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   O Bandeirante
             Ano XVIII - no 204 - novembro de 2009
             Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP




       O Discreto Notável – Cem Anos
      Depois de seu Desaparecimento*
                                                        “A imortalidade está no parentesco com a sabedoria.”
                                                                      Livro da Sabedoria 8, 17.



 Helio Begliomini
 Médico urologista
 Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).


                                                                                                                   galhães, sendo recebido em 18 de
                                                                                                                   dezembro de 1906 pelo acadêmico
                                                                                                                   Sílvio Romero.
                                                                                                                       Assim como Manuel Antônio de
                                                                                                                   Almeida (1831-1861) – patrono da
                                                                                                                   cadeira no 28 da ABL e patrono da
                                                                                                                   Academia Brasileira de Médicos
                                                                                                                   Escritores (Abrames) –, imortali-
                                                                                                                   zado pela obra “Memórias de um
                                                                                                                   Sargento de Milícias”, Euclides
                                                                                                                   Rodrigues Pimenta da Cunha,
                                                                                                                   mais conhecido simplesmente por
                                                                                                                   Euclides da Cunha, cristalizou-se
                                                                                                                   no tempo com seu livro Os Sertões
                                                                                                                   (1902), obra epopeica da literatura
                                                                                                                   brasileira, na qual narrou a fratri-
                                                                                                                   cida Guerra de Canudos.
                                                                                                                       (...). A Guerra de Canudos
   Ele era magro e tinha aparência                     transcendeu sua época.                                      deveu-se à rebelião de sertanejos
franzina. Chegou a usar bigode.                           (...). Enfaticamente, foi como                           liderados por Antônio Vicente
Os cabelos baixos, penteados para                      escritor que ele contribuiu à histó-                        Mendes Conselheiro (1830-1897),
trás e predominantemente para a                        ria do Brasil, tornando-se conhe-                           mais conhecido por Antônio Con-
esquerda do rosto salientavam-lhe                      cido, perpetuando-se no tempo                               selheiro. Este, deixado pela esposa,
as orelhas levemente em abano.                         e transcendendo sua existência.                             tornou-se multívago durante 25
Seu olhar docemente estrábico                          Em 1903, com 37 anos (!), um ano                            anos. Suas preleções e ares profé-
dispersava-se no horizonte. Não                        após a publicação de seu livro de                           ticos atraíram muitos asseclas, mas,
ostentava grande expressão. Assim                      peso – em todos os sentidos –, foi                          também provocaram queixumes
era sua compleição depreendida                         eleito para o Instituto Histórico,                          do clero regional.
de sua imagem iconográfica. En-                        assim como se tornou o segundo                                  (...). A Guerra dos Canudos
tretanto, seu valor e sua fama não                     ocupante da cadeira no 7 da Aca-                            foi a mais sanguinária guerra de
se encontravam em sua aparência,                       demia Brasileira de Letras (ABL),                           guerrilha do País. Em apenas um
mas no legado que deixou e que                         na vaga deixada por Valentim Ma-                            ano (1896-1897) morreram 20 mil

                                                                                                                                      (continua na última página)


* Publicação parcial.
2   O BANDEIRANTE - Novembro de 2009


                                                                         Um Século do Silogeu de Paulista Letras
    EXPEDIENTE
Jornal O Bandeirante
                                                                                          Raríssimos paulistas sabem que a Academia Paulista de Letras
ANO XVIII - no 204 - Novembro 2009                                                    foi fundada por um médico, Joaquim José de Carvalho, natural
                                                                                      do Estado do Rio de Janeiro, que, após andanças, radicou-se na
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos                                  capital paulista. Embora jamais fora seu presidente, teve grande
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP   .                          importância na vida da entidade, atuando como secretário nos
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor:
                                                                                      primeiros anos do sodalício.
Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia                                Da mesma forma, pouquíssimos sabem que na sessão solene
Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta
edição: Alcione Alcântara Gonçalves, Geovah Paulo da                                  de sua inauguração, na noite do dia 27 de novembro de 1909,
Cruz, Helio Begliomini, José Rodrigues Louzã, Josyanne                                no salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, na
Rita de Arruda Franco, Luiz Jorge Ferreira, Sergio Perazzo.
Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de
                                                                                      rua de São João, onde a efeméride foi prestigiada por eminentes
1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.                                             figuras da cultura e da intelectualidade paulista, dentre a posse
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio               dos quarenta membros fundadores havia sete médicos e, dentre eles, Ulisses Para-
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda           nhos, que contava com apenas 24 anos (!!!), constituindo-se, até hoje, no mais jovem
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.               recipiendário desse silogeu.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
                                                                   Ademais, poucos conhecem que dentre os patronos das quarenta cadeiras, três são
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz    médicos: Cesário Motta Filho, José Martins Fontes e Caetano de Campos.
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.                     E, particularmente, dentre as instituições médicas e entre seus membros é igualmen-
                                                               te ignorado que, ao longo de um século de existência, vinte e três filhos de Hipócrates
                                                               tiveram o privilégio de pertencer à Academia Paulista de Letras!
    Matérias assinadas são de responsabilidade de seus
     autores e não representam, necessariamente, a                 Asclepíades da Academia Paulista de Letras não se presta a competições e a com-
                  opinião da Sobrames-SP                       parações classistas, pois os bacharéis em direito predominam sobejamente nos mais
                                                               tradicionais sodalícios literários. Entretanto, poucos médicos têm em conta que seus
                                                               pares também possuem um lugar de destaque na literatura estadual e nacional.
                 Editores de O Bandeirante                         Enaltecendo a vida, os feitos e as obras dos asclépios da Academia Paulista de Le-
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
                                                               tras, esse livro tenciona não somente elogiá-los, mas também nobilitar seus confrades
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994                e confreiras de sodalício; seus pares de profissão; a querida arte de Hipócrates, assim
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996     como o augusto sodalício que os alberga e os irmana.
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009
                                                                   Essa obra vem preencher uma lacuna até agora inexplorada, tanto na história da
Helio Begliomini – maio de 2009 -                              Academia Paulista de Letras quanto na história da medicina e da literatura bandeiran-
                                                               tes – aliás, neste particular, desconhecida e, por conseguinte, pouco valorizada pela
                                                               maioria da classe médica.
                Presidentes da Sobrames – SP
                                                                   Que ela possa também contribuir, ainda que de forma modesta, para enaltecer a
1 Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
    o


2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
                                                               celebração do primeiro centenário desse viçoso sodalício de letras paulista!
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)                                                                           Helio Begliomini
5o Walter Whitton Harris (1999-2000)
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
                                                                                                               Médico urologista em São Paulo
7o Luiz Giovani (2003-2004)

                                                                 Walter Whitton Harris
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)


                                                                       Cirurgia do Pé e Tornozelo
                                                                           Ortopedia e Traumatologia Geral
    Editor: Helio Begliomini                                               CRM 18317
    Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto                                        Av. República do Líbano, 344          Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
    Diagramação: Mateus Marins Cardoso                                       04502-000 - São Paulo - SP         Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
    Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica                            Tel. 3885 8535                         www.veridistec.com.br
                                                                                Cel. 9932 5098


                       CUPOM DE ASSINATURAS*                                                                                     longevità
          Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00                                                                            (11) 3531-6675
         Nome:___________________________________________________________                                       Estética facial, corporal e odontológica *
                                                                                                                Massagem * Drenagem * Bronze Spray *
         End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________                                              Nutricionista * RPG
                                                                                                             Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar
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SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                                         O BANDEIRANTE - Novembro de 2009               3
                                                              Comer
Geovah Paulo da Cruz
Médico oftalmologista em São Paulo

