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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
CAMPUS XIV
LIVRO-REPORTAGEM
EU COMUNICO, NÓS COMUNICAMOS: A COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA PROTAGONIZADA POR JOVENS NO
TERRITÓRIO DO SISAL
CONCEIÇÃO DO COITÉ
2013
1
Camila Oliveira Santos
EU COMUNICO, NÓS COMUNICAMOS: A COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA PROTAGONIZADA POR JOVENS NO
TERRITÓRIO DO SISAL
CONCEIÇÃO DO COITÉ
2013
2
Santos, Camila Oliveira
S237j Eu comunico, nós comunicamos: a comunicação comunitária
Protagonizada por jovens no território do sisal --/ Camila
Oliveira Santos. Conceição do Coité: O autor, 2013.
89fl.; 30 cm.
Orientador: Profª. MS. Nísia Rizzo de Azevedo.
Trabalho de Conclusão de curso - TCC (Graduação) –
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação,
Conceição do Coité, 2013
1. Juventude. 2. Comunicação. 3. Protagonismo
4. Território. I. Nísia Rizzo de Azevedo.
II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Educação – Campus XIV. III. Título.
CDD 305.235 -- 20 ed.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Departamento de Educação – Campus XIV - UNEB
3
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS -------------------------------------------------------------------------------------04
APRESENTAÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------06
MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DO SISAL ------------------------------------07
I- SEMEANDO HISTÓRIAS DE TRANSFORMAÇÃO -----------------------------------------08
1- Em sintonia com a comunidade ----------------------------------------------------------09
2- O Artilheiro do Rádio ---------------------------------------------------------------------22
3- Mais que uma jornalista, uma educadora popular ------------------------------------31
4- Comunicação comunitária, um desafio em busca da sustentabilidade --------------38
II-JOVENS LÍDERES E ENGAJADOS ------------------------------------------------------------45
1- Comunicação e Participação -------------------------------------------------------------46
2- Comunicar para se desenvolver ---------------------------------------------------------53
3- Comunicação e Participação Social ----------------------------------------------------58
4- Em defesa dos Direitos das Crianças e Jovens ----------------------------------------65
III-PROTAGONISTAS DE UM NOVO TEMPO -------------------------------------------------74
1- A voz jovem de Ribeira ------------------------------------------------------------------75
2- Voz ativa na zona rural de Quijingue --------------------------------------------------80
IV- CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------87
4
SIGLAS
ADR – Agentes de Desenvolvimento Rural
APAEB-Araci – Associação dos Agricultores Familiares do Município de Araci
APAEB-Serrinha - A Associação dos Pequenos Agricultores Familiares do município de
Serrinha
ABRAÇO-SISAL – Associação de Rádios e Tv’s Comunitárias do Território do Sisal
AMAC- Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura
ASCOOB- Associação das cooperativas de Apoio a Economia Familiar
ANDI- Agência Nacional dos Direitos da Infância
AMPPM – Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Miranda
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações CPD- Comunicação Pelos Direitos
CMJS- Coletivo Municipal de Jovens de Santaluz
CRJPS- Coletivo Regional de Juventude e Participação Social
CEAIC- Centro de Apoio aos Interesses Comunitários
CMDCA- conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CEMINA – Comunicação, Educação, Informação e Gênero
CODES- Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região do Sisal
DENTEL- Departamento Nacional de Telecomunicações
DSTS – Doenças Sexualmente Transmissíveis
DISOP-Brasil – Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para o Desenvolvimento Social
FATRES- Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares da Região
do Sisal e Semiárido da Bahia
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
JAPES- Jornada Avaliativa de Projetos Econômicos Educativos e Sociais
MOC – Movimento de Organização Comunitária
5
MEC- Ministério da Educação
MCP- Movimento de Comunidades Populares
MDA-Ministério do Desenvolvimento Agrário
PETI- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PEJR- Programa Empreendedorismo do Jovem Rural
PCJ – Projeto Comunicação pelos Direitos
PROUNI- Programa Universidade para Todos
P1MC – Programa 1 Milhão de Cisternas
SETRAS – Secretaria de Trabalho e Ação Social
SEAS – Secretaria de Estado e Ação Social
SISU- Sistema de Seleção Unificada
UNICEF- Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNICAFES-Bahia - União de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do
Estado da Bahia
UNEF- Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana
UNEB- Universidade do Estado da Bahia
UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana
UFBA- Universidade Federal da Bahia
UNIRR – União e Inclusão em Redes de Rádio
6
APRESENTAÇÃO
Esta produção revela a inserção dos jovens do Território do Sisal nos mais diversos
espaços de proposição das politicas públicas em diferentes espaços. Seu principal objetivo é
mostrar, a partir de uma coletânea de perfis jornalísticos, as histórias de vida dos jovens
protagonistas da comunicação comunitária no Território.
Para chegar à proposta deste livro, busquei inspiração em diversas experiências em
comunicação comunitária espalhadas pelo Território do Sisal e que têm a participação efetiva
de jovens. Estamos falando de jovens que têm uma marca significativa em suas comunidades
de origem, por viverem em municípios rurais, serem filhos de agricultores, conviverem dia-a-
dia com as limitações de chuvas e, mesmo assim, conseguirem se sobressair diante dos
desafios e criar alternativas para a melhoria das condições de vida de suas famílias, buscando
obter acesso e intervenção nos processos de implementação de políticas públicas.
Em todas essas experiências, o protagonismo juvenil marca não apenas a participação
de jovens no processo de construção da comunicação, como também na permanência e
inserção de novos atores na reconfiguração desse processo que consideramos em constante
desenvolvimento.
A participação dos jovens no campo da comunicação comunitária amplia as
oportunidades de se desenvolverem e, consequentemente, fortalece sua capacidade de
escolher, por se tratar de uma ferramenta de mobilização e inserção de adolescentes e jovens.
Neste livro, terão dez histórias de vida narradas, espera-se que as histórias propiciem o
conhecimento acerca do papel social da juventude organizada do Território do Sisal, cujo
exemplo venha a se tornar uma referência para outros jovens e para as organizações das quais
eles participam. Sobretudo, espera-se que o testemunho deles contribua para o
desenvolvimento de outras práticas educativas e comunicativas.
7
8
Capítulo I
SEMEANDO HISTÓRIAS DE TRANSFORMAÇÃO
9
EM SINTONIA COM A COMUNIDADE
“Fazer comunicação comunitária é estar em sintonia com a comunidade e eu posso dizer que
a minha vida está toda dedicada a isso”, Edisvânio Nascimento.
Quando eu cheguei à Rádio Santaluz FM, na manhã de quarta feira-feira, 18 de setembro,
Edisvânio Nascimento já estava a minha espera depois de já ter apresentado o programa
“Manhã Legal” e preparado todo o jornal para ir ao ar ao meio dia. É sempre prazeroso o
abraço com que me recebe ao longo dos nove anos em que nos conhecemos, anos que não
foram suficientes para eu conhecer toda a sua história até ocorrer essa conversa de pouco mais
de uma hora.
Edisvânio do Nascimento Pereira, 35 anos, é diretor executivo da rádio comunitária Santaluz
FM, premiado pelo Unicef e pela Agência Andi e membro titular do Conselho Estadual de
Comunicação. O jovem nasceu em berço humilde, em uma fazenda chamada Boa Vista, no
município de Quijingue, a 322 km da capital Salvador e a 136 km de Conceição do Coité, na
região sisaleira da Bahia. Quijingue é uma palavra indígena originada dos kiriris e significa
caatinga fechada, estas tribos ainda predominam nos limites entre o município e as cidades de
Ribeira do Pombal, e Banzaê no sertão baiano.
Filho de lavrador Marcelino do Nascimento Pereira e doméstica Josefa Soares de Matos
Pereira, portador de baixa visão desde o nascimento e como consequência disso, foi vítima de
perversas formas de violência e preconceito. Nenhum destes desafios superou sua vontade de
vencer na vida.
10
Sua trajetória de desafios, alegrias, tristezas e conquistas começou aos sete anos de idade,
quando passou a frequentar a escola.
- Pra mim, foi um grande feito poder ir para a escola com essa idade, primeiro porque
Quijingue, há 28 anos, era muito subdesenvolvido, com IDH muito baixo em relação ao que
se tem hoje. E eu era nascido na zona rural, de família humilde e com problema na visão. O
que esperar de uma situação como essa?
Foi na Escola Municipal da Fazenda Sítio, ainda em Quijingue, que Edisvânio vivenciou seis
anos até concluir a terceira série, tendo que parar por três anos intercalados pelas limitações
na visão e para buscar tratamento em decorrência de fortes dores de cabeça e nos olhos. Foi
nesta mesma escola que o jovem vivenciou também os impactos do tratamento
preconceituoso por parte dos alunos e até dos pais de alunos que visitavam a escola. Numa
época em que uma mesma cadeira era ocupada por dois alunos, muitos se negavam a sentar ao
lado de Edisvânio. Restava-lhe apenas a companhia do irmão mais velho, Edilson do
Nascimento Pereira, que logo avançou no estudo e teve que mudar de turno.
Durante nossa conversa, Edisvânio falou pausadamente, das formas de violência e
descriminação que sofria na escola, na medida em que retirava os óculos para secar as
lágrimas que não foi possível segurar depois de recordar o passado. Os momentos que
marcaram a passagem de Edisvânio nessa escola foram as datas comemorativas, pois na
maioria ele ficava de fora. Aos 13 anos, uma semana antes da comemoração do Dia do
Estudante, em 1991, Edisvânio garantiu à professora que faria uma apresentação.
- A professora me perguntou: o que você vai apresentar?
-Ainda não sei, mas eu vou apresentar, respondi.
Ao chegar em casa, trancou-se no quarto e rejeitou o almoço com a desculpa de que estava
com dor de cabeça, que era a rotina de Edisvânio em função do problema na visão.
-Mas a verdade é que, naquele dia, eu não sentia dor de cabeça, eu estava fazendo um
desabafo. Foi nesse dia que nasceu a minha primeira poesia, “O deficiente visual”, que levei
para apresentar na semana seguinte. E quando eu disse que ia apresentar, foi motivo de
chacota.
“O deficiente visual” emocionou todos os que estavam presentes na comemoração e também
serviu para quebrar as barreiras que impediam os colegas de se aproximarem de Edisvânio. A
partir daquele dia, houve adesão ao quadro de amigos.
11
A quarta série do ensino fundamental era oferecida em uma escola de outro povoado, a 4 km
de sua casa. Edisvânio ia andando todas as tardes, no calor da seca de 1993, mas no primeiro
dia levou consigo o drama maior que viveu nos anos anteriores.
- Quando eu chegar lá, o que vai ser de mim? Vou sofrer!, pensava ele.
Mas foi surpreendido na Escola Municipal da Fazenda Alto Alegre, sendo acolhido pelos
colegas e pela professora Lucia, da qual recorda com apreço. Nesse período, Edisvânio já
gostava de escrever e arriscava algumas notas no violão. O ciclo de amizades fortaleceu o
jovem, mas depois que o ano acabou, a quinta série era oferecida no município apenas em
escola particular. Por isso, mudou-se para Santaluz, em 1994, levado pelo tio materno,
Cornélio de Matos. Em função da falta de recursos para se submeter a um tratamento em São
Paulo, mais uma vez teve que recuar devido às fortes dores nos olhos.
- Quando eu concluí o ensino médio, já tinha 23 anos de idade, em decorrência dessas
paradas, de não estudar porque o olho doía, o óculos não dava conta de atender a minha
situação e eu tive que parar mesmo.
Quando voltou a estudar, Edisvânio foi vítima das mais violentas formas de discriminação.
“Eu tomei de tapa, cuspe, me atiravam bola de papel, furada de caneta... foi uma violação
absurda e eu não podia fazer muita coisa, eu ia para a direção da escola”, conta. Depois de
uma pausa, ele continua: “Adolescente, com 16 anos e com desejo de vencer, cada vez que eu
ia à direção da escola, a professora Vanda, dizia que ia chamar meu tio, que era responsável
por mim e eu implorava que não o chamasse”.
- Por que não?
- Porque se ela chamasse meu tio, minha mãe ia saber e ia me tirar da escola e me levar de
volta para Quijingue, porque a intenção dela era me proteger, mas eu queria muito estudar, se
eu voltasse iria parar minha vida porque lá a gente não tinha condições.
A professora Vanda que ouvia atentamente as lamentações de Edisvânio e o aconselhava foi à
mesma que ele adotou como madrinha, pelos dogmas religiosos da Igreja Católica, e por
quem diz ter muito apreço. “Foi pra mim uma mãe”.
Além da professora, outro aliado de Edisvânio Nascimento foi o colega de turma, Frank, que
ao presenciar as agressões interferiu, dizendo que ninguém poderia fazer aquilo com o “Mano
Edi”.
12
- É assim que ele me chama até hoje. Todo mundo temia Frank, na época ele era faixa
marrom de karatê, pegou em meu braço e saiu andando comigo no corredor da escola e
naquele momento eu me senti forte. Desde então, eu só saia da escola com Frank e ele me
acompanhava até próximo de casa, um grande amigo.
Nas escolas por onde Edisvânio passou, não cometeu nenhum ato de indisciplina, ainda que
tivesse motivos para isso. Afinal, agressões físicas e psicológicas sempre o acompanharam.
Em Santaluz, a rotina do jovem se resumia a ouvir rádio, ir para a escola e a biblioteca, onde
lia todas as manhãs. Foi na biblioteca que conheceu o poeta de Santaluz, Nelci Lima da Cruz.
Dois anos depois, em 1996, Edisvânio lançou seu primeiro cordel, chamado "Fim dos
Tempos". O jovem passou a gostar de literatura de cordel ouvindo no rádio. Os anos 90
proporcionavam muito esse espaço para repentistas e cordelistas nas emissoras. Foram muitos
os cordéis que Edisvânio escreveu, mas apenas dois foram publicados.
Depois de ficar conhecido e ser chamado a apresentar no pátio da escola, também passou a ser
“cupido” para muitos rapazes da escola que utilizavam suas poesias para conquistar as
meninas. Em 1998, lançou “A luta de Zé Luiz pelo amor de Rosinha”, o cordel foi inspirado
na lembrança dos “causos” e casos de antigos casamentos obrigados pelos pais e conta a
história de jovem pobre que luta pelo amor de uma moça que era filha de um coronel
fazendeiro, cujos nomes são fictícios e de identidade do nordeste. Mas a pretensão dele ainda
é publicar o primeiro poema que escreveu, aos 13 anos, com a pretensão de desabafar o que
sentia ao ser discriminado.
- “Quem dera eu poder enxergar,
para ver as crianças
e pra ver o fruto do pomar.
Quem dera eu poder enxergar bem,
pra sorrir e cantar e andar com você também...”
Era mais ou menos assim, eu tenho até hoje guardado.
Além da literatura de cordel, outro fator que permitiu Edisvânio estar ao lado dos colegas foi
o movimento estudantil, no início de 1997. Inquieto com os direitos estudantis esquecidos, ele
se uniu aos colegas para cobrar dos representantes a melhoria na qualidade do Centro
Educacional Nilton Oliveira Santos (Cenos). Naquele período, a intervenção do jovem junto
aos colegas foi cobrar a construção de salas de aula e de vídeo, instalação de bebedouros e
transporte para os alunos que, até o final de 1997, usavam paus-de-arara.
13
Edisvânio chegou à presidência do grêmio estudantil em 2000, disputou a eleição na escola
onde estudavam cerca de 3000 alunos e só deixou o grêmio após concluir o ensino médio, em
2001. O envolvimento no movimento estudantil permitiu o diálogo com outras organizações
sociais do município, sindicatos, associações e cooperativas que já enxergavam o potencial do
jovem e o indicaram para o movimento de radiodifusão.
O movimento de Rádio Comunitária nasceu um pouco antes do movimento estudantil, em
1996, nos municípios de Valente e Tucano. Ambos os municípios colocaram rádios no ar em
1997. Nesse período, outros municípios já discutiam as viabilidades de também terem uma
rádio comunitária. Para ter um programa de rádio, as entidades pagavam um salário mínimo e
ainda eram censuradas, precisavam divulgar a política do Peti (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil) e fazer as denúncias de exploração do trabalho infantil. Mas as denúncias
eram vetadas nas rádios comerciais, porque havia empresários ligados a governos. O Peti
nasceu em Retirolândia, em 1998, para conter a exploração de crianças trabalhando no sisal e
depois em Santaluz, com as crianças trabalhando nas pedreiras. No mesmo ano, o movimento
começou ganhar corpo e as entidades se reuniam para discutir políticas de comunicação.
As rádios comunitárias, a exemplo da Arcos FM que hoje é Estrela FM de Retirolândia, e
Santaluz FM, surgem nesse mesmo período e foram o primeiro canal de expressão dos
movimentos sociais para denunciar o trabalho infantil e mobilizar a comunidade.
Ouvindo as rádios Sociedade da Bahia, a rádio Globo do Rio de Janeiro e a Nacional de
Brasília, Edisvânio ficava imitando os locutores e alimentando o sonho de um dia poder ser
um deles. Sua meta era terminar os estudos e um dia trabalhar numa rádio. Ele só não sabia
que essa rádio seria a comunitária Santaluz FM.
Quando a associação foi criada, em 21 de maio de 1998, Edisvânio foi convidado pelo então
amigo, Manoel de Leia, para fazer parte do quadro de comunicadores. Ao chegar à rádio, em
18 de julho do mesmo ano, pensava que estava indo fazer um treinamento, mas a surpresa foi
maior.
- Não houve treinamento para ninguém. Ninguém sabia de nada. Tanto que a concepção de
todas as rádios era de que dando entrada no Departamento Nacional de Telecomunicações
(Dentel), já poderiam estar autorizadas a funcionar.
14
O primeiro horário de Edisvânio na rádio foi das nove e trinta às onze horas da manhã,
quando o jovem começou a informar e dar voz à comunidade com o auxilio de um deck de
fita e um de CD.
- Pulava mais do que tocava. Sorriu.
A primeira pessoa que entrevistou foi José Paulo Ferreira, uma das lideranças politicas e dos
movimentos sociais da região, para falar dos festejos e das comemorações do aniversário da
cidade. “Eu termia de nervoso”, conta Edisvânio. “Mas eu sempre ouvia entrevistas na rádio,
ouvia os grandes entrevistadores em rádio AM, que pra mim era uma boa escola, mas eu falo
de rádio AM que se preza”, conclui, sorrindo.
José Paulo na época também fazia parte da diretoria da rádio e admirou a postura de
Edisvânio. Ao finalizar a entrevista, o jovem foi questionado por José Paulo, se já havia
trabalhado em alguma rádio.
- Nunca! – respondeu.
Quando o Movimento de Organização Comunitária (Moc) iniciou o processo de assessoria às
rádios, em 1999, Edisvânio participava das capacitações e logo tomou gosto pela área
jornalística. Passou a denunciar também a exploração infantil e irregularidades na gestão das
politicas publicas no município. Consequentemente, começou a ser perseguido e ameaçado.
