SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 11
Baixar para ler offline
1
PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL
Patrícia Argôlo Rosa (UESC)1
Marcia Paraquett2
RESUMO
Este trabalho tem por finalidade discutir o tema que está sendo desenvolvido na pesquisa de
Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da
Bahia (UFBA): “A Formação Intercultural de Professores em Exercício do Curso Língua
Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI, do Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica – PARFOR, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC”. No ano de
2010, o Curso LEMI da UESC foi implantado para atender ao PARFOR, que é destinado aos
professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada
à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96). Levando em
consideração o contexto exposto acima, pretende-se, neste trabalho, apresentar algumas
inquietações referentes a dois objetos da pesquisa: Professores em Exercício e a Formação
Intercultural. Para tal, questiona-se: Quem são esses professores? De onde eles falam? Que
conhecimentos eles produzem? Que formação intercultural é concebida? Como, ainda, não
existem resultados do estudo em pauta para apresentar, propõe-se, primeiramente, refletir
sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e
históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em seguida,
problematizar a formação intercultural no currículo.
Palavras-chave: Professores em Exercício. Formação Intercultural. PARFOR.
1 INTRODUÇÃO
No ano de 2010, o Curso de Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI da
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC foi implantado para atender ao Plano Nacional
de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR, que é destinado aos professores
em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96).
O referido curso obedece ao sistema de ensino presencial de creditação das
1
Doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador - BA. Professora
Assistente de Língua Inglesa da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA. Endereço eletrônico:
pattyarosa@gmail.com.
2
Orientadora - Professora Adjunto II da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço eletrônico:
marciaparaquett@gmail.com.
2
disciplinas e objetiva, através do trinômio ação-reflexão-ação (FREIRE, 1989), estabelecer
propostas próprias para uma reflexão maior sobre o “ser” professor da área de Língua
Estrangeira (doravante LE).
O Curso LEMI espera formar o estudante-professor não apenas para construção da
sua prática pedagógica, mas para que esse estudante-professor possa relacionar teoria e
prática, e com isto resolver problemas práticos e, nessa atividade, aprofundar e conscientizar o
seu saber, como também auxiliar na utilização da reflexão como forma de ação para que este
aprendiz encontre sentido e significado para o seu trabalho. E, ainda, diz no seu PPP (2009, p.
9) que “[...] quer ‘Formar’ um profissional autônomo, reflexivo, crítico, sensível e
interculturalmente competente para tomar decisões, resolver problemas e conviver com o
outro”.
Compreender a sala de aula como um lugar onde as diferenças se encontram e onde
se estabelecem trocas de diálogos de forma intercultural requer um ensino em que o estudo da
cultura-língua seja um “[...] processo crítico e social de compreender outras culturas em
relação a sua própria cultura” (MOTA, 2010, p. 48). Ao promover este processo, o professor
de LE, estará, consequentemente, permitindo que o seu estudante reflita criticamente sobre o
conhecimento adquirido e busque significados em um mundo onde os encontros
comunicativos socioculturalmente diferentes se tornaram tão comuns.
Sob essa perspectiva, o Conselho da Europa em seu Livro Branco sobre Diálogo
Intercultural: viver juntos em igual dignidade3
(2008, p. 40) declara,
As instituições de formação dos educadores devem criar instrumentos que
assegurem a qualidade inspirados na educação para uma cidadania democrática,
tendo em conta a dimensão intercultural, e desenvolver indicadores e ferramentas de
auto-avaliação e de desenvolvimento pessoal a utilizar nos estabelecimentos
educacionais. As instituições de formação dos educadores devem reforçar a
educação intercultural e a gestão da diversidade no quadro da formação em
exercício.
3
Livro publicado pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros do Conselho da Europa por ocasião da sua 118.a
reunião ministerial em Estrasburgo, no dia 7 de Maio de 2008, com o objetivo de promover o diálogo
intercultural entre as sociedades européias e entre a Europa e seus vizinhos. No prefácio da versão Portuguesa, o
Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, diz que o Livro Branco constitui “um
instrumento central de apoio à elaboração das Estratégias Nacionais para o Diálogo Intercultural, que a Aliança
solicitou aos países membros para elaborar e adoptar, cobrindo as suas quatro principais áreas de actuação, a
saber, a Educação, a Juventude, os Media e as Migrações. A meu ver, as recomendações do Livro Branco
orientadas para a governação democrática da diversidade cultural, a cidadania participativa, o ensino e a
aprendizagem de competências interculturais, a gestão dos espaços de diálogo intercultural e as relações
internacionais cobrem um leque bastante completo de perspectivas que configuram a matriz da boa governação
da diversidade cultural, que importará aprofundar e consolidar no futuro. (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p. 3-
4).
3
Nesse cenário, pontuam-se algumas inquietações da pesquisa de Doutorado, em
andamento, do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, da Universidade Federal da
Bahia (UFBA): O Curso LEMI/PARFOR/UESC e a Formação Intercultural de Professores
em Exercício.
O presente trabalho pretende apresentar as inquietações referentes a dois objetos da
referida pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tanto se propõe,
primeiro, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos
sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em
seguida, problematizar a formação intercultural no currículo.
2 OS PROFESSORES EM EXERCÍCIO DO LEMI/PARFOR/UESC COMO
SUJEITOS SOCIAIS E HISTÓRICOS
Antes de iniciar a reflexão faz-se necessário dizer o que se entende por ‘Sujeito
Social e Histórico’. Neste trabalho define-se ‘Sujeito Social e Histórico’ como um ‘ser’ que é
humano; que é social e que possui uma historicidade; que está em uma contínua construção,
transformação; que interage e se integra com os outros numa relação dialética; que se assumi
como sujeito porque é capaz de se reconhecer como objeto (FREIRE, 2002).
Ao entender os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos
sociais e históricos, percebe-se que no fazer em sala de aula, eles vão pensar e agir de acordo
com suas trajetórias, que fazem parte de um processo sócio-histórico-cultural. Esses
professores vão trazer consigo, os conhecimentos adquiridos como estudantes que
vivenciaram e vivenciam a prática de seus professores e a troca de experiências com colegas
e/ou outros profissionais, que no decorrer de suas trajetórias vão somando novos
conhecimentos. Em outras palavras, esses professores trazem consigo uma história que é
imprescindível para compreendê-los no fazer pedagógico.
Nesse cenário, vislumbra-se o pensamento de Achugar (2006, p. 29) quando fala que
“O sujeito social pensa, ou produz conhecimento, a partir de sua “história local”, ou seja, a
partir do modo que “lê” ou “vive” a “história local”, em virtude de suas obsessões e do
horizonte ideológico em que está situado”.
Essa “história local”, segundo o autor, tem a ver com interesses locais concretos não
universais, e, assim, remetendo para o contexto de formação de professores em exercício,
observa-se que para compreender esses professores/sujeitos sociais e históricos é preciso
entender que a história local de um professor não será a mesma história local de outro
4
professor, mesmo que ambos pertençam à mesma comunidade. E, que o posicionamento deles
dentro de uma história local vai depender dos interesses locais concretos (ACHUGAR, 2006,
p. 28-29). Ou seja, o modo como esses professores vivenciam ou lêem a sociedade a qual
participam vai interferir na forma como atuam na sala de aula.
Considerando que esses professores atuam a partir da experiência com o outro,
Freire (2002, p. 19) vai falar que “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão do
outro. É a 'outredade' do 'não eu', ou do tu que me faz assumir a radicalidade de meu eu”.
E quem é o ‘Outro’? Segundo Achugar (2006, p. 32):
O Outro, o Outro canibal ou bárbaro, o Outro objeto de um discurso, o Outro
necessário para que o eu se constitua como sujeito, aparece e reaparece na
construção das filiações ou, o que é a mesma coisa, da memória, seja