     Respirar é de graça, mas comer tem um custo. O respirar celular     ora não tem, passam até dias sem comer. Os ofídios e répteis ficaram
é passivo, se realiza sem nenhum esforço maior da célula. Os gases       mais econômicos, não gastam energia para produzir calor, podem
respiratórios, oxigênio e gás carbônico, entram e saem da célula por     ficar até meses sem comer.
um mecanismo de saturação e difusão. Comer representa a necessi-              Desta duplicidade de formas de alimentação estes animais têm
dade mais primária do ser vivo. Ele come para se prover de energia,      temperamentos particulares. Os vegetarianos são passivos, vivem onde
sem a qual não há vida. Ele come para que o motor biológico tenha        o alimento é endêmico, na maioria dos casos não têm dificuldade
combustível, e então possa realizar as funções de sobrevivência. Ora,    para colhê-lo, basta que se dediquem com afinco a esta ocupação. Seu
combustível se gasta, e seu consumo exige novo abastecimento, tal        único risco é o de ser comido, e isto não representa uma operação de
como ocorre no automóvel.                                                alimentar-se, mas de defender-se. Os carnívoros são ativos, agressivos,
     A vida é o resultado positivo de comer. Pode-se comer apenas        seu alimento exige grande esforço de perseguição e de captura. Uma
para viver, como comer para crescer, regenerar e reproduzir. Comer       oportunidade perdida representa mais um longo tempo de fome.
é assimilar a natureza. Quando um singelo Ser unicelular absorve         Este viver cíclico, ora saciado, ora faminto, faz dele um oportunista
por osmose, engloba por diapedese ou se deixa penetrar por um            sempre alerta.
mecanismo de membrana seletiva, simplesmente está comendo. Tudo               O humano é uma personalidade híbrida dos dois mecanismos
o que se passa num organismo pluricelular nada mais é do que um          alimentares. Quando ritmadamente alimentado, comporta-se como
múltiplo da colônia de células que o constitui.                          o vegetariano, mas quando ameaçado pela fome, seu temperamento
     Comer representa uma carência vital, a qual chamamos apetite.       é o do carnívoro. Este é o grande perigo representado pelo animal
Pode ser um apetite amplo, geral, como também pode ser um apetite        humano. Não se sabe, em dado momento, qual deles está ativo. Tenho
especial, a necessidade de comer dado alimento. Este é chamado           uma observação muito interessante: os burocratas, contabilistas, escri-
de fome específica, como por exemplo, a carência de cálcio para os       turários, em geral se acomodam, simbolicamente têm sua pastagem
animais vertebrados em crescimento. Vacas roem ossos no pasto em         ali mesmo, basta ir para o trabalho. Já o seu patrão ora se vê saciado,
demanda deste elemento porque excretam muito cálcio no leite e seu       seu negócio corre bem, ora se vê carente, seu empreendimento periga
balanço tende a ser negativo.                                            ou precisa crescer. Então toma a índole do carnívoro, aquele que não
     O desejo de comer chama-se fome. A fome é uma manifestação          pode perder oportunidade, nem deixar sua presa escapar.
do apetite, assim como a saciedade, aquela sensação de não carência.          Poucos animais alcançaram esta habilidade alimentar, a de
O comer é um ato que tende a levar à saciedade. Uma vez satisfeita       onívoro. Além dos humanos, temos o porco, a galinha, a tilápia. Os
a necessidade atual do apetite, este cessa, até que haja nova situação   primatas estão até hoje num estágio primitivo. Enormes gorilas são
de carência. Esta situação variável de carência/não carência faz parte   mansos e cordatos, vivem de comer brotos de plantas. Quem assistiu
de algo maior, o metabolismo. O metabolismo é o complexo de ações        ao filme documentário, que relata uma história real, “Na montanha
físico-químicas que se processa para liberar energia e construir ou      dos gorilas” fica espantado vendo uma moça, a atriz Sigorney Weaver,
degradar substâncias necessárias à vida. Ele é feito de anabolismo,      viver pacificamente entre eles.
quando seu balanço é positivo, e catabolismo, quando negativo.                Foi a evolução para onívoro que fez o humano evoluir. Esta habi-
O equilíbrio destas duas ações é o que se chama homeostase, um           lidade alimentar não é nada desprezível. Permitiu que ele ocupasse
momento hipotético de harmonia entre os dois mecanismos. No              todos os lugares da Terra, vivesse comendo as coisas mais diferentes.
metabolismo entra em jogo um fator muito importante, a oxidação.         O alimento mais universal, farto, abundante, foi o grão. Trigo, centeio,
Oxidação é uma reação química que libera energia. No organismo           arroz, milho, quinua entre os andinos. O segundo foram os frutos e
é feita à custa de consumo de oxigênio, que combinado com hidro-         os tubérculos, como a batata, a mandioca, o inhame. O terceiro foram
carbonetos, libera energia. É o mesmo mecanismo de queimar gás,          as gorduras, óleos vegetais e banhas animais. Finalmente vieram as
álcool, gasolina, carvão. Dentro da célula o fogão ou a usina que faz    proteínas vegetais, as leguminosas como a ervilha, lentilha, feijão, e
esta queima é a mitocôndria.                                             as proteínas animais, carne, vísceras, leite, ovos. Diz Humberto Ecco,
     Para que o alimento chegue até as células há que se fazer um        autor do livro que virou filme, “O nome da rosa” que a humanidade
esforço, e o primeiro deles é encontrar e recolher alimento. Vamos       só progrediu depois que comeu feijão, e melhor seria dizer, feijões.
pular diretamente para os animais superiores. Se o animal é vege-        Aliás, os feijões são horríveis, incomíveis, quando crus. Mesmo cozidos
tariano, ele tem que recolher sistematicamente seu alimento, quase       eles são indigestos, pesados. Não conheço nenhum animal doméstico
sem parar, todos os dias de sua vida. Por quê? Porque nem tudo           que coma feijão cru, in natura. Aqui na América havia feijões que
que ele come é aproveitável, nem está pronto para ser utilizado. O       foram levados para a Europa e lá se tornaram parte significativa da
organismo do vegetariano é uma fábrica que processa os vegetais,         alimentação. Entretanto os índios sempre foram poucos, porque sua
transformando-os em produtos animais. Os hidratos de carbono             única fonte de proteínas era animal, não comiam feijão.
dele são específicos, como a glicose, os lipídios são próprios, como          O humano evolutivamente perdeu boa parte de seu intestino,
sebos e banhas, e as proteínas animais diferem das vegetais. Então,      de tal modo que não é um bom comedor de proteínas vegetais. Isso
este labor nos vegetarianos é grande, apropriar as substâncias para      faz dele um vegetariano limitado. Nessa condição, o humano não
seu uso pessoal. Há muita sobra, desperdício. O vegetariano come         pode ser vegetariano exclusivo na fase de crescimento, até chegar a
uma quantidade alta para um consumo pequeno. O estrume de uma            adulto. Também a mulher não pode ser vegetariana restrita na fase
vaca está na ordem de uns 20 a 40 quilos diários. O que um elefante      de gravidez e na lactação porque não tem capacidade biológica para
defeca é uma enormidade.                                                 assimilar e produzir as proteínas animais que o embrião necessita. Ela
     Já o carnívoro encontra sua alimentação mais apropriada para sua    teria que comer como uma vaca, toneladas e toneladas de gramíneas
condição de animal. Mas ele tem um problema: encontrar e capturar        para prover-se das proteínas necessárias, ou então comer leguminosas,
seu alimento. Então sua alimentação é mais errática, ora tem comida,     todas elas com um certo grau de toxicidade e inapropriação alimen-
ora não a tem. Disto resultam duas índoles completamente diversas:       tar. Elas devem deixar esse labor para outros animais vegetarianos, e
o vegetariano é um pacato, dedica-se a colher compulsivamente sua        comer produtos animais, pelo menos nestas fases de suas vidas. O seu
comida. Voisin, um pesquisador francês que criou um método de            bebê corre o risco de ter um cérebro menos desenvolvido.
rotação de pastagens que leva seu nome, observou que uma vaca                 Eu poderia falar horas e horas sobre comer. Seria pra mim um
pasta nada menos do que umas 18 horas por dia, mais descansa do          prazer tão grande quanto comer. Mas fica pra outra vez os outros
que dorme. Nós sabemos que um leão ou um tigre ora tem comida,           aspectos deste tema. Que pena...
4   O BANDEIRANTE - Novembro de 2009
                                                                           SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                                   Castelo de areia
                                          José Rodrigues Louzã
                                          Médico aposentado em São Paulo

                                          Dia de verão! O sol muito brilhante!
                                          O garoto vai à praia brincar.
                                          Quer um castelo de areia plantar,
                                          que seja um porto para o navegante.

                                          Lança-se à obra com dedicação,
                                          surgem torres, fossos, pontes, muralha,
                                          canhões para a defesa com metralha.
                                          Mas nada vence do mar a ação,
                  Finados
                                          que aos poucos abate o frágil castelo.
                                          Triste, ele ouve as estrelinhas do mar
Alcione Alcântara Gonçalves               que estão a lhe dizer: “- Jovem! Coragem...
Médico psiquiatra em Tupã
                                          refaça com amor. Faça mais belo
Finados é o dia consagrado                e maior... trabalhe sem se queixar.”
Para homenagearmos a todos                Num devaneio, criou nova imagem !
Aqueles que nos deixaram

Saindo deste plano para
O plano sagrado dos deuses
Nossa definitiva e última morada

É também dia de luto e contrição.
De respeito e doce lembrança
Dos nossos entes queridos
Que trazemos guardados no coração.

Finados não é o fim do caminho,
A morte é a passagem para o doce ninho
Daquele que o construiu com amor
Junto à casa do Pai com fé e fervor!                        Surpresa
                                          Josyanne Rita de Arruda Franco
                                          Médica pediatra em Jundiaí

                                          Meu doce deleite é ouvir teus passos
                                          que adentram minha vida por todos espaços
                                          sem querer saber se quero teus braços.

                                          Teu doce mistério é crer que mereço
                                          ser quase só tua, sem mais endereços...
                                          Mas sou como a lua... de fases padeço!