As dificuldades desse período remetiam também à estrutura decadente da Santaluz FM.
Edisvânio apresentava o jornal com a estrutura de um deck de fita das antigas vitrolas, um
toca CD e um relógio com uma fonte tão minúscula que lhe permitia errar a hora todos os
dias, além das cartas anônimas que recebia chamando-o de fracassado.
-Você pensou em desistir?
- Sim, em vários momentos. Mas eu pensava: “Se eu já vim até aqui, vou continuar!”. Mas
foram bem marcantes os três primeiros anos, de muito preconceito externo e interno, por parte
de alguns colegas que também não entendiam as minhas limitações. Muita gente me carregou
nos braços, mas outros queriam me atirar ladeira abaixo.
Edisvânio faz questão de lembrar e de reconhecer que deve muito a sua formação e caráter
aos pais, que desde cedo lhe ensinaram esses valores. E a outra parte do que ele é hoje é fruto
desse processo de formação em radiodifusão comunitária.
15
- A comunicação comunitária me mostrou a cada dia que eu precisava me tornar ainda mais
humano, ouvir as queixas das pessoas, as dores, os dramas, os choros, as perdas, as
lamentações, mas também partilhar as alegrias, sorrisos e abraços. Esse foi um processo que
me ensinou a entender que o trabalho com rádio precisa ser mais humanizado.
Mas os desafios não acabaram, na verdade apenas começaram. Edisvânio é o arquivo vivo de
quem sofreu ameaças e perseguições por defender os direitos dos cidadãos e a liberdade de
expressão. Sua principal bandeira na rádio ainda é a garantia dos direitos das crianças e
adolescentes. Eu o conheci em 2002, no Seminário Regional de Comunicação, em Valente.
Estreitamos o contato quando entrei no projeto Comunicação Juvenil, em 2004.
Entre estes dois anos ocorreram dois exemplos emblemáticos das torturas. Em 2002 ele foi
obrigado por uma delegada da Policia Federal a entrar na viatura onde ficou das 10 horas da
manhã até às 18 horas, sendo obrigado a procurar um dos diretores da rádio, que não se
encontrava na cidade. Não existia naquele período na cidade nenhum sistema de telefonia
móvel. Edisvânio também não possuía telefone celular.
Pior do que passar todas essas horas preso na viatura, foi suportar as ameaças feitas a ele. No
carro estavam a delegada, um oficial da Policia Federal e um agente da Anatel.
- Eu tentava ser brando a todo o momento, eu não falava nem nesse tom que eu estou falando
com você agora. Ameaçaram me levar para Salvador e eu disse que podiam me levar, porque
eu estava perdido. Foram situações difíceis. Não cheguei a ser agredido fisicamente. O pior
foram as ameaças e torturas psicológicas, do tipo: “Se sairmos daqui e pegarmos a estrada,
você tem ideia do que pode acontecer com você?” Ela olhava para os colegas na viatura,
depois olhava pra mim e dizia: “Eu não tenho pressa.” Eu me sentia impotente e ao mesmo
tempo um bandido. E foi assim até o cair da noite, quando ela me liberou e disse: “Vá
embora, mas vá sabendo que estamos de olho em você!”
Em 2004, Edisvânio foi submetido ao mesmo procedimento, desta vez não em uma viatura,
mas em um carro comum. Ele participava de um evento do Unicef, em Salvador, que tratava
justamente do papel da comunicação comunitária para a garantia dos direitos da criança e do
adolescente. Ao retornar a Santaluz, cheio de expectativas, quando desceu do ônibus foi
abordado por uma pessoa que lhe questionou:
- É você que é Edisvânio Nascimento?
- Primeiramente, bom dia! Da parte de quem? Respondeu
16
- Polícia Federal. Disse o delegado, apontando o distintivo.
O delegado logo tratou de informar que havia uma denúncia de uma “rádio pirata” usada por
ele. É assim o termo usado por muitas autoridades quando se referem à rádio comunitária.
- O senhor tem mandado de busca e apreensão? Perguntou.
-Muito bem, aqui está! Disse o delegado, mostrando o documento.
Quando Edisvânio pediu que esperassem ir em busca da chave da rádio, o delegado o obrigou
a entrar no carro.
Depois de lutar por direitos, justiça social, falar de irregularidades e buscar um mundo
melhor para os meninos e meninas, o jovem se sentiu um marginal quando entrou no carro e
viu as armas ocupando o espaço onde ele mal podia colocar os pés. A lembrança do episódio,
mais uma vez, encobriu Edisvânio de emoção.
-Eu fiquei me perguntando: “Deus, onde eu estou afinal? Que leis são essas e que mundo é
esse?” Chorou.
Naquele momento, também fiquei sem palavras. Apesar de conhecer este fato, foi a primeira
vez que ouvi ele contar em detalhes. Fatos semelhantes também ocorreram com os
comunicadores Tony Sampaio, na rádio Valente FM, ao ser agredido pela Policia Federal; e
Amarilson Brandão, de Retirolândia, que saltou um muro de três metros para não ser agredido
pelos policiais federais que queriam arrombar a porta de acesso à rádio. Logo após a
abordagem de Edisvânio pelo delegado, a Santaluz FM teve de ser fechada, pois a Polícia
Federal apreendeu todos os equipamentos.
O desgaste da imagem do radialista e da repercussão que o fato gerou no município também
foram fatores que abalaram Edisvânio. Muitos deles foram plantados por políticos,
empresários e pessoas da sociedade, que acreditavam que ele estava errado. A solução para
evitar esses problemas foi antecipar a retirada da rádio do ar até que tivesse um resultado do
processo. Quando a Policia Federal e a Anatel voltaram a Santaluz para fechar a rádio
comunitária, no final de maio de 2007, já a encontraram fora do ar.
Até que saísse um resultado do processo que tramitava no Ministério das Comunicações,
Edisvânio foi responsável por manter o diálogo com a comunidade, mesmo com a rádio fora
do ar. O contato com a população e a representação da Santaluz FM continuaram existindo na
região e no município. Nesse período, início de 2007, enquanto o governo se voltava contra o
trabalho da rádio e, por que não dizer, dos comunicadores, existia uma ong com atuação
17
internacional apostando no trabalho da Santaluz FM. A rádio estava com um projeto aprovado
pela Brasil Foundation, uma organização não-governamental que apoia iniciativas da
sociedade civil brasileira que promovem o desenvolvimento e a transformação social. O
projeto, “Partilhando Comunicação com a Comunidade”, objetivou o fortalecimento de
aspectos que interferiam na proposta de saberes e novos conhecimentos, além de intervir na
formação na formação cultural e educativa de indivíduos.
Foi no mesmo ano também que Edisvânio recebeu da Agência Nacional dos Direitos da
Infância (Andi), em Brasília, o prêmio Jornalista Amigo da Criança. Mesmo não sendo
jornalista por formação, o jovem foi premiado pelo reconhecimento de seu trabalho em prol
da garantia dos direitos das crianças e adolescentes do Território do Sisal. Na ocasião, utilizou
um discurso inflamado devido às últimas ocorrências.
- Me sinto hoje regozijado por receber da Andi um prêmio de reconhecimento pelo meu
trabalho, mas devo dizer, ao mesmo tempo, que me sinto também marginalizado pelo
governo, que infelizmente está querendo calar a nossa voz.
O discurso de Edisvânio repercutiu e resultou em pressões por parte dos parceiros. O
Jornalista Dioclécio Luz escreveu um artigo publicado no Observatório da Imprensa, a revista
Repórter Social também publicou uma entrevista com ele e a repercussão desse fato
possibilitou que, em menos de três meses, o processo de outorga da rádio fosse desarquivado
e encaminhado para a avaliação do Ministério e para o Congresso. Em menos de um ano, a
rádio foi outorgada.
- Não houve intervenção de político nenhum. O que fez a rádio ser legalizada foi o resultado
das lutas e das denúncias que foram acontecendo. Os parceiros de organizações sociais não
conseguiam compreender como é que se tem um trabalho com uma relevância social a ponto
de ter um reconhecimento nacional e o governo chama de “pirata”.
A Santaluz FM foi reaberta legalmente com a outorga em 2008. Atualmente, tem 21 diretores,
da presidência ao conselho comunitário, e um quadro de 14 comunicadores, entre eles
também os voluntários. O quadro de diretores e comunicadores é formado por jovens. “Eu sou
um deles”, afirma Edisvânio, com um largo sorriso. Hoje, aos 35 anos, Edisvânio se sente
ainda com os mesmos 20 anos com que iniciou no movimento, porém mais experiente.
- Eu comecei cedo no movimento de rádio comunitária. Aos 20 anos. Hoje já tenho metade de
70 [sorri] e estou aqui ainda. Penso que nós devemos carregar sempre os sonhos e a
18
renovação. Eu me sinto mais jovem do que sou, tudo que eu sou é resultado dos meus sonhos
e devo zelar.
É com a energia de jovens como Edisvânio que nascem os movimentos juvenis e a história da
comunicação comunitária no Território do sisal é discutida dentro das organizações e
contextualizada dentro dos movimentos de juventude. Os jovens tomaram a frente e até hoje
vêm ajudando a construir esse processo.
- Quando falo da comunicação comunitária, reforço dizendo que para fazer comunicação
comunitária não é necessariamente preciso estar dentro de uma rádio, mas ocupar os espaços e
levar a comunicação até um espaço que tenha possibilidade de difundir essas informações.
Quando você contribui com a expansão das informações, de alguma forma você está fazendo
comunicação comunitária, sem necessariamente estar inteirando a rádio. Fazer comunicação
comunitária é estar em sintonia com a comunidade e eu posso dizer que sim, que a minha vida
está toda dedicada a isso.
Sendo homenageado por Patrícia Portela de Souza Oficial de Comunicação do UNICEF no prêmio Infância
na Mídia Bahia e Sergipe recebido em Salvador - 2000 da ONG Cipó e UNICEF.
19
Edisvânio ainda de cabelo longo, participando de formação sobre “direitos da criança e adolescente,
como abordar na mídia?” Evento realizado pela CIPÓ, ANDI e UNICEF em Salvador - 2004.
Edisvânio nos estúdios da Santaluz FM 2010.
20
Com Cicilia Peruzzo na conferência de comunicação da UNEB de Juazeiro - 2012.
Com Patricia Lobacaro e Suzane Worckman diretoras da Brazil-foudation, após recital de poesias,
no evento Brazil-foundation 10 anos em cujo a Santa Luz FM foi contemplada pela ONG como um
dos 20 projetos mais bem sucedidos, já apoiados pela Brazil-foudation em seus 10 anos de
existência
21
Recebendo das mãos do Oficial de Programação do UNICEF no Brasil, Manuel Buvinich o título
de jornalista amigo da criança promovido pela ANDI em 2007.
Assinado o termo de posse como Conselheiro Titular do Primeiro mandato do Conselho de
Comunicação Social do Estado da Bahia, o primeiro do Brasil - Janeiro de 2012.
22
O ARTILHEIRO DO RÁDIO
“Na Barreiros FM, nós mantínhamos muito contato com o pessoal da rádio Arcos FM
(Estrela FM), sempre trocávamos experiências e ideais, tinha uma equipe de jovens bem
bacana lá”, Paulo Marcos.
Desde que Paulo Marcos saiu do Movimento de Organização Comunitária (Moc), nós nos
encontramos muito pouco, o que não significa que ele estivesse ausente, pois os e-mails e
links partilhados com frequência nas redes indicam sua presença e capacidade de mobilização
em todos os espaços por onde passa. Isso permite que ele esteja sempre próximo de nós.
Após quase seis anos sem nos encontrarmos para um bate papo demorado, o dia 22 de
outubro de 2013 nos permitiu mais uma vez comungar ideias e me permitiu conhecer um
pouco mais de sua trajetória de vida. Como tem sempre que rolar uma graça, eu comecei
trocando os sobrenomes.
- É Paulo Marcos Cerqueira, não é?
- Não, Cerqueira é o outro!
- Outro?
- Sim, João.
Trata-se de João Paulo Cerqueira, outro jovem protagonista do município de Valente, que fez
parte do projeto Comunicação Juvenil. Atualmente, João mora em Juazeiro (BA), onde cursou
Jornalismo e Multimeios no campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
23
Paulo Marcos Queiroz dos Santos, esse é o seu nome de batismo, há 30 anos. O jovem é
graduado em Comunicação Social com habilitação em Radialismo pela Universidade do
Estado da Bahia. Cresceu no distrito de Barreiros, no município de Riachão do Jacuípe, onde
há uma forte cultura da produção de cerâmicas e por isso é conhecido como a Terra das
Olarias. Paulo morou boa parte de sua infância com a avó materna, dona Maria Queiroz. Para
ele, o que mais marca essa época era acordar às seis da manhã com o rádio ligado no
programa “Alô Sertão”, da Rádio Sisal AM, de Conceição do Coité, apresentado por Valdemir
de Assis.
- Um fato que me recordo bem da minha infância foi que abri um rádio pra ver quem estava
dentro e, por pouco, não levei uma surra.
Aos 11 anos, por volta de 1994, ouvir rádio para Paulo era como ir à escola, uma missão
diária. Anotava tudo o que ouvia nos programas de esporte e acompanhava todas as
transmissões de jogos do Corinthians. O radio influenciou o jovem a se tornar torcedor do
time. “Mas hoje sou mais Bahia do que Corinthians”, afirma.
Além de estudar e ouvir rádio, o lazer de Paulo na adolescência em Barreiros era jogar bola
com os colegas na rua. Nos intervalos da “pelada”, ouvia o som do alto-falante na praça e
ficava curioso para saber como era e como funcionava. O jogo era sempre às 17 horas,
enquanto ouvia o alto-falante tocando, e o que lhe chamava atenção era o BG, as vinhetas que
soltavam enquanto a música passava. E ele não fazia ideia de como era aquilo.
- Eu curtia o radio enquanto ouvinte. Ouvia as radios Sisal, Jacuípe e a Globo porque eram as
que tinham futebol. Mas eu gostava de ouvir FM também, era uma novidade. Lembro que a
Morena FM era uma das poucas ouvidas e pegava ruim lá em Barreiros. Eu colocava uma
antena bem grande pra ouvir FM, ouvir música, ter um radio como meio de me informar, era o
que eu tinha à disposição.
A trajetória de Paulo Marcos no radio começou em 1997, quando Maurício Oliveira fez a
primeira experiência com um transmissor. Paulo estava jogando bola quando ouviu o
comunicador pedir que sintonizassem, que o alto-falante agora podia ser ouvido pelo radio.
- Depois desse dia, eu fui lá. Maurício me apresentou os equipamentos e como funcionava, até
que eu me inseri no processo e decidi não sair mais. A gente levou adiante, colocamos a radio
pra funcionar em fase de teste e foi uma experiência bem bacana.
24
O dia 4 de outubro foi uma data magna de funcionamento da radio, que ficou em fase de teste
até o final de 2007, enquanto montava a programação. A fase de teste era basicamente para
tocar músicas e testar as transmissões de jogos. E foi essa fase que Paulo Marcos teve para
aprender a manusear os equipamentos, inclusive discos e fitas, menos avançados do que na
Santaluz FM.
A comemoração de seis meses de funcionamento da radio aconteceu no programa de reggae
que ele apresentava em 1998. Foi um ano de descobertas na radio. Além de apresentar o
programa, passou a produzir e enviar informações para o noticiário esportivo de meio-dia para
a Rádio Sisal AM, de Conceição do Coité, e a Rádio Jacuípe AM, de Riachão. No final de
1998, aos 16 anos, em decorrência desse trabalho, Paulo foi convidado pela Radio Sisal para
fazer parte da equipe de transmissão do campeonato intermunicipal de Conceição do Coité.
No Sábado de Aleluia de 1999, ele assumiu de imediato o plantão esportivo da Rádio Sisal.
- Eu ficava ali na retaguarda, vendo a parte técnica e informando o placar de outros jogos.
Enquanto a rádio transmitia, eu ficava ouvindo outras rádios, eram cinco aparelhos de rádio
ligados ao mesmo tempo e eu ouvia para informar o placar de outros jogos que estavam sendo
transmitidos.
Paulo Marcos ficou no plantão esportivo da Rádio Sisal até 2000. Fazia o plantão nos fins de
semana e no meio da semana ia para Barreiros estudar e continuar as atividades da rádio
comunitária.
Naquele período, a Barreiros FM já tinha contato com a Arcos FM, atual Estrela FM, de
Retirolândia, em 1999. Paulo começou a representar a rádio Barreiros nos cursos realizados
pelo Moc e o Unicef. Passou a conhecer outras experiências, como a Valente e Santaluz. O
Moc assessorava as rádios por meio do programa de Políticas Públicas que, na época, era
coordenado pelo sociólogo, professor da Uefs, Ildes Ferreira. Os cursos eram promovidos
para sensibilizar as emissoras acerca do papel da comunicação comunitária frente ao trabalho
infantil. Muitos municípios ainda não tinham o Peti. Uma destas capacitações do Unicef foi
com o jornalista Marcos Aurélio de Carvalho, ex-apresentador e gerente da Rádio Globo e
atual coordenador executivo e coordenador pedagógico da ong União e Inclusão em Redes e
Rádio (Unirr).
Em 2001, quando concluiu o ensino médio, um dia depois de seu aniversário, Paulo foi morar
em Retirolândia e passou a desenvolver as ações mais pontuais em Barreiros.
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- Na Barreiros FM, mantínhamos muito contato com o pessoal da rádio Arcos FM (Estrela
FM), sempre trocávamos experiências e ideais, tinha uma equipe de jovens bem bacana lá,
Rose Rios, Cláudio lima, Agnaldo Lima, Amarilson Brandão, a turma do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, então eles me chamaram para compor a equipe de lá.
No final de 2001, Paulo participou da seleção e foi aprovado no programa Jovens Escolhas
em Rede com o Futuro, desenvolvido pelo instituto Credicard e Moc. A proposta do programa
era educar jovens para serem empreendedores e fazerem escolhas diante do mundo e do
trabalho. Para atender a proposta do programa, o MOC desenvolveu o Projeto Comunicação
Juvenil (PCJ) com objetivo de mobilizar jovens e entidades sociais da região do sisal da Bahia
nas questões de juventude, democracia e participação.
O projeto iniciou-se em 2002, quando ele estava mais em Retirolândia, participava das
formações do projeto e as executava no município, assim como outros jovens. Faziam parte
do projeto 30 jovens de sete municípios do Território do Sisal. No mês de abril, eles criaram a
própria identidade no projeto. “Passamos a nos chamar de Jovens Comunicadores Sociais”,
conta Paulo.
É válido lembrar que, nesse mesmo período, a jovem comunicadora Rose Rios, da rádio
Arcos FM, atual Estrela FM, de Retirolândia, foi selecionada para participar da formação
do Projeto de Inclusão Digital de Mulheres Comunicadoras do Cemina (Comunicação, Educação,
Informação e Gênero). Na ocasião, foi contemplada na Rede Cyberela, uma das estratégias do
projeto. A jovem recebeu computador, softwares especializados em edição e montagem de
programas de radio, além de conexão banda larga. A proposta da Cyberela era trocar
conteúdos via internet e incentivar a inclusão digital na própria comunidade. “Foi um projeto
bem avançado para a época, foi a primeira vez que eu tive contato com internet”, afirmou o
jovem.
