O documento discute a isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) em concessões administrativas na cidade de São Paulo. A lei municipal que estabeleceu a isenção é questionada, pois a legislação tributária não permite a tributação de ISS em concessões administrativas, já que nestas a contraprestação é feita exclusivamente pelo parceiro público. Logo, não há possibilidade jurídica de incidência do ISS, tornando a isenção legalmente inválida.
2. Vigora no Município de São Paulo desde o dia 13 de março de 2015 a Lei nº 16.127/2015,
que estabelece isenções do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISS.
As isenções previstas na lei alcançam três situações: SPE - Sociedade de Propósito
Específico que celebre contrato administrativo com fundamentos na Lei Federal nº
11.079/2004 nas áreas de transporte público metropolitano, saúde, educação, habitação de
interesse social e iluminação pública (art. 1º); o serviço de transporte público de passageiros
realizado pelas empresas que exploram o sistema metroviário no Município de São Paulo
(art. 2º) e; pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, qualificadas como
organizações sociais que celebrem com a Administração Pública Direta e autarquias da
União, do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo, contrato de gestão com
objetivo de formar parceria entre as partes para o fomento e execução de atividades dirigidas
às áreas de saúde, cultura, esporte, lazer e recreação (art. 3º).
Dessas isenções, interessa-me a que consta do artigo 1º da referida lei, relacionada aos
chamados contratos de parceria público-privada, especificamente, ao contrato de concessão
administrativa, em razão de entender que não haveria a possibilidade de a lei ordinária
estabelecer isenção sobre esse negócio jurídico, ao passo que ele não denota hipótese de
incidência de ISS.
Para demonstrar a veracidade desta afirmação, analiso rapidamente a isenção, a concessão
administrativa e seu contrato e a legislação em vigor sobre as hipóteses de incidência de ISS.
Para este fim, serão necessários poucos parágrafos.
A isenção
A ciência do direito tributário é ambígua quanto a noção de isenção tributária. Paulo de
Barros Carvalho*, por exemplo, entende a isenção como norma jurídica de estrutura que
limita a norma jurídica tributária (Nt), na medida em que a norma jurídica isentiva (Ni) se
projeta sobre um dos critérios regra matriz de incidência da Nt retirando-lhe possibilidade de
aplicação e incidência sobre a situação descrita no critério material da Ni. Estaríamos, assim,
diante de duas normas jurídicas: Nt e a Ni.
Eliud José Pinto da Costa, por sua vez, entende pela existência de apenas uma norma
jurídica, a Nt. Para o autor, devemos considerar o texto jurídico que disciplina a tributação
e o texto jurídico que disciplina a isenção e a partir desta análise conjunta criar a Nt já com
a exclusão da situação S de seu âmbito de aplicação**.
Sem entrar na discussão dogmatizada sobre sua definição, tendo em vista que esse não é
o objetivo do presente texto, tratarei a isenção apenas como sendo uma exoneração temporária
de tributação.
No entanto, para que o ente político possa exercer a competência legislativa exonerativa,
deve haver a possibilidade jurídica de aplicação e incidência*** de norma jurídica tributária
Nt sobre a situação S que se isenta. Sem que exista previamente o texto-jurídico-fonte que
permita a tributação, não há que falar em exercício de tal competência. A existência de texto-
jurídico-fonte para criação da Nt e a possibilidade jurídica de sua aplicação e incidência são
condições necessárias para existência da isenção!
3. Portanto, se a possibilidade de tributação sobre a situação isentada é condição necessária
para a isenção, a inexistência de previsão textual desta tributação torna a isenção criada sem
condição de aplicabilidade no ordenamento jurídico, padecendo de ineficácia técnica.
Essas são, rapidamente, algumas características da isenção suficientes, a meu ver, para
demonstrar a veracidade da proposição acima apresentada.
A concessão administrativa
Concessão administrativa está definida no §2º, do artigo 1º, da Lei Federal nº
11.079/2004 como sendo “o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a
usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”.
No entanto, para harmonizar a definição acima com a de concessão patrocinada, também
uma definição legal, tenho que a concessão administrativa é a contratação de serviços (não os
serviços públicos) de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens com contraprestação pecuniária exclusiva do parceiro
público, instrumentalizada por meio de um contrato. A concessão administrativa não é o
contrato, mas a contratação nas condições da lei.
Um atributo da concessão administrativa que a diferencia das demais concessões,
patrocinada e comum, é a contraprestação exclusiva do parceiro público ao parceiro privado
em razão dos serviços prestados, fornecimento e/ou instalação de bens ou obras
construídas. Na concessão patrocinada há tanto contraprestação pelo parceiro público como
o usuário dos serviços ou da obra pública e na concessão comum, apenas pelo usuário.
Sendo a concessão administrativa a contratação de serviços pelo Estado em condições
específicas, seu contrato, a partir do direito positivo, pode ser classificado contrato típico,
com multiplicidade de objetos como a prestação de serviços, o fornecimento e instalação de
bens e construção de obras, sendo que a remuneração do parceiro privado, especificamente
em relação a estes objetos, será exclusivamente realizada pelo parceiro público.
A tipicidade do contrato de concessão administrativa com a possibilidade de multiplicidade
de objetos o difere, também, do contrato misto e dos “contratos coligados”. No primeiro
caso, um mesmo instrumento contratual prevê ao menos dois objetos caracterizados por
diferentes espécies contratuais típicas (compra e venda e prestação de serviço; comodato e
prestação de serviços etc.). Já os segundos diferenciam-se da concessão administrativa por
caracterizarem-se relação negocial com objetos múltiplos sem a existência de instrumento
contratual unitário.
Com essas considerações sobre a concessão administrativa, passo a analisar a legislação
tributária e apresentar a conclusão.
A legislação tributária sobre ISS
No âmbito do direito tributário existem três importantes fontes normativas, a
Constituição Federal, lei complementar e lei ordinária. Nos dias de hoje não há dúvidas
quanto a projeção da Constituição Federal sobre as leis. Porém, essa mesma relação não é
harmônica entre lei complementar e ordinária, principalmente as leis que tratam de ISS.
4. A Constituição Federal criou ao legislador nacional o dever de estabelecer em lei
complementar as espécies, estrutura e as hipóteses de incidência da norma tributária de ISS,
conforme dispõe o artigo 146, inciso III, “a”. De fato, não é a lei complementar que
estabelece as hipóteses de incidência, mas os limites para a lei ordinária quando esta
estabelecer as efetivas hipóteses. Ainda que se possa dizer que não existe uma relação de
hierarquia da lei complementar sobre a ordinária, certo é que a primeira dispõe sobre os
limites da segunda. Limites com a permissão da própria Constituição Federal.
Considerando, assim, que os enunciados prescritivos da lei complementar circunscrevem
o âmbito da competência legislativa dos municípios e do Distrito Federal, qualquer situação
fora destes limites poderá ser invalidada.
Sendo a lei complementar os limites da lei ordinária, pode-se analisar a afirmação de não
incidência de Nt sobre serviços em concessão administrativa tendo a Lei Complementar nº
116/2003 (LC 116) como referente, pois ela é a lei nacional.
Muito bem, com isso, no que toca ao tema proposto, três disposições da LC 116 se
relacionam com a concessão administrativa em razão de seu regime jurídico; estes são o §3º
do artigo 1º e os itens 22 e 22.1 da lista de serviços anexa à Lei.
O parágrafo terceiro dispõe que ISS incide (sic) “sobre os serviços prestados mediante a utilização
de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o
pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”.
Já os itens 22 e 22.1 da lista, disciplinam, especificamente, a permissão para a lei ordinária
estabelecer como hipótese de incidência serviços de exploração de rodovia, compreendidos
como: “serviços de exploração de rodovia mediante cobrança de preço ou pedágio dos usuários, envolvendo
execução de serviços de conservação, manutenção, melhoramentos para adequação de capacidade e segurança
de trânsito, operação, monitoração, assistência aos usuários e outros serviços definidos em contratos, atos de
concessão ou de permissão ou em normas oficiais”.
Com as disposições legais, considero que o §3º, do artigo 1º, da LC 116 prescreve os
requisitos necessários para que a lei ordinária possa instituir o imposto sobre serviços explorados
economicamente mediante autorização, permissão e concessão pública.
Os requisitos necessários são (i) a prestação de serviço mediante uso de obra pública
e/ou serviço público; (ii) que o serviço seja prestado diretamente ao usuário final e (iii) que
a contraprestação ocorra por meio do pagamento de tarifa, preço ou pedágio, por este
mesmo usuário.
Em que pese a amplitude conotativa do parágrafo terceiro, a lista anexa à LC 116, que
prevê exaustivamente quais os tipos de serviços tributáveis por ISS, limita a tributação à
exploração de rodovia – conforme os itens 22 e 22.1. Deste modo, não há outro negócio
jurídico previsto na LC envolvendo Estado e a iniciativa privada por meio de autorização,
permissão ou concessão pública com objetos que indiquem a exploração de obras ou
serviços públicos.
5. A Conclusão
Iniciei o texto com a afirmação de que não se poderia instituir uma isenção tributária em
relação a uma situação em que não há tributação. Isto ocorre, como claramente exposto, na
medida em que a condição necessária de existência de isenção é a possibilidade jurídica de
aplicação e incidência de norma jurídica tributária.
Parece-me, também, que ficou bastante claro que não há possibilidade jurídica de
aplicação e incidência da Nt de ISS em concessão administrativa, já que um atributo
específico desta espécie de concessão é a contraprestação exclusiva pelo parceiro público,
assim, pois, não havendo pagamento de tarifa, preço ou pedágio por parte do usuário, não
há a possibilidade de tributação por ISS, pois, como posto acima, estes são os requisitos
necessários para que a lei ordinária possa instituir um texto-jurídico-fonte para a tributação.
Igualmente, ficou demonstrado que a LC 116 permite apenas tributação sobre serviços
de exploração de rodovias, não sendo este o caso dos objetos do artigo 1º da Lei Municipal
nº 16.127/2015, quais sejam o transporte público metropolitano, saúde, educação, habitação
de interesse social e iluminação pública.
Destas conclusões posso dizer que a lei municipal isentiva padece de vício por
incompatibilidade com a LC 116, contudo, deve o intérprete empreender esforços para
manter um texto-jurídico-fonte no ordenamento jurídico em razão de seu caráter de ideal-
democrático. Assim, seria razoável manter o texto da lei, no entanto, interpretando-o de
maneira a limitar sua utilização apenas aos casos de parceria público-privada em que exista
a possibilidade jurídica de tributação.
* Carvalho, Paulo de Barros. Direito tributário – Linguagem e Método. Ed. Noeses. 5ª ed.2013. Páginas 600-602.
** A tese deste autor é analisada por Carrazza, Roque Antônio em seu Curso de Direito Constitucional Tributário.
Malheiros Ed. 19ª. 2004. Páginas 764/765. Infelizmente não consegui acesso ao texto original que hoje está
publicado no livro A norma jurídica e as isenções tributárias. Ed. Aquarela.
*** Sobre a complexidade do fenômeno da incidência ver Araújo, Clarice von Oertzen de. Incidência Jurídica – Teoria
e Crítica. Ed. Noeses.2011.