individual, coletiva, pública, histórica ou oficial. Situar e filiar o Outro
possibilita estabelecer o posicionamento de quem fala, possibilita projetar ou
inventar memórias, possibilita construir passados ou apagar histórias.
Reforçando a ideia, Silva (2000, p. 97) diz que “O outro é o outro gênero, o outro é a
cor diferente, o outro é a outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra
nacionalidade, o outro é o corpo diferente”. O Outro faz o sujeito social e histórico se
reconfigurar todo tempo. Dessa forma, a identidade do professor se constitui na relação com o
outro em sua cotidianidade, demarcando seu posicionamento. Nesse sentido, Hall (2013, p.
479) diz:
Mas é justamente por resultar de formações históricas específicas, de
histórias e repertórios culturais de enunciação muito específicos, que ela
pode constituir um "posicionamento", ao qual nós podemos chamar
provisoriamente de identidade. Isto não é qualquer coisa. Portanto, cada uma
dessas histórias de identidade está inscrita nas posições que assumimos e
com as quais nos identificamos. Temos que viver esse conjunto de posições
de identidade com todas as suas especificidades.
Refletindo sobre esses professores em exercício, analisa-se que eles ao
desempenharem o papel de ‘Professores’ vão revelar um ‘posicionamento’ que Hall (2013)
chama de identidade, que “não é fixa, é sempre híbrida” (p. 479). Com isso, defende-se a ideia
de que é preciso, primeiramente, questionar “quem são esses professores?” e assim revelar
suas histórias, suas identidades, que são reflexos da definição desses sujeitos sociais e
históricos.
Partindo desse exposto, coaduna-se com Hugo Achugar (2010, p. 17-18) quando diz:
5
[...] Pois a identidade creio, se constitui, entre seus múltiplos modos e
maneiras, em torno de uma situação ou de um posicionamento que um elege
ou é posto pelas condições históricas e eleições pessoais. É dizer, um é ou
pode ser muitas pessoas segundo como se situa frente ao fato, ao momento,
ao interlocutor, ao desafio, à problemática, ao personagem que foi eleito
representar ou foi concluído por ser ao cabo dos anos e das decisões
voluntárias e involuntárias tomadas em ocasiões distintas.4
Nesse sentido, é importante entender que a identidade não é pronta nem acabada, e
está sempre em processo de transformação.
No contexto de sala de aula, Rajagopalan (2001) chama a atenção para as
negociações e renegociações de identidades, que acontecem pela constante alternância de
posições. São várias as situações que faz com que a pessoa mude constantemente, e com isso
passe de uma a outra identidade continuamente. Corroborando com essa assertiva, Maher
(2007, p. 89) afirma que:
[...] Além de as identidades culturais não serem uniformes ou fixas, o que
ocorre na sala de aula não é simples justaposição de culturas. Ao contrário:
as identidades culturais nela presentes (tanto de professores, quanto de
alunos) esbarram, tropeçam umas nas outras o tempo todo, modificando-se e
influenciando-se continuamente, o que torna a escola contemporânea não o
lugar de biculturalismos, mas de interculturalidades.
E o que é interculturalidade? O conceito de Interculturalidade é complexo e
abordado por diferentes áreas do conhecimento, como a antropologia, a sociologia, a
psicologia, a linguística, a comunicação, entre outras. São inúmeras as produções científicas
que apresentam, através dos estudos, projetos, reflexões e pesquisas, contribuições e
intervenções para uma perspectiva intercultural, nos mais variados contextos.
Essas discussões se apresentam motivadas por diferentes origens, entre elas, os
processos imigratórios, os processos de reconhecimento de grupos minoritários (índios e afro-
descendentes), a descolonização, a globalização5
, a tecnologia digital, os avanços na área da
comunicação, que contribuem para a tomada de consciência, cada vez maior, de questões
sobre a identidade, hegemonia, homogeneidade, diversidade e suas implicações étnicas,
culturais e de relações de poder.
4
Tradução do original: “[...] Pues La identidad creo, se construye, entre sus múltiples modos y maneras, en
torno a la situación o el pionamento que uno elije o es puesto por las condiciones históricas y la elecciones
personales. És decir, uno ES o puede ser muchas personas según cómo se situa frente al hecho, el momento, el
interlocutor, el desafio, la problemática, el personaje que há elegido representar o há terminado por ser el cabo
de los años y las voluntarias e involuntárias decisiones tomadas em distintas ocasiones.”
5
Globalização é entendida segundo Renato Ortiz (1994, p. 16) quando diz que o termo está, fundamentalmente,
relacionado “à economia, à produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, organizados a partir de uma
estratégia mundial e voltada para um mercado mundial”.
6
A Interculturalidade como instrumento de democracia, integração, justiça e
solidariedade; como instrumento de oposição à supremacia de umas culturas sobre as outras;
e como instrumento para manter as diferenças sem subalternizações nem sobreposições e
intolerâncias, tem uma forte relação com a Educação, pois ambas se constituem numa
necessidade e exigência da sociedade atual.
3 A FORMAÇÃO INTERCULTURAL NO CURRÍCULO
Concebendo a interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação
e construção da sociedade, os conceitos das pesquisadoras Candau e Walsh são expostos para
problematizar a formação intercultural no currículo.
Candau (2003, p. 19) considera o interculturalismo
Como um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões,
favorecendo uma dinâmica de crítica e autocrítica, valorizando a interação e
comunicação recíprocas, entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. A
interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do
direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e
desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre
pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando
os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder
presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os
conflitos procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los.
Walsh (2006, p. 21) conceitua interculturalidade como
Mais do que um simples conceito de inter-relação, a
interculturalidade assinala e significa processos de desconstrução de
conhecimentos ‘outros’, de uma prática política ‘outra’, de um poder
social ‘outro’, e de uma sociedade ‘outra’; formas diferentes de pensar
e atuar em relação e contra a modernidade/colonialidade, um
paradigma que é pensado através da prática política.6
Observa-se que a interculturalidade para essas duas autoras é entendida sob uma
perspectiva ideológica e uma prática política e crítica.
Walsh (2006) propõe outro paradigma para a interculturalidade, centrado no
pensamento de(s)colonial; na “descolonização” do estado/da sociedade; no pensamento não
baseado/centrado apenas nos legados europeus/ocidentais ou da modernidade.
6
Tradução do original: “Más que un simple concepto de interrelación, la interculturalidad señala y significa
procesos de construcción de conocimientos “otros”, de una práctica política “otra”, de un poder social “otro”,
y de una sociedad “otra”; formas distintas de pensar y actuar con relación a y en contra de la
modernidad/colonialidad, un paradigma que es pensado através de la praxis política.”
7
Assim como Walsh (2006) e Candau (2006), Achugar (2006) questiona os
conhecimentos e valores baseados, quase sempre, na cultura ocidental/européia, quando
pergunta:
Será verdade que não há só um discurso pós-colonial e que ele não
permanece idêntico a si mesmo ao longo da história e através de
línguas e culturas? Poderá ser que o “balbucio teórico” seja o lugar
que o atual discurso pós-colonial anglo-saxão reserva para o discurso
colonial em outras línguas? (p. 51)
Como o próprio autor coloca “não há uma resposta simples” (p. 51). Esse “balbucio”
pode ser interpretado como discurso de resistência, pode ser determinado pelo sujeito que fala
ou pelo sujeito que escuta, pode ser o discurso teórico latino-americano ou o discurso do não
euro-norte-americano ou, ainda, o discurso não-teórico do Commonwealth (ACHUGAR,
2006).
Refletindo sobre as colocações do autor, questiona-se: será que existe uma fala de
um lado e um “balbucio” do outro? Essa discussão reflete sobre o lugar de onde se fala ou se
balbucia, nas relações de poder que existem e na importância de uma formação intercultural
que oportunize esse debate e consequentemente suscite respostas.
A formação intercultural, assim como a cultura deve ser situada “como um elemento
estrutural da organização da sociedade, o nexo que a torne coesa e que precisa estar no centro
das políticas públicas” (PIZARRO, 2006, p. 101). Essa formação não pode ser deixada de fora