Com a Cyberela Studio, a rádio firmou parceria com o projeto Comunicação Juvenil e
passaram a produzir conteúdos para a região. Em 2003, Paulo passou a ser coordenador jovem
do projeto, com Nayara Silva, que também tem sua história contada neste livro, e ia com
frequência a Feira de Santana ajudar Emanoel Sobrinho, jovem integrante do programa de
políticas públicas.
- A gente fazia as solicitações de recursos para as viagens de capacitações, a prestação de
contas e os relatórios de atividades e ainda dava suporte aos colegas na região. Depois passei
26
a apresentar o programa de radio do Moc com Nayara, “Encontro com as Comunidades”, na
rádio Sociedade de Feira de Santana.
O projeto resultou em ações concretas, como a produção de programas de radio e TV, boletins
informativos, cobertura de eventos, além do domínio dos jovens no debate sobre juventude e
comunicação do território. Quando o projeto terminou, no final de 2003, foi renovado, em
2004, com o apoio do Unicef, dando continuidade à mesma proposta. Neste período, muitos
jovens já haviam feitos suas escolhas e optaram por novos rumos. Chegaram novos jovens
que também desenvolviam ações nos movimentos sociais do Território.
- Foi nessa etapa que você entrou, não foi?, perguntou ele.
- Sim, respondi.
Eu me tornei jovem liderança do Movimento de Mulheres, em 2002, e entre os anos de 2003 e
2004, assumi o programa de rádio do movimento, “Espaço Mulher”. Era um programa de 30
minutos que ia ao ar todos os sábados às 10 horas da manhã. Nessas minhas idas à radio, eu o
via por lá. Depois que eu entrei no projeto, Paulo estava ficando mais em Feira de Santana.
Nosso encontro oficial foi em maio de 2004, quando fiquei responsável por produzir com ele
uma matéria para o jornal Giramundo, sobre a IV Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e
Adolescentes, de que ele participou, no Rio de Janeiro. O Giramundo era o jornal do Moc que
buscava, de forma coletiva e dinâmica, levar informações para a população do Território do
Sisal. Nós, jovens comunicadores do Projeto Comunicação Juvenil, éramos responsáveis por
cobrir a pauta do jornal.
Naquela ocasião, Paulo já integrava a equipe de Comunicação do Moc, que estava sendo
estruturada no mesmo período de execução do projeto, em 2004. Eu não colaborei com a
produção, pois quando cheguei à radio para nos reunirmos, a matéria já estava pronta, feita
somente por ele.
- Ainda quando participávamos do projeto, começamos a perceber a necessidade de trabalhar
a comunicação dentro da própria organização. O Moc não tinha uma estrutura na parte de
comunicação organizacional, tinha um programa na rádio Sociedade há mais de trinta anos e
não tinha muito retorno. Então, começamos a cobrar para se discutir juventude e comunicação
no Moc a partir de um programa específico.
O Moc definiu abrir o programa de comunicação, nessa mesma época, e começou a discutir
propostas para a comunicação do Território com base na experiência do projeto. Uma dessas
27
propostas, que partiu dessa provocação, foi a implantação do curso de Comunicação Social na
região, levando pessoas e entidades a refletir quais as políticas de comunicação necessárias
para o Território. Pela experiência vivenciada no entorno da construção da comunicação
territorial, Paulo foi um dos integrantes da primeira equipe do programa de comunicação do
Moc, onde ficou até 2007, além de aluno da primeira turma do curso de Comunicação da
Uneb, em Conceição do Coité.
O programa do Moc foi propulsor da articulação juvenil no Território do Sisal em prol da
comunicação comunitária e Paulo Marcos passou a assumir o papel de articulador das rádios
comunitárias, assessorando-as e mobilizando-as nos processos de capacitações.
- Foi muito importante colaborar com o fortalecimento das rádios comunitárias e sustentar
com elas a ideia de uma comunicação para o fortalecimento da comunidade. Ao trabalhar a
comunicação comunitária, nós formamos cidadãos para revolucionar o meio onde vivem,
formando jovens protagonistas que geram ações e iniciativas para o bem comum. Isso gera
frutos no sentido de as pessoas entenderem seu papel social e reconhecer que a comunicação
como um direito humano.
Quando Paulo saiu do Moc, em 2007, já estava no curso de Comunicação Social da Uneb,
fruto das lutas e reivindicações da sociedade civil organizada, que percebeu a necessidade de
implantar um curso dessa área para atender os sujeitos inseridos no contexto de mobilização
da comunicação territorial. Paulo esteve presente em muitos momentos de discussão da
implantação do curso. Enquanto estava no curso, em 2008, participou de algumas
mobilizações populares no município, além de ter coordenado a rádio educativa Sabiá FM e
as duas campanhas do atual prefeito de Conceição do Coité, Assis, ao disputar as eleições no
município. Ao sair da faculdade, passou a trabalhar em outro projeto social no município de
Pintadas, na Companhia de Artes Cênicas Reluz, uma experiência que ele conheceu em um
intercâmbio quando ainda participava do projeto Comunicação Juvenil, em 2003. Desta vez,
ele voltou mais experiente, mas levou também toda a experiência adquirida no projeto.
-No Reluz, fui para um projeto de parceria com a TVE, o “Pensar Filmes”, projeto de
comunicação em que inicialmente formamos um núcleo de produção e passamos a produzir
reportagens para a grade de produção jornalística da TVE. Esse era o principal objetivo.
Paulo trabalhou no projeto até 2010. Vivenciou experiências em produção de conteúdos
jornalístico e cinema. Nesse período, também trabalhou na equipe de comunicação da
campanha da deputada estadual Neusa Cadore, primeira experiência concreta de comunicação
28
em campanha eleitoral, que possibilitou ao jovem permanecer trabalhando na assessoria
legislativa e parlamentar de Neuza.
Em 2012, Paulo novamente foi procurado por Assis, solicitando a Neuza a liberação dele para
trabalhar na campanha. Foi a segunda disputa ao cargo de prefeito. Por decisão própria, Paulo
retornou a Coité. Desde 2010, ele tem tentado aplicar no espaço do poder público o que
aprendeu durante a trajetória nos movimentos sociais e o que se preocupou sempre em
pesquisar na vida acadêmica: a comunicação comunitária.
- Eu saí de um projeto social e trabalhei em outro com essas mesmas características.
Posteriormente, fui para um mandato que considero popular, que vem também com essa ideia
de comunicação pelo direito e como direito. E saí de lá para colaborar na construção de um
projeto dentro de um governo municipal aqui de Conceição do Coité, onde estou atualmente.
- E qual foi o desafio, considerando que são espaços diferentes dos que você atuava antes?
- Não é tão desafiador, mas também não é fácil implementar dentro de uma máquina pública
experiências como estas que a gente defende, de uma comunicação acessível e participativa.
Situações como estas, para muitos, são sonhos e utopias. É difícil, na estrutura governamental,
implementar esse tipo de trabalho, mas essa questão precisa ser disseminada. A gente tem que
atuar também nesses setores, estou tentando fazer isso. Iniciamos na campanha, mas é mais
difícil no governo do que na campanha implementar ideias e ações nos debates, encontros e
conferências essa linha de comunicação comunitária.
Apresentando resultados de projetos de comunicação - Cúpula de Mídia no Rio de janeiro –
2004.
29
Paulo Marcos na cobertura da Jornada Avaliativa do Peti em Feira de Santana - 2005.
Paulo fazendo oficina de produção radiofônica em Acupe - Santo Amaro - 2005.
30
Paulo Marcos na Cobertura do Workshop TV Pública, em Salvador - 2007
Paulo Marcos conduzindo os grupos temáticos durante a Conferência Territorial de Rádios e Tv's
Educativas, Conceição do Coité, 2008.
31
MAIS QUE UMA JORNALISTA, UMA EDUCADORA POPULAR
“Eu acredito muito na comunicação comunitária como instrumento de transformação social,
eu não tenho dúvida disso”, Nayara Silva.
Uma semana antes de acontecer essa conversa, viajamos juntas para Nova Olinda, no Ceará,
para acompanhar uma turma de 20 jovens que fazem parte do projeto “Comunicação pelos
Direitos na Região Sisaleira”. Queríamos conhecer a experiência da Fundação Casa Grande,
uma organização social que trabalha na formação educacional de crianças e jovens
protagonistas em gestão cultural, desenvolvendo atividades de complementação escolar
através dos laboratórios de conteúdo e produção de gibis, audiovisuais e programas de rádio.
Nayara Cunha da Silva, 28 anos, é jornalista e coordena o Programa de Comunicação do
Movimento de Organização Comunitária (Moc) e o Projeto Comunicação Pelos Direitos na
Região Sisaleira. Nayara teve a oportunidade de conhecer a Fundação Casa Grande, em 2002,
quando participava do projeto Comunicação Juvenil, mas o olhar dela naquela época não
estava atento àquela realidade. Assim, ela estava visitando de fato o local, com o restante do
grupo, pela primeira vez.
A jovem nasceu e cresceu no município de Retirolândia, a 250 km de Salvador e a 18 km de
Conceição do Coité. Filha do político Deodato João da Silva (in memorian) e da comerciante
Noelice Cunha, nasceu de uma gestação de sete meses, em função de um choque emocional
da mãe, quando o pai de Nayara sofreu um atentado.
32
-Meu pai era político, na década de 80, em Retirolândia, quando as disputas eleitorais eram
tão quentes quanto as de hoje, e atiraram nele.
Mas não o mataram. Nayara teve o prazer de com os seis irmãos desfrutar do carinho e do
zelo do pai por longos anos, embora o desejo dela é de que ele ainda estivesse entre a família.
O fato de ter nascido prematura também contribuiu para que ela fosse mais protegida e
cresceu muito apegada a família.
- Até a minha juventude, sempre fui muito apegada ao lar, à convivência familiar, não era
muito ligada ao movimento social, fazia parte de grupos da Igreja Católica, frequentava as
missas e cantava no ministério de música da Igreja.
Apesar de ser muito apegada ao ambiente familiar, a jovem sempre se destacava pela
capacidade de liderança fosse na sala de aula, na igreja ou em qualquer espaço de que
participasse. “Isso me destacou mesmo dentro da igreja, sem especificamente fazer parte de
grupo nenhum”, recorda.
O primeiro contato com as organizações sociais do município foi em 2001. Ela foi indicada
pela igreja para participar de uma reunião de movimentos no Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. A Igreja Católica, no município de Retirolândia, sempre foi muito próxima de outras
organizações. Nayara passou a representar a igreja sempre que havia necessidade de reunir os
movimentos sociais.
No final de 2001, assim como Paulo Marcos foi indicado pela rádio Barreiros FM, ela foi
indicada pela igreja para fazer parte do processo seletivo do programa Jovens Escolhas em
Rede com o Futuro, desenvolvido pelo instituto Credicard e o Moc. A proposta do programa
era educar jovens empreendedores para fazer escolhas diante do mundo e do trabalho. Para
atender a proposta do programa, o Moc desenvolveu o Projeto Comunicação Juvenil (PCJ)
com objetivo de mobilizar jovens e entidades sociais da região do sisal da Bahia nas questões
de juventude, democracia e participação.
- Até aquele momento, o Moc nunca havia trabalhado um projeto de comunicação e
juventude, especificamente a entidade acompanhava as rádios, mas o projeto foi a primeira
experiência.
Quando às atividades, iniciaram-se em 2002. Nayara foi encontrando desafios para
permanecer no projeto, o fato de ser muito apegada à família e ao lar fazia a jovem desabar
33
em choro quando tinha que sair para os encontros de formação do projeto, que aconteciam em
Feira de Santana, nos finais de semana.
Para garantir a segurança e a participação dos jovens nas capacitações, o Moc contratava um
ônibus que passava nos oito municípios do Território do Sisal para levar os jovens aos locais
onde aconteciam as capacitações: Queimadas, Nordestina, Santaluz, Valente, Retirolândia,
Conceição do Coité Serrinha e Araci. Além deles, o projeto também atuava no município de
Riachão, no território Bacia do Jacuípe. Mas na maioria das vezes, Nayara nunca chegava no
ônibus com os colegas.
- Hoje eu sei que era psicológico, mas naquela época eu sempre passava mal, tinha crise de
náusea, choro, febre... Quando saía de casa, ou eu iria e voltava, ou eu nunca conseguia
chegar ao destino, descia no meio do caminho, pegava outro ônibus de volta, mas também se
eu conseguisse ir, eu nunca me concentrava na atividade.
Como o projeto previa a existência de jovens suplentes, o Moc teve a opção de substituir
Nayara. Mas preferiram acreditar na capacidade de superação dela. “Isso é o que me
surpreende”, destaca a jovem. Os coordenadores do projeto reconheciam que ela tinha forte
capacidade de mobilização e que a reação dela ao deixar o lar correspondia a uma questão
para a qual ela precisava de ajuda, até mesmo pelo princípio do projeto de educar os jovens
para serem independentes nas suas escolhas.
Em uma das oficinas oferecidas pelo projeto sobre autoestima, com a psicóloga Rebeca Ribas,
da ong Cipó Comunicação Interativa, de Salvador, Nayara percebeu que o caso dela era
delicado.
- O projeto viabilizou alguns encontros meus individuais com Rebeca. Pra você ter uma ideia,
ela vinha para Retirolândia e a gente conversava aqui. Íamos à praça pública e nessas ocasiões
eu contava minha história a ela. Eu dizia a ela que eu tinha trauma de coisas do tipo: eu não
consigo até hoje assistir filmes de ação, sobretudo que tenha armas de fogo, ela pedia que eu
nunca dissesse trauma, porque é uma coisa muito pesada.
Nayara carregava consigo as marcas de sua história desde o nascer e se afastar da família,
mesmo que fosse por um dia, era como estar desprotegida.
- As pessoas costumam dizer que eu sou agoniada [sorri]. Pode ser consequência disso, quem
sabe... Depois desses encontros com Rebeca, eu consegui participar mais ativamente dos
encontros do projeto e fui aprendendo a separar os momentos e também aceitar.
34
A ajuda do projeto foi bem vinda. Em 2003, já inteirada ao projeto, Nayara retomou com os
jovens a produção do jornal Giramundo. Muitos jovens já estavam produzindo e apresentando
programas de rádio nos municípios. Nayara produzia e apresentava o programa “Jovens
Garotos no Ar”, na companhia do colega Diego Costa, que na época era comunicador
comunitário da rádio Arcos FM, de Retirolândia, e jovem do projeto. Diego Costa,
atualmente, é locutor na rádio Morena FM, de Serrinha, liderada pelo grupo Lomes de
radiodifusão. Talentoso, o jovem chegou à Morena FM pelo seu potencial, mas é a prova de
que a experiência de Comunicação e Juventude no território possibilitou a inserção de jovens
em mídias comerciais de maior alcance.
- Hoje a voz de Diego ecoa em todo o território baiano e quem conhece Diego sabe que ele
carrega a essência da comunicação comunitária até hoje.
Além de apresentar o programa “Jovens Garotos no Ar” e das outras atividades do projeto,
Nayara ia todas as terças-feiras para Feira de Santana apresentar o programa do Moc.
“Encontro com as Comunidades”, com Paulo Marcos, na rádio Sociedade AM. Aos poucos, a
jovem foi se apaixonando pela comunicação. Antes ela não tinha o desejo de estudar. Era
noiva, sonhava em se casar e construir uma família. Mas se fosse optar por alguma área de
formação, dizia querer ser dentista. Hoje percebe que a profissão não tem nada a ver com a
sua realidade.
No final de 2003, por conta do projeto Comunicação Juvenil, o Moc decidiu construir um
plano de comunicação institucional. Como a ong é estruturada por programas, a decisão de
criar o programa de comunicação surgiu a partir dos resultados do projeto. O plano foi
construído com a assessoria de Gislene Moreira, na época profissional de relações públicas da
Cipó. Gislene coordenou o programa até o final de 2005 e, na ocasião, optou por jovens do
projeto para integrar a equipe: Nayara Silva e Paulo Marcos.
O projeto Comunicação Juvenil foi uma das ações no Território do Sisal que possibilitaram
aos jovens intervir socialmente e ocupar espaços estratégicos para concretizar suas ações e
propor reflexões acerca do seu papel enquanto agente transformador.
- Todos os segmentos sociais apoiavam os jovens como “os meninos de um projeto”. Mas um
sindicalista ouvir falar de jovens na diretoria de um sindicato era motivo de briga. Existia
muita repressão aos jovens. Ações como essas foram quebrando barreiras e hoje já é possível
encontrar jovens ocupando estes e outros espaços.
35
Quando o projeto “Comunicação Juvenil” foi renovado, em 2004, com o apoio do Unicef, já
passou a ser executado pela equipe de comunicação. Lembro que a mobilização para a nova
fase de seleção do projeto foi feita por João Netto Silva, irmão de Nayara, que se inseriu no
projeto depois, em meados de 2002, em função dos trabalhos como monitor do agente jovem.
Durante a seleção, a prova foi aplicada por Nayara e a entrevista feita por Gislene Moreira ou
Gil, como carinhosamente chamamos, que atualmente é professora do curso de Comunicação
Social, no campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
- Foi um período de descobertas pra mim, que nunca saía de casa. Fui morar em Feira de
Santana, no mesmo ano comecei o curso de Jornalismo na Unidade de Ensino Superior de
Feira de Santana (Unef) e passei a coordenar aquele grupo de jovens do projeto, que eram
meus colegas e amigos. Inicialmente foi complicado separar essa relação de amizade com o
campo profissional, mas com o tempo fui aprendendo a separar as duas coisas sem afetar a
nossa convivência.
Ainda nos primeiros anos, a dificuldade de conviver fora de casa persistiu. Diversas vezes,
Nayara arrumou as malas para deixar tudo e voltar pra casa. “Mas fundo eu sabia que aquilo
era o melhor pra mim”, afirmou a jovem. No período em que o pai dela não pôde mais ajudá-
la a pagar o curso, ela conseguiu uma bolsa da faculdade.
Nessa trajetória de ousadia e persistência, Nayara encontrou mais amigos que a apoiaram,
desde o Moc aos grupos de estudo que formava com as colegas da faculdade.
O programa de comunicação do MOC se constituiu legalmente em 2005 e Nayara, que um dia
foi técnica, hoje é coordenadora do programa. A Agência Mandacaru de Comunicação e
Cultura (Amac) também nasceu em 2005, fruto do Projeto Comunicação Juvenil, que Nayara
ajudou coordenar. A agência é uma entidade formada e gerida por jovens do Território do
Sisal e conta com uma central de produção de comunicação e cultura na região, com a missão
de contribuir para o desenvolvimento social sustentável a partir da prestação de serviços em
comunicação social, voltados para o conhecimento e a valorização do semiárido.