                                          Se há discordância de nossos desejos,
                                          aferra-te às coisas que te ofereço:
                                          a paz da entrega e o inferno do avesso...
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                                 O BANDEIRANTE - Novembro de 2009              5

Flauta Doce

Sergio Perazzo
Médico psiquiatra em São Paulo



    Só podia ser coisa da Dona Chininha. Aquela vaquinha            como explicar. Com certeza, foi essa sensação que a salvou
de presépio de olhos apertadinhos, aquela sonsa que fin-            da amargura e da autocomiseração. Alguma coisa maior
gia firmeza e determinação, mas no fundo, morrendo de               vivia nela e renascia cada vez que ouvia esta velha gravação
medo, concordava com tudo. Uma maria vai com as outras,             de Rampal que sua madrinha, que a criara, mais fada que
distribuidora-mor de uma central de fofocas.                        madrinha, tanto repetia e repetia. Ficavam as duas embe-
    Podia apostar. O fato é que quando desceu do táxi ali pela      vecidas, a tarde caindo lá fora em pentagramas de luz. Um
altura da Lopes Quintas, entre o Cinema Floresta e o Carioca        belo dia, ganhou dela, de presente, uma flauta doce com o
Sport Club, parecia que metade da rua estava na janela de           mesmo desenho das flautas de Hotteterre. É como se tivesse
olho pregado na sua corcunda, um sequioso comitê de recep-          sido presenteada com um violino de Cremona.
ção para ela que acabava de se mudar para o bairro.                     Chegou, mais tarde, a tentar a flauta transversa, mas seus
    Da loja de ferragens até o armarinho do Augusto Turco,          braços frágeis não sustentavam por muito tempo a posição
bem em frente, tudo e todos pareciam hipnotizados. A pa-            do instrumento. Cansava em vinte minutos. Não dava para
totinha de desocupados de sempre chegou a interromper o             praticar, muito menos tocar um movimento inteiro de um
pôquer no meio de um full hand de damas contra um blefe             concerto.
de dois pares.                                                          A flauta doce sim, ajustava-se perfeitamente ao descon-
    O caminhão de mudanças já despejara os seus trastes.            forto da sua deformidade e à solidão do seu encolhimento.
A casa era silenciosa e tranquila, pintada de novo, uma boa         Ao palavreado do seu silêncio. A flauta doce era a sua fada
surpresa. Nem era o que esperava, melhor que a encomenda,           e a sua madrinha e no fundo, no fundo, não se esforçara
como uma luva, para quem não estava acostumada com des-             o bastante para se adaptar à flauta transversa. Se quisesse
taque ou privilégios e para quem pretendia apenas ensaiar           mesmo, conseguiria. Mas tratava-se de uma relação de amor
o dia inteiro sem se preocupar com os vizinhos que, pela            em que estava envolvida de tal forma que sentia que o que
cara, já sabiam que teriam a companhia constante de uma             estava em jogo era lealdade e traição. Nunca tinha experi-
grande artista. Figurinha carimbada, logo, logo se tornaria         mentado isso antes. Nunca. Com ninguém.
o orgulho dos arredores da Ponte de Tábuas, bem pertinho                Cedo familiarizou-se com peças de Purcell e com sona-
do Jardim Botânico.                                                 tas de Handel. Sua música afirmava e divagava ao mesmo
    Vivia para a música. A natureza não lhe dera mais que           tempo. Trazia sonhos, paixões irrealizadas. Às vezes parecia
metro e meio, essa corcunda que os médicos apelidavam de            que entre amores vividos e não vividos criava uma película
cifoscoliose, nunca soube se de nascença ou se consequência         que se soltava do coração ao menor toque de uma romanza
de alguma doença de infância e, de quebra, uma miopia               andante do Eine kleine nachtmusik de Mozart. Noel com-
que a obrigava a usar uns óculos de armação pesada, de              preendia isso. Nem precisava falar.
tartaruga, para sustentar um par de lentes fundo de garrafa             Noel era um vizinho que tivera alguns anos antes, um
que lhe davam uma expressão de sapo. Tem mais? Uma                  francês um tanto excêntrico, fagotista da sinfônica do Muni-
perna mais curta que a outra, que mesmo com sapatos or-             cipal, que chegara a ganhar um concurso e gravara um disco.
topédicos sob medida, não evitavam um andar corcoveado              Trocavam ideias sobre as intenções dos compositores e sobre
deixa-que-eu-chuto.                                                 detalhes de interpretações. Imaginavam, por exemplo, como
    Pra alguma coisa tinha que servir tudo isso, não é? Be-         Albinoni tocaria seu adágio ou como Bach entenderia o seu
ethoven não era surdo? Machado de Assis e Dostoiévski,              4o Concerto de Brandemburgo. Ah, Johann Sebastian!
epilépticos? Pois é, ela era corcunda, míope e coxa. Só não             Fora Noel que lhe contara uma vez que os músicos da
era Beethoven, Machado ou Dostoiévski.                              sinfônica tinham muito de funcionários públicos. Quando
    Seu talento musical era seu refúgio de criança. Sempre          ensaiavam com um maestro estrangeiro e exigente com o
num canto, invejando as outras meninas. Tudo aquilo que             qual não empatizavam, se a participação dos seus instru-
não podia ter. Costas lisas, pernas livres e soltas, não precisar   mentos na música escolhida era muito pequena, um ou dois
de óculos. Como certos paralíticos que fazem musculação             compassos, por exemplo, davam um jeito de sumir com a
e desenvolvem peitorais e deltóides a ponto de parecerem            partitura e o maestro não tinha alternativa a não ser dispen-
meio-halterofilistas, deixou navegar seus sonhos na flauta          sá-los do concerto. Não iam ficar duas horas sentados no
de ouro de Jean-Pierre Rampal e seu som mais de ouro                teatro num sábado só para tocar uns poucos segundos para
ainda, exercitando a sua delicada sensibilidade. Quando             um maestro chato e um público ignorante. Melhor ir para
ouvia a interpretação que ele dava ao alegro do Concerto            casa para ouvir futebol pelo rádio. Noel dava gargalhadas ao
em ré menor, entrava no mundo de Vivaldi e sentia que               lembrar disso e ela ficava escandalizada com tal sabotagem e
algo lhe transcendia, que era mais que música. Não sabia            com tal sacrilégio. Nessas horas balançava entre o desespero
                                                                                                              (continua na próxima página)
6     O BANDEIRANTE - Novembro de 2009
                                                                                                    SUPLEMENTO LITERÁRIO




(continuação da página anterior)

do pessimismo barroco e o hedonismo renascentista. Suas           tomar sorvete empedrado direto do congelador.
gratas especialidades.                                                Mesmo assim, apesar do morcego e da geladeira, eu
    Mas Noel morrera fulminado por um ataque cardíaco e           voltava encantado para ver o resto do bloco. Puro deslum-
ela ficara sem o amigo que vinha adoçar o seu chá das cinco       bramento!
e acrescentar um sustenido à sua vida em escala de dó maior.          A procissão saía da Igreja da Divina Providência, Lopes
Sem acidentes e sem incidentes.                                   Quintas abaixo, com as meninas vestidas de anjinho, asas de
    Fora ela que, anos depois, sugerira aos rapazes do Quin-      penas de galinha, compenetradas como se tivessem acabado
teto Villa-Lobos que tocassem Marcha soldado e Atirei o pau       de entrar no céu. E tinham mesmo, com aquelas carinhas
no gato como peças barrocas. Ajudou nos arranjos, sugeriu         comoventes de almas brancas. Voltariam ao purgatório quan-
passagens, esticou compassos. O resultado foi espetacular         do entrassem na adolescência. Não chegariam a ter Dante
naquela gravação em que se reuniram com o Edu Lobo, a             como guia. Trocariam figurinhas e confidências somente
Sylvinha Telles e o Tamba Trio. Seu nome não apareceu nos         com Beatriz, a virgem que lhes abriria as portas do pecado.
créditos. Não foi por culpa dos artistas. Ela não deixou. Não         Se era Semana Santa, na procissão se dramatizava a
houve jeito. Ela era assim.                                       Paixão de Cristo. A rua era palco do espetáculo. Na frente
    No bairro, poucos sabiam o seu nome. Era a corcundinha        vinha a Verônica ostentando um pano com o rosto de Jesus
ou a manquinha, assim com minúsculas, dependendo do que           gravado a sangue e espinhos. Tinha até centurião romano
chamasse a atenção primeiro, parada ou em movimento.              com açoite e, é claro, o esquife com o Senhor morto, que me
    Na Lopes Quintas gostava de ensaiar no calor da cozinha,      causava calafrios, mesmo com a Pietá fechando a procissão,
uma peça ampla de azulejos e ladrilhos antigos com motivos        preparando o Santo Sepulcro e o Sábado de Aleluia. Muito
florais, à vista de duas samambaias gêmeas acomodadas em          antes da televisão, a televisão estava no meio da rua.
seus xaxins como em poltronas em seu camarote.                        A corcundinha acompanhava tudo da janela da sua casa
    Nestes momentos, Netinho puxava uma cadeira sem               enquanto a flauta doce repousava dentro do estojo em seu
braço e a acompanhava na viola de gamba e um tênue véu            leito de veludo roxo, encerrando a quaresma.
de bemóis recobria aquela cena da Renascença, esperando               Depois deste jejum de Sexta-Feira Santa, a flauta ressus-
que um Michelangelo a retratasse, acrescentando uma viola         citava na Páscoa para os alegres trinados de Mozart até os
d’amore em tom pastel.                                            novos festejos religiosos do mês de Maria.
    Nessas horas, o próprio Antonio Vivaldi escorregava               O canto da sua flauta era a própria mão de Deus, que na
da partitura das Quatro estações para bisbilhotar o forno         folga do sétimo dia, sem nada o que fazer, resolveu pintar
assando pudim de pão, como poderia ser tarteletes ou um           uma aquarela para pendurar entre nuvens e brisas. Numa
tabuleiro de empadinhas de camarão.                               pincelada, um pássaro que pousa no peitoril da janela como
    Um dia ganhou de presente, do próprio Roberto de Re-          se pousasse no som que escorre da flauta, entre curioso e
gina, um cravo feito por ele, de próprio punho, e o ensaio        espantado como se fora o canto da companheira que voou,
foi transferido para a sala, com o Romualdo, o cravista, be-      por um instante, para fora do ninho. Um bordado com fios
liscando as cordas, pressionando as teclas, percorrendo toda      de seda deixado na mesinha. A sombra de um abajur opaco
a extensão dos prelúdios e fugas do Cravo bem temperado           art déco, um pedaço desfiado de uma tapeçaria do Oriente,
de Bach. Corelli às vezes também dava o ar de sua graça de        uma adaga mourisca de Granada, um vaso Murano de vidro
braços dados com um trio de Vivaldi.                              oval, uma taça de vinho amarela, uma luminária Lalique art
    Dois intermezzos interrompiam essa calma de concertos         nouveau, herança da madrinha, e uma miniatura da Sereia
naquela Lopes Quintas via de regra tão pacata. O bloco dos        de Copenhague. Nas paredes, reproduções queridas. De um
bichos e as procissões que cascateavam nas pedras de granito      óleo terno e envolvente de Klint eternizando um beijo, de
do calçamento. Se não era um, era a procissão descendo a la-      um quadro travesso de Paul Klee cheio de encaixes e espaços
deira com andor, trombone e tuba, desafinando o Queremos          como pausas musicais entre acordes, de um bico-de-pena de
Deus, a mesma banda que atacava marchinhas carnavalescas          Portinari retratando a irretratável solidão e pobreza de um
nas batalhas de confete de janeiro, antecipando o carnaval,       menino e um ramo de cerejeira do Japão.
congestionando a Rua Jardim Botânico e paralisando os                 Um gato persa arregalava os olhos e parecia procu-
bondes na contramão.                                              rar algum bicho responsável pelo trinado da flauta, mas
    Esse bloco dos bichos era um acontecimento à parte.           só encontrava os olhos também arregalados do pássaro.
Tinha girafa, morcego, galo, gato, dragão, coelho, leopar-        Aninhava-se, então, preguiçoso, numa cadeira e não raro
do, pterodinohipotigredebengala, o jardim zoológico e o           acabava adormecendo.
quintal inteiros para o deslumbramento da criançada. Saía             Até chegar a este ponto em que a corcundinha parece
do Carioca na noite de sábado ou de domingo de carnaval.          estar em suspenso no mundo, que que eu faço com esta
Não lembro bem.                                                   hipotética personagem que exprime os caminhos e desca-
    Recordo que quando o morcego corria pra cima de mim,          minhos da nossa mais profunda sensibilidade? Construo
eu disparava a me esconder atrás da geladeira nova na vila        uma intriga arquitetada pela Dona Chininha, uma espécie
em que eu morava.                                                 de Fu Manchu dos pobres? Mato a grande artista com uma
    A geladeira anterior não era elétrica. O geleiro vinha dia-   leucemia fulminante? Invento um anão que se apaixona por
riamente substituir a enorme pedra de gelo que funcionava         ela perdidamente e não é correspondido? Ou simplesmente
como motor sem motor e que vivia derretendo. Agora que a          digo que o sopro da sua flauta era tudo que ela não era, tudo
substituta reinava soberana com o seu esmalte branco como         que não fora, tudo que não podia ser, tudo que a sua corcunda
um manto real, a vizinhança inteira despencava sala adentro       grotesca lhe impedia de viver, acompanhada pela viola de
para contemplar a novidade como peça rara de museu e para         gamba do Netinho em doces e sussurrantes madrigais?
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                       O BANDEIRANTE - Novembro de 2009       7
Todo dia ela Espera a Chuva