dos currículos.
No âmbito educativo, a formação intercultural, segundo Candau & Russo (2010, p.
167) “não pode ser reduzida a uma mera incorporação de alguns temas no currículo e no
calendário escolar”. Ela, conforme Fleuri (2003), deve ser entendida como um processo onde
os diferentes sujeitos se relacionam de forma tensa e intensa, se conectam com os diferentes
contextos culturais, desenvolvem suas respectivas identidades e a aprendizagem dos contextos
adquirem significados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao entender que a formação intercultural se constitui como eixo central da educação,
indaga-se, primeiramente, se essa formação está presente nos currículos e, se está, como ela é
concebida. De acordo com Walsh (2009, s/n), ela pode ser “funcional ao sistema dominante e
outra, concebida como projeto político de descolonização, transformação e criação”.
8
Candau (2009, p. 4) explica que a interculturalidade funcional “é assumida como
estratégia para favorecer a coesão social, assimilando os grupos sócio-culturais
subalternizados à cultura hegemônica”. A autora coloca que é este enfoque que predomina na
maioria dos países da América Latina que introduziu a interculturalidade nas políticas
públicas.
A segunda indagação se refere a quem se destina a formação intercultural. A
formação intercultural é para uns/umas ou para todos/as? Segundo Candau (2009, p. 5), é
destinado “aos grupos subalternizados, em geral étino-raciais, fundamentalmente indígenas e,
com menor freqüência, afro-americanos. Eles são os “outros”, os “diferentes”, que devem ser
integrados na sociedade nacional, na ótica da interculturalidade funcional.”
De acordo com as pesquisas realizadas pela autora, a formação intercultural para
todos/as ainda não é uma realidade, mediante os seguintes fatores:
[...] a existência de um forte racismo na sociedade, muitas vezes velado e
encoberto por um discurso que defende a mestiçagem, nega as diferenças
culturais e vê como inadequada toda introdução de aspectos relativos a
diferentes grupos sócio-culturais no currículo escolar, afirmando que
fragiliza a cultura comum e a coesão social. Segundo vários entrevistados, o
pensamento colonial ainda é dominante na sociedade, o que leva a enfatizar
e considerar como superior a lógica europeizante e de influência norte-
americana, e à pouca valorização das culturas originárias e/ou afro-
americanas. Outra causa apontada para a pouca presença da perspectiva
intercultural nas escolas foi a ausência do tema nos centros de formação de
professores/as. (p. 5)
Analisando esses fatores, compreendem-se as estreitas conexões com as relações de
poder. Teun A. van Dijk (2008, p. 16) atenta para essas relações quando diz que os discursos
são definidos pelos
líderes dos grupos dominantes, ou seja, aqueles que determinam a
direção ideológica na política, estabelecem a linha editorial na mídia,
desenvolvem o currículo dos livros didáticos e da educação, bem
como formulam as prioridades da pesquisa acadêmica ou investigação
judicial.
Nesse contexto, faz-se necessário uma política pedagógica e curricular intercultural
que vá além do reconhecimento das diferenças, que debata e questione; que não se limite a um
discurso pedagógico que reproduz o discurso e sistema de dominação hegemônica e racista.
Pois, como Van Dijk (2008, p. 21-22) bem nos fala:
9
Mais do que qualquer outro discurso, o discurso pedagógico define a
ideologia oficial e dominante, estabelecendo o conhecimento e
opinião oficial, sem dar lugar a debate ou controvérsia. É dessa forma
que muitas crianças, pela primeira vez, recebem informações sobre os
povos de outras partes do mundo, sobre imigração e imigrantes ou
sobre negros ou povos indígenas de outra parte da cidade, do país e do
continente. Até hoje, essas informações quase sempre são sucintas e,
não raramente tendenciosas.
O enfoque na interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação
e construção da sociedade precisa ser introduzido nas práticas pedagógicas e nos currículos,
principalmente, nos currículos de formação de professores. Embora, esse enfoque não esteja
muito presente nesses currículos, existe uma crescente produção de artigos, dissertações e
teses abordando questões interculturais na educação. Percebe-se, através de estudos, projetos,
reflexões e pesquisas, que o debate em torno dessa formação intercultural está ganhando, cada
dia mais, espaço nas sociedades latino-americanas. É nesse cenário que se fazem imperativas
intervenções para que as iniciativas políticas dos governos e da comunidade acadêmica, na
proposição de cursos de licenciatura, possam assegurar uma educação intercultural crítica e
que intervenha na transformação e construção da sociedade. E é, ao sugerir essas
intervenções, que o projeto de Doutorado, citado no início desse trabalho, tem sua
justificativa.
REFERÊNCIAS
ACHUGAR, Hugo. Qual é o lugar do intercultural latino-americano? Palestra proferida na
IX Jornadas Andinas de Literatura Latino-americana - América Latina: integração e
interlocução. Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2010.
ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Belo
Horizonte: UFMG, 2006.
CANDAU, Vera M.; KOFF, Adélia M. N. S. Conversas com... sobre a didática e a
perspectiva multi/intercultural. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 95, p. 471-493, maio/ago.
2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 20 Jan. 2014.
CANDAU, Vera M. Educação Intercultural na América Latina: tensões atuais. In: IX
Congresso Iberoamericano de História de educação latino-americana, 2009, UERJ, Rio de
Janeiro. IX CIHELA Educação, autonomia e identidades na américa latina. Rio de Janeiro:
Quartet, 2009. p. 1-12.
10
CANDAU, V. M.; RUSSO, K. Interculturalidade e educação na América Latina: uma
construção plural, original e complexa. Rev. Diálogo Educ., Abr. 2010, vol.10, nº. 29, p.151-
169.
CANDAU, V. M. Relatório da Pesquisa Universidade, Diversidade Cultural e Formação de
Professores. Rio de Janeiro: Departamento de Educação da PUC-RIO, 2003.
CONSELHO DA EUROPA. Livro branco sobre o diálogo intercultural – viver juntos em
igual dignidade. Estrasburgo, mai. 2008. Disponível em <
http://www.coe.int/t/dg4/intercultural/Source/Pub_White_Paper/WhitePaper_ID_Portug
ueseVersion2.pdf>. Acesso em: 20 Jan. 2014.
FLEURI, R. M. Interculturalidade e educação. In: Revista brasileira de educação, nº. 23,
maio, junho, julho e agosto, 2003. p. 16-35.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 7ª edição. São Paulo: Cortez editora, 1989
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8. ed. Rio de
Janeiro : Paz e Terra, 2002.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. 2 ed. Belo Horizonte: UFMG,
2013.
MAHER, T. M. Do Casulo ao Movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngüe e
intercultural. In M. C. Cavalcanti e S. M. Bortoni-Ricardo (orgs.) Transculturalidade,
Linguagem e Educação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007, p. 67-96.
MOTA, K. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo – novas perspectivas multiculturais
no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, K; SCHEYERL, D. (Org.). Recortes
interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 36-60.
ORTIZ, R. Mundialização e cultura. SP: Brasiliense, 1994.
PIZARRO, Ana. O sul e os trópicos: ensaios de cultura latino-americana. Rio de Janeiro:
EDUFF, 2006.
RAJAGOPALAN, K. ELT classroom as an arena for identity clashes. In: GARMAGNANI,
A.M.G. e GRIGOLETTO, M. (Org.). Inglês como língua estrangeira: identidade, práticas e
textualidade. São Paulo: USP, Humanitas, 2001. p. 70-90.
SILVA, Tomás Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T.
da (Org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, [2000] 2006. p. 73-102.
VAN DIJK, Teun. Racismo e Discurso na América Latina. São Paulo:Contexto, 2008.
WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder: um pensamiento y
posicionamiento outro desde la diferencia colonial. In: WALSH, C.; LINERA, A.;
MIGNOLO, W. Interculturalidad, descolonización del estado y del conocimiento. Buenos
Aires: Del Signo, 2006.
11
WALSH, Catherine. Interculturalidad y Educación Intercultural. In: Seminario
Interculturalidad y Educación Intercultural, organizado pelo Instituto Internacional de
Integración del Convenio Andrés Bello, La Paz, 9-11 de março de 2009. Disponível em <
https://docs.google.com/document/d/1GLTsUp2CjT5zIj1v5PWtJtbU4PngWZ4H1UUkNc4LI
dA/edit?pli=1> Acesso em: 10 Dez. 2013.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao lingua portuguesa
Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao   lingua portuguesaDireitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao   lingua portuguesa
Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao lingua portuguesa
Mirlene Marinho
 
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
ElieneDias
 
Apostia libras basico
Apostia libras basicoApostia libras basico
Apostia libras basico
mjlibras
 
Unidade 7 planejando o ensino para todos (2)
Unidade 7   planejando o ensino para todos (2)Unidade 7   planejando o ensino para todos (2)
Unidade 7 planejando o ensino para todos (2)
Naysa Taboada
 
A oralidade e a escrita prof roberta scheibe1
A oralidade e a escrita   prof roberta scheibe1A oralidade e a escrita   prof roberta scheibe1
A oralidade e a escrita prof roberta scheibe1
Roberta Scheibe
 
Apostila Libras Intermediario
Apostila Libras IntermediarioApostila Libras Intermediario
Apostila Libras Intermediario
asustecnologia
 

Mais procurados (13)

ELEMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA DEFINIÇÃO DOS DIREITOS DE APRENDIZ...
ELEMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA DEFINIÇÃO DOS DIREITOS DE APRENDIZ...ELEMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA DEFINIÇÃO DOS DIREITOS DE APRENDIZ...
ELEMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA DEFINIÇÃO DOS DIREITOS DE APRENDIZ...
 
Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao lingua portuguesa
Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao   lingua portuguesaDireitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao   lingua portuguesa
Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetizacao lingua portuguesa
 
Lpvol1
Lpvol1Lpvol1
Lpvol1
 
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
PNAIC - Direitos de aprendizagem em história
 
Caderno tematico 1
Caderno tematico 1Caderno tematico 1
Caderno tematico 1
 
Caderno memorias-literarias
Caderno memorias-literariasCaderno memorias-literarias
Caderno memorias-literarias
 
Pc ns em_parte_2
Pc ns em_parte_2Pc ns em_parte_2
Pc ns em_parte_2
 
Apostia libras basico
Apostia libras basicoApostia libras basico
Apostia libras basico
 
Unidade 7 planejando o ensino para todos (2)
Unidade 7   planejando o ensino para todos (2)Unidade 7   planejando o ensino para todos (2)
Unidade 7 planejando o ensino para todos (2)
 
A oralidade e a escrita prof roberta scheibe1
A oralidade e a escrita   prof roberta scheibe1A oralidade e a escrita   prof roberta scheibe1
A oralidade e a escrita prof roberta scheibe1
 
Apostila Libras Intermediario
Apostila Libras IntermediarioApostila Libras Intermediario
Apostila Libras Intermediario
 
Inter relacoes entre oralidade e escrita Caderno 5
Inter relacoes entre oralidade e escrita Caderno 5Inter relacoes entre oralidade e escrita Caderno 5
Inter relacoes entre oralidade e escrita Caderno 5
 
2º encontro
2º encontro2º encontro
2º encontro
 

Semelhante a PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdfEducação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
JOSEFLAVIODAPAZ
 
Apresentação modulo i
Apresentação   modulo iApresentação   modulo i
Apresentação modulo i
hsurdez
 
Lingua portuguesa para surdos lpvol1
Lingua portuguesa para surdos lpvol1Lingua portuguesa para surdos lpvol1
Lingua portuguesa para surdos lpvol1
Gunter Martin Wust
 
Neide gonzalez-documentos-legislacao
Neide gonzalez-documentos-legislacaoNeide gonzalez-documentos-legislacao
Neide gonzalez-documentos-legislacao
Eventos COPESBRA
 
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógicoA polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
Denise Medeiros
 
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos   Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos   Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
asustecnologia
 

Semelhante a PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL (20)

Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdfEducação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
Educação para as relações étnico-raciais - experiências e reflexões.pdf
 
Estratégias de ensino para escolas integrais.
Estratégias de ensino para escolas integrais.Estratégias de ensino para escolas integrais.
Estratégias de ensino para escolas integrais.
 
Educação intercultural e culturas da escola: diálogo entre teóricos e propost...
Educação intercultural e culturas da escola: diálogo entre teóricos e propost...Educação intercultural e culturas da escola: diálogo entre teóricos e propost...
Educação intercultural e culturas da escola: diálogo entre teóricos e propost...
 
Apresentação modulo i
Apresentação   modulo iApresentação   modulo i
Apresentação modulo i
 
Lingua portuguesa para surdos lpvol1
Lingua portuguesa para surdos lpvol1Lingua portuguesa para surdos lpvol1
Lingua portuguesa para surdos lpvol1
 
entre o ir e vir - revista espaço do curriculo.pdf
entre o ir e vir - revista espaço do curriculo.pdfentre o ir e vir - revista espaço do curriculo.pdf
entre o ir e vir - revista espaço do curriculo.pdf
 
Neide gonzalez-documentos-legislacao
Neide gonzalez-documentos-legislacaoNeide gonzalez-documentos-legislacao
Neide gonzalez-documentos-legislacao
 
2028 6878-1-pb
2028 6878-1-pb2028 6878-1-pb
2028 6878-1-pb
 
Educacao e diversidade
Educacao e diversidadeEducacao e diversidade
Educacao e diversidade
 
Apresentação2.pptx
Apresentação2.pptxApresentação2.pptx
Apresentação2.pptx
 
Tcc,pc ns e a transposição dos gêneros textuais
Tcc,pc ns e a transposição dos gêneros textuaisTcc,pc ns e a transposição dos gêneros textuais
Tcc,pc ns e a transposição dos gêneros textuais
 
ENTRE MOVIMENTOS INSTITUÍDOS E INSTITUINTES DE FORMAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR:...
ENTRE MOVIMENTOS INSTITUÍDOS E INSTITUINTES DE FORMAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR:...ENTRE MOVIMENTOS INSTITUÍDOS E INSTITUINTES DE FORMAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR:...
ENTRE MOVIMENTOS INSTITUÍDOS E INSTITUINTES DE FORMAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR:...
 
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógicoA polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
A polifonia no discurso publicitário como recurso pedagógico
 
Planejamento anual 2023 - para publicação.pdf
Planejamento anual 2023 - para publicação.pdfPlanejamento anual 2023 - para publicação.pdf
Planejamento anual 2023 - para publicação.pdf
 
PNAIC 2015 - Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade
PNAIC 2015 - Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidadePNAIC 2015 - Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade
PNAIC 2015 - Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade
 
Intérprete Bilíngue na educação Indígena.pptx
Intérprete Bilíngue na educação Indígena.pptxIntérprete Bilíngue na educação Indígena.pptx
Intérprete Bilíngue na educação Indígena.pptx
 
Ling port 1
Ling port 1Ling port 1
Ling port 1
 
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos   Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos   Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
Ensino De LíNgua Portuguesa Para Surdos Caminhos Para A PráTica PedagóGica ...
 
Ling port 1
Ling port 1Ling port 1
Ling port 1
 
04 ekalinovskitrabalhocompleto
04 ekalinovskitrabalhocompleto04 ekalinovskitrabalhocompleto
04 ekalinovskitrabalhocompleto
 

Último

Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptxResponde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
AntonioVieira539017
 
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
azulassessoria9
 
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.pptArtigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
RogrioGonalves41
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
azulassessoria9
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
sh5kpmr7w7
 

Último (20)

aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.pptaula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
 
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
 
APRESENTAÇÃO - BEHAVIORISMO - TEORIA DA APRENDIZAGEM.pdf
APRESENTAÇÃO - BEHAVIORISMO - TEORIA DA APRENDIZAGEM.pdfAPRESENTAÇÃO - BEHAVIORISMO - TEORIA DA APRENDIZAGEM.pdf
APRESENTAÇÃO - BEHAVIORISMO - TEORIA DA APRENDIZAGEM.pdf
 
TCC_MusicaComoLinguagemNaAlfabetização-ARAUJOfranklin-UFBA.pdf
TCC_MusicaComoLinguagemNaAlfabetização-ARAUJOfranklin-UFBA.pdfTCC_MusicaComoLinguagemNaAlfabetização-ARAUJOfranklin-UFBA.pdf
TCC_MusicaComoLinguagemNaAlfabetização-ARAUJOfranklin-UFBA.pdf
 
Cópia de AULA 2- ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS - LÍNGUA PORTUGUESA.pptx
Cópia de AULA 2- ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS - LÍNGUA PORTUGUESA.pptxCópia de AULA 2- ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS - LÍNGUA PORTUGUESA.pptx
Cópia de AULA 2- ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS - LÍNGUA PORTUGUESA.pptx
 
Historia de Portugal - Quarto Ano - 2024
Historia de Portugal - Quarto Ano - 2024Historia de Portugal - Quarto Ano - 2024
Historia de Portugal - Quarto Ano - 2024
 
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptxResponde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
 
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
 
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.pptArtigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
Artigo Científico - Estrutura e Formatação.ppt
 
Poesiamodernismo fase dois. 1930 prosa e poesiapptx
Poesiamodernismo fase dois. 1930 prosa e poesiapptxPoesiamodernismo fase dois. 1930 prosa e poesiapptx
Poesiamodernismo fase dois. 1930 prosa e poesiapptx
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
 
classe gramatical Substantivo apresentação..pptx
classe gramatical Substantivo apresentação..pptxclasse gramatical Substantivo apresentação..pptx
classe gramatical Substantivo apresentação..pptx
 
Polígonos, Diagonais de um Polígono, SOMA DOS ANGULOS INTERNOS DE UM POLÍGON...
Polígonos, Diagonais de um Polígono, SOMA DOS ANGULOS INTERNOS DE UM  POLÍGON...Polígonos, Diagonais de um Polígono, SOMA DOS ANGULOS INTERNOS DE UM  POLÍGON...
Polígonos, Diagonais de um Polígono, SOMA DOS ANGULOS INTERNOS DE UM POLÍGON...
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
 
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptxMonoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
 
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º anoCamadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
 
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptxSlides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
 
Aula 1 - Psicologia Cognitiva, aula .ppt
Aula 1 - Psicologia Cognitiva, aula .pptAula 1 - Psicologia Cognitiva, aula .ppt
Aula 1 - Psicologia Cognitiva, aula .ppt
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
 

PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

  • 1. 1 PROFESSORES EM EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO INTERCULTURAL Patrícia Argôlo Rosa (UESC)1 Marcia Paraquett2 RESUMO Este trabalho tem por finalidade discutir o tema que está sendo desenvolvido na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA): “A Formação Intercultural de Professores em Exercício do Curso Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI, do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC”. No ano de 2010, o Curso LEMI da UESC foi implantado para atender ao PARFOR, que é destinado aos professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96). Levando em consideração o contexto exposto acima, pretende-se, neste trabalho, apresentar algumas inquietações referentes a dois objetos da pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tal, questiona-se: Quem são esses professores? De onde eles falam? Que conhecimentos eles produzem? Que formação intercultural é concebida? Como, ainda, não existem resultados do estudo em pauta para apresentar, propõe-se, primeiramente, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em seguida, problematizar a formação intercultural no currículo. Palavras-chave: Professores em Exercício. Formação Intercultural. PARFOR. 1 INTRODUÇÃO No ano de 2010, o Curso de Língua Estrangeira Moderna/Inglês – LEMI da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC foi implantado para atender ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR, que é destinado aos professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (LEI 9.394/96). O referido curso obedece ao sistema de ensino presencial de creditação das 1 Doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador - BA. Professora Assistente de Língua Inglesa da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA. Endereço eletrônico: pattyarosa@gmail.com. 2 Orientadora - Professora Adjunto II da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço eletrônico: marciaparaquett@gmail.com.
  • 2. 2 disciplinas e objetiva, através do trinômio ação-reflexão-ação (FREIRE, 1989), estabelecer propostas próprias para uma reflexão maior sobre o “ser” professor da área de Língua Estrangeira (doravante LE). O Curso LEMI espera formar o estudante-professor não apenas para construção da sua prática pedagógica, mas para que esse estudante-professor possa relacionar teoria e prática, e com isto resolver problemas práticos e, nessa atividade, aprofundar e conscientizar o seu saber, como também auxiliar na utilização da reflexão como forma de ação para que este aprendiz encontre sentido e significado para o seu trabalho. E, ainda, diz no seu PPP (2009, p. 9) que “[...] quer ‘Formar’ um profissional autônomo, reflexivo, crítico, sensível e interculturalmente competente para tomar decisões, resolver problemas e conviver com o outro”. Compreender a sala de aula como um lugar onde as diferenças se encontram e onde se estabelecem trocas de diálogos de forma intercultural requer um ensino em que o estudo da cultura-língua seja um “[...] processo crítico e social de compreender outras culturas em relação a sua própria cultura” (MOTA, 2010, p. 48). Ao promover este processo, o professor de LE, estará, consequentemente, permitindo que o seu estudante reflita criticamente sobre o conhecimento adquirido e busque significados em um mundo onde os encontros comunicativos socioculturalmente diferentes se tornaram tão comuns. Sob essa perspectiva, o Conselho da Europa em seu Livro Branco sobre Diálogo Intercultural: viver juntos em igual dignidade3 (2008, p. 40) declara, As instituições de formação dos educadores devem criar instrumentos que assegurem a qualidade inspirados na educação para uma cidadania democrática, tendo em conta a dimensão intercultural, e desenvolver indicadores e ferramentas de auto-avaliação e de desenvolvimento pessoal a utilizar nos estabelecimentos educacionais. As instituições de formação dos educadores devem reforçar a educação intercultural e a gestão da diversidade no quadro da formação em exercício. 3 Livro publicado pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros do Conselho da Europa por ocasião da sua 118.a reunião ministerial em Estrasburgo, no dia 7 de Maio de 2008, com o objetivo de promover o diálogo intercultural entre as sociedades européias e entre a Europa e seus vizinhos. No prefácio da versão Portuguesa, o Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, diz que o Livro Branco constitui “um instrumento central de apoio à elaboração das Estratégias Nacionais para o Diálogo Intercultural, que a Aliança solicitou aos países membros para elaborar e adoptar, cobrindo as suas quatro principais áreas de actuação, a saber, a Educação, a Juventude, os Media e as Migrações. A meu ver, as recomendações do Livro Branco orientadas para a governação democrática da diversidade cultural, a cidadania participativa, o ensino e a aprendizagem de competências interculturais, a gestão dos espaços de diálogo intercultural e as relações internacionais cobrem um leque bastante completo de perspectivas que configuram a matriz da boa governação da diversidade cultural, que importará aprofundar e consolidar no futuro. (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p. 3- 4).
  • 3. 3 Nesse cenário, pontuam-se algumas inquietações da pesquisa de Doutorado, em andamento, do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, da Universidade Federal da Bahia (UFBA): O Curso LEMI/PARFOR/UESC e a Formação Intercultural de Professores em Exercício. O presente trabalho pretende apresentar as inquietações referentes a dois objetos da referida pesquisa: Professores em Exercício e a Formação Intercultural. Para tanto se propõe, primeiro, refletir sobre os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e históricos, que têm “interesses locais e concretos” (ACHUGAR, 2006), e, em seguida, problematizar a formação intercultural no currículo. 2 OS PROFESSORES EM EXERCÍCIO DO LEMI/PARFOR/UESC COMO SUJEITOS SOCIAIS E HISTÓRICOS Antes de iniciar a reflexão faz-se necessário dizer o que se entende por ‘Sujeito Social e Histórico’. Neste trabalho define-se ‘Sujeito Social e Histórico’ como um ‘ser’ que é humano; que é social e que possui uma historicidade; que está em uma contínua construção, transformação; que interage e se integra com os outros numa relação dialética; que se assumi como sujeito porque é capaz de se reconhecer como objeto (FREIRE, 2002). Ao entender os professores em exercício do LEMI/PARFOR/UESC como sujeitos sociais e históricos, percebe-se que no fazer em sala de aula, eles vão pensar e agir de acordo com suas trajetórias, que fazem parte de um processo sócio-histórico-cultural. Esses professores vão trazer consigo, os conhecimentos adquiridos como estudantes que vivenciaram e vivenciam a prática de seus professores e a troca de experiências com colegas e/ou outros profissionais, que no decorrer de suas trajetórias vão somando novos conhecimentos. Em outras palavras, esses professores trazem consigo uma história que é imprescindível para compreendê-los no fazer pedagógico. Nesse cenário, vislumbra-se o pensamento de Achugar (2006, p. 29) quando fala que “O sujeito social pensa, ou produz conhecimento, a partir de sua “história local”, ou seja, a partir do modo que “lê” ou “vive” a “história local”, em virtude de suas obsessões e do horizonte ideológico em que está situado”. Essa “história local”, segundo o autor, tem a ver com interesses locais concretos não universais, e, assim, remetendo para o contexto de formação de professores em exercício, observa-se que para compreender esses professores/sujeitos sociais e históricos é preciso entender que a história local de um professor não será a mesma história local de outro
  • 4. 4 professor, mesmo que ambos pertençam à mesma comunidade. E, que o posicionamento deles dentro de uma história local vai depender dos interesses locais concretos (ACHUGAR, 2006, p. 28-29). Ou seja, o modo como esses professores vivenciam ou lêem a sociedade a qual participam vai interferir na forma como atuam na sala de aula. Considerando que esses professores atuam a partir da experiência com o outro, Freire (2002, p. 19) vai falar que “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão do outro. É a 'outredade' do 'não eu', ou do tu que me faz assumir a radicalidade de meu eu”. E quem é o ‘Outro’? Segundo Achugar (2006, p. 32): O Outro, o Outro canibal ou bárbaro, o Outro objeto de um discurso, o Outro necessário para que o eu se constitua como sujeito, aparece e reaparece na construção das filiações ou, o que é a mesma coisa, da memória, seja individual, coletiva, pública, histórica ou oficial. Situar e filiar o Outro possibilita estabelecer o posicionamento de quem fala, possibilita projetar ou inventar memórias, possibilita construir passados ou apagar histórias. Reforçando a ideia, Silva (2000, p. 97) diz que “O outro é o outro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacionalidade, o outro é o corpo diferente”. O Outro faz o sujeito social e histórico se reconfigurar todo tempo. Dessa forma, a identidade do professor se constitui na relação com o outro em sua cotidianidade, demarcando seu posicionamento. Nesse sentido, Hall (2013, p. 479) diz: Mas é justamente por resultar de formações históricas específicas, de histórias e repertórios culturais de enunciação muito específicos, que ela pode constituir um "posicionamento", ao qual nós podemos chamar provisoriamente de identidade. Isto não é qualquer coisa. Portanto, cada uma dessas histórias de identidade está inscrita nas posições que assumimos e com as quais nos identificamos. Temos que viver esse conjunto de posições de identidade com todas as suas especificidades. Refletindo sobre esses professores em exercício, analisa-se que eles ao desempenharem o papel de ‘Professores’ vão revelar um ‘posicionamento’ que Hall (2013) chama de identidade, que “não é fixa, é sempre híbrida” (p. 479). Com isso, defende-se a ideia de que é preciso, primeiramente, questionar “quem são esses professores?” e assim revelar suas histórias, suas identidades, que são reflexos da definição desses sujeitos sociais e históricos. Partindo desse exposto, coaduna-se com Hugo Achugar (2010, p. 17-18) quando diz:
  • 5. 5 [...] Pois a identidade creio, se constitui, entre seus múltiplos modos e maneiras, em torno de uma situação ou de um posicionamento que um elege ou é posto pelas condições históricas e eleições pessoais. É dizer, um é ou pode ser muitas pessoas segundo como se situa frente ao fato, ao momento, ao interlocutor, ao desafio, à problemática, ao personagem que foi eleito representar ou foi concluído por ser ao cabo dos anos e das decisões voluntárias e involuntárias tomadas em ocasiões distintas.4 Nesse sentido, é importante entender que a identidade não é pronta nem acabada, e está sempre em processo de transformação. No contexto de sala de aula, Rajagopalan (2001) chama a atenção para as negociações e renegociações de identidades, que acontecem pela constante alternância de posições. São várias as situações que faz com que a pessoa mude constantemente, e com isso passe de uma a outra identidade continuamente. Corroborando com essa assertiva, Maher (2007, p. 89) afirma que: [...] Além de as identidades culturais não serem uniformes ou fixas, o que ocorre na sala de aula não é simples justaposição de culturas. Ao contrário: as identidades culturais nela presentes (tanto de professores, quanto de alunos) esbarram, tropeçam umas nas outras o tempo todo, modificando-se e influenciando-se continuamente, o que torna a escola contemporânea não o lugar de biculturalismos, mas de interculturalidades. E o que é interculturalidade? O conceito de Interculturalidade é complexo e abordado por diferentes áreas do conhecimento, como a antropologia, a sociologia, a psicologia, a linguística, a comunicação, entre outras. São inúmeras as produções científicas que apresentam, através dos estudos, projetos, reflexões e pesquisas, contribuições e intervenções para uma perspectiva intercultural, nos mais variados contextos. Essas discussões se apresentam motivadas por diferentes origens, entre elas, os processos imigratórios, os processos de reconhecimento de grupos minoritários (índios e afro- descendentes), a descolonização, a globalização5 , a tecnologia digital, os avanços na área da comunicação, que contribuem para a tomada de consciência, cada vez maior, de questões sobre a identidade, hegemonia, homogeneidade, diversidade e suas implicações étnicas, culturais e de relações de poder. 4 Tradução do original: “[...] Pues La identidad creo, se construye, entre sus múltiples modos y maneras, en torno a la situación o el pionamento que uno elije o es puesto por las condiciones históricas y la elecciones personales. És decir, uno ES o puede ser muchas personas según cómo se situa frente al hecho, el momento, el interlocutor, el desafio, la problemática, el personaje que há elegido representar o há terminado por ser el cabo de los años y las voluntarias e involuntárias decisiones tomadas em distintas ocasiones.” 5 Globalização é entendida segundo Renato Ortiz (1994, p. 16) quando diz que o termo está, fundamentalmente, relacionado “à economia, à produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial e voltada para um mercado mundial”.
  • 6. 6 A Interculturalidade como instrumento de democracia, integração, justiça e solidariedade; como instrumento de oposição à supremacia de umas culturas sobre as outras; e como instrumento para manter as diferenças sem subalternizações nem sobreposições e intolerâncias, tem uma forte relação com a Educação, pois ambas se constituem numa necessidade e exigência da sociedade atual. 3 A FORMAÇÃO INTERCULTURAL NO CURRÍCULO Concebendo a interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação e construção da sociedade, os conceitos das pesquisadoras Candau e Walsh são expostos para problematizar a formação intercultural no currículo. Candau (2003, p. 19) considera o interculturalismo Como um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões, favorecendo uma dinâmica de crítica e autocrítica, valorizando a interação e comunicação recíprocas, entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los. Walsh (2006, p. 21) conceitua interculturalidade como Mais do que um simples conceito de inter-relação, a interculturalidade assinala e significa processos de desconstrução de conhecimentos ‘outros’, de uma prática política ‘outra’, de um poder social ‘outro’, e de uma sociedade ‘outra’; formas diferentes de pensar e atuar em relação e contra a modernidade/colonialidade, um paradigma que é pensado através da prática política.6 Observa-se que a interculturalidade para essas duas autoras é entendida sob uma perspectiva ideológica e uma prática política e crítica. Walsh (2006) propõe outro paradigma para a interculturalidade, centrado no pensamento de(s)colonial; na “descolonização” do estado/da sociedade; no pensamento não baseado/centrado apenas nos legados europeus/ocidentais ou da modernidade. 6 Tradução do original: “Más que un simple concepto de interrelación, la interculturalidad señala y significa procesos de construcción de conocimientos “otros”, de una práctica política “otra”, de un poder social “otro”, y de una sociedad “otra”; formas distintas de pensar y actuar con relación a y en contra de la modernidad/colonialidad, un paradigma que es pensado através de la praxis política.”
  • 7. 7 Assim como Walsh (2006) e Candau (2006), Achugar (2006) questiona os conhecimentos e valores baseados, quase sempre, na cultura ocidental/européia, quando pergunta: Será verdade que não há só um discurso pós-colonial e que ele não permanece idêntico a si mesmo ao longo da história e através de línguas e culturas? Poderá ser que o “balbucio teórico” seja o lugar que o atual discurso pós-colonial anglo-saxão reserva para o discurso colonial em outras línguas? (p. 51) Como o próprio autor coloca “não há uma resposta simples” (p. 51). Esse “balbucio” pode ser interpretado como discurso de resistência, pode ser determinado pelo sujeito que fala ou pelo sujeito que escuta, pode ser o discurso teórico latino-americano ou o discurso do não euro-norte-americano ou, ainda, o discurso não-teórico do Commonwealth (ACHUGAR, 2006). Refletindo sobre as colocações do autor, questiona-se: será que existe uma fala de um lado e um “balbucio” do outro? Essa discussão reflete sobre o lugar de onde se fala ou se balbucia, nas relações de poder que existem e na importância de uma formação intercultural que oportunize esse debate e consequentemente suscite respostas. A formação intercultural, assim como a cultura deve ser situada “como um elemento estrutural da organização da sociedade, o nexo que a torne coesa e que precisa estar no centro das políticas públicas” (PIZARRO, 2006, p. 101). Essa formação não pode ser deixada de fora dos currículos. No âmbito educativo, a formação intercultural, segundo Candau & Russo (2010, p. 167) “não pode ser reduzida a uma mera incorporação de alguns temas no currículo e no calendário escolar”. Ela, conforme Fleuri (2003), deve ser entendida como um processo onde os diferentes sujeitos se relacionam de forma tensa e intensa, se conectam com os diferentes contextos culturais, desenvolvem suas respectivas identidades e a aprendizagem dos contextos adquirem significados. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao entender que a formação intercultural se constitui como eixo central da educação, indaga-se, primeiramente, se essa formação está presente nos currículos e, se está, como ela é concebida. De acordo com Walsh (2009, s/n), ela pode ser “funcional ao sistema dominante e outra, concebida como projeto político de descolonização, transformação e criação”.
  • 8. 8 Candau (2009, p. 4) explica que a interculturalidade funcional “é assumida como estratégia para favorecer a coesão social, assimilando os grupos sócio-culturais subalternizados à cultura hegemônica”. A autora coloca que é este enfoque que predomina na maioria dos países da América Latina que introduziu a interculturalidade nas políticas públicas. A segunda indagação se refere a quem se destina a formação intercultural. A formação intercultural é para uns/umas ou para todos/as? Segundo Candau (2009, p. 5), é destinado “aos grupos subalternizados, em geral étino-raciais, fundamentalmente indígenas e, com menor freqüência, afro-americanos. Eles são os “outros”, os “diferentes”, que devem ser integrados na sociedade nacional, na ótica da interculturalidade funcional.” De acordo com as pesquisas realizadas pela autora, a formação intercultural para todos/as ainda não é uma realidade, mediante os seguintes fatores: [...] a existência de um forte racismo na sociedade, muitas vezes velado e encoberto por um discurso que defende a mestiçagem, nega as diferenças culturais e vê como inadequada toda introdução de aspectos relativos a diferentes grupos sócio-culturais no currículo escolar, afirmando que fragiliza a cultura comum e a coesão social. Segundo vários entrevistados, o pensamento colonial ainda é dominante na sociedade, o que leva a enfatizar e considerar como superior a lógica europeizante e de influência norte- americana, e à pouca valorização das culturas originárias e/ou afro- americanas. Outra causa apontada para a pouca presença da perspectiva intercultural nas escolas foi a ausência do tema nos centros de formação de professores/as. (p. 5) Analisando esses fatores, compreendem-se as estreitas conexões com as relações de poder. Teun A. van Dijk (2008, p. 16) atenta para essas relações quando diz que os discursos são definidos pelos líderes dos grupos dominantes, ou seja, aqueles que determinam a direção ideológica na política, estabelecem a linha editorial na mídia, desenvolvem o currículo dos livros didáticos e da educação, bem como formulam as prioridades da pesquisa acadêmica ou investigação judicial. Nesse contexto, faz-se necessário uma política pedagógica e curricular intercultural que vá além do reconhecimento das diferenças, que debata e questione; que não se limite a um discurso pedagógico que reproduz o discurso e sistema de dominação hegemônica e racista. Pois, como Van Dijk (2008, p. 21-22) bem nos fala:
  • 9. 9 Mais do que qualquer outro discurso, o discurso pedagógico define a ideologia oficial e dominante, estabelecendo o conhecimento e opinião oficial, sem dar lugar a debate ou controvérsia. É dessa forma que muitas crianças, pela primeira vez, recebem informações sobre os povos de outras partes do mundo, sobre imigração e imigrantes ou sobre negros ou povos indígenas de outra parte da cidade, do país e do continente. Até hoje, essas informações quase sempre são sucintas e, não raramente tendenciosas. O enfoque na interculturalidade como projeto político de intervenção, transformação e construção da sociedade precisa ser introduzido nas práticas pedagógicas e nos currículos, principalmente, nos currículos de formação de professores. Embora, esse enfoque não esteja muito presente nesses currículos, existe uma crescente produção de artigos, dissertações e teses abordando questões interculturais na educação. Percebe-se, através de estudos, projetos, reflexões e pesquisas, que o debate em torno dessa formação intercultural está ganhando, cada dia mais, espaço nas sociedades latino-americanas. É nesse cenário que se fazem imperativas intervenções para que as iniciativas políticas dos governos e da comunidade acadêmica, na proposição de cursos de licenciatura, possam assegurar uma educação intercultural crítica e que intervenha na transformação e construção da sociedade. E é, ao sugerir essas intervenções, que o projeto de Doutorado, citado no início desse trabalho, tem sua justificativa. REFERÊNCIAS ACHUGAR, Hugo. Qual é o lugar do intercultural latino-americano? Palestra proferida na IX Jornadas Andinas de Literatura Latino-americana - América Latina: integração e interlocução. Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2010. ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Belo Horizonte: UFMG, 2006. CANDAU, Vera M.; KOFF, Adélia M. N. S. Conversas com... sobre a didática e a perspectiva multi/intercultural. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 95, p. 471-493, maio/ago. 2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 20 Jan. 2014. CANDAU, Vera M. Educação Intercultural na América Latina: tensões atuais. In: IX Congresso Iberoamericano de História de educação latino-americana, 2009, UERJ, Rio de Janeiro. IX CIHELA Educação, autonomia e identidades na américa latina. Rio de Janeiro: Quartet, 2009. p. 1-12.
  • 10. 10 CANDAU, V. M.; RUSSO, K. Interculturalidade e educação na América Latina: uma construção plural, original e complexa. Rev. Diálogo Educ., Abr. 2010, vol.10, nº. 29, p.151- 169. CANDAU, V. M. Relatório da Pesquisa Universidade, Diversidade Cultural e Formação de Professores. Rio de Janeiro: Departamento de Educação da PUC-RIO, 2003. CONSELHO DA EUROPA. Livro branco sobre o diálogo intercultural – viver juntos em igual dignidade. Estrasburgo, mai. 2008. Disponível em < http://www.coe.int/t/dg4/intercultural/Source/Pub_White_Paper/WhitePaper_ID_Portug ueseVersion2.pdf>. Acesso em: 20 Jan. 2014. FLEURI, R. M. Interculturalidade e educação. In: Revista brasileira de educação, nº. 23, maio, junho, julho e agosto, 2003. p. 16-35. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 7ª edição. São Paulo: Cortez editora, 1989 FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8. ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2002. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. 2 ed. Belo Horizonte: UFMG, 2013. MAHER, T. M. Do Casulo ao Movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngüe e intercultural. In M. C. Cavalcanti e S. M. Bortoni-Ricardo (orgs.) Transculturalidade, Linguagem e Educação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007, p. 67-96. MOTA, K. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo – novas perspectivas multiculturais no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, K; SCHEYERL, D. (Org.). Recortes interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 36-60. ORTIZ, R. Mundialização e cultura. SP: Brasiliense, 1994. PIZARRO, Ana. O sul e os trópicos: ensaios de cultura latino-americana. Rio de Janeiro: EDUFF, 2006. RAJAGOPALAN, K. ELT classroom as an arena for identity clashes. In: GARMAGNANI, A.M.G. e GRIGOLETTO, M. (Org.). Inglês como língua estrangeira: identidade, práticas e textualidade. São Paulo: USP, Humanitas, 2001. p. 70-90. SILVA, Tomás Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T. da (Org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, [2000] 2006. p. 73-102. VAN DIJK, Teun. Racismo e Discurso na América Latina. São Paulo:Contexto, 2008. WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder: um pensamiento y posicionamiento outro desde la diferencia colonial. In: WALSH, C.; LINERA, A.; MIGNOLO, W. Interculturalidad, descolonización del estado y del conocimiento. Buenos Aires: Del Signo, 2006.
  • 11. 11 WALSH, Catherine. Interculturalidad y Educación Intercultural. In: Seminario Interculturalidad y Educación Intercultural, organizado pelo Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, La Paz, 9-11 de março de 2009. Disponível em < https://docs.google.com/document/d/1GLTsUp2CjT5zIj1v5PWtJtbU4PngWZ4H1UUkNc4LI dA/edit?pli=1> Acesso em: 10 Dez. 2013.