Nayara também faz parte da diretoria da Agência Mandacaru e atua conosco nas ações de
mobilização da comunicação comunitária para a juventude do Território do Sisal.
- Minha função não se resume ao escritório. Sinto a necessidade de fazer com que o meu
trabalho mexa com a vida das pessoas, por isso minha função é a mobilização. Ficar presa ao
escritório, sem estar também em campo mexendo com gente, mobilizando, participando, pra
mim não teria sentido.
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O Programa de Comunicação do Moc atualmente executa o projeto Comunicação Pelos
Direitos, na região sisaleira. O projeto é apoiado pela Petrobras. O Moc conta com a parceria
da Agência Mandacaru e secretarias municipais de educação. Nayara coordena o projeto com
a jovem Rachel Santana, técnica que integra o Programa de Comunicação e acompanha os dez
municípios onde o projeto tem atuação. Os jovens do projeto utilizam as práticas de
comunicação comunitária para promover a participação popular em prol da garantis dos
direitos das crianças e adolescentes.
- Eu acredito muito na comunicação comunitária como instrumento de transformação social e
eu não tenho dúvida disso. Tenho muita perspectiva de continuar nessa causa, vontade de
continuar “mexendo com gente”. Se não for no Moc, será em outro lugar, mas isso é o que me
motiva. Nós, jovens do Território do Sisal, somos referência fora do Estado. Sempre tem a
Bahia e o Território do Sisal como jovens protagonistas, que lidam com a comunicação para o
controle das politicas e a mobilização social.
.
Nayara ao lado da colega Marial Vandalva, animando a Jornada Avaliativa do Peti, realizada
pelo MOC em Feira de Santana - 2005.
37
Nayara realizando o Planejamento do projeto Comunicação Pelos Direitos, com os Jovens
comunicadores do Projeto - 2010.
Capacitação em Educomunicação com Educadores do Território do Sisal - 2010
38
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA, UM DESAFIO EM BUSCA DA
SUSTENTABILIDADE
“A gente não tinha recurso nem para manter uma sede, o que mantinha a Abraço eram as
mensalidades e alguns serviços que a gente desenvolvia de capacitação e de produção
sonora, e quando precisávamos reunir, utilizávamos o espaço de parceiros, a maioria das
nossas atividades acontecia na Agência Mandacaru”, Arlene Freire.
Arlene Cristina Freire Araújo. Esse é seu nome, forte como sua personalidade. Ela tem 38
anos, mas parece ter 18. É mãe de Elis Freire, de 14 anos, e a filha mais velha de seu Amós
Araújo e dona Marlene Freire.
Essa “baiana” de Valente nasceu em Caruaru, Pernambuco, mas veio para Valente aos vinte
dias de nascida. Retornou a Caruaru com os pais aos sete anos, período em que ficaram na
cidade pernambucana por um ano. Depois retornaram novamente a Valente e, aos 10 anos,
mais uma vez viveu com a família em Caruaru, por 10 meses.
- Minha mãe é pernambucana e meu pai é daqui de Valente. Eles se conheceram em Feira de
Santana. Foi o casamento mais rápido que eu já tomei conhecimento na minha vida. Em dois
meses, eles noivaram e casaram. Retornei com minha família para morar em Caruaru por
duas vezes, pois para meus pais era melhor arranjar trabalho lá, que é uma cidade maior. Mas
a minha história com Caruaru é bem curta, não recordo muita coisa.
Mesmo sendo criada boa parte do tempo em Valente, Arlene passou um tempo sem se adaptar
a cidade. Para ela, era um tempo em que a cidade não tinha nenhum atrativo. Mas depois
conheceu a Valente FM, se envolveu socialmente na cidade e na região e hoje diz gostar e
defender o território e ser uma valentense. Arlene Freire foi comunicadora da Valente FM.
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Atualmente, integra a Abraço-Sisal e faz parte da equipe de comunicação da APAEB de
Serrinha.
Quando a jovem começou a se inserir no movimento de radiodifusão comunitária, tinha 27
anos. Foi convidada por Cleber Silva, um dos fundadores da rádio Valente FM a participar de
um processo seletivo.
- Eu estava recém-separada, tinha uma filha e precisava trabalhar. Encontrei com Cleber, na
época já éramos amigos, e eu disse a ele que estava pensando em ir embora para Caruaru, para
tentar um emprego. Naquele dia, ele me informou do processo seletivo que ia haver na rádio,
foi no final de 2002.
Arlene começou a trabalhar no setor de jornalismo, escrevendo para o jornal da rádio, mas
logo passou a apresentar um programa de MPB, do meio-dia às 13 horas. Mas a jovem
permaneceu com os dilemas que afetavam sua vida financeira. “Eu só ganhava oitenta reais”,
conta. Essa é uma realidade que até hoje predomina nas rádios comunitárias: o trabalho dos
comunicadores é voluntário e a remuneração varia em porcentagem a depender do apoio
cultural, uma ajuda de custo que as rádios arrecadam dos parceiros do comércio e de
organizações, em troca da divulgação de serviços.
Arlene permaneceu na Valente FM por três anos. À medida em que as demandas de
atividades aumentavam, a jovem também ia descobrindo o sentido da comunicação
comunitária para o Território do Sisal. Em 2004, depois de um ano na rádio, Arlene passou a
integrar a diretoria da Associação de Rádios e Tv’s Comunitárias do Território do Sisal
(Abraço-Sisal).
Foi nesse ano que eu a conheci. Aliás, eu já conhecia sua voz. Sempre frequentei Valente. Eu
nasci lá e, mesmo morando no município de Retirolândia, cresci frequentando Valente porque
minha família materna mora lá. Nessas minhas idas, eu sempre ouvia a rádio, geralmente à
tarde, horário em que Arlene estava na programação. Em dezembro de 2004, quando o Moc
ainda realizava a Jornada Avaliativa de Projetos Econômicos Educativos e Sociais (Japes), a
cobertura do evento ficava por nossa conta, jovens comunicadores do projeto “Comunicação
Juvenil” e Arlene também estava lá, representado a rádio e a Abraço-Sisal. Era uma época em
que já desenvolvíamos atividades, mas a parceria só foi consolidada em 2005, quando a
Mandacaru surgiu como entidade autônoma e Arlene assumiu a coordenação da Abraço.
40
Até 2006, ela dividiu seu tempo entre a rádio e a coordenação da Abraço. Ela saiu da rádio no
final de 2006, mas continuou na Abraço.
Já inteirada aos processos de mobilização da comunicação comunitária do Território, muitas
vezes Arlene teve que driblar a falta de recursos com a vontade de trabalhar. O que mantinha
a Abraço eram as taxas de mensalidades pagas pelas 17 rádios filiadas. A realidade financeira
destas rádios também era comprometida, o pouco que arrecadavam dos apoios culturais mal
dava para custear suas próprias despesas de manutenção.
- A gente não tinha recurso nem para manter uma sede. O que mantinha a Abraço eram as
mensalidades e alguns serviços que a gente desenvolvia de capacitação e de produção sonora.
e quando precisávamos nos reunir, utilizávamos o espaço de parceiros, a maioria das nossas
atividades acontecia na Agência Mandacaru.
Em 2009, Arlene passou no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
e foi morar em Feira para cursar História. A princípio, parecia uma vitória, mas os desafios a
acompanharam. Por falta de trabalho e diante das poucas alternativas encontradas, Arlene não
conseguiu se manter em Feira de Santana. Por isso, teve que abandonar o curso antes de
finalizar o segundo semestre. Mas, no mesmo ano em que ingressou no curso de História da
UEFS, ela ganhou um curso de Radialismo do o Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para
o Desenvolvimento Social (DISOP Brasil)
- Nesse período, tínhamos firmado uma parceria com o DISOP Brasil, que financiava algumas
atividades da Abraço-Sisal. Então, fiz o curso no mesmo período em que estava na UEFS,
com duração de dez meses. Abandonei o curso de História porque estava sem trabalho,
morando praticamente de favor e tinha deixado minha filha com minha mãe. Então, não tinha
como nos manter.
Como o trabalho na Abraço era voluntário, dois meses depois de ter retornado de Feira de
Santana para Valente, Arlene foi tentar um emprego em Salvador, mas também não teve
sucesso. Mas antes de retornar novamente a Valente, fez o Enem em Salvador, em novembro
de 2009.
- Desde que eu me entendo por gente, minha mãe faz salgados para festas de casamento,
formatura, aniversário, então pensei: como eu sempre ajudei minha mãe, enquanto eu não
encontro trabalho, eu continuo ajudando ela.
E foi assim que aconteceu.
41
Arlene voltou para casa e continuou ajudando dona Marlene a dar conta das encomendas dos
salgadinhos. Além de continuar no processo de mobilização das rádios comunitárias pela
Abraço-Sisal, inscreveu-se no Programa Universidade para Todos (Prouni) e no Sistema de
Seleção Unificada (Sisu) e foi contemplada em duas vagas, uma delas foi em Comunicação
Social na Uneb de Conceição do Coité, mas escolheu cursar Serviço Social. Em junho de
2010, Arlene passou também a compor a equipe de comunicação institucional da Fundação de
Apoio aos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares da Região do Sisal e Semiárido da
Bahia (Fatres).
- Por que não comunicação?, perguntei.
- Eu não negligenciei. Sabia que o curso de Comunicação Social, nos moldes que eu faria,
seria muito rico pra mim como pessoa, até porque eu estive presente junto a outras entidades
para discutir a proposta de um curso nessa modalidade para a região. Também cobrei e
defendi que tivesse, mas naquele momento julguei Serviço Social melhor pra mim, porque eu
visualizava um campo de atuação. Essa é mais uma área que eu sempre gostei e nela eu
também poderia desenvolver a comunicação comunitária. Espero não estar enganada, afinal
eu gosto muito de comunicação comunitária.
Arlene passou pela execução da comunicação institucional da Fatres durante um ano e seis
meses. As ações eram voltadas para a produção de um blog, registro de eventos e produção de
noticias para um boletim eletrônico e impresso produzido em parceria com a Agência
Mandacaru.
No final de 2012, ela passou a integrar a equipe de comunicação da Apaeb de Serrinha, onde
atua até hoje desenvolvendo ações de comunicação institucional nos mesmos moldes da
Fatres, atualização de blog e demais páginas na internet, produção de reportagens e
informativos.
Antes de se tornar comunicadora comunitária na Valente FM, Arlene não tinha um visão
crítica da sociedade em que vivia. A única coisa que lhe inquietava era a questão da
submissão feminina, a violência contra a mulher e a forma como a sociedade defendia o
homem na tomada de decisões, porém ela não questionava.
Depois que ela se tornou uma comunicadora popular, passou a reconhecer seu papel social e a
exercê-lo para além dos direitos das mulheres. O primeiro evento de grande porte de que
participou foi o IX Encontro Nacional da Rede de Mulheres no Rádio, em Maceió, Alagoas,
em maio de 2005, realizado pelo Cemina (Comunicação, Educação, Informação e Gênero).
42
- Tinha mulheres de outros países, cada uma trazia suas experiências de trabalho, da cultura e
isso foi me permitindo ter uma visão mais esclarecida do que nós, jovens, representávamos no
Território do Sisal e como estávamos organizados. Esse contato com as entidades a partir da
rádio me permitiu perceber a dimensão da nossa organização.
Atualmente, o desafio para Arlene já não é tanto a sua sustentabilidade, mas a das entidades,
em se tratando da Abraço, ela considera que a entidade já foi mais atuante do que está sendo
atualmente. Contudo, a organização tem deixado um legado, contribuindo para que a região e,
especificamente, as organizações sociais enxerguem a comunicação como um bem necessário
e estratégico para o desenvolvimento do Território. A Abraço-Sisal se tornou uma referência
no Território quando o assunto é rádio comunitária, o que comprova a consolidação de
proposta territorial.
As formações para comunicadores e diretores também foram primordiais para que percebesse
qual era o papel social destas rádios comunitárias e de que forma eles poderiam mobilizar a
comunidade. “Eu acredito que as rádios ganharam sentido depois das formações e uma prova
disso é que muitas delas, depois desse acompanhamento, já estão legalizadas”, destaca
Arlene, que apesar de cantar as vitórias, não esquece os desafios que as rádios comunitárias
enfrentaram e ainda enfrentam, principalmente as que ainda não possuem outorga.
- Isso não aconteceu comigo como comunicadora na rádio, mas acompanhei o tempo todo na
Abraço e me recordo do colega Toni Sampaio, que foi agredido fisicamente pela Polícia
Federal. Conhecemos casos até mais graves, de gente morrer durante a chegada da Polícia
devido à pressão. Isso, na minha opinião, é o mais grave de todos os desafios que passamos.
O contexto socioeconômico das rádios comunitárias, sejam legalizadas ou não, é sempre o
mesmo. As rádios se mantêm com apoios culturais do comércio e de parceiros locais, que não
são suficientes para manter a estrutura nem remunerar os comunicadores. Boa parte desses
comunicadores desenvolvem outras tarefas fora da rádio, em turno oposto, para ter renda
própria. O fato de as rádios não terem poder financeiro, mas intervirem com denúncias de
irregularidades sociopolíticas nos municípios, torna evidente que as perseguições da Anatel e
da Polícia Federal são incitadas por uma minoria politicamente insatisfeita com o trabalho das
rádios comunitárias.
- Em 2012, apresentei o jornal com Toni Sampaio, na Valente FM. Algumas vezes, a história
é a mesma, os apoios culturais entram a custo de muito suor e desgaste e a Valente FM tem
um respaldo por ser uma das primeiras rádios comunitárias do Território a ser legalizada. São
43
dois grandes desafios à questão financeira e, junto a ela, a própria legislação que, de certa
forma, interfere nessa questão.
Mas esses desafios não são maiores do que a capacidade de articulação que têm as rádios
comunitárias e as organizações de comunicação no Território do Sisal. É a mobilização no
entorno da comunicação comunitária que possibilita a inserção da juventude nos demais
espaços de intervenção política do território. Essa comunicação, que nem todos desenvolvem,
mas de que todos precisam, é defendida por sujeitos como Arlene Freire, que enfrentou os
desafios financeiros e permanece lutando por um mundo mais justo e participativo.
- Eu percebo, desde a época em que comecei a participar, das pessoas que eu conheci dentro
desses espaços de comunicação, que a gente é bem mais forte do que pensa, os jovens se
apoderaram de tal maneira que não somos protagonistas apenas da nossa história de vida, mas
do Território, que cada dia tem algo novo, novas perspectivas. Isso faz parte da ação da
juventude. A comunicação popular é uma conversa com o povo, constantemente estamos
conversando e nos dando uma resposta.
Em Brasília 2007, com jovens da Agência Mandacaru na Finalização da II Jornada Nacional do
Jovem Rural, que aconteceu em Luziânia, Goiás.
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Arlene com os comunicadores de Ichu e Serrinha durante a Conferência realizada pelas movimentos sociais em
Conceição do Coité em 2008, sobre Rádios e Tv’s Publicadas no Território do Sisal.
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Capítulo II
JOVENS LÍDERES E ENGAJADOS
46
COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO
“Eu não tinha muita compreensão da formação política do movimento de rádio comunitária
nem da parte técnica, até eu conhecer a Abraço. Nós ocupamos espaços importantes dentro e
fora do território”, Kivia Carneiro.
Kivia Maria da Silva Carneiro, 26 anos, é mais uma jovem filha de agricultor. Há quem diga
ou pense que ser filho/a de agricultores no Território do Sisal da Bahia é sinônimo de
limitação, fraqueza ou falta de oportunidade. Kivia é o exemplo concreto de que viver numa
região semiárida com irregularidades de chuvas e ser filha de agricultor não é empecilho.
- Tive uma infância e adolescência muito felizes, preenchidas de diversão, muito bem
elaboradas pelos meus pais porque eles nunca me privaram das coisas boas de ser criança, tive
momentos muito divertidos com amigos e parentes próximos a mim.
Ela nasceu no município de São Domingos, distante 245 km de Salvador e a 38 km de
Conceição do Coité. Atualmente, dirige a rádio São Domingos FM, integra a Abraço-Sisal e
coordena o ponto de cultura Moringa Cultural, um projeto de comunicação popular
desenvolvido pela Abraço-Sisal em parceria com a rádio comunitária Juá FM, do distrito de
Juazeirinho, no município de Conceição do Coité. O projeto é apoiado pela Secretaria de
Cultura do Estado e atua na formação de comunicadores comunitários das rádios filiadas à
Abraço-sisal
Aos 16 anos, quando ainda estudava o ensino médio, Kivia participou de uma oficina de
redação oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Secretaria de
Educação do município de São Domingos. Durante o curso, foi informada que iria ser criada
uma rádio comunitária no município.
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Em se tratando de rádio comunitária, nesse período a jovem conhecia apenas a Valente FM e
nunca tinha sequer pensado em trabalhar nesse meio. Durante o curso, foi elogiada pelos
instrutores pela desenvoltura nos textos e na locução.
- Engraçado que eu sempre fui retraída quando o assunto era falar no microfone... Na escola,
eu preferia trabalhar nos bastidores para não ter que falar, não gostava de apresentar nem de
atuar em função da timidez, mas quando fiquei sabendo do curso, arrisquei.
Quando a São Domingos foi ao ar, em 2005, Kivia foi convidada por Gil Santana a fazer parte
deste movimento. A jovem arriscou apresentar um programa com duração duas horas com
músicas e notas informativas. Para Kivia, assim como para toda a equipe da rádio, era tudo
novo.
- Não tínhamos conhecimento de técnica nenhuma, não tinha noção de praticamente nada, os
equipamentos eram emprestados, os conteúdos eram sem produção técnica e ficávamos ali,
descobrindo o espaço onde a gente tinha acabado de entrar.
Eli Gonçalves, de Valente, foi a pessoa que emprestou os equipamentos para a rádio ir ao ar.
Kivia conheceu Eli três meses depois de assumir a programação da manhã e o cidadão chegou
à rádio se apresentando de maneira que deixou a jovem nervosa.
- Nunca esqueço, ele chegou dizendo que era da Anatel [sorriu]. Eu não sabia o que fazer,
fiquei desorientada, quando ele viu que eu estava apavorada a ponto de enfartar, ele disse que
era técnico da radio também. Aí eu respirei aliviada, mas foi sufoco, o fato se tornou
engraçado depois.
A inserção de Kivia no movimento de rádio comunitária aconteceu na medida em que a jovem
começou a representar a rádio nas formações. Pouco a pouco, ela foi entendendo seu papel de
comunicadora social. E à medida em que colocava em prática as orientações recebidas,
redescobria a própria comunidade.
A condição de comunicadora comunitária lhe permitiu estar ao lado das pessoas mais
necessitadas. Dar voz à comunidade foi uma tarefa que a jovem colocou em prática logo que
descobriu os prazeres e a importância de fazer esse tipo de comunicação.
- Me lembro de um fato que me chamou atenção e, ao mesmo tempo, me fez reconhecer ainda
mais a força que tem um veículo de comunicação, ainda mais quando usamos a serviço da
comunidade. Eu estava na programação à tarde e chegou um moço de aparentemente 50 anos:
-Boa tarde, cumprimentei.
