financeiras no horário normal de funcionamento, qual seja, das 9 às 17 horas, pois
após este horário a população ficaria sem caixa eletrônico.
Ressalto que as instituições financeiras, no período
das 9 horas às 17 horas já dispõem de serviços de segurança.
A exemplo do que ocorreu na Cidade de Mogi das
Cruzes, cf. reportagem anexa, a medida que ora se discute foi implantada com
resultados negativos aos munícipes, pois os bancos disponibilizavam os caixas
somente em horário comercial, das 9 às 17 horas, ocasionando grande lotação neste
horário. Resultou que a Câmara teve que rever seu ato, revogando artigo que
dispunha sobre a obrigatoriedade de permanecer um agente de segurança em todos
os caixas eletrônicos até as 22 horas.
5. Desta forma, mesmo reconhecendo a importância da
iniciativa, por uma questão jurídica e legal, ao Prefeito não resta outra alternativa
senão oferecer o VETO TOTAL ao Projeto de Lei Complementar nº 8573/10, nos
termos do Parágrafo 1º do Artigo 32 da Lei Orgânica Municipal.
Sendo assim, contamos com a compreensão, e na
certeza do mesmo entendimento por parte de Vossas Excelências às justificativas
para o veto ora apresentado, aproveitamos a oportunidade para apresentar-lhes meus
protestos de estima e apreço.
Atenciosamente,
SILVIO MAGALHÃES BARROS II
Prefeito Municipal
Exmo. Sr.
MÁRIO MASSAO HOSSOKAWA
DD. Presidente da Câmara Municipal de Maringá
Nesta