Luiz Jorge Ferreira
Médico clínico em São Paulo


Todo o dia ela espera a chuva para sair no terreiro e despir-se.
E então quase de cócoras fica aguardando que a chuva pare.
Terminada a chuva ela corre em direção à estrada que fica a dois quilômetros
dali.
Assim que retorna ela vai até à capela em ruínas e reza alto.                       PUBLICIDADE
Reza orações perdidas no inconsciente de onde as traz uma a uma.                    TABELA DE PREÇOS 2009
Isto ela faz desde o verão de 1966. Quando abortou os três.                       (valor do anúncio por edição)
Todas as outras crias que tivera antes, os homens as levaram.                  1 módulo horizontal      R$ 30,00
Aconteceu com Pedro Lino Ramos, Joaquim Silva Santos, Zé Picanço, Batota,      2 módulos horizontais    R$ 60,00
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Zé Serra, Ernestino Borges e outros que já esquecera o nome com que os         2 módulos verticais      R$ 60,00
batizara.                                                                      4 módulos               R$ 120,00
Não tinha leite, mas uma cadela velha os amamentara.                           6 módulos               R$ 180,00
Os outros quase morrem de sede.                                                Outros tamanhos       sob consulta
Com estes três não. Com estes três seria diferente                                  heomini.ops@terra.com.br
Deu-lhes suor de verão, cuspe salgado de desejo, e lágrimas de saudade.             ligiapezzuto@terra.com.br
Mesmo assim morrerão.
Decidiu que os enterraria defronte da bica de água.
Assim nunca sentiriam sede.
Um enterrou dezoito e quinze, outro enterrou dezenove e quarenta e cinco e     REVISÃO
o último, já um peludo e musculoso, o enterrou próximo à meia noite, ante-     de textos em geral
véspera de seu aniversário.
Depois quedou-se ouvindo o vento riscar no pedregulho que restava de um        Ligia Pezzuto
disco, a primeira parte de uma ária composta por Perazzo.                      Especialista em Língua Portuguesa
Ficou em silêncio, aguardando o canto triste do soprano enfurnar-se na copa     (11) 3864-4494 ou 8546-1725
do cipreste.
Enrolou-se em um pano sujo de breu e vagou por entre as sepulturas.
Quando fez calos nos pés.
                                                                                ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
O galo já começava a cantar e o dia iniciava a nascer.
                                                                                 ADVOGADO - OAB-SP 51.532
Foi quando chegaram os cavalos, cavalos e mais cavalos.
Gordos , magros, suados, coxos, trôpegos, cegos, zonzos e pustulentos todos    ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
parecidos com seus filhos.                                                      NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
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                                                                               escrever seu
                                                                               livro? Então
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                                                                               Nesta hora importante, não deixe de
                                                                               consultar a RUMO EDITORIAL.
                                                                               Publicações com qualidade impecável,
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                                                                               para deixar seu talento na gaveta.
                                                                                  rumoeditorial@uol.com.br
                                                                                       (11) 9182-4815
8     O BANDEIRANTE - Novembro de 2009
                                                                                             SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                    O Discreto Notável – Cem Anos
                                   Depois de seu Desaparecimento
(continuação da primeira página)

sertanejos e 5 mil soldados dos 12        denominações científicas, mapas,       mais jovem, Euclides da Cunha,
mil mobilizados de 17 Estados! An-        desenhos... (...). Ao contrário do     muito nervoso, decidiu matar o
tônio Conselheiro não morreu em           pessimismo reinante, o livro teve      aspirante que morava com seu
combate, mas em decorrência de            excelente receptividade pelo pú-       irmão Dinorá. Dirigiu-se então à
uma disenteria. Entretanto, como          blico e pela crítica, sendo vendida,   estrada Real de Santa Cruz, atual
vingança, seu corpo foi exumado           em apenas uma semana, metade           avenida Suburbana, em Piedade,
e sua cabeça, decepada. No dia            da primeira edição! E a obra teve      na cidade maravilhosa, e depois
seguinte, o comandante da última          três edições em apenas três anos,      de trocar tiros com Dilermando e
campanha, general Artur Oscar,            de 1902 a 1905.                        Dinorá foi gravemente alvejado,
determinou que 5.200 tugúrios dos            Na verdade, jamais se teria         vindo a falecer. Contava com 43
autóctones fossem destruídos.             conhecimento preciso do que fora       anos. Era 15 de agosto de 1909,
    Foi nesse horrendo teatro de          a Guerra de Canudos, caso não          um domingo chuvoso. Embora
operações que Euclides da Cunha           houvesse Os Sertões. O jornalista      Dilermando de Assis tenha sido
fora enviado pelo O Estado de S.          e crítico literário, José Veríssimo    absolvido por legítima defesa, foi
Paulo, a fim de cobrir jornalisti-        (1857-1916), foi quem publicou         perseguido durante toda a vida,
camente a guerra. Contava com             o primeiro artigo sobre a obra no      por ter exterminado um famoso
31 anos; lá permaneceu por dois           extinto jornal Correio da Manhã.       brasileiro.
meses e nesse período enviou 25           Se por um lado teceu diversos              Euclides da Cunha é considera-
reportagens estarrecedoras do             elogios ao autor, por outro não        do por vários críticos como autor de
que acontecia no município de             deixou de assinalar também o           um só livro, embora tenha escrito
Queimadas, sertão da Bahia. Re-           excesso de termos técnicos ou de       muitos outros trabalhos: Relatório
velou seu espírito aventureiro, sua       vocábulos em desuso, quando não,       da Comissão Mista Brasileiro-Pe-
índole desbravadora e sua visão           flagrantemente inventados. Neste       ruana do Alto Purus (1906); Castro
sociológica. Tal experiência, poste-      particular, pode-se considerar que     Alves e seu Tempo (1907); Peru
riormente, arrefeceu-lhe os ideais        Euclides da Cunha tenha sido um        versus Bolívia (1907); Contrastes e
republicanos que tanto defendera,         neologista precursor do expoente       Confrontos (1907); e, postumamen-
pois viu que o regime reinante            médico e escritor João Guimarães       te, À Margem da História (coleção
abandonara sua gente e a relegara         Rosa (1908-1967).                      de textos diversos, 1909); Cartas
a uma condição incompatível com              O médico, antropólogo e pio-        de Euclides da Cunha a Machado
a dignidade humana.                       neiro da radiodifusão brasileira,      de Assis (1931); Canudos (1939);
    Os Sertões nasceu despreten-          Edgar Roquette-Pinto (1884-1954),      e Obra Completa organizada por
siosamente. Ao voltar à capital           já vaticinara no início do século      Afrânio Coutinho (1966).
paulista, Euclides da Cunha fora          XX que Os Sertões seria para o             Um século depois de sua morte,
instigado por Júlio Mesquita, dono        Brasil o que fora “Dom Quixote”        a memória de Euclides da Cunha
do jornal, a escrever um livro sobre      para a Espanha e “Os Lusíadas”         é fartamente honrada em escolas,
Canudos. Assim, grande parte dos          para Portugal. Os Sertões mescla       logradouros, instituições e até
manuscritos da obra foi redigida          ensaio, história, ciências naturais,   numa cidade ao noroeste da Bahia,
durante três anos num modesto             epopeia, lirismo, drama... sob o de-   localizada a 324 km de Salvador,
alojamento de madeira, em São             nominador comum da consciência         local onde testemunhou a Guerra
José do Rio Pardo (SP) – hoje, con-       de brasilidade.                        de Canudos. Sua passagem por São
servado como relíquia –, em meio             (...). Assim como na infância,      Paulo tampouco foi despercebida.
aos cálculos de uma ponte metálica        seu final foi trágico. Euclides da     Com a inauguração da Academia
que construía. São suas palavras:         Cunha era casado com Ana Sólon         Paulista de Letras, em 27 de no-
“redigido em quartos de hora, nos         da Cunha, que teve como amante         vembro de 1909, apenas três meses
intervalos da minha engenharia            Dilermando de Assis, cadete do         e meio após o seu passamento, seu
fatigante e obscura”.                     Exército. Ela estava disposta a        nome foi escolhido para patrono
    O esforço de Euclides da Cunha        se separar do marido. Contudo,         da cadeira n o 36 desse insigne
tinha tudo para não vingar: 637           certo dia, ao perceber que sua         silogeu, que ora também come-
páginas (!) maçantes e monóto-            esposa não tinha dormido em            mora seu primeiro centenário de
nas; vocabulário difícil, repleto de      casa e que levara consigo seu filho    existência.