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- Boa tarde, queria saber se eu posso usar um minuto do microfone no ar.
- Pra qual motivo, senhor?, perguntei.
- É que eu estou com um filho doente, não tenho recurso nenhum mais, o hospital não me dá
garantia de que tem condição de tratar ele aqui. Eu estava na praça, ouvi o comércio com o
rádio ligado e você dizer que a rádio é do povo, eu quero falar no rádio.
- E eu disse: esse espaço é seu! Abri o canal do microfone e nós conseguimos arrecadar uma
quantia significativa de recurso financeiro para esse pai, mas acima de tudo eu debati
inclusive na companhia de um advogado, Ranieri, o papel dos gestores e as políticas públicas
de saúde no município.
Nessa onda de comunicadora comunitária, Kivia não viveu apenas as alegrias e tristezas da
partilha dos problemas e ideias de famílias, jovens, escolas e segmentos sociais e religiosos do
município. A visita da Anatel, acompanhada da Policia Federal, não ficou apenas na
brincadeira feita por Eli Gonçalves. Como todas as rádios comunitárias e como a maioria dos
comunicadores, Kivia também viveu momentos constrangedores.
“Já corri muito com o transmissor na mão pra me esconder da Policia Federal”, recorda a
jovem, que aos 15 anos de idade já participava das formações educativas em comunicação
comunitária oferecidas pelo Moc e, com 16 anos, passou a ser referência na radio comunitária
São Domingo FM.
- Parecia cena de filme a forma como acontecia a perseguição às rádios comunitárias. Uma
vez, tivemos que desmontar a radio inteira dentro de cinco minutos e esconder todo o material
para que não levassem. Reconheço que o trabalho deve ser exercido dentro de uma questão
legal, mas nós, comunicadores, somos perseguidos de forma muito violenta. Quando somos
abordados pela Anatel e a Polícia Federal, a impressão que fica é de que estamos cometendo
um crime, quando na verdade estamos promovendo a transformação social, mobilizando a
comunidade, garantindo os direitos dos cidadãos e a comunicação é um direito humano.
A proposta de ajudar a comunidade e garantir a igualdade de direitos foi bem aceita em São
Domingos por uma grande parcela da população. Uma prova disso foi em 2007, com a vinda
dos agentes da Anatel e da Policia Federal. Quando as pessoas deram conta de que iria haver
uma tentativa de invasão, começaram a se concentrar na frente da rádio na tentativa de
interditar a passagem e evitar o fechamento da São Domingos FM. Kivia ainda era
49
adolescente. “Tive que me esconder, porque eu tinha 16 anos, mas como era uma referência
da radio, se eu estivesse na rua e alguém me indicasse, eu correria risco”, diz a jovem.
Apesar das frustrações que passou durante a caminhada iniciada muito cedo no movimento de
radiodifusão comunitária, Kivia se emocionou ao recordar as conquistas alcançadas em
defender uma proposta de luta por uma sociedade mais justa e pautada numa formação
política e social. Ela foi presidente do Conselho Municipal do Direito da Criança e do
Adolescente (CMDCA) de São Domingos por dois anos, 2010 e 2011, por conta do trabalho
na radio. “O bom é que nossas ações vão além da comunicação comunitária”, destaca.
Tive o primeiro contato com Kivia, em 2005, quando eu e 19 jovens comunicadores do
projeto “Comunicação Juvenil” estruturávamos a Agência Mandacaru de Comunicação e
Cultura (Amac). Kivia e outros 19 representantes das rádios comunitárias, a maioria jovens,
também reestruturavam, naquele momento, a Associação de Rádios e TV’s Comunitárias do
Território do Sisal (Abraço-Sisal).
As duas entidades surgiram paralelamente. No mesmo período em que a Abraço Sisal, em
2004, era articulada por representantes das próprias rádios comunitárias para atuar no campo
da mobilização e estruturação das emissoras, a Amac, em 2005, surgia como resultado do
processo de formação dos jovens comunicadores. A Amac é uma entidade de comunicação
comunitária criada por e para jovens para promover e divulgar o desenvolvimento sustentável
no Território do Sisal e no semiárido baiano.
Kivia acompanhou de perto o processo de reformulação estatutária da Abraço-Sisal, em 2005,
com a finalidade de seguir o padrão estatutário da Abraço em níveis nacional e estadual, mas
mantendo uma identidade territorial.
- Era um período de iniciação, quase nem existia financiamento. Íamos para as atividades com
recursos próprios, para sentar com o pessoal do Moc e os representantes das outras rádios
comunitárias. Tinha meses em que nos reuníamos três vezes até fechar o estatuto.
Já estruturadas desde 2005, a Abraço e a Amac continuaram recebendo assessoria da equipe
de comunicação do Moc. A parceria destas entidades fomenta discussões e articulações com
os movimentos sociais para o fortalecimento da comunicação comunitária nos territórios.
Nestas discussões, eu e Kivia estamos sempre presentes até os dias de hoje. Em 2010, tivemos
o prazer de sermos colegas também na universidade, no curso de Comunicação Social da
Uneb, no campus XIV, em Conceição do Coité.
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A Abraço-Sisal é referência para as emissoras comunitárias. Atualmente, tem 17 rádios
filiadas, das quais 12 funcionam legalmente, inclusive a São Domingos FM, que obteve
outorga definitiva em 2010. O papel da Abraço-Sisal é estar junto às rádios nos processos
jurídicos, promover formação em produção de conteúdos e de programação e fortalecer o
movimento popular.
- Eu não tinha muita compreensão da formação política do movimento de radio comunitária
nem da parte técnica, até eu conhecer a Abraço. Nós ocupamos espaços importantes dentro e
fora do território, um deles foi para assegurar que o curso de Comunicação fosse inserido na
região.
Atualmente, a Abraço-Sisal tem feito o acompanhamento às radios através do projeto
Moringa Cultural. O projeto atua desde 2008. A proposta foi idealizada pela Abraço, com a
colaboração do Moc e a parceria da radio comunitária Juá FM. Atualmente, o projeto conta
também com a parceria do campus XIV da Uneb. Uma das ações estratégicas do projeto foi
realizada por Kivia, em 2012. A jovem acompanhou de perto a programação das 17 radios
filiadas à Abraço. O projeto está no terceiro ano de execução, dando suporte às rádios na
formação e qualificação dos comunicadores. O acompanhamento da programação realizado
por Kivia foi uma forma de monitorar as ações do projeto.
- Eu não me vejo fazendo outra coisa. Hoje sou totalmente diferente e as pessoas percebem
isso, primeiro pela timidez que eu superei. Nós construímos um espaço e ele vem crescendo a
cada dia. Estou morando em Conceição do Coité há um ano e cada vez que eu vou a São
domingos, vou à radio, não apenas por ser diretora, mas para mandar o meu alô para a
comunidade. Muito do que eu sou hoje, os lugares por onde passei, as pessoas que eu conheci
e amizades que construí e as coisas que eu aprendi, devo ao movimento de comunicação
comunitária.
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Kívia ao lado dos jovens, João Netto e Jussara Borges, na atividade de
sistematização das ações de comunicação comunitária, em agosto de 2007.
Kívia durante a oficina de Representação da Cultura na Produção Audiovisual, realizada
pela Amac em parceria com a Uneb de Conceição do Coité em agosto de 2010.
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Kívia com os jovens da Agência Mandacaru, Gilcimar e Bruno, durante a oficina de
audiovisual do projeto cultural "Vamos Roubar Um Boi" desenvolvido pela Amac em
2010
Kívia com a Equipe do Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes
(CMDCA) do Município de São Domingos.
53
COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
“Foi na rádio que eu me descobri tanto pessoalmente como profissionalmente, vivenciei
novas experiências, viagens de intercâmbio, construí boas relações de amizade, adquiri
conhecimentos que vou levar para o resto da vida”, André Nilton.
Quando cheguei à rádio comunitária Independente FM por volta das quinze horas do dia 17 de
setembro de 2013, André Nilton estava se despedindo de um ouvinte. Tinha acabado de
apresentar o programa “Sintonia Independente”, para dar espaço ao jovem comunicador,
Emerson Pablo, que estava à espera para dar sequência à apresentação do programa “A tarde é
nossa”.
Deixamos Emerson na programação e fomos para uma sala ao lado, para uma conversa
diferente das que temos durante as reuniões, capacitações e eventos de que costumamos
participar.
André Nilton Carneiro da Conceição tem 26 anos, é diretor presidente e comunicador da rádio
comunitária independente FM e nasceu no município de Ichu, uma pequena cidade do
Território do Sisal da Bahia. Ichu está localizada entre os municípios de Candeal e Serrinha, a
180 km de Salvador e a 27 km de Conceição do Coité.
É nessa cidade com pouco mais de cinco mil habitantes que André vive até hoje. Ao caminhar
pelas ruas da cidade, além de ser muito cumprimentado pelos ouvintes, recorda-se dos temas
da infância, quando a imaginação dava vida aos brinquedos inventados por ele e os colegas.
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- Vivi muita coisa boa na minha infância, nossas brincadeiras eram muito criativas, hoje em
dia não se tem mais esse costume de brincar de bola na rua, fazer carro de lata... A era da
tecnologia acaba tirando um pouco disso.
Como filho de agricultor, a adolescência de André também foi dedicada às atividades na
lavoura, como o plantio de milho e feijão. Foi ainda na adolescência que ele e o cunhado,
Agnoel Almeida, tiveram a ideia de fazer uma horta. Produziam uma variedade de hortaliças,
como alface, coentro, pimentão, tomate, cebolinha e couve, além de verduras, cenoura,
abóbora e batata. André e o cunhado comercializavam esses produtos orgânicos nos
domicílios do município de Ichu e quando a produção aumentava, comercializavam também
no município de Candeal.
Devido aos fortes períodos de estiagem, as aguadas da propriedade secaram. André cultivou
as hortaliças até 2002 e parou por falta de irrigação.
- Meus pais não tiveram a oportunidade de estudar, isso foi motivo para eles valorizarem o
nosso estudo e nos incentivar, embora eu não tenha me dedicado a levar adiante, só terminei o
ensino médio.
Mas a história de André não ficou apenas nas hortaliças. Quando a rádio Independente FM
surgiu no município, em 1998, André a visitava quase todos os dias. Curioso, observava cada
detalhe, como funcionava. Foi observando os outros comunicadores que ele aprendeu
controlar os canais da mesa de som.
Começou a colocar a técnica em prática quando o irmão mais velho dele, Adailton Carneiro,
passou a apresentar o programa “Acordar pra vida”. O jovem passou a acompanhar o irmão
todas as noites de quarta-feira, dia em que o programa era apresentado, para ajudar na
sonoplastia.
- Dava um trabalho danado, comparado a hoje, mas era divertido. Eu acabei tomando gosto
pela atividade. Na época, não tinha computador na rádio e toda a programação era pelo toca-
CD e fita cassete. Foi assim que fui me inserindo na programação.
A primeira participação de André como comunicador na Independente FM foi no jornal,
divulgando os destaques esportivos. Em 2004, passou a apresentar com o pai, seu Manoel
Cosme da Conceição, um programa musical na radio, voltado para a cultura do campo. O
programa tocava chula, batuque, reisado e samba de roda. Em 2012, André deixou o
programa, que continua a ser apresentado por seu Manoel.
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- O programa hoje é bem aceito. No inicio, havia uma rejeição, principalmente dos jovens que
não valorizavam um programa dessa categoria. Eu fui o único jovem da rádio Independente a
apresentar um programa para um público idoso e com a valorização da cultura popular. A
comunicação comunitária é para toda a comunidade.
Atualmente, além de presidente da rádio, André é responsável por apresentar o jornal
comunitário todas as segundas, do meio-dia às 13 horas junto com Emerson Pablo. E de terça
a sexta-feira, do meio dia às 15 horas, André apresenta o programa “Sintonia Independente”,
que mistura música e informação. A rádio conta com uma equipe de dez comunicadores
envolvidos diretamente na produção diárias de pautas e notícias. As informações alimentam o
site da rádio (independentefm.com) que também transmite a programação ao vivo da rádio.
- Hoje muitas pessoas acompanham a programação pela internet também, com essa
alternativa, o noticiário diário é acompanhado pelo site da rádio. Como não temos estrutura e
disponibilidade de apresentar um jornal diário, apresentamos o jornal semanal com estes
destaques que foi noticiado durante a semana, essa é uma forma de manter informados os
ouvintes que não acompanham a programação pela internet.
Desde 2005, o jovem vem participando de capacitações. Começou nas que eram oferecidas
pela Abraço-Sisal, em parceria com o Moc e o Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para
o Desenvolvimento Social (Disop-brasil). Foi nas capacitações que André aperfeiçoou suas
habilidades de comunicador comunitário. Os cursos foram essenciais para o desenvolvimento
profissional e pessoal do jovem. Até 2008. Antes de a rádio ser legalizada, ele acompanhou os
momentos mais difíceis da emissora.
Antes da legalização, a Independente FM não tinha local fixo para funcionar. A cada visita da
Anatel e da Polícia Federal, os equipamentos eram apreendidos. E quando a radio conseguia
reabrir, já não era no mesmo local.
-Chegamos a mudar de local umas dez vezes, porque a gente não tinha sede própria. Quando
as rádios sabiam que a Anatel estava pela região, entrávamos em contato umas com as outras.
Mas, na maioria das vezes, eles chegavam de surpresa, nem todas as rádios ficavam sabendo.
Em 2005, já em processo de legalização, a radio chegou a ficar cinco meses fora do ar, depois
de ter os equipamentos apreendidos pela Anatel. A comunidade sentiu falta da rádio e
começou a cobrar dos comunicadores a volta dela ao ar.
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- Nos mobilizamos com a comunidade e viabilizamos outros equipamentos. Voltamos ao ar
com uma programação mais curta, das 18 às 22 horas, porque o transmissor que conseguimos
era caseiro. Continuamos fazendo campanhas até que conseguimos comprar um transmissor
homologado, ou seja, com o selo de aprovação da Anatel.
A rádio funcionou com horário reduzido durante dois anos e só voltou a funcionar
integralmente após receber a outorga provisória, em setembro de 2007. A outorga definitiva
saiu cinco meses depois, em fevereiro de 2008. André se sente feliz de estar presente em 12
dos 15 anos de existência da rádio. “Minha vida profissional se resume à rádio”, diz o jovem.
A Independente FM tem um quadro de vinte comunicadores e diretores e mais de cinquenta
associados.
Todos os comunicadores são voluntários da rádio, apenas três que são comunicadores fixos,
responsáveis diretamente pela programação diária, são remunerados com uma ajuda de custo
no valor de R$ 130 e mais 30% do que arrecadam de apoio cultural, um deles é André,
“muitas vezes nós nem recebemos a porcentagem, o que entra de apoio cultural é cerca de
seiscentos reais, depende do mês”, revela André. Os demais comunicadores atuam como
voluntários a noite e nos finais de semana.
- É muito importante a comunicação comunitária aqui no município, pois me desenvolvi mais,
adquiri mais conhecimentos e até o reconhecimento das pessoas. É muito gratificante. Já
tentei sair da radio, mas tenho tanto amor pelo que faço, que não consigo me afastar, por mais
que eu tente.
Uma das atividades de que André está participando são as formações do projeto Moringa
Cultural. Desde o inicio do projeto, ele representa a Independente FM e multiplica os
conteúdos na rádio. Todas as orientações e informações que André recebe nas oficinas ele
repassa para os outros colegas da rádio, a proposta é que todos os comunicadores sejam
atendidos com os conteúdos visto que o projeto não dispõe tem verba suficiente para atender
todos os comunicadores ao mesmo tempo.
-Antes da radio, eu não tinha nenhuma perspectiva de vida. Foi na rádio que me descobri
tanto pessoalmente, como profissionalmente. Vivenciei novas experiências, viagens de
intercâmbio, construí boas relações de amizade e adquiri conhecimentos que vou levar para o
resto da vida. A comunicação comunitária nos envolve de tal maneira com as pessoas ao
nosso redor... É o reconhecimento delas é o que faz com que eu permaneça na luta, fazendo a
57
minha história. Na verdade, nunca acreditei poder fazer um bom trabalho se não tiver prazer
pelo que faço.
André representando os jovens do Território do Sisal no Fórum Social Mundial em
Belém do Pará, 2009.
André na cobertura e entrega do troféu do campeão de futsal de veteranos de Ichu,
2009
58
COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
“Passei a entender a comunicação comunitária como um terreno fértil para a juventude, um
campo de luta pela busca de incentivos de políticas públicas, um espaço desafiador”, Givaldo
Souza.
A fazenda Olhos d’Água fica a 22 km do município de Santaluz, entre as comunidades de
Miranda e Serra Branca. Foi nesse ambiente agrícola, habitado por famílias humildes e
trabalhadoras que o pedagogo Givaldo do Carmo Souza, 28 anos, cresceu ao lado dos avós
maternos, seu José Pio do Carmo e dona Ernegilda do Carmo.
A infância de Givaldo foi marcada pela valorização e respeito às tradições rurais. O vínculo
com a terra e os animais, a religiosidade, o convívio familiar e as antigas histórias contadas
pelos mais velhos ainda estão presentes na lembrança do jovem.
- Fui morar com meus avós maternos aos dois anos de idade, quando meus pais se separaram.
Eu tinha um vínculo muito grande com eles. Na casa dos meus avós moravam quatro netos,
além de mim, e ainda tinha os que chegavam para passar férias e fins de semana. Era um
ambiente muito movimentado e eu vivia naquele conforto de ter a companhia dos primos e de
meus avós, que eram meus pais também.
Givaldo estudava na comunidade de Serra Branca e participava das atividades culturais de fim
de semana na comunidade de Miranda, geralmente missas e jogo de futebol. Numa época em
que não havia transporte escolar, ele ia a pé todos os dias para a escola que ficava a 5 km de
sua casa.
59
-Era difícil encarar o desafio, mas se tornava divertido porque íamos eu e mais um grupo de
10 adolescentes.
Aos 16 anos, quando ainda estudava em Serra Branca, Givaldo ingressou no grupo de jovens
da igreja católica da comunidade de Miranda. O jovem - que sempre gostou de ler e reunir
conteúdos temáticos para discutir com os colegas - logo passou a acompanhar o grupo e
conhecer a Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Miranda (AMPPM), que
propôs a ele trabalhar com os jovens temas como sexualidade, doenças sexualmente
transmissíveis (DST’s) e planejamento familiar.
A associação propôs esses temas após perceber os altos indícios de gravidez precoce na
comunidade. O que aconteceu de forma espontânea foi como uma chave abrindo as portas
para Givaldo enxergar a importância de reunir os jovens para discutir assuntos que pudessem
contribuir no dia-a-dia deles.
Os jovens da comunidade de Miranda eram carentes de espaço para se comunicar. O grupo de
jovens foi a oportunidade de se encontrarem para discutir temas que contribuíssem com o
conhecimento de suas realidades, limitações e potencialidades.
