1) O documento trata de uma decisão judicial que concede efeito suspensivo a um agravo de instrumento, determinando que a USP forneça fosfoetanolamina sintética experimental a uma paciente com câncer.
2) A decisão também determina a intimação da ANVISA para figurar no polo passivo da ação e se abster de sanções contra pesquisadores da USP que forneçam o medicamento experimental.
3) A fundamentação da decisão analisa o direito do paciente em se submeter a tratamento experimental gratuito e a compet
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2ª TURMA RECURSAL – JUIZADO ESPECIAL FEDERAL
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 0000443-14.2016.4.01.9380
AGRAVANTE: MARIA IVONE SANTOS DA SILVA
PROCURADOR(A): SP00292747 - FABIO MOTTA
AGRAVADO(A): UNIVERSIDADE DE SAO PAULO – USP E OUTROS
PROCURADOR(A): PROCURADOR DO ESTADO
DECISÃO
(ART. 527, III, do CPC)
1. Defiro a atribuição de efeito suspensivo ativo ao agravo para: a) determinar a reinclusão
da Universidade de São Paulo –USP no polo passivo da ação em que proferida a decisão
agravada (autos 003475-83.2016.4.01.3800); b) determinar à USP, na medida de sua
capacidade, a disponibilizar a substância fosfoetanolamina sintética à parte autora, mediante
a apresentação do termo de consentimento livre e esclarecido devidamente assinado pela
requerente, em quantidade suficiente para garantir seu tratamento, que deverá ser indicada
pelo instituto de química de são carlos, entidade responsável pela pesquisa com a
fosfoetanolamina. Em consequência, em relação à autora, fica suspensa a PORTARIA IQSC de
2014 do Instituto de Química de São Carlos que impede a manipulação da substância; c)
determinar a intimação da parte autora para que, no prazo de 10 (dez) dias, promova a citação
da ANVISA para figurar no polo passivo da ação, a qual deverá ser intimada pela Secretaria
com urgência dessa decisão, a fim de que se abstenha de aplicar qualquer sanção em face do
Instituto de Química de São Carlos e de seus pesquisadores em razão do fornecimento da
fostoetanolamina à autora.
2. Para tanto, como razões de decidir, adoto a fundamentação exposta pela juíza federal
Cláudia Maria Resende Neves Guimarães, da 28ª Vara Federal desta Seção Judiciária, na
decisão proferida nos autos 0065755-27.2015.4.01.3800, que ora transcrevo:
“O caso em apreço é sui generis. Busca-se o fornecimento do medicamento experimental fosfoetanolamina
sintética para tratamento da doença de que padece a autora (carcinoma ductal invasivo - câncer de mama)
que até pouco mais de um ano era entregue gratuitamente no campus da Universidade de São Paulo (USP)
em São Carlos a quem dela necessitasse.
A fosfoetanolamina sintética, também conhecida como cápsula branca e azul, nunca passou pelos testes
clínicos ou toxicológicos com humanos, não obstante ter sido distribuída gratuitamente durante 20 anos pelo
hoje professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, precursor das pesquisas com a substância no Brasil e
chefe do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP de São Carlos.
Ocorre que em 10 de junho de 2014, o Diretor do Instituto determinou, através da Portaria IQSC 1389 de
2014, a interrupção da produção e distribuição, enquanto a Fosfoetanolamina não for liberada pelos órgãos
competentes. Assim, desde então, a droga somente estava sendo distribuída às pessoas que detinham
ordem judicial para o fornecimento do medicamento e, no final de setembro de 2015, o presidente do TJSP
suspendeu a eficácia de todas as decisões judiciais que deferiam o fornecimento da fostoetanolamina.
Alcilena Cincinatus, uma das 742 pessoas prejudicadas pela decisão do presidente do TJSP, interpôs junto
ao STF pedido de suspensão da decisão que determinou a suspensão do fornecimento da droga3,
argumentando que ainda que a distribuição da droga sem autorização da ANVISA fosse lesiva à ordem
pública, estar-se-ia em face a um bem maior, a vida. A petição foi recebida como medida cautelar de
concessão de efeito suspensivo em recurso extraordinário, e ante o poder geral de cautela e a urgência do
caso, o Ministro Edson Fachin entendeu que a ausência de registro do medicamento experimental na
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ANVISA por si só não implica em lesão à ordem pública, considerando, ainda, que o tema pende de análise
pelo STF, em sede de repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012).
Diante da decisão do STF, válida apenas para um dos 742 pacientes afetados pela suspensão do
fornecimento da droga, o presidente do TJSP reconsiderou a decisão anterior e liberou a entrega do
medicamento.
Posteriormente, em 11 de novembro de 2015, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo
determinou a suspensão do fornecimento da fosfoetanolamina sintética, distribuída pela Universidade de São
Paulo (USP) para pacientes com câncer mediante liminares. A decisão, por maioria de votos, foi tomada
após recurso interposto pelo Estado de São Paulo, que argumentou que a substância tem efeitos
desconhecidos nos seres humanos, não é considerada um medicamento, não possui o registro necessário
perante a autoridade sanitária competente e que sua distribuição poderia acarretar graves consequências
para os pacientes. Desde então, os advogados especialistas na área sugerem que o medicamento seja
buscado junto à Justiça Federal, provavelmente a fim de contornar a decisão desfavorável do órgão especial
do TJSP.
É diante desse conjunto fático jurídico que a questão é colocada à apreciação desse juízo.
Há duas espécies de ações judiciais que têm como objeto tratamentos de saúde: as fundadas no dever do
Estado em prestar assistência à saúde (art. 196 da CF), e as que buscam garantir a autonomia do paciente
em se submeter (ou não) a determinado tratamento médico. Enquanto o fornecimento de medicamentos que
não são disponibilizados pelo SUS frequentemente se encaixa na primeira hipótese, na segunda espécie
estão, por exemplo, as ações que versam a importação de canabidiol para tratamento de diversas doenças,
entre elas, neurológicas, e as que buscam autorização judicial para suprir o consentimento do paciente (ou
dos pais de menores) que se recusa a se submeter a determinados tratamentos essenciais para sua
sobrevivência, como é o caso da transfusão de sangue, condenada pelos adeptos da seita Testemunhas de
Jeová.
Ações judiciais que buscam fornecimento de medicamentos com fundamento no art. 196 da CF são, sem
sombra de dúvidas, as mais comuns e também as mais tormentosas para o juiz que deve decidir a respeito
do fornecimento.
Sempre que o juiz se vê em face ao pedido de fornecimento de medicamentos de alto custo é inevitável a
sensação de impotência diante da decisão a ser tomada. De um lado, deferir o seu fornecimento pode ser a
última esperança de vida digna para o autor enfermo; de outro, a mesma decisão implica em suprimir uma
gama de tratamentos necessários a outros tantos. Em um mundo ideal, todos teriam os melhores
tratamentos para o câncer, para a diabetes, para insuficiência renal, para ELA, etc.. Mas no mundo real, a
palavra de ordem é limitação orçamentária.
O fato é que quando se trata de solucionar a aparente colisão entre direitos fundamentais de mesma
envergadura - direito à saúde do requerente e o direito à saúde dos demais cidadãos que serão direta ou
indiretamente serão afetados pela decisão em razão da limitação orçamentária –, é preciso ponderar a partir
do caso concreto para que essas normas sejam harmonizadas.
Nesse sentido, o direito individual à saúde custeada pelo Poder Público deverá prevalecer apenas se
cumpridos determinados requisitos. O primeiro deles é a impossibilidade do tratamento ser custeado pelo
próprio paciente. A atuação estatal é subsidiária, de forma que o Estado pode ser condenado à entrega
coativa apenas quando o interessado não puder adquirir extrajudicialmente o remédio, por meios próprios ou
por intermédio de familiares, em nome da solidariedade familiar. Os portadores de moléstias graves que não
tenham disponibilidade financeira para custear o seu tratamento médico e farmacológico sem a privação dos
recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família têm o direito de receber gratuitamente do
Estado os medicamentos de comprovada necessidade em determinados casos.
O segundo requisito para fazer jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público é a comprovação de
que todos os recursos de eficácia cientificamente comprovada, sejam eles cirúrgicos, terapêuticos ou
medicamentosos, que já se encontram no rol dos tratamentos disponibilizados pela rede pública, ou seja, já
incluídos nas previsões orçamentárias, já tenham sido ministrados ao paciente e tenham sido insuficientes
para curá-lo. Contudo, mesmo que esgotadas todas as possibilidades de tratamento regularmente fornecidas
pelo SUS para o mal que acomete aquele que coloca a última esperança de cura no Poder Judiciário, nem
sempre o Poder Público deverá ser compelido a fornecer o tratamento médico, seja de cirurgia, terapia ou
medicamento de alto custo. Para tanto, além da hipossuficiência financeira do autor enfermo e da
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inexistência de tratamento eficaz regularmente disponibilizados pela rede pública, há ainda um terceiro
requisito para que o Poder Público seja compelido a fornecer o tratamento em questão: a possibilidade de
que o recurso a ser disponibilizado ao paciente seja suficiente não apenas para lhe proporcionar melhora na
qualidade de vida, mas que existam estudos científicos demonstrando que o tratamento pode levar à cura do
mal que acomete o autor ou, ao menos, prepará-lo para outro tratamento que seja capaz de curá-lo.
Fácil perceber, assim, que, em geral, a judicialização da saúde tem mais a ver com custeio dos tratamentos
com recursos públicos do que com a liberdade do autor enfermo em se submeter (ou não) a determinado
tratamento. Assim, a maioria das ações que tem como objeto o fornecimento de medicamentos não discute
se um cidadão pode fazer uso de algum tratamento. Discute-se se o Estado deve ser obrigado a custeá-lo.
No caso do fornecimento do medicamento experimental fosfoetanolamina sintética para tratamento da
doença de que padece a autora (carcinoma ductal invasivo - câncer de mama), a simples menção na petição
inicial da natureza experimental do medicamento em questão já seria suficiente para o indeferimento da
tutela antecipada, não fosse um detalhe: a gratuidade da sua distribuição pelo Instituto de Química de São
Carlos, subordinado à USP. O custo de produção, segundo noticiado pela imprensa, é de R$0,10 (dez
centavos) por pílula.
Assim, diante da gratuidade do medicamento experimental, não se discute, in casu, se o Poder Público deve
ser compelido ou não a fornecer o medicamento que não está incluído no rol daqueles disponibilizados pela
rede pública em detrimento da disponibilização de outros tratamentos de saúde à coletividade. Discute-se se
a autora tem o direito ou não de se submeter a um tratamento experimental com o objetivo de cura ou
melhora da sua qualidade de vida. O direito fundamental que a autora pretende exercitar com o ajuizamento
do presente feito não é o direito à saúde à custa do erário (art. 196 CF), mas sua autonomia privada em se
submeter a um tratamento com um medicamento que nunca passou por testes clínicos ou toxicológicos com
humanos e a distribuição é (era) feita pela USP em São Carlos sem autorização da ANVISA.
Conforme mencionado, desde a decisão do Órgão Especial do TJSP que determinou a suspensão do
fornecimento da droga experimental, a orientação na advocacia é a propositura das ações na Justiça
Federal, em face da USP, do Estado de São Paulo e da União Federal.
De início, considerando que o medicamento é (ou era) disponibilizado há mais de 20 anos gratuitamente pelo
Instituto de Química de São Carlos, integrante da USP, tem-se que a União Federal é parte ilegítima no feito.
Não há que se falar em coação do Poder Público em fornecer medicamento experimental com fundamento
no art. 196 da CF. Também o Estado de São Paulo é parte ilegítima para figurar no pólo passivo. A USP
possui personalidade jurídica própria, dispensando a presença na lide do ente federativo que a mantém (a
USP é universidade estadual). Contudo, ainda assim, entendo que a competência para julgamento do feito é
da Justiça Federal porquanto, na prática, o que se pretende é a suspensão dos efeitos da Portaria IQSC
1389 de 2014 da USP de São Carlos, que suspendeu a distribuição da droga experimental até que seja
aprovada pela ANVISA. Ou seja, a utilidade da presente decisão é impedir que os pesquisadores do IQSC
sofram qualquer sanção por parte da agência regulatória em razão do fornecimento da fosfoetanolamina
sintética à autora. Para tanto, necessária a inclusão da ANVISA no pólo passivo, o que desloca a
competência da instrução e o julgamento do feito para a Justiça Federal.
Fixada a competência, seguimos em frente quanto à apreciação do pedido. A autora, Rosangela Lamac
Longo de Souza, é portadora de carcinoma ductal invasivo e sua enfermidade evoluiu para o processo de
metástase para outras partes do corpo, acometendo também parte da coluna e do cérebro. Rosangela
encontra-se em avançado grau de recrudescimento, sendo que todos os tratamentos convencionais já foram
feitos – radio e quimioterapia - tratamentos que causam sofrimento e desconforto intenso, enfraquecendo
ainda mais organismo da autora. De acordo com a petição inicial, a medicina convencional nada mais pode
fazer por Rosangela diante do nível da evolução do mal que a acomete.
O fato é que quando a ciência (de comprovada eficácia) não pode oferecer mais nada para salvar a vida da
paciente, resta a busca da cura (ou da melhoria na qualidade de vida) pela fé. São feitas novenas, orações,
promessas, benzeção, passes em centro espírito, cirurgias espirituais, poções milagrosas, etc. Enfim, o
paciente e sua família percorrem todo o caminho de fazer tudo que era possível no plano terreno e no plano
espiritual.
A fosfoetanolamina faz parte da busca da cura (ou melhora da qualidade de vida) pela fé. Nesse ponto da
batalha contra o câncer, ao que parece, as pílulas brancas e azuis são a última esperança na crença da
autora.
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Pode-se dizer que a fostoetanolamina equivale a uma poção milagrosa: a droga nunca foi submetida a testes
clínicos e toxicológicos com humanos; não se sabe bem o que é; como funciona no combate ao tumor; quais
seus efeitos colaterais, etc. Apenas se tem notícia de que para alguns daqueles que fizeram uso da
substancia, houve melhora significativa na qualidade de vida. Pode ser que o medicamente seja, de fato,
eficaz para o tratamento do câncer ou pode ser apenas o efeito placebo. O fato é que para aqueles que não
tem mais nenhuma chance com a medicina convencional, esses benefícios que “ouviram dizer” são
suficientes para renovar as esperanças. Assim, a partir desse ponto, no qual a palavra de ordem é pior não
fica, trata-se da busca da cura pela fé, onde se pode dizer que a fosfoetanolamina equivale à oração para os
que crêem.
Há um trecho do historiador Leandro Karnal no seu livro mais recente, Pecar e perdoar (2014, p. 186 – 187)
5 , que cai como uma luva no caso em apreço. Quando Karnal trata do tema para quê orar, ele menciona
que a oração não está no campo racional do sujeito. Por exemplo, na maioria dos acidentes graves da
aviação, certamente muitas pessoas fizeram sinal da cruz ou ao menos gritaram “ meu Deus” E os aviões
caíram. Suponha-se também que em todos os hospitais do mundo, religiosos de todos os credos fizeram
preces por entes queridos que agonizavam e esses pacientes morreram. Segundo Karnal, não é estatística,
mas é algo possível de imaginar: de cada cem pacientes terminais ou casos graves e irreversíveis de
doenças, talvez um ou dois tenham uma recuperação não explicável. Mas para a maioria absoluta, o
“milagre” não ocorre. Se fosse uma medicação, a prece seria considerada, matematicamente, ineficaz. Mas
continua sendo feita.
Karnal (2014, p. 191), traça um paralelo entre a oração e a tábua de madeira em um naufrágio.
“ Uma oração é a tábua no instante do afogamento. Suponha de outra forma. Você está morrendo
envenenado. Tentou todos os tratamentos mais avançados da medicina e todos os antídotos. Nada. Há
poucas horas de vida pela frente. O fim, inexorável, se aproxima. A Indesejada, como era chamada a morte
na literatura antiga, ou Caetana, como é chamada até hoje no Nordeste, acena. Mostram a você um copo
com um líquido azul. Dizem: “Não se sabe o efeito, talvez cure, a maioria não foi curada, há pouca chance,
mas talvez funcione. A chance de cura com esse antídoto é uma em cinquenta milhões” Você recusaria¿
“Bem, muito baixa a estatística para ser eficaz” você diria. Acho que não. Você tomaria. Eu tomaria,
certamente.”
A fosfoetanolamina sintética é o líquido azul no exemplo de Karnal. A medicina convencional nada mais pode
fazer por Rosangela, cujo estado de saúde é gravíssimo em razão do câncer de mama com metástase na
coluna e no cérebro.
A primeira pergunta que se faz é quantas pessoas, no lugar de Rosangela, se recusariam a beber o líquido
azul e ficariam passivamente à espera da Indesejada. Certamente pouquíssimos seriam os que recusariam
as pílulas brancas e azuis.
A segunda pergunta que se faz é se o Estado, por meio da ANVISA, pode interferir e limitar a autonomia
privada da autora a se submeter ao tratamento experimental com a fosfoetanolamina sintética, quando essa
droga é, na crença da autora, a única esperança de melhorar sua qualidade de vida e seu fornecimento é
gratuito, ao custo para a USP de R$0,10 (dez centavos) cada pílula. A resposta que se impõe é negativa.
Considerando a decisão excepcionalmente proferida pelo Ministro Edson Fachin na PET/58286, que a
ausência de registro da fosfoetanolamina sintética na ANVISA não implica, necessariamente, lesão à ordem
pública, quando o paciente encontra-se em estado terminal,7 a decisão a ser tomada nos autos deve estar
pautada no Biodireito, em especial nos princípios da autonomia privada (autodeterminação) e da
responsabilidade, este traduzido na compreensão do tratamento por parte da autora e a respectiva assunção
às consequências quanto ao exercício da sua autodeterminação. Assim, tendo em vista que o custo de cada
pílula para o Estado é de R$0,10 (dez centavos), a palavra de ordem deixa de ser limitação orçamentária e
passa a ser termo de consentimento livre e esclarecido.
Além disso, se de um lado a fosfoetanolamina é um medicamento experimental que carece de comprovação
cientifica quanto à sua eficácia no tratamento do câncer, de outro, de acordo com Ted Katchuk diretor do
Program in Placebo Studies no Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC) e professor da Escola de
Medicina de Harvard, o placebo pode promover mudanças biológicas a favor da cura de enfermidades ou na
melhora da qualidade de vida dos enfermos.
Quais os mecanismos biológicos que atuam no processo ainda são parcialmente desconhecido, mas essa foi
a conclusão retirada do estudo liderado por Katchuck, que teve como base a observação de 66 pacientes.
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Inicialmente, cada voluntário passou por uma primeira crise que não foi tratada e descreveu a dor e os
sintomas 30 minutos e duas horas após o problema. Em seguida, foram entregues aos participantes seis
envelopes, cada um com um comprimido. Cada pacote continha um tratamento diferente e um rótulo que
indicava o conteúdo dele. Dois tinham o objetivo de gerar expectativas positivas no paciente por meio do
rótulo com o nome rizatriptano (substância tradicionalmente prescrita contra a enxaqueca), ainda que só um
deles portasse a terapia real e outro, placebo. Outros dois levavam as expectativas negativas com a etiqueta
de que eram placebo e a outra dupla de envelopes era neutra, levando o nome de rizatriptano e placebo. Em
cada uma das três situações, um dos dois envelopes continha o remédio, e outro, placebo,
independentemente do que o rótulo apontava.
De acordo com os dados recolhidos pela equipe do Dr. Ted Kaptchuck, o reforço positivo aumentou a
eficácia da terapia (fosse placebo ou remédio). Além disso, os dados divulgados causaram espanto aos
pesquisadores, porquanto voluntários com enxaqueca que ingeriram placebo cientes disso relataram
progressos. Ao contrário da sabedoria convencional de que os pacientes respondem ao placebo porque
pensam que estão recebendo uma droga ativa, os achados da equipe do Beth Israel Deaconess reforçam a
ideia de que o tratamento placebo aberto pode ter um benefício terapêutico. Como a eficácia do tratamento
foi similar entre os voluntários que tomaram a medicação pensando ser placebo e os que ingeriram placebo
imaginando ser o remédio contra o problema, os pesquisadores concluíram que as expectativas do paciente,
positivas, negativas ou neutras, influenciam os efeitos terapêuticos tanto do medicamento quanto do placebo.
Em particular, os pesquisadores sugerem que uma mensagem positiva com o ritual de ingestão do
comprimido pode influenciar a eficácia dos cuidados médicos. Por fim, os pesquisadores reforçam que novas
pesquisas precisam ser feitas para explorar as formas de aplicação dessas descobertas na clínica médica e,
no futuro, usar esses conhecimentos para turbinar o potencial terapêutico de tratamentos medicamentosos.
Para o neurologista do Hospital Santa Helena e da Academia Brasileira de Neurologia Cláudio Carneiro, a
eficácia do efeito placebo por si só já é conhecida. Somente o ato de tomar um comprimido, mesmo que
composto de farinha, o paciente pode ter uma melhora de até 30%.
Segundo Carneiro, “a pessoa toma o remédio e parece que a dor melhora, mas, na verdade, é a mente que
faz com que ela fique mais resistente à dor ao tomar o placebo. A dor permanece”, analisa. Carneiro reforça
que os resultados encontrados pelos médicos norte-americanos indicam uma nova faceta desse efeito.
“Mostram que a mente da pessoa é influenciada pelo ato de tomar o remédio, independentemente de qual
remédio é”, diz. O neurologista compara os resultados quando o remédio é ingerido com e sem consciência
do fator terapêutico. Ao saber que se trata de uma medicação eficaz, o efeito dela dobra. “Esse fator já é
observado na clínica médica. Um paciente que está mais seguro com o tratamento, que teve uma explicação
melhor sobre a medicação, vai ter um prognóstico melhor.”
3. Intime-se o(a)(s) agravado(s) no prazo legal para, querendo, apresentar contrarrazões.
Comunicar ao juiz da causa. Após, conclusos para inclusão do feito em pauta para julgamento.
PRIC.
Belo Horizonte/MG, 4 de fevereiro de 2016.
JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO
Juiz Federal Relator 2 da 2ª Turma Recursal/MG