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  • 1. Jornal O Bandeirante Ano XVIII - no 204 - novembro de 2009 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP O Discreto Notável – Cem Anos Depois de seu Desaparecimento* “A imortalidade está no parentesco com a sabedoria.” Livro da Sabedoria 8, 17. Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). galhães, sendo recebido em 18 de dezembro de 1906 pelo acadêmico Sílvio Romero. Assim como Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) – patrono da cadeira no 28 da ABL e patrono da Academia Brasileira de Médicos Escritores (Abrames) –, imortali- zado pela obra “Memórias de um Sargento de Milícias”, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, mais conhecido simplesmente por Euclides da Cunha, cristalizou-se no tempo com seu livro Os Sertões (1902), obra epopeica da literatura brasileira, na qual narrou a fratri- cida Guerra de Canudos. (...). A Guerra de Canudos Ele era magro e tinha aparência transcendeu sua época. deveu-se à rebelião de sertanejos franzina. Chegou a usar bigode. (...). Enfaticamente, foi como liderados por Antônio Vicente Os cabelos baixos, penteados para escritor que ele contribuiu à histó- Mendes Conselheiro (1830-1897), trás e predominantemente para a ria do Brasil, tornando-se conhe- mais conhecido por Antônio Con- esquerda do rosto salientavam-lhe cido, perpetuando-se no tempo selheiro. Este, deixado pela esposa, as orelhas levemente em abano. e transcendendo sua existência. tornou-se multívago durante 25 Seu olhar docemente estrábico Em 1903, com 37 anos (!), um ano anos. Suas preleções e ares profé- dispersava-se no horizonte. Não após a publicação de seu livro de ticos atraíram muitos asseclas, mas, ostentava grande expressão. Assim peso – em todos os sentidos –, foi também provocaram queixumes era sua compleição depreendida eleito para o Instituto Histórico, do clero regional. de sua imagem iconográfica. En- assim como se tornou o segundo (...). A Guerra dos Canudos tretanto, seu valor e sua fama não ocupante da cadeira no 7 da Aca- foi a mais sanguinária guerra de se encontravam em sua aparência, demia Brasileira de Letras (ABL), guerrilha do País. Em apenas um mas no legado que deixou e que na vaga deixada por Valentim Ma- ano (1896-1897) morreram 20 mil (continua na última página) * Publicação parcial.
  • 2. 2 O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 Um Século do Silogeu de Paulista Letras EXPEDIENTE Jornal O Bandeirante Raríssimos paulistas sabem que a Academia Paulista de Letras ANO XVIII - no 204 - Novembro 2009 foi fundada por um médico, Joaquim José de Carvalho, natural do Estado do Rio de Janeiro, que, após andanças, radicou-se na Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos capital paulista. Embora jamais fora seu presidente, teve grande Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . importância na vida da entidade, atuando como secretário nos Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor: primeiros anos do sodalício. Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia Da mesma forma, pouquíssimos sabem que na sessão solene Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Alcione Alcântara Gonçalves, Geovah Paulo da de sua inauguração, na noite do dia 27 de novembro de 1909, Cruz, Helio Begliomini, José Rodrigues Louzã, Josyanne no salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, na Rita de Arruda Franco, Luiz Jorge Ferreira, Sergio Perazzo. Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de rua de São João, onde a efeméride foi prestigiada por eminentes 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail. figuras da cultura e da intelectualidade paulista, dentre a posse Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio dos quarenta membros fundadores havia sete médicos e, dentre eles, Ulisses Para- Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda nhos, que contava com apenas 24 anos (!!!), constituindo-se, até hoje, no mais jovem Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. recipiendário desse silogeu. Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo- Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Ademais, poucos conhecem que dentre os patronos das quarenta cadeiras, três são Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz médicos: Cesário Motta Filho, José Martins Fontes e Caetano de Campos. Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré. E, particularmente, dentre as instituições médicas e entre seus membros é igualmen- te ignorado que, ao longo de um século de existência, vinte e três filhos de Hipócrates tiveram o privilégio de pertencer à Academia Paulista de Letras! Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a Asclepíades da Academia Paulista de Letras não se presta a competições e a com- opinião da Sobrames-SP parações classistas, pois os bacharéis em direito predominam sobejamente nos mais tradicionais sodalícios literários. Entretanto, poucos médicos têm em conta que seus pares também possuem um lugar de destaque na literatura estadual e nacional. Editores de O Bandeirante Enaltecendo a vida, os feitos e as obras dos asclépios da Academia Paulista de Le- Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992 tras, esse livro tenciona não somente elogiá-los, mas também nobilitar seus confrades Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994 e confreiras de sodalício; seus pares de profissão; a querida arte de Hipócrates, assim Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996 como o augusto sodalício que os alberga e os irmana. Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 Essa obra vem preencher uma lacuna até agora inexplorada, tanto na história da Helio Begliomini – maio de 2009 - Academia Paulista de Letras quanto na história da medicina e da literatura bandeiran- tes – aliás, neste particular, desconhecida e, por conseguinte, pouco valorizada pela maioria da classe médica. Presidentes da Sobrames – SP Que ela possa também contribuir, ainda que de forma modesta, para enaltecer a 1 Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006) o 2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010) celebração do primeiro centenário desse viçoso sodalício de letras paulista! 3o Carlos Luiz Campana (1994-1996) 4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998) Helio Begliomini 5o Walter Whitton Harris (1999-2000) 6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002) Médico urologista em São Paulo 7o Luiz Giovani (2003-2004) Walter Whitton Harris 8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005) Cirurgia do Pé e Tornozelo Ortopedia e Traumatologia Geral Editor: Helio Begliomini CRM 18317 Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3 Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833 Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br Cel. 9932 5098  CUPOM DE ASSINATURAS* longevità Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675 Nome:___________________________________________________________ Estética facial, corporal e odontológica * Massagem * Drenagem * Bronze Spray * End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * RPG Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar ________________________________ nº. _______ complemento _________ Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________ Clínica Benatti Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF) Obstetrícia *Disponível para o público em geral e para não-sócios da SOBRAMES-SP Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal a SOBRAMES-SP para REDAÇÃO Mastologia “O Bandeirante” R. Bias, 234 - Tremembé - CEP 02371-020 - São Paulo - SP Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega (11) 2215-2951
  • 3. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 3 Comer Geovah Paulo da Cruz Médico oftalmologista em São Paulo Respirar é de graça, mas comer tem um custo. O respirar celular ora não tem, passam até dias sem comer. Os ofídios e répteis ficaram é passivo, se realiza sem nenhum esforço maior da célula. Os gases mais econômicos, não gastam energia para produzir calor, podem respiratórios, oxigênio e gás carbônico, entram e saem da célula por ficar até meses sem comer. um mecanismo de saturação e difusão. Comer representa a necessi- Desta duplicidade de formas de alimentação estes animais têm dade mais primária do ser vivo. Ele come para se prover de energia, temperamentos particulares. Os vegetarianos são passivos, vivem onde sem a qual não há vida. Ele come para que o motor biológico tenha o alimento é endêmico, na maioria dos casos não têm dificuldade combustível, e então possa realizar as funções de sobrevivência. Ora, para colhê-lo, basta que se dediquem com afinco a esta ocupação. Seu combustível se gasta, e seu consumo exige novo abastecimento, tal único risco é o de ser comido, e isto não representa uma operação de como ocorre no automóvel. alimentar-se, mas de defender-se. Os carnívoros são ativos, agressivos, A vida é o resultado positivo de comer. Pode-se comer apenas seu alimento exige grande esforço de perseguição e de captura. Uma para viver, como comer para crescer, regenerar e reproduzir. Comer oportunidade perdida representa mais um longo tempo de fome. é assimilar a natureza. Quando um singelo Ser unicelular absorve Este viver cíclico, ora saciado, ora faminto, faz dele um oportunista por osmose, engloba por diapedese ou se deixa penetrar por um sempre alerta. mecanismo de membrana seletiva, simplesmente está comendo. Tudo O humano é uma personalidade híbrida dos dois mecanismos o que se passa num organismo pluricelular nada mais é do que um alimentares. Quando ritmadamente alimentado, comporta-se como múltiplo da colônia de células que o constitui. o vegetariano, mas quando ameaçado pela fome, seu temperamento Comer representa uma carência vital, a qual chamamos apetite. é o do carnívoro. Este é o grande perigo representado pelo animal Pode ser um apetite amplo, geral, como também pode ser um apetite humano. Não se sabe, em dado momento, qual deles está ativo. Tenho especial, a necessidade de comer dado alimento. Este é chamado uma observação muito interessante: os burocratas, contabilistas, escri- de fome específica, como por exemplo, a carência de cálcio para os turários, em geral se acomodam, simbolicamente têm sua pastagem animais vertebrados em crescimento. Vacas roem ossos no pasto em ali mesmo, basta ir para o trabalho. Já o seu patrão ora se vê saciado, demanda deste elemento porque excretam muito cálcio no leite e seu seu negócio corre bem, ora se vê carente, seu empreendimento periga balanço tende a ser negativo. ou precisa crescer. Então toma a índole do carnívoro, aquele que não O desejo de comer chama-se fome. A fome é uma manifestação pode perder oportunidade, nem deixar sua presa escapar. do apetite, assim como a saciedade, aquela sensação de não carência. Poucos animais alcançaram esta habilidade alimentar, a de O comer é um ato que tende a levar à saciedade. Uma vez satisfeita onívoro. Além dos humanos, temos o porco, a galinha, a tilápia. Os a necessidade atual do apetite, este cessa, até que haja nova situação primatas estão até hoje num estágio primitivo. Enormes gorilas são de carência. Esta situação variável de carência/não carência faz parte mansos e cordatos, vivem de comer brotos de plantas. Quem assistiu de algo maior, o metabolismo. O metabolismo é o complexo de ações ao filme documentário, que relata uma história real, “Na montanha físico-químicas que se processa para liberar energia e construir ou dos gorilas” fica espantado vendo uma moça, a atriz Sigorney Weaver, degradar substâncias necessárias à vida. Ele é feito de anabolismo, viver pacificamente entre eles. quando seu balanço é positivo, e catabolismo, quando negativo. Foi a evolução para onívoro que fez o humano evoluir. Esta habi- O equilíbrio destas duas ações é o que se chama homeostase, um lidade alimentar não é nada desprezível. Permitiu que ele ocupasse momento hipotético de harmonia entre os dois mecanismos. No todos os lugares da Terra, vivesse comendo as coisas mais diferentes. metabolismo entra em jogo um fator muito importante, a oxidação. O alimento mais universal, farto, abundante, foi o grão. Trigo, centeio, Oxidação é uma reação química que libera energia. No organismo arroz, milho, quinua entre os andinos. O segundo foram os frutos e é feita à custa de consumo de oxigênio, que combinado com hidro- os tubérculos, como a batata, a mandioca, o inhame. O terceiro foram carbonetos, libera energia. É o mesmo mecanismo de queimar gás, as gorduras, óleos vegetais e banhas animais. Finalmente vieram as álcool, gasolina, carvão. Dentro da célula o fogão ou a usina que faz proteínas vegetais, as leguminosas como a ervilha, lentilha, feijão, e esta queima é a mitocôndria. as proteínas animais, carne, vísceras, leite, ovos. Diz Humberto Ecco, Para que o alimento chegue até as células há que se fazer um autor do livro que virou filme, “O nome da rosa” que a humanidade esforço, e o primeiro deles é encontrar e recolher alimento. Vamos só progrediu depois que comeu feijão, e melhor seria dizer, feijões. pular diretamente para os animais superiores. Se o animal é vege- Aliás, os feijões são horríveis, incomíveis, quando crus. Mesmo cozidos tariano, ele tem que recolher sistematicamente seu alimento, quase eles são indigestos, pesados. Não conheço nenhum animal doméstico sem parar, todos os dias de sua vida. Por quê? Porque nem tudo que coma feijão cru, in natura. Aqui na América havia feijões que que ele come é aproveitável, nem está pronto para ser utilizado. O foram levados para a Europa e lá se tornaram parte significativa da organismo do vegetariano é uma fábrica que processa os vegetais, alimentação. Entretanto os índios sempre foram poucos, porque sua transformando-os em produtos animais. Os hidratos de carbono única fonte de proteínas era animal, não comiam feijão. dele são específicos, como a glicose, os lipídios são próprios, como O humano evolutivamente perdeu boa parte de seu intestino, sebos e banhas, e as proteínas animais diferem das vegetais. Então, de tal modo que não é um bom comedor de proteínas vegetais. Isso este labor nos vegetarianos é grande, apropriar as substâncias para faz dele um vegetariano limitado. Nessa condição, o humano não seu uso pessoal. Há muita sobra, desperdício. O vegetariano come pode ser vegetariano exclusivo na fase de crescimento, até chegar a uma quantidade alta para um consumo pequeno. O estrume de uma adulto. Também a mulher não pode ser vegetariana restrita na fase vaca está na ordem de uns 20 a 40 quilos diários. O que um elefante de gravidez e na lactação porque não tem capacidade biológica para defeca é uma enormidade. assimilar e produzir as proteínas animais que o embrião necessita. Ela Já o carnívoro encontra sua alimentação mais apropriada para sua teria que comer como uma vaca, toneladas e toneladas de gramíneas condição de animal. Mas ele tem um problema: encontrar e capturar para prover-se das proteínas necessárias, ou então comer leguminosas, seu alimento. Então sua alimentação é mais errática, ora tem comida, todas elas com um certo grau de toxicidade e inapropriação alimen- ora não a tem. Disto resultam duas índoles completamente diversas: tar. Elas devem deixar esse labor para outros animais vegetarianos, e o vegetariano é um pacato, dedica-se a colher compulsivamente sua comer produtos animais, pelo menos nestas fases de suas vidas. O seu comida. Voisin, um pesquisador francês que criou um método de bebê corre o risco de ter um cérebro menos desenvolvido. rotação de pastagens que leva seu nome, observou que uma vaca Eu poderia falar horas e horas sobre comer. Seria pra mim um pasta nada menos do que umas 18 horas por dia, mais descansa do prazer tão grande quanto comer. Mas fica pra outra vez os outros que dorme. Nós sabemos que um leão ou um tigre ora tem comida, aspectos deste tema. Que pena...
  • 4. 4 O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Castelo de areia José Rodrigues Louzã Médico aposentado em São Paulo Dia de verão! O sol muito brilhante! O garoto vai à praia brincar. Quer um castelo de areia plantar, que seja um porto para o navegante. Lança-se à obra com dedicação, surgem torres, fossos, pontes, muralha, canhões para a defesa com metralha. Mas nada vence do mar a ação, Finados que aos poucos abate o frágil castelo. Triste, ele ouve as estrelinhas do mar Alcione Alcântara Gonçalves que estão a lhe dizer: “- Jovem! Coragem... Médico psiquiatra em Tupã refaça com amor. Faça mais belo Finados é o dia consagrado e maior... trabalhe sem se queixar.” Para homenagearmos a todos Num devaneio, criou nova imagem ! Aqueles que nos deixaram Saindo deste plano para O plano sagrado dos deuses Nossa definitiva e última morada É também dia de luto e contrição. De respeito e doce lembrança Dos nossos entes queridos Que trazemos guardados no coração. Finados não é o fim do caminho, A morte é a passagem para o doce ninho Daquele que o construiu com amor Junto à casa do Pai com fé e fervor! Surpresa Josyanne Rita de Arruda Franco Médica pediatra em Jundiaí Meu doce deleite é ouvir teus passos que adentram minha vida por todos espaços sem querer saber se quero teus braços. Teu doce mistério é crer que mereço ser quase só tua, sem mais endereços... Mas sou como a lua... de fases padeço! Se há discordância de nossos desejos, aferra-te às coisas que te ofereço: a paz da entrega e o inferno do avesso...
  • 5. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 5 Flauta Doce Sergio Perazzo Médico psiquiatra em São Paulo Só podia ser coisa da Dona Chininha. Aquela vaquinha como explicar. Com certeza, foi essa sensação que a salvou de presépio de olhos apertadinhos, aquela sonsa que fin- da amargura e da autocomiseração. Alguma coisa maior gia firmeza e determinação, mas no fundo, morrendo de vivia nela e renascia cada vez que ouvia esta velha gravação medo, concordava com tudo. Uma maria vai com as outras, de Rampal que sua madrinha, que a criara, mais fada que distribuidora-mor de uma central de fofocas. madrinha, tanto repetia e repetia. Ficavam as duas embe- Podia apostar. O fato é que quando desceu do táxi ali pela vecidas, a tarde caindo lá fora em pentagramas de luz. Um altura da Lopes Quintas, entre o Cinema Floresta e o Carioca belo dia, ganhou dela, de presente, uma flauta doce com o Sport Club, parecia que metade da rua estava na janela de mesmo desenho das flautas de Hotteterre. É como se tivesse olho pregado na sua corcunda, um sequioso comitê de recep- sido presenteada com um violino de Cremona. ção para ela que acabava de se mudar para o bairro. Chegou, mais tarde, a tentar a flauta transversa, mas seus Da loja de ferragens até o armarinho do Augusto Turco, braços frágeis não sustentavam por muito tempo a posição bem em frente, tudo e todos pareciam hipnotizados. A pa- do instrumento. Cansava em vinte minutos. Não dava para totinha de desocupados de sempre chegou a interromper o praticar, muito menos tocar um movimento inteiro de um pôquer no meio de um full hand de damas contra um blefe concerto. de dois pares. A flauta doce sim, ajustava-se perfeitamente ao descon- O caminhão de mudanças já despejara os seus trastes. forto da sua deformidade e à solidão do seu encolhimento. A casa era silenciosa e tranquila, pintada de novo, uma boa Ao palavreado do seu silêncio. A flauta doce era a sua fada surpresa. Nem era o que esperava, melhor que a encomenda, e a sua madrinha e no fundo, no fundo, não se esforçara como uma luva, para quem não estava acostumada com des- o bastante para se adaptar à flauta transversa. Se quisesse taque ou privilégios e para quem pretendia apenas ensaiar mesmo, conseguiria. Mas tratava-se de uma relação de amor o dia inteiro sem se preocupar com os vizinhos que, pela em que estava envolvida de tal forma que sentia que o que cara, já sabiam que teriam a companhia constante de uma estava em jogo era lealdade e traição. Nunca tinha experi- grande artista. Figurinha carimbada, logo, logo se tornaria mentado isso antes. Nunca. Com ninguém. o orgulho dos arredores da Ponte de Tábuas, bem pertinho Cedo familiarizou-se com peças de Purcell e com sona- do Jardim Botânico. tas de Handel. Sua música afirmava e divagava ao mesmo Vivia para a música. A natureza não lhe dera mais que tempo. Trazia sonhos, paixões irrealizadas. Às vezes parecia metro e meio, essa corcunda que os médicos apelidavam de que entre amores vividos e não vividos criava uma película cifoscoliose, nunca soube se de nascença ou se consequência que se soltava do coração ao menor toque de uma romanza de alguma doença de infância e, de quebra, uma miopia andante do Eine kleine nachtmusik de Mozart. Noel com- que a obrigava a usar uns óculos de armação pesada, de preendia isso. Nem precisava falar. tartaruga, para sustentar um par de lentes fundo de garrafa Noel era um vizinho que tivera alguns anos antes, um que lhe davam uma expressão de sapo. Tem mais? Uma francês um tanto excêntrico, fagotista da sinfônica do Muni- perna mais curta que a outra, que mesmo com sapatos or- cipal, que chegara a ganhar um concurso e gravara um disco. topédicos sob medida, não evitavam um andar corcoveado Trocavam ideias sobre as intenções dos compositores e sobre deixa-que-eu-chuto. detalhes de interpretações. Imaginavam, por exemplo, como Pra alguma coisa tinha que servir tudo isso, não é? Be- Albinoni tocaria seu adágio ou como Bach entenderia o seu ethoven não era surdo? Machado de Assis e Dostoiévski, 4o Concerto de Brandemburgo. Ah, Johann Sebastian! epilépticos? Pois é, ela era corcunda, míope e coxa. Só não Fora Noel que lhe contara uma vez que os músicos da era Beethoven, Machado ou Dostoiévski. sinfônica tinham muito de funcionários públicos. Quando Seu talento musical era seu refúgio de criança. Sempre ensaiavam com um maestro estrangeiro e exigente com o num canto, invejando as outras meninas. Tudo aquilo que qual não empatizavam, se a participação dos seus instru- não podia ter. Costas lisas, pernas livres e soltas, não precisar mentos na música escolhida era muito pequena, um ou dois de óculos. Como certos paralíticos que fazem musculação compassos, por exemplo, davam um jeito de sumir com a e desenvolvem peitorais e deltóides a ponto de parecerem partitura e o maestro não tinha alternativa a não ser dispen- meio-halterofilistas, deixou navegar seus sonhos na flauta sá-los do concerto. Não iam ficar duas horas sentados no de ouro de Jean-Pierre Rampal e seu som mais de ouro teatro num sábado só para tocar uns poucos segundos para ainda, exercitando a sua delicada sensibilidade. Quando um maestro chato e um público ignorante. Melhor ir para ouvia a interpretação que ele dava ao alegro do Concerto casa para ouvir futebol pelo rádio. Noel dava gargalhadas ao em ré menor, entrava no mundo de Vivaldi e sentia que lembrar disso e ela ficava escandalizada com tal sabotagem e algo lhe transcendia, que era mais que música. Não sabia com tal sacrilégio. Nessas horas balançava entre o desespero (continua na próxima página)
  • 6. 6 O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO (continuação da página anterior) do pessimismo barroco e o hedonismo renascentista. Suas tomar sorvete empedrado direto do congelador. gratas especialidades. Mesmo assim, apesar do morcego e da geladeira, eu Mas Noel morrera fulminado por um ataque cardíaco e voltava encantado para ver o resto do bloco. Puro deslum- ela ficara sem o amigo que vinha adoçar o seu chá das cinco bramento! e acrescentar um sustenido à sua vida em escala de dó maior. A procissão saía da Igreja da Divina Providência, Lopes Sem acidentes e sem incidentes. Quintas abaixo, com as meninas vestidas de anjinho, asas de Fora ela que, anos depois, sugerira aos rapazes do Quin- penas de galinha, compenetradas como se tivessem acabado teto Villa-Lobos que tocassem Marcha soldado e Atirei o pau de entrar no céu. E tinham mesmo, com aquelas carinhas no gato como peças barrocas. Ajudou nos arranjos, sugeriu comoventes de almas brancas. Voltariam ao purgatório quan- passagens, esticou compassos. O resultado foi espetacular do entrassem na adolescência. Não chegariam a ter Dante naquela gravação em que se reuniram com o Edu Lobo, a como guia. Trocariam figurinhas e confidências somente Sylvinha Telles e o Tamba Trio. Seu nome não apareceu nos com Beatriz, a virgem que lhes abriria as portas do pecado. créditos. Não foi por culpa dos artistas. Ela não deixou. Não Se era Semana Santa, na procissão se dramatizava a houve jeito. Ela era assim. Paixão de Cristo. A rua era palco do espetáculo. Na frente No bairro, poucos sabiam o seu nome. Era a corcundinha vinha a Verônica ostentando um pano com o rosto de Jesus ou a manquinha, assim com minúsculas, dependendo do que gravado a sangue e espinhos. Tinha até centurião romano chamasse a atenção primeiro, parada ou em movimento. com açoite e, é claro, o esquife com o Senhor morto, que me Na Lopes Quintas gostava de ensaiar no calor da cozinha, causava calafrios, mesmo com a Pietá fechando a procissão, uma peça ampla de azulejos e ladrilhos antigos com motivos preparando o Santo Sepulcro e o Sábado de Aleluia. Muito florais, à vista de duas samambaias gêmeas acomodadas em antes da televisão, a televisão estava no meio da rua. seus xaxins como em poltronas em seu camarote. A corcundinha acompanhava tudo da janela da sua casa Nestes momentos, Netinho puxava uma cadeira sem enquanto a flauta doce repousava dentro do estojo em seu braço e a acompanhava na viola de gamba e um tênue véu leito de veludo roxo, encerrando a quaresma. de bemóis recobria aquela cena da Renascença, esperando Depois deste jejum de Sexta-Feira Santa, a flauta ressus- que um Michelangelo a retratasse, acrescentando uma viola citava na Páscoa para os alegres trinados de Mozart até os d’amore em tom pastel. novos festejos religiosos do mês de Maria. Nessas horas, o próprio Antonio Vivaldi escorregava O canto da sua flauta era a própria mão de Deus, que na da partitura das Quatro estações para bisbilhotar o forno folga do sétimo dia, sem nada o que fazer, resolveu pintar assando pudim de pão, como poderia ser tarteletes ou um uma aquarela para pendurar entre nuvens e brisas. Numa tabuleiro de empadinhas de camarão. pincelada, um pássaro que pousa no peitoril da janela como Um dia ganhou de presente, do próprio Roberto de Re- se pousasse no som que escorre da flauta, entre curioso e gina, um cravo feito por ele, de próprio punho, e o ensaio espantado como se fora o canto da companheira que voou, foi transferido para a sala, com o Romualdo, o cravista, be- por um instante, para fora do ninho. Um bordado com fios liscando as cordas, pressionando as teclas, percorrendo toda de seda deixado na mesinha. A sombra de um abajur opaco a extensão dos prelúdios e fugas do Cravo bem temperado art déco, um pedaço desfiado de uma tapeçaria do Oriente, de Bach. Corelli às vezes também dava o ar de sua graça de uma adaga mourisca de Granada, um vaso Murano de vidro braços dados com um trio de Vivaldi. oval, uma taça de vinho amarela, uma luminária Lalique art Dois intermezzos interrompiam essa calma de concertos nouveau, herança da madrinha, e uma miniatura da Sereia naquela Lopes Quintas via de regra tão pacata. O bloco dos de Copenhague. Nas paredes, reproduções queridas. De um bichos e as procissões que cascateavam nas pedras de granito óleo terno e envolvente de Klint eternizando um beijo, de do calçamento. Se não era um, era a procissão descendo a la- um quadro travesso de Paul Klee cheio de encaixes e espaços deira com andor, trombone e tuba, desafinando o Queremos como pausas musicais entre acordes, de um bico-de-pena de Deus, a mesma banda que atacava marchinhas carnavalescas Portinari retratando a irretratável solidão e pobreza de um nas batalhas de confete de janeiro, antecipando o carnaval, menino e um ramo de cerejeira do Japão. congestionando a Rua Jardim Botânico e paralisando os Um gato persa arregalava os olhos e parecia procu- bondes na contramão. rar algum bicho responsável pelo trinado da flauta, mas Esse bloco dos bichos era um acontecimento à parte. só encontrava os olhos também arregalados do pássaro. Tinha girafa, morcego, galo, gato, dragão, coelho, leopar- Aninhava-se, então, preguiçoso, numa cadeira e não raro do, pterodinohipotigredebengala, o jardim zoológico e o acabava adormecendo. quintal inteiros para o deslumbramento da criançada. Saía Até chegar a este ponto em que a corcundinha parece do Carioca na noite de sábado ou de domingo de carnaval. estar em suspenso no mundo, que que eu faço com esta Não lembro bem. hipotética personagem que exprime os caminhos e desca- Recordo que quando o morcego corria pra cima de mim, minhos da nossa mais profunda sensibilidade? Construo eu disparava a me esconder atrás da geladeira nova na vila uma intriga arquitetada pela Dona Chininha, uma espécie em que eu morava. de Fu Manchu dos pobres? Mato a grande artista com uma A geladeira anterior não era elétrica. O geleiro vinha dia- leucemia fulminante? Invento um anão que se apaixona por riamente substituir a enorme pedra de gelo que funcionava ela perdidamente e não é correspondido? Ou simplesmente como motor sem motor e que vivia derretendo. Agora que a digo que o sopro da sua flauta era tudo que ela não era, tudo substituta reinava soberana com o seu esmalte branco como que não fora, tudo que não podia ser, tudo que a sua corcunda um manto real, a vizinhança inteira despencava sala adentro grotesca lhe impedia de viver, acompanhada pela viola de para contemplar a novidade como peça rara de museu e para gamba do Netinho em doces e sussurrantes madrigais?
  • 7. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 7 Todo dia ela Espera a Chuva Luiz Jorge Ferreira Médico clínico em São Paulo Todo o dia ela espera a chuva para sair no terreiro e despir-se. E então quase de cócoras fica aguardando que a chuva pare. Terminada a chuva ela corre em direção à estrada que fica a dois quilômetros dali. Assim que retorna ela vai até à capela em ruínas e reza alto. PUBLICIDADE Reza orações perdidas no inconsciente de onde as traz uma a uma. TABELA DE PREÇOS 2009 Isto ela faz desde o verão de 1966. Quando abortou os três. (valor do anúncio por edição) Todas as outras crias que tivera antes, os homens as levaram. 1 módulo horizontal R$ 30,00 Aconteceu com Pedro Lino Ramos, Joaquim Silva Santos, Zé Picanço, Batota, 2 módulos horizontais R$ 60,00 3 módulos horizontais R$ 90,00 Zé Serra, Ernestino Borges e outros que já esquecera o nome com que os 2 módulos verticais R$ 60,00 batizara. 4 módulos R$ 120,00 Não tinha leite, mas uma cadela velha os amamentara. 6 módulos R$ 180,00 Os outros quase morrem de sede. Outros tamanhos sob consulta Com estes três não. Com estes três seria diferente heomini.ops@terra.com.br Deu-lhes suor de verão, cuspe salgado de desejo, e lágrimas de saudade. ligiapezzuto@terra.com.br Mesmo assim morrerão. Decidiu que os enterraria defronte da bica de água. Assim nunca sentiriam sede. Um enterrou dezoito e quinze, outro enterrou dezenove e quarenta e cinco e REVISÃO o último, já um peludo e musculoso, o enterrou próximo à meia noite, ante- de textos em geral véspera de seu aniversário. Depois quedou-se ouvindo o vento riscar no pedregulho que restava de um Ligia Pezzuto disco, a primeira parte de uma ária composta por Perazzo. Especialista em Língua Portuguesa Ficou em silêncio, aguardando o canto triste do soprano enfurnar-se na copa (11) 3864-4494 ou 8546-1725 do cipreste. Enrolou-se em um pano sujo de breu e vagou por entre as sepulturas. Quando fez calos nos pés. ROBERTO CAETANO MIRAGLIA O galo já começava a cantar e o dia iniciava a nascer. ADVOGADO - OAB-SP 51.532 Foi quando chegaram os cavalos, cavalos e mais cavalos. Gordos , magros, suados, coxos, trôpegos, cegos, zonzos e pustulentos todos ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS parecidos com seus filhos. NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO Égua !!!. COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224 Terminou de escrever seu livro? Então publique! Nesta hora importante, não deixe de consultar a RUMO EDITORIAL. Publicações com qualidade impecável, dedicação, cuidado artesanal e preço justo. Você não tem mais desculpas para deixar seu talento na gaveta. rumoeditorial@uol.com.br (11) 9182-4815
  • 8. 8 O BANDEIRANTE - Novembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO O Discreto Notável – Cem Anos Depois de seu Desaparecimento (continuação da primeira página) sertanejos e 5 mil soldados dos 12 denominações científicas, mapas, mais jovem, Euclides da Cunha, mil mobilizados de 17 Estados! An- desenhos... (...). Ao contrário do muito nervoso, decidiu matar o tônio Conselheiro não morreu em pessimismo reinante, o livro teve aspirante que morava com seu combate, mas em decorrência de excelente receptividade pelo pú- irmão Dinorá. Dirigiu-se então à uma disenteria. Entretanto, como blico e pela crítica, sendo vendida, estrada Real de Santa Cruz, atual vingança, seu corpo foi exumado em apenas uma semana, metade avenida Suburbana, em Piedade, e sua cabeça, decepada. No dia da primeira edição! E a obra teve na cidade maravilhosa, e depois seguinte, o comandante da última três edições em apenas três anos, de trocar tiros com Dilermando e campanha, general Artur Oscar, de 1902 a 1905. Dinorá foi gravemente alvejado, determinou que 5.200 tugúrios dos Na verdade, jamais se teria vindo a falecer. Contava com 43 autóctones fossem destruídos. conhecimento preciso do que fora anos. Era 15 de agosto de 1909, Foi nesse horrendo teatro de a Guerra de Canudos, caso não um domingo chuvoso. Embora operações que Euclides da Cunha houvesse Os Sertões. O jornalista Dilermando de Assis tenha sido fora enviado pelo O Estado de S. e crítico literário, José Veríssimo absolvido por legítima defesa, foi Paulo, a fim de cobrir jornalisti- (1857-1916), foi quem publicou perseguido durante toda a vida, camente a guerra. Contava com o primeiro artigo sobre a obra no por ter exterminado um famoso 31 anos; lá permaneceu por dois extinto jornal Correio da Manhã. brasileiro. meses e nesse período enviou 25 Se por um lado teceu diversos Euclides da Cunha é considera- reportagens estarrecedoras do elogios ao autor, por outro não do por vários críticos como autor de que acontecia no município de deixou de assinalar também o um só livro, embora tenha escrito Queimadas, sertão da Bahia. Re- excesso de termos técnicos ou de muitos outros trabalhos: Relatório velou seu espírito aventureiro, sua vocábulos em desuso, quando não, da Comissão Mista Brasileiro-Pe- índole desbravadora e sua visão flagrantemente inventados. Neste ruana do Alto Purus (1906); Castro sociológica. Tal experiência, poste- particular, pode-se considerar que Alves e seu Tempo (1907); Peru riormente, arrefeceu-lhe os ideais Euclides da Cunha tenha sido um versus Bolívia (1907); Contrastes e republicanos que tanto defendera, neologista precursor do expoente Confrontos (1907); e, postumamen- pois viu que o regime reinante médico e escritor João Guimarães te, À Margem da História (coleção abandonara sua gente e a relegara Rosa (1908-1967). de textos diversos, 1909); Cartas a uma condição incompatível com O médico, antropólogo e pio- de Euclides da Cunha a Machado a dignidade humana. neiro da radiodifusão brasileira, de Assis (1931); Canudos (1939); Os Sertões nasceu despreten- Edgar Roquette-Pinto (1884-1954), e Obra Completa organizada por siosamente. Ao voltar à capital já vaticinara no início do século Afrânio Coutinho (1966). paulista, Euclides da Cunha fora XX que Os Sertões seria para o Um século depois de sua morte, instigado por Júlio Mesquita, dono Brasil o que fora “Dom Quixote” a memória de Euclides da Cunha do jornal, a escrever um livro sobre para a Espanha e “Os Lusíadas” é fartamente honrada em escolas, Canudos. Assim, grande parte dos para Portugal. Os Sertões mescla logradouros, instituições e até manuscritos da obra foi redigida ensaio, história, ciências naturais, numa cidade ao noroeste da Bahia, durante três anos num modesto epopeia, lirismo, drama... sob o de- localizada a 324 km de Salvador, alojamento de madeira, em São nominador comum da consciência local onde testemunhou a Guerra José do Rio Pardo (SP) – hoje, con- de brasilidade. de Canudos. Sua passagem por São servado como relíquia –, em meio (...). Assim como na infância, Paulo tampouco foi despercebida. aos cálculos de uma ponte metálica seu final foi trágico. Euclides da Com a inauguração da Academia que construía. São suas palavras: Cunha era casado com Ana Sólon Paulista de Letras, em 27 de no- “redigido em quartos de hora, nos da Cunha, que teve como amante vembro de 1909, apenas três meses intervalos da minha engenharia Dilermando de Assis, cadete do e meio após o seu passamento, seu fatigante e obscura”. Exército. Ela estava disposta a nome foi escolhido para patrono O esforço de Euclides da Cunha se separar do marido. Contudo, da cadeira n o 36 desse insigne tinha tudo para não vingar: 637 certo dia, ao perceber que sua silogeu, que ora também come- páginas (!) maçantes e monóto- esposa não tinha dormido em mora seu primeiro centenário de nas; vocabulário difícil, repleto de casa e que levara consigo seu filho existência.