Antes de conhecer a associação, Givaldo tinha a visão de que era um espaço apenas para
idosos. De fato, ele não estava pensando errado. A juventude da comunidade ainda não havia
se inserido naquele espaço, o público da associação eram os pais, avós, tios e tias dos jovens
que participavam do grupo.
-Todos nós pensávamos assim, não queríamos saber de associação, todo final de semana a
gente ia para a comunidade jogar futebol, paquerar as meninas... até que um dia provoquei um
colega, Plenildo Reis: “Vamos lá na associação?”
- Ah, mas lá só tem velho, o que a gente vai fazer lá?, indagou o colega.
- Mas vamos assim mesmo, insistiu Givaldo.
Quando chegaram à associação, a comunidade estava debatendo a situação do lixo na
comunidade, pois estava sendo jogado numa localidade indevida e acabava retornando para a
rua. Nesse dia, Givaldo teve o primeiro choque da realidade social em que vivia.
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Comunicação transforma vida de jovem

  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV LIVRO-REPORTAGEM EU COMUNICO, NÓS COMUNICAMOS: A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA PROTAGONIZADA POR JOVENS NO TERRITÓRIO DO SISAL CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013
  • 2. 1 Camila Oliveira Santos EU COMUNICO, NÓS COMUNICAMOS: A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA PROTAGONIZADA POR JOVENS NO TERRITÓRIO DO SISAL CONCEIÇÃO DO COITÉ 2013
  • 3. 2 Santos, Camila Oliveira S237j Eu comunico, nós comunicamos: a comunicação comunitária Protagonizada por jovens no território do sisal --/ Camila Oliveira Santos. Conceição do Coité: O autor, 2013. 89fl.; 30 cm. Orientador: Profª. MS. Nísia Rizzo de Azevedo. Trabalho de Conclusão de curso - TCC (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Conceição do Coité, 2013 1. Juventude. 2. Comunicação. 3. Protagonismo 4. Território. I. Nísia Rizzo de Azevedo. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação – Campus XIV. III. Título. CDD 305.235 -- 20 ed. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Departamento de Educação – Campus XIV - UNEB
  • 4. 3 SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS -------------------------------------------------------------------------------------04 APRESENTAÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------06 MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DO SISAL ------------------------------------07 I- SEMEANDO HISTÓRIAS DE TRANSFORMAÇÃO -----------------------------------------08 1- Em sintonia com a comunidade ----------------------------------------------------------09 2- O Artilheiro do Rádio ---------------------------------------------------------------------22 3- Mais que uma jornalista, uma educadora popular ------------------------------------31 4- Comunicação comunitária, um desafio em busca da sustentabilidade --------------38 II-JOVENS LÍDERES E ENGAJADOS ------------------------------------------------------------45 1- Comunicação e Participação -------------------------------------------------------------46 2- Comunicar para se desenvolver ---------------------------------------------------------53 3- Comunicação e Participação Social ----------------------------------------------------58 4- Em defesa dos Direitos das Crianças e Jovens ----------------------------------------65 III-PROTAGONISTAS DE UM NOVO TEMPO -------------------------------------------------74 1- A voz jovem de Ribeira ------------------------------------------------------------------75 2- Voz ativa na zona rural de Quijingue --------------------------------------------------80 IV- CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------87
  • 5. 4 SIGLAS ADR – Agentes de Desenvolvimento Rural APAEB-Araci – Associação dos Agricultores Familiares do Município de Araci APAEB-Serrinha - A Associação dos Pequenos Agricultores Familiares do município de Serrinha ABRAÇO-SISAL – Associação de Rádios e Tv’s Comunitárias do Território do Sisal AMAC- Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura ASCOOB- Associação das cooperativas de Apoio a Economia Familiar ANDI- Agência Nacional dos Direitos da Infância AMPPM – Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Miranda ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações CPD- Comunicação Pelos Direitos CMJS- Coletivo Municipal de Jovens de Santaluz CRJPS- Coletivo Regional de Juventude e Participação Social CEAIC- Centro de Apoio aos Interesses Comunitários CMDCA- conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CEMINA – Comunicação, Educação, Informação e Gênero CODES- Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região do Sisal DENTEL- Departamento Nacional de Telecomunicações DSTS – Doenças Sexualmente Transmissíveis DISOP-Brasil – Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para o Desenvolvimento Social FATRES- Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares da Região do Sisal e Semiárido da Bahia IDH – Índice de Desenvolvimento Humano JAPES- Jornada Avaliativa de Projetos Econômicos Educativos e Sociais MOC – Movimento de Organização Comunitária
  • 6. 5 MEC- Ministério da Educação MCP- Movimento de Comunidades Populares MDA-Ministério do Desenvolvimento Agrário PETI- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PEJR- Programa Empreendedorismo do Jovem Rural PCJ – Projeto Comunicação pelos Direitos PROUNI- Programa Universidade para Todos P1MC – Programa 1 Milhão de Cisternas SETRAS – Secretaria de Trabalho e Ação Social SEAS – Secretaria de Estado e Ação Social SISU- Sistema de Seleção Unificada UNICEF- Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICAFES-Bahia - União de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Estado da Bahia UNEF- Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana UNEB- Universidade do Estado da Bahia UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana UFBA- Universidade Federal da Bahia UNIRR – União e Inclusão em Redes de Rádio
  • 7. 6 APRESENTAÇÃO Esta produção revela a inserção dos jovens do Território do Sisal nos mais diversos espaços de proposição das politicas públicas em diferentes espaços. Seu principal objetivo é mostrar, a partir de uma coletânea de perfis jornalísticos, as histórias de vida dos jovens protagonistas da comunicação comunitária no Território. Para chegar à proposta deste livro, busquei inspiração em diversas experiências em comunicação comunitária espalhadas pelo Território do Sisal e que têm a participação efetiva de jovens. Estamos falando de jovens que têm uma marca significativa em suas comunidades de origem, por viverem em municípios rurais, serem filhos de agricultores, conviverem dia-a- dia com as limitações de chuvas e, mesmo assim, conseguirem se sobressair diante dos desafios e criar alternativas para a melhoria das condições de vida de suas famílias, buscando obter acesso e intervenção nos processos de implementação de políticas públicas. Em todas essas experiências, o protagonismo juvenil marca não apenas a participação de jovens no processo de construção da comunicação, como também na permanência e inserção de novos atores na reconfiguração desse processo que consideramos em constante desenvolvimento. A participação dos jovens no campo da comunicação comunitária amplia as oportunidades de se desenvolverem e, consequentemente, fortalece sua capacidade de escolher, por se tratar de uma ferramenta de mobilização e inserção de adolescentes e jovens. Neste livro, terão dez histórias de vida narradas, espera-se que as histórias propiciem o conhecimento acerca do papel social da juventude organizada do Território do Sisal, cujo exemplo venha a se tornar uma referência para outros jovens e para as organizações das quais eles participam. Sobretudo, espera-se que o testemunho deles contribua para o desenvolvimento de outras práticas educativas e comunicativas.
  • 8. 7
  • 10. 9 EM SINTONIA COM A COMUNIDADE “Fazer comunicação comunitária é estar em sintonia com a comunidade e eu posso dizer que a minha vida está toda dedicada a isso”, Edisvânio Nascimento. Quando eu cheguei à Rádio Santaluz FM, na manhã de quarta feira-feira, 18 de setembro, Edisvânio Nascimento já estava a minha espera depois de já ter apresentado o programa “Manhã Legal” e preparado todo o jornal para ir ao ar ao meio dia. É sempre prazeroso o abraço com que me recebe ao longo dos nove anos em que nos conhecemos, anos que não foram suficientes para eu conhecer toda a sua história até ocorrer essa conversa de pouco mais de uma hora. Edisvânio do Nascimento Pereira, 35 anos, é diretor executivo da rádio comunitária Santaluz FM, premiado pelo Unicef e pela Agência Andi e membro titular do Conselho Estadual de Comunicação. O jovem nasceu em berço humilde, em uma fazenda chamada Boa Vista, no município de Quijingue, a 322 km da capital Salvador e a 136 km de Conceição do Coité, na região sisaleira da Bahia. Quijingue é uma palavra indígena originada dos kiriris e significa caatinga fechada, estas tribos ainda predominam nos limites entre o município e as cidades de Ribeira do Pombal, e Banzaê no sertão baiano. Filho de lavrador Marcelino do Nascimento Pereira e doméstica Josefa Soares de Matos Pereira, portador de baixa visão desde o nascimento e como consequência disso, foi vítima de perversas formas de violência e preconceito. Nenhum destes desafios superou sua vontade de vencer na vida.
  • 11. 10 Sua trajetória de desafios, alegrias, tristezas e conquistas começou aos sete anos de idade, quando passou a frequentar a escola. - Pra mim, foi um grande feito poder ir para a escola com essa idade, primeiro porque Quijingue, há 28 anos, era muito subdesenvolvido, com IDH muito baixo em relação ao que se tem hoje. E eu era nascido na zona rural, de família humilde e com problema na visão. O que esperar de uma situação como essa? Foi na Escola Municipal da Fazenda Sítio, ainda em Quijingue, que Edisvânio vivenciou seis anos até concluir a terceira série, tendo que parar por três anos intercalados pelas limitações na visão e para buscar tratamento em decorrência de fortes dores de cabeça e nos olhos. Foi nesta mesma escola que o jovem vivenciou também os impactos do tratamento preconceituoso por parte dos alunos e até dos pais de alunos que visitavam a escola. Numa época em que uma mesma cadeira era ocupada por dois alunos, muitos se negavam a sentar ao lado de Edisvânio. Restava-lhe apenas a companhia do irmão mais velho, Edilson do Nascimento Pereira, que logo avançou no estudo e teve que mudar de turno. Durante nossa conversa, Edisvânio falou pausadamente, das formas de violência e descriminação que sofria na escola, na medida em que retirava os óculos para secar as lágrimas que não foi possível segurar depois de recordar o passado. Os momentos que marcaram a passagem de Edisvânio nessa escola foram as datas comemorativas, pois na maioria ele ficava de fora. Aos 13 anos, uma semana antes da comemoração do Dia do Estudante, em 1991, Edisvânio garantiu à professora que faria uma apresentação. - A professora me perguntou: o que você vai apresentar? -Ainda não sei, mas eu vou apresentar, respondi. Ao chegar em casa, trancou-se no quarto e rejeitou o almoço com a desculpa de que estava com dor de cabeça, que era a rotina de Edisvânio em função do problema na visão. -Mas a verdade é que, naquele dia, eu não sentia dor de cabeça, eu estava fazendo um desabafo. Foi nesse dia que nasceu a minha primeira poesia, “O deficiente visual”, que levei para apresentar na semana seguinte. E quando eu disse que ia apresentar, foi motivo de chacota. “O deficiente visual” emocionou todos os que estavam presentes na comemoração e também serviu para quebrar as barreiras que impediam os colegas de se aproximarem de Edisvânio. A partir daquele dia, houve adesão ao quadro de amigos.
  • 12. 11 A quarta série do ensino fundamental era oferecida em uma escola de outro povoado, a 4 km de sua casa. Edisvânio ia andando todas as tardes, no calor da seca de 1993, mas no primeiro dia levou consigo o drama maior que viveu nos anos anteriores. - Quando eu chegar lá, o que vai ser de mim? Vou sofrer!, pensava ele. Mas foi surpreendido na Escola Municipal da Fazenda Alto Alegre, sendo acolhido pelos colegas e pela professora Lucia, da qual recorda com apreço. Nesse período, Edisvânio já gostava de escrever e arriscava algumas notas no violão. O ciclo de amizades fortaleceu o jovem, mas depois que o ano acabou, a quinta série era oferecida no município apenas em escola particular. Por isso, mudou-se para Santaluz, em 1994, levado pelo tio materno, Cornélio de Matos. Em função da falta de recursos para se submeter a um tratamento em São Paulo, mais uma vez teve que recuar devido às fortes dores nos olhos. - Quando eu concluí o ensino médio, já tinha 23 anos de idade, em decorrência dessas paradas, de não estudar porque o olho doía, o óculos não dava conta de atender a minha situação e eu tive que parar mesmo. Quando voltou a estudar, Edisvânio foi vítima das mais violentas formas de discriminação. “Eu tomei de tapa, cuspe, me atiravam bola de papel, furada de caneta... foi uma violação absurda e eu não podia fazer muita coisa, eu ia para a direção da escola”, conta. Depois de uma pausa, ele continua: “Adolescente, com 16 anos e com desejo de vencer, cada vez que eu ia à direção da escola, a professora Vanda, dizia que ia chamar meu tio, que era responsável por mim e eu implorava que não o chamasse”. - Por que não? - Porque se ela chamasse meu tio, minha mãe ia saber e ia me tirar da escola e me levar de volta para Quijingue, porque a intenção dela era me proteger, mas eu queria muito estudar, se eu voltasse iria parar minha vida porque lá a gente não tinha condições. A professora Vanda que ouvia atentamente as lamentações de Edisvânio e o aconselhava foi à mesma que ele adotou como madrinha, pelos dogmas religiosos da Igreja Católica, e por quem diz ter muito apreço. “Foi pra mim uma mãe”. Além da professora, outro aliado de Edisvânio Nascimento foi o colega de turma, Frank, que ao presenciar as agressões interferiu, dizendo que ninguém poderia fazer aquilo com o “Mano Edi”.
  • 13. 12 - É assim que ele me chama até hoje. Todo mundo temia Frank, na época ele era faixa marrom de karatê, pegou em meu braço e saiu andando comigo no corredor da escola e naquele momento eu me senti forte. Desde então, eu só saia da escola com Frank e ele me acompanhava até próximo de casa, um grande amigo. Nas escolas por onde Edisvânio passou, não cometeu nenhum ato de indisciplina, ainda que tivesse motivos para isso. Afinal, agressões físicas e psicológicas sempre o acompanharam. Em Santaluz, a rotina do jovem se resumia a ouvir rádio, ir para a escola e a biblioteca, onde lia todas as manhãs. Foi na biblioteca que conheceu o poeta de Santaluz, Nelci Lima da Cruz. Dois anos depois, em 1996, Edisvânio lançou seu primeiro cordel, chamado "Fim dos Tempos". O jovem passou a gostar de literatura de cordel ouvindo no rádio. Os anos 90 proporcionavam muito esse espaço para repentistas e cordelistas nas emissoras. Foram muitos os cordéis que Edisvânio escreveu, mas apenas dois foram publicados. Depois de ficar conhecido e ser chamado a apresentar no pátio da escola, também passou a ser “cupido” para muitos rapazes da escola que utilizavam suas poesias para conquistar as meninas. Em 1998, lançou “A luta de Zé Luiz pelo amor de Rosinha”, o cordel foi inspirado na lembrança dos “causos” e casos de antigos casamentos obrigados pelos pais e conta a história de jovem pobre que luta pelo amor de uma moça que era filha de um coronel fazendeiro, cujos nomes são fictícios e de identidade do nordeste. Mas a pretensão dele ainda é publicar o primeiro poema que escreveu, aos 13 anos, com a pretensão de desabafar o que sentia ao ser discriminado. - “Quem dera eu poder enxergar, para ver as crianças e pra ver o fruto do pomar. Quem dera eu poder enxergar bem, pra sorrir e cantar e andar com você também...” Era mais ou menos assim, eu tenho até hoje guardado. Além da literatura de cordel, outro fator que permitiu Edisvânio estar ao lado dos colegas foi o movimento estudantil, no início de 1997. Inquieto com os direitos estudantis esquecidos, ele se uniu aos colegas para cobrar dos representantes a melhoria na qualidade do Centro Educacional Nilton Oliveira Santos (Cenos). Naquele período, a intervenção do jovem junto aos colegas foi cobrar a construção de salas de aula e de vídeo, instalação de bebedouros e transporte para os alunos que, até o final de 1997, usavam paus-de-arara.
  • 14. 13 Edisvânio chegou à presidência do grêmio estudantil em 2000, disputou a eleição na escola onde estudavam cerca de 3000 alunos e só deixou o grêmio após concluir o ensino médio, em 2001. O envolvimento no movimento estudantil permitiu o diálogo com outras organizações sociais do município, sindicatos, associações e cooperativas que já enxergavam o potencial do jovem e o indicaram para o movimento de radiodifusão. O movimento de Rádio Comunitária nasceu um pouco antes do movimento estudantil, em 1996, nos municípios de Valente e Tucano. Ambos os municípios colocaram rádios no ar em 1997. Nesse período, outros municípios já discutiam as viabilidades de também terem uma rádio comunitária. Para ter um programa de rádio, as entidades pagavam um salário mínimo e ainda eram censuradas, precisavam divulgar a política do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e fazer as denúncias de exploração do trabalho infantil. Mas as denúncias eram vetadas nas rádios comerciais, porque havia empresários ligados a governos. O Peti nasceu em Retirolândia, em 1998, para conter a exploração de crianças trabalhando no sisal e depois em Santaluz, com as crianças trabalhando nas pedreiras. No mesmo ano, o movimento começou ganhar corpo e as entidades se reuniam para discutir políticas de comunicação. As rádios comunitárias, a exemplo da Arcos FM que hoje é Estrela FM de Retirolândia, e Santaluz FM, surgem nesse mesmo período e foram o primeiro canal de expressão dos movimentos sociais para denunciar o trabalho infantil e mobilizar a comunidade. Ouvindo as rádios Sociedade da Bahia, a rádio Globo do Rio de Janeiro e a Nacional de Brasília, Edisvânio ficava imitando os locutores e alimentando o sonho de um dia poder ser um deles. Sua meta era terminar os estudos e um dia trabalhar numa rádio. Ele só não sabia que essa rádio seria a comunitária Santaluz FM. Quando a associação foi criada, em 21 de maio de 1998, Edisvânio foi convidado pelo então amigo, Manoel de Leia, para fazer parte do quadro de comunicadores. Ao chegar à rádio, em 18 de julho do mesmo ano, pensava que estava indo fazer um treinamento, mas a surpresa foi maior. - Não houve treinamento para ninguém. Ninguém sabia de nada. Tanto que a concepção de todas as rádios era de que dando entrada no Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel), já poderiam estar autorizadas a funcionar.
  • 15. 14 O primeiro horário de Edisvânio na rádio foi das nove e trinta às onze horas da manhã, quando o jovem começou a informar e dar voz à comunidade com o auxilio de um deck de fita e um de CD. - Pulava mais do que tocava. Sorriu. A primeira pessoa que entrevistou foi José Paulo Ferreira, uma das lideranças politicas e dos movimentos sociais da região, para falar dos festejos e das comemorações do aniversário da cidade. “Eu termia de nervoso”, conta Edisvânio. “Mas eu sempre ouvia entrevistas na rádio, ouvia os grandes entrevistadores em rádio AM, que pra mim era uma boa escola, mas eu falo de rádio AM que se preza”, conclui, sorrindo. José Paulo na época também fazia parte da diretoria da rádio e admirou a postura de Edisvânio. Ao finalizar a entrevista, o jovem foi questionado por José Paulo, se já havia trabalhado em alguma rádio. - Nunca! – respondeu. Quando o Movimento de Organização Comunitária (Moc) iniciou o processo de assessoria às rádios, em 1999, Edisvânio participava das capacitações e logo tomou gosto pela área jornalística. Passou a denunciar também a exploração infantil e irregularidades na gestão das politicas publicas no município. Consequentemente, começou a ser perseguido e ameaçado. As dificuldades desse período remetiam também à estrutura decadente da Santaluz FM. Edisvânio apresentava o jornal com a estrutura de um deck de fita das antigas vitrolas, um toca CD e um relógio com uma fonte tão minúscula que lhe permitia errar a hora todos os dias, além das cartas anônimas que recebia chamando-o de fracassado. -Você pensou em desistir? - Sim, em vários momentos. Mas eu pensava: “Se eu já vim até aqui, vou continuar!”. Mas foram bem marcantes os três primeiros anos, de muito preconceito externo e interno, por parte de alguns colegas que também não entendiam as minhas limitações. Muita gente me carregou nos braços, mas outros queriam me atirar ladeira abaixo. Edisvânio faz questão de lembrar e de reconhecer que deve muito a sua formação e caráter aos pais, que desde cedo lhe ensinaram esses valores. E a outra parte do que ele é hoje é fruto desse processo de formação em radiodifusão comunitária.
  • 16. 15 - A comunicação comunitária me mostrou a cada dia que eu precisava me tornar ainda mais humano, ouvir as queixas das pessoas, as dores, os dramas, os choros, as perdas, as lamentações, mas também partilhar as alegrias, sorrisos e abraços. Esse foi um processo que me ensinou a entender que o trabalho com rádio precisa ser mais humanizado. Mas os desafios não acabaram, na verdade apenas começaram. Edisvânio é o arquivo vivo de quem sofreu ameaças e perseguições por defender os direitos dos cidadãos e a liberdade de expressão. Sua principal bandeira na rádio ainda é a garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Eu o conheci em 2002, no Seminário Regional de Comunicação, em Valente. Estreitamos o contato quando entrei no projeto Comunicação Juvenil, em 2004. Entre estes dois anos ocorreram dois exemplos emblemáticos das torturas. Em 2002 ele foi obrigado por uma delegada da Policia Federal a entrar na viatura onde ficou das 10 horas da manhã até às 18 horas, sendo obrigado a procurar um dos diretores da rádio, que não se encontrava na cidade. Não existia naquele período na cidade nenhum sistema de telefonia móvel. Edisvânio também não possuía telefone celular. Pior do que passar todas essas horas preso na viatura, foi suportar as ameaças feitas a ele. No carro estavam a delegada, um oficial da Policia Federal e um agente da Anatel. - Eu tentava ser brando a todo o momento, eu não falava nem nesse tom que eu estou falando com você agora. Ameaçaram me levar para Salvador e eu disse que podiam me levar, porque eu estava perdido. Foram situações difíceis. Não cheguei a ser agredido fisicamente. O pior foram as ameaças e torturas psicológicas, do tipo: “Se sairmos daqui e pegarmos a estrada, você tem ideia do que pode acontecer com você?” Ela olhava para os colegas na viatura, depois olhava pra mim e dizia: “Eu não tenho pressa.” Eu me sentia impotente e ao mesmo tempo um bandido. E foi assim até o cair da noite, quando ela me liberou e disse: “Vá embora, mas vá sabendo que estamos de olho em você!” Em 2004, Edisvânio foi submetido ao mesmo procedimento, desta vez não em uma viatura, mas em um carro comum. Ele participava de um evento do Unicef, em Salvador, que tratava justamente do papel da comunicação comunitária para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Ao retornar a Santaluz, cheio de expectativas, quando desceu do ônibus foi abordado por uma pessoa que lhe questionou: - É você que é Edisvânio Nascimento? - Primeiramente, bom dia! Da parte de quem? Respondeu
  • 17. 16 - Polícia Federal. Disse o delegado, apontando o distintivo. O delegado logo tratou de informar que havia uma denúncia de uma “rádio pirata” usada por ele. É assim o termo usado por muitas autoridades quando se referem à rádio comunitária. - O senhor tem mandado de busca e apreensão? Perguntou. -Muito bem, aqui está! Disse o delegado, mostrando o documento. Quando Edisvânio pediu que esperassem ir em busca da chave da rádio, o delegado o obrigou a entrar no carro. Depois de lutar por direitos, justiça social, falar de irregularidades e buscar um mundo melhor para os meninos e meninas, o jovem se sentiu um marginal quando entrou no carro e viu as armas ocupando o espaço onde ele mal podia colocar os pés. A lembrança do episódio, mais uma vez, encobriu Edisvânio de emoção. -Eu fiquei me perguntando: “Deus, onde eu estou afinal? Que leis são essas e que mundo é esse?” Chorou. Naquele momento, também fiquei sem palavras. Apesar de conhecer este fato, foi a primeira vez que ouvi ele contar em detalhes. Fatos semelhantes também ocorreram com os comunicadores Tony Sampaio, na rádio Valente FM, ao ser agredido pela Policia Federal; e Amarilson Brandão, de Retirolândia, que saltou um muro de três metros para não ser agredido pelos policiais federais que queriam arrombar a porta de acesso à rádio. Logo após a abordagem de Edisvânio pelo delegado, a Santaluz FM teve de ser fechada, pois a Polícia Federal apreendeu todos os equipamentos. O desgaste da imagem do radialista e da repercussão que o fato gerou no município também foram fatores que abalaram Edisvânio. Muitos deles foram plantados por políticos, empresários e pessoas da sociedade, que acreditavam que ele estava errado. A solução para evitar esses problemas foi antecipar a retirada da rádio do ar até que tivesse um resultado do processo. Quando a Policia Federal e a Anatel voltaram a Santaluz para fechar a rádio comunitária, no final de maio de 2007, já a encontraram fora do ar. Até que saísse um resultado do processo que tramitava no Ministério das Comunicações, Edisvânio foi responsável por manter o diálogo com a comunidade, mesmo com a rádio fora do ar. O contato com a população e a representação da Santaluz FM continuaram existindo na região e no município. Nesse período, início de 2007, enquanto o governo se voltava contra o trabalho da rádio e, por que não dizer, dos comunicadores, existia uma ong com atuação
  • 18. 17 internacional apostando no trabalho da Santaluz FM. A rádio estava com um projeto aprovado pela Brasil Foundation, uma organização não-governamental que apoia iniciativas da sociedade civil brasileira que promovem o desenvolvimento e a transformação social. O projeto, “Partilhando Comunicação com a Comunidade”, objetivou o fortalecimento de aspectos que interferiam na proposta de saberes e novos conhecimentos, além de intervir na formação na formação cultural e educativa de indivíduos. Foi no mesmo ano também que Edisvânio recebeu da Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi), em Brasília, o prêmio Jornalista Amigo da Criança. Mesmo não sendo jornalista por formação, o jovem foi premiado pelo reconhecimento de seu trabalho em prol da garantia dos direitos das crianças e adolescentes do Território do Sisal. Na ocasião, utilizou um discurso inflamado devido às últimas ocorrências. - Me sinto hoje regozijado por receber da Andi um prêmio de reconhecimento pelo meu trabalho, mas devo dizer, ao mesmo tempo, que me sinto também marginalizado pelo governo, que infelizmente está querendo calar a nossa voz. O discurso de Edisvânio repercutiu e resultou em pressões por parte dos parceiros. O Jornalista Dioclécio Luz escreveu um artigo publicado no Observatório da Imprensa, a revista Repórter Social também publicou uma entrevista com ele e a repercussão desse fato possibilitou que, em menos de três meses, o processo de outorga da rádio fosse desarquivado e encaminhado para a avaliação do Ministério e para o Congresso. Em menos de um ano, a rádio foi outorgada. - Não houve intervenção de político nenhum. O que fez a rádio ser legalizada foi o resultado das lutas e das denúncias que foram acontecendo. Os parceiros de organizações sociais não conseguiam compreender como é que se tem um trabalho com uma relevância social a ponto de ter um reconhecimento nacional e o governo chama de “pirata”. A Santaluz FM foi reaberta legalmente com a outorga em 2008. Atualmente, tem 21 diretores, da presidência ao conselho comunitário, e um quadro de 14 comunicadores, entre eles também os voluntários. O quadro de diretores e comunicadores é formado por jovens. “Eu sou um deles”, afirma Edisvânio, com um largo sorriso. Hoje, aos 35 anos, Edisvânio se sente ainda com os mesmos 20 anos com que iniciou no movimento, porém mais experiente. - Eu comecei cedo no movimento de rádio comunitária. Aos 20 anos. Hoje já tenho metade de 70 [sorri] e estou aqui ainda. Penso que nós devemos carregar sempre os sonhos e a
  • 19. 18 renovação. Eu me sinto mais jovem do que sou, tudo que eu sou é resultado dos meus sonhos e devo zelar. É com a energia de jovens como Edisvânio que nascem os movimentos juvenis e a história da comunicação comunitária no Território do sisal é discutida dentro das organizações e contextualizada dentro dos movimentos de juventude. Os jovens tomaram a frente e até hoje vêm ajudando a construir esse processo. - Quando falo da comunicação comunitária, reforço dizendo que para fazer comunicação comunitária não é necessariamente preciso estar dentro de uma rádio, mas ocupar os espaços e levar a comunicação até um espaço que tenha possibilidade de difundir essas informações. Quando você contribui com a expansão das informações, de alguma forma você está fazendo comunicação comunitária, sem necessariamente estar inteirando a rádio. Fazer comunicação comunitária é estar em sintonia com a comunidade e eu posso dizer que sim, que a minha vida está toda dedicada a isso. Sendo homenageado por Patrícia Portela de Souza Oficial de Comunicação do UNICEF no prêmio Infância na Mídia Bahia e Sergipe recebido em Salvador - 2000 da ONG Cipó e UNICEF.
  • 20. 19 Edisvânio ainda de cabelo longo, participando de formação sobre “direitos da criança e adolescente, como abordar na mídia?” Evento realizado pela CIPÓ, ANDI e UNICEF em Salvador - 2004. Edisvânio nos estúdios da Santaluz FM 2010.
  • 21. 20 Com Cicilia Peruzzo na conferência de comunicação da UNEB de Juazeiro - 2012. Com Patricia Lobacaro e Suzane Worckman diretoras da Brazil-foudation, após recital de poesias, no evento Brazil-foundation 10 anos em cujo a Santa Luz FM foi contemplada pela ONG como um dos 20 projetos mais bem sucedidos, já apoiados pela Brazil-foudation em seus 10 anos de existência
  • 22. 21 Recebendo das mãos do Oficial de Programação do UNICEF no Brasil, Manuel Buvinich o título de jornalista amigo da criança promovido pela ANDI em 2007. Assinado o termo de posse como Conselheiro Titular do Primeiro mandato do Conselho de Comunicação Social do Estado da Bahia, o primeiro do Brasil - Janeiro de 2012.
  • 23. 22 O ARTILHEIRO DO RÁDIO “Na Barreiros FM, nós mantínhamos muito contato com o pessoal da rádio Arcos FM (Estrela FM), sempre trocávamos experiências e ideais, tinha uma equipe de jovens bem bacana lá”, Paulo Marcos. Desde que Paulo Marcos saiu do Movimento de Organização Comunitária (Moc), nós nos encontramos muito pouco, o que não significa que ele estivesse ausente, pois os e-mails e links partilhados com frequência nas redes indicam sua presença e capacidade de mobilização em todos os espaços por onde passa. Isso permite que ele esteja sempre próximo de nós. Após quase seis anos sem nos encontrarmos para um bate papo demorado, o dia 22 de outubro de 2013 nos permitiu mais uma vez comungar ideias e me permitiu conhecer um pouco mais de sua trajetória de vida. Como tem sempre que rolar uma graça, eu comecei trocando os sobrenomes. - É Paulo Marcos Cerqueira, não é? - Não, Cerqueira é o outro! - Outro? - Sim, João. Trata-se de João Paulo Cerqueira, outro jovem protagonista do município de Valente, que fez parte do projeto Comunicação Juvenil. Atualmente, João mora em Juazeiro (BA), onde cursou Jornalismo e Multimeios no campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
  • 24. 23 Paulo Marcos Queiroz dos Santos, esse é o seu nome de batismo, há 30 anos. O jovem é graduado em Comunicação Social com habilitação em Radialismo pela Universidade do Estado da Bahia. Cresceu no distrito de Barreiros, no município de Riachão do Jacuípe, onde há uma forte cultura da produção de cerâmicas e por isso é conhecido como a Terra das Olarias. Paulo morou boa parte de sua infância com a avó materna, dona Maria Queiroz. Para ele, o que mais marca essa época era acordar às seis da manhã com o rádio ligado no programa “Alô Sertão”, da Rádio Sisal AM, de Conceição do Coité, apresentado por Valdemir de Assis. - Um fato que me recordo bem da minha infância foi que abri um rádio pra ver quem estava dentro e, por pouco, não levei uma surra. Aos 11 anos, por volta de 1994, ouvir rádio para Paulo era como ir à escola, uma missão diária. Anotava tudo o que ouvia nos programas de esporte e acompanhava todas as transmissões de jogos do Corinthians. O radio influenciou o jovem a se tornar torcedor do time. “Mas hoje sou mais Bahia do que Corinthians”, afirma. Além de estudar e ouvir rádio, o lazer de Paulo na adolescência em Barreiros era jogar bola com os colegas na rua. Nos intervalos da “pelada”, ouvia o som do alto-falante na praça e ficava curioso para saber como era e como funcionava. O jogo era sempre às 17 horas, enquanto ouvia o alto-falante tocando, e o que lhe chamava atenção era o BG, as vinhetas que soltavam enquanto a música passava. E ele não fazia ideia de como era aquilo. - Eu curtia o radio enquanto ouvinte. Ouvia as radios Sisal, Jacuípe e a Globo porque eram as que tinham futebol. Mas eu gostava de ouvir FM também, era uma novidade. Lembro que a Morena FM era uma das poucas ouvidas e pegava ruim lá em Barreiros. Eu colocava uma antena bem grande pra ouvir FM, ouvir música, ter um radio como meio de me informar, era o que eu tinha à disposição. A trajetória de Paulo Marcos no radio começou em 1997, quando Maurício Oliveira fez a primeira experiência com um transmissor. Paulo estava jogando bola quando ouviu o comunicador pedir que sintonizassem, que o alto-falante agora podia ser ouvido pelo radio. - Depois desse dia, eu fui lá. Maurício me apresentou os equipamentos e como funcionava, até que eu me inseri no processo e decidi não sair mais. A gente levou adiante, colocamos a radio pra funcionar em fase de teste e foi uma experiência bem bacana.
  • 25. 24 O dia 4 de outubro foi uma data magna de funcionamento da radio, que ficou em fase de teste até o final de 2007, enquanto montava a programação. A fase de teste era basicamente para tocar músicas e testar as transmissões de jogos. E foi essa fase que Paulo Marcos teve para aprender a manusear os equipamentos, inclusive discos e fitas, menos avançados do que na Santaluz FM. A comemoração de seis meses de funcionamento da radio aconteceu no programa de reggae que ele apresentava em 1998. Foi um ano de descobertas na radio. Além de apresentar o programa, passou a produzir e enviar informações para o noticiário esportivo de meio-dia para a Rádio Sisal AM, de Conceição do Coité, e a Rádio Jacuípe AM, de Riachão. No final de 1998, aos 16 anos, em decorrência desse trabalho, Paulo foi convidado pela Radio Sisal para fazer parte da equipe de transmissão do campeonato intermunicipal de Conceição do Coité. No Sábado de Aleluia de 1999, ele assumiu de imediato o plantão esportivo da Rádio Sisal. - Eu ficava ali na retaguarda, vendo a parte técnica e informando o placar de outros jogos. Enquanto a rádio transmitia, eu ficava ouvindo outras rádios, eram cinco aparelhos de rádio ligados ao mesmo tempo e eu ouvia para informar o placar de outros jogos que estavam sendo transmitidos. Paulo Marcos ficou no plantão esportivo da Rádio Sisal até 2000. Fazia o plantão nos fins de semana e no meio da semana ia para Barreiros estudar e continuar as atividades da rádio comunitária. Naquele período, a Barreiros FM já tinha contato com a Arcos FM, atual Estrela FM, de Retirolândia, em 1999. Paulo começou a representar a rádio Barreiros nos cursos realizados pelo Moc e o Unicef. Passou a conhecer outras experiências, como a Valente e Santaluz. O Moc assessorava as rádios por meio do programa de Políticas Públicas que, na época, era coordenado pelo sociólogo, professor da Uefs, Ildes Ferreira. Os cursos eram promovidos para sensibilizar as emissoras acerca do papel da comunicação comunitária frente ao trabalho infantil. Muitos municípios ainda não tinham o Peti. Uma destas capacitações do Unicef foi com o jornalista Marcos Aurélio de Carvalho, ex-apresentador e gerente da Rádio Globo e atual coordenador executivo e coordenador pedagógico da ong União e Inclusão em Redes e Rádio (Unirr). Em 2001, quando concluiu o ensino médio, um dia depois de seu aniversário, Paulo foi morar em Retirolândia e passou a desenvolver as ações mais pontuais em Barreiros.
  • 26. 25 - Na Barreiros FM, mantínhamos muito contato com o pessoal da rádio Arcos FM (Estrela FM), sempre trocávamos experiências e ideais, tinha uma equipe de jovens bem bacana lá, Rose Rios, Cláudio lima, Agnaldo Lima, Amarilson Brandão, a turma do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, então eles me chamaram para compor a equipe de lá. No final de 2001, Paulo participou da seleção e foi aprovado no programa Jovens Escolhas em Rede com o Futuro, desenvolvido pelo instituto Credicard e Moc. A proposta do programa era educar jovens para serem empreendedores e fazerem escolhas diante do mundo e do trabalho. Para atender a proposta do programa, o MOC desenvolveu o Projeto Comunicação Juvenil (PCJ) com objetivo de mobilizar jovens e entidades sociais da região do sisal da Bahia nas questões de juventude, democracia e participação. O projeto iniciou-se em 2002, quando ele estava mais em Retirolândia, participava das formações do projeto e as executava no município, assim como outros jovens. Faziam parte do projeto 30 jovens de sete municípios do Território do Sisal. No mês de abril, eles criaram a própria identidade no projeto. “Passamos a nos chamar de Jovens Comunicadores Sociais”, conta Paulo. É válido lembrar que, nesse mesmo período, a jovem comunicadora Rose Rios, da rádio Arcos FM, atual Estrela FM, de Retirolândia, foi selecionada para participar da formação do Projeto de Inclusão Digital de Mulheres Comunicadoras do Cemina (Comunicação, Educação, Informação e Gênero). Na ocasião, foi contemplada na Rede Cyberela, uma das estratégias do projeto. A jovem recebeu computador, softwares especializados em edição e montagem de programas de radio, além de conexão banda larga. A proposta da Cyberela era trocar conteúdos via internet e incentivar a inclusão digital na própria comunidade. “Foi um projeto bem avançado para a época, foi a primeira vez que eu tive contato com internet”, afirmou o jovem. Com a Cyberela Studio, a rádio firmou parceria com o projeto Comunicação Juvenil e passaram a produzir conteúdos para a região. Em 2003, Paulo passou a ser coordenador jovem do projeto, com Nayara Silva, que também tem sua história contada neste livro, e ia com frequência a Feira de Santana ajudar Emanoel Sobrinho, jovem integrante do programa de políticas públicas. - A gente fazia as solicitações de recursos para as viagens de capacitações, a prestação de contas e os relatórios de atividades e ainda dava suporte aos colegas na região. Depois passei
  • 27. 26 a apresentar o programa de radio do Moc com Nayara, “Encontro com as Comunidades”, na rádio Sociedade de Feira de Santana. O projeto resultou em ações concretas, como a produção de programas de radio e TV, boletins informativos, cobertura de eventos, além do domínio dos jovens no debate sobre juventude e comunicação do território. Quando o projeto terminou, no final de 2003, foi renovado, em 2004, com o apoio do Unicef, dando continuidade à mesma proposta. Neste período, muitos jovens já haviam feitos suas escolhas e optaram por novos rumos. Chegaram novos jovens que também desenvolviam ações nos movimentos sociais do Território. - Foi nessa etapa que você entrou, não foi?, perguntou ele. - Sim, respondi. Eu me tornei jovem liderança do Movimento de Mulheres, em 2002, e entre os anos de 2003 e 2004, assumi o programa de rádio do movimento, “Espaço Mulher”. Era um programa de 30 minutos que ia ao ar todos os sábados às 10 horas da manhã. Nessas minhas idas à radio, eu o via por lá. Depois que eu entrei no projeto, Paulo estava ficando mais em Feira de Santana. Nosso encontro oficial foi em maio de 2004, quando fiquei responsável por produzir com ele uma matéria para o jornal Giramundo, sobre a IV Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, de que ele participou, no Rio de Janeiro. O Giramundo era o jornal do Moc que buscava, de forma coletiva e dinâmica, levar informações para a população do Território do Sisal. Nós, jovens comunicadores do Projeto Comunicação Juvenil, éramos responsáveis por cobrir a pauta do jornal. Naquela ocasião, Paulo já integrava a equipe de Comunicação do Moc, que estava sendo estruturada no mesmo período de execução do projeto, em 2004. Eu não colaborei com a produção, pois quando cheguei à radio para nos reunirmos, a matéria já estava pronta, feita somente por ele. - Ainda quando participávamos do projeto, começamos a perceber a necessidade de trabalhar a comunicação dentro da própria organização. O Moc não tinha uma estrutura na parte de comunicação organizacional, tinha um programa na rádio Sociedade há mais de trinta anos e não tinha muito retorno. Então, começamos a cobrar para se discutir juventude e comunicação no Moc a partir de um programa específico. O Moc definiu abrir o programa de comunicação, nessa mesma época, e começou a discutir propostas para a comunicação do Território com base na experiência do projeto. Uma dessas
  • 28. 27 propostas, que partiu dessa provocação, foi a implantação do curso de Comunicação Social na região, levando pessoas e entidades a refletir quais as políticas de comunicação necessárias para o Território. Pela experiência vivenciada no entorno da construção da comunicação territorial, Paulo foi um dos integrantes da primeira equipe do programa de comunicação do Moc, onde ficou até 2007, além de aluno da primeira turma do curso de Comunicação da Uneb, em Conceição do Coité. O programa do Moc foi propulsor da articulação juvenil no Território do Sisal em prol da comunicação comunitária e Paulo Marcos passou a assumir o papel de articulador das rádios comunitárias, assessorando-as e mobilizando-as nos processos de capacitações. - Foi muito importante colaborar com o fortalecimento das rádios comunitárias e sustentar com elas a ideia de uma comunicação para o fortalecimento da comunidade. Ao trabalhar a comunicação comunitária, nós formamos cidadãos para revolucionar o meio onde vivem, formando jovens protagonistas que geram ações e iniciativas para o bem comum. Isso gera frutos no sentido de as pessoas entenderem seu papel social e reconhecer que a comunicação como um direito humano. Quando Paulo saiu do Moc, em 2007, já estava no curso de Comunicação Social da Uneb, fruto das lutas e reivindicações da sociedade civil organizada, que percebeu a necessidade de implantar um curso dessa área para atender os sujeitos inseridos no contexto de mobilização da comunicação territorial. Paulo esteve presente em muitos momentos de discussão da implantação do curso. Enquanto estava no curso, em 2008, participou de algumas mobilizações populares no município, além de ter coordenado a rádio educativa Sabiá FM e as duas campanhas do atual prefeito de Conceição do Coité, Assis, ao disputar as eleições no município. Ao sair da faculdade, passou a trabalhar em outro projeto social no município de Pintadas, na Companhia de Artes Cênicas Reluz, uma experiência que ele conheceu em um intercâmbio quando ainda participava do projeto Comunicação Juvenil, em 2003. Desta vez, ele voltou mais experiente, mas levou também toda a experiência adquirida no projeto. -No Reluz, fui para um projeto de parceria com a TVE, o “Pensar Filmes”, projeto de comunicação em que inicialmente formamos um núcleo de produção e passamos a produzir reportagens para a grade de produção jornalística da TVE. Esse era o principal objetivo. Paulo trabalhou no projeto até 2010. Vivenciou experiências em produção de conteúdos jornalístico e cinema. Nesse período, também trabalhou na equipe de comunicação da campanha da deputada estadual Neusa Cadore, primeira experiência concreta de comunicação
  • 29. 28 em campanha eleitoral, que possibilitou ao jovem permanecer trabalhando na assessoria legislativa e parlamentar de Neuza. Em 2012, Paulo novamente foi procurado por Assis, solicitando a Neuza a liberação dele para trabalhar na campanha. Foi a segunda disputa ao cargo de prefeito. Por decisão própria, Paulo retornou a Coité. Desde 2010, ele tem tentado aplicar no espaço do poder público o que aprendeu durante a trajetória nos movimentos sociais e o que se preocupou sempre em pesquisar na vida acadêmica: a comunicação comunitária. - Eu saí de um projeto social e trabalhei em outro com essas mesmas características. Posteriormente, fui para um mandato que considero popular, que vem também com essa ideia de comunicação pelo direito e como direito. E saí de lá para colaborar na construção de um projeto dentro de um governo municipal aqui de Conceição do Coité, onde estou atualmente. - E qual foi o desafio, considerando que são espaços diferentes dos que você atuava antes? - Não é tão desafiador, mas também não é fácil implementar dentro de uma máquina pública experiências como estas que a gente defende, de uma comunicação acessível e participativa. Situações como estas, para muitos, são sonhos e utopias. É difícil, na estrutura governamental, implementar esse tipo de trabalho, mas essa questão precisa ser disseminada. A gente tem que atuar também nesses setores, estou tentando fazer isso. Iniciamos na campanha, mas é mais difícil no governo do que na campanha implementar ideias e ações nos debates, encontros e conferências essa linha de comunicação comunitária. Apresentando resultados de projetos de comunicação - Cúpula de Mídia no Rio de janeiro – 2004.
  • 30. 29 Paulo Marcos na cobertura da Jornada Avaliativa do Peti em Feira de Santana - 2005. Paulo fazendo oficina de produção radiofônica em Acupe - Santo Amaro - 2005.
  • 31. 30 Paulo Marcos na Cobertura do Workshop TV Pública, em Salvador - 2007 Paulo Marcos conduzindo os grupos temáticos durante a Conferência Territorial de Rádios e Tv's Educativas, Conceição do Coité, 2008.
  • 32. 31 MAIS QUE UMA JORNALISTA, UMA EDUCADORA POPULAR “Eu acredito muito na comunicação comunitária como instrumento de transformação social, eu não tenho dúvida disso”, Nayara Silva. Uma semana antes de acontecer essa conversa, viajamos juntas para Nova Olinda, no Ceará, para acompanhar uma turma de 20 jovens que fazem parte do projeto “Comunicação pelos Direitos na Região Sisaleira”. Queríamos conhecer a experiência da Fundação Casa Grande, uma organização social que trabalha na formação educacional de crianças e jovens protagonistas em gestão cultural, desenvolvendo atividades de complementação escolar através dos laboratórios de conteúdo e produção de gibis, audiovisuais e programas de rádio. Nayara Cunha da Silva, 28 anos, é jornalista e coordena o Programa de Comunicação do Movimento de Organização Comunitária (Moc) e o Projeto Comunicação Pelos Direitos na Região Sisaleira. Nayara teve a oportunidade de conhecer a Fundação Casa Grande, em 2002, quando participava do projeto Comunicação Juvenil, mas o olhar dela naquela época não estava atento àquela realidade. Assim, ela estava visitando de fato o local, com o restante do grupo, pela primeira vez. A jovem nasceu e cresceu no município de Retirolândia, a 250 km de Salvador e a 18 km de Conceição do Coité. Filha do político Deodato João da Silva (in memorian) e da comerciante Noelice Cunha, nasceu de uma gestação de sete meses, em função de um choque emocional da mãe, quando o pai de Nayara sofreu um atentado.
  • 33. 32 -Meu pai era político, na década de 80, em Retirolândia, quando as disputas eleitorais eram tão quentes quanto as de hoje, e atiraram nele. Mas não o mataram. Nayara teve o prazer de com os seis irmãos desfrutar do carinho e do zelo do pai por longos anos, embora o desejo dela é de que ele ainda estivesse entre a família. O fato de ter nascido prematura também contribuiu para que ela fosse mais protegida e cresceu muito apegada a família. - Até a minha juventude, sempre fui muito apegada ao lar, à convivência familiar, não era muito ligada ao movimento social, fazia parte de grupos da Igreja Católica, frequentava as missas e cantava no ministério de música da Igreja. Apesar de ser muito apegada ao ambiente familiar, a jovem sempre se destacava pela capacidade de liderança fosse na sala de aula, na igreja ou em qualquer espaço de que participasse. “Isso me destacou mesmo dentro da igreja, sem especificamente fazer parte de grupo nenhum”, recorda. O primeiro contato com as organizações sociais do município foi em 2001. Ela foi indicada pela igreja para participar de uma reunião de movimentos no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. A Igreja Católica, no município de Retirolândia, sempre foi muito próxima de outras organizações. Nayara passou a representar a igreja sempre que havia necessidade de reunir os movimentos sociais. No final de 2001, assim como Paulo Marcos foi indicado pela rádio Barreiros FM, ela foi indicada pela igreja para fazer parte do processo seletivo do programa Jovens Escolhas em Rede com o Futuro, desenvolvido pelo instituto Credicard e o Moc. A proposta do programa era educar jovens empreendedores para fazer escolhas diante do mundo e do trabalho. Para atender a proposta do programa, o Moc desenvolveu o Projeto Comunicação Juvenil (PCJ) com objetivo de mobilizar jovens e entidades sociais da região do sisal da Bahia nas questões de juventude, democracia e participação. - Até aquele momento, o Moc nunca havia trabalhado um projeto de comunicação e juventude, especificamente a entidade acompanhava as rádios, mas o projeto foi a primeira experiência. Quando às atividades, iniciaram-se em 2002. Nayara foi encontrando desafios para permanecer no projeto, o fato de ser muito apegada à família e ao lar fazia a jovem desabar
  • 34. 33 em choro quando tinha que sair para os encontros de formação do projeto, que aconteciam em Feira de Santana, nos finais de semana. Para garantir a segurança e a participação dos jovens nas capacitações, o Moc contratava um ônibus que passava nos oito municípios do Território do Sisal para levar os jovens aos locais onde aconteciam as capacitações: Queimadas, Nordestina, Santaluz, Valente, Retirolândia, Conceição do Coité Serrinha e Araci. Além deles, o projeto também atuava no município de Riachão, no território Bacia do Jacuípe. Mas na maioria das vezes, Nayara nunca chegava no ônibus com os colegas. - Hoje eu sei que era psicológico, mas naquela época eu sempre passava mal, tinha crise de náusea, choro, febre... Quando saía de casa, ou eu iria e voltava, ou eu nunca conseguia chegar ao destino, descia no meio do caminho, pegava outro ônibus de volta, mas também se eu conseguisse ir, eu nunca me concentrava na atividade. Como o projeto previa a existência de jovens suplentes, o Moc teve a opção de substituir Nayara. Mas preferiram acreditar na capacidade de superação dela. “Isso é o que me surpreende”, destaca a jovem. Os coordenadores do projeto reconheciam que ela tinha forte capacidade de mobilização e que a reação dela ao deixar o lar correspondia a uma questão para a qual ela precisava de ajuda, até mesmo pelo princípio do projeto de educar os jovens para serem independentes nas suas escolhas. Em uma das oficinas oferecidas pelo projeto sobre autoestima, com a psicóloga Rebeca Ribas, da ong Cipó Comunicação Interativa, de Salvador, Nayara percebeu que o caso dela era delicado. - O projeto viabilizou alguns encontros meus individuais com Rebeca. Pra você ter uma ideia, ela vinha para Retirolândia e a gente conversava aqui. Íamos à praça pública e nessas ocasiões eu contava minha história a ela. Eu dizia a ela que eu tinha trauma de coisas do tipo: eu não consigo até hoje assistir filmes de ação, sobretudo que tenha armas de fogo, ela pedia que eu nunca dissesse trauma, porque é uma coisa muito pesada. Nayara carregava consigo as marcas de sua história desde o nascer e se afastar da família, mesmo que fosse por um dia, era como estar desprotegida. - As pessoas costumam dizer que eu sou agoniada [sorri]. Pode ser consequência disso, quem sabe... Depois desses encontros com Rebeca, eu consegui participar mais ativamente dos encontros do projeto e fui aprendendo a separar os momentos e também aceitar.
  • 35. 34 A ajuda do projeto foi bem vinda. Em 2003, já inteirada ao projeto, Nayara retomou com os jovens a produção do jornal Giramundo. Muitos jovens já estavam produzindo e apresentando programas de rádio nos municípios. Nayara produzia e apresentava o programa “Jovens Garotos no Ar”, na companhia do colega Diego Costa, que na época era comunicador comunitário da rádio Arcos FM, de Retirolândia, e jovem do projeto. Diego Costa, atualmente, é locutor na rádio Morena FM, de Serrinha, liderada pelo grupo Lomes de radiodifusão. Talentoso, o jovem chegou à Morena FM pelo seu potencial, mas é a prova de que a experiência de Comunicação e Juventude no território possibilitou a inserção de jovens em mídias comerciais de maior alcance. - Hoje a voz de Diego ecoa em todo o território baiano e quem conhece Diego sabe que ele carrega a essência da comunicação comunitária até hoje. Além de apresentar o programa “Jovens Garotos no Ar” e das outras atividades do projeto, Nayara ia todas as terças-feiras para Feira de Santana apresentar o programa do Moc. “Encontro com as Comunidades”, com Paulo Marcos, na rádio Sociedade AM. Aos poucos, a jovem foi se apaixonando pela comunicação. Antes ela não tinha o desejo de estudar. Era noiva, sonhava em se casar e construir uma família. Mas se fosse optar por alguma área de formação, dizia querer ser dentista. Hoje percebe que a profissão não tem nada a ver com a sua realidade. No final de 2003, por conta do projeto Comunicação Juvenil, o Moc decidiu construir um plano de comunicação institucional. Como a ong é estruturada por programas, a decisão de criar o programa de comunicação surgiu a partir dos resultados do projeto. O plano foi construído com a assessoria de Gislene Moreira, na época profissional de relações públicas da Cipó. Gislene coordenou o programa até o final de 2005 e, na ocasião, optou por jovens do projeto para integrar a equipe: Nayara Silva e Paulo Marcos. O projeto Comunicação Juvenil foi uma das ações no Território do Sisal que possibilitaram aos jovens intervir socialmente e ocupar espaços estratégicos para concretizar suas ações e propor reflexões acerca do seu papel enquanto agente transformador. - Todos os segmentos sociais apoiavam os jovens como “os meninos de um projeto”. Mas um sindicalista ouvir falar de jovens na diretoria de um sindicato era motivo de briga. Existia muita repressão aos jovens. Ações como essas foram quebrando barreiras e hoje já é possível encontrar jovens ocupando estes e outros espaços.
  • 36. 35 Quando o projeto “Comunicação Juvenil” foi renovado, em 2004, com o apoio do Unicef, já passou a ser executado pela equipe de comunicação. Lembro que a mobilização para a nova fase de seleção do projeto foi feita por João Netto Silva, irmão de Nayara, que se inseriu no projeto depois, em meados de 2002, em função dos trabalhos como monitor do agente jovem. Durante a seleção, a prova foi aplicada por Nayara e a entrevista feita por Gislene Moreira ou Gil, como carinhosamente chamamos, que atualmente é professora do curso de Comunicação Social, no campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). - Foi um período de descobertas pra mim, que nunca saía de casa. Fui morar em Feira de Santana, no mesmo ano comecei o curso de Jornalismo na Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana (Unef) e passei a coordenar aquele grupo de jovens do projeto, que eram meus colegas e amigos. Inicialmente foi complicado separar essa relação de amizade com o campo profissional, mas com o tempo fui aprendendo a separar as duas coisas sem afetar a nossa convivência. Ainda nos primeiros anos, a dificuldade de conviver fora de casa persistiu. Diversas vezes, Nayara arrumou as malas para deixar tudo e voltar pra casa. “Mas fundo eu sabia que aquilo era o melhor pra mim”, afirmou a jovem. No período em que o pai dela não pôde mais ajudá- la a pagar o curso, ela conseguiu uma bolsa da faculdade. Nessa trajetória de ousadia e persistência, Nayara encontrou mais amigos que a apoiaram, desde o Moc aos grupos de estudo que formava com as colegas da faculdade. O programa de comunicação do MOC se constituiu legalmente em 2005 e Nayara, que um dia foi técnica, hoje é coordenadora do programa. A Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura (Amac) também nasceu em 2005, fruto do Projeto Comunicação Juvenil, que Nayara ajudou coordenar. A agência é uma entidade formada e gerida por jovens do Território do Sisal e conta com uma central de produção de comunicação e cultura na região, com a missão de contribuir para o desenvolvimento social sustentável a partir da prestação de serviços em comunicação social, voltados para o conhecimento e a valorização do semiárido. Nayara também faz parte da diretoria da Agência Mandacaru e atua conosco nas ações de mobilização da comunicação comunitária para a juventude do Território do Sisal. - Minha função não se resume ao escritório. Sinto a necessidade de fazer com que o meu trabalho mexa com a vida das pessoas, por isso minha função é a mobilização. Ficar presa ao escritório, sem estar também em campo mexendo com gente, mobilizando, participando, pra mim não teria sentido.
  • 37. 36 O Programa de Comunicação do Moc atualmente executa o projeto Comunicação Pelos Direitos, na região sisaleira. O projeto é apoiado pela Petrobras. O Moc conta com a parceria da Agência Mandacaru e secretarias municipais de educação. Nayara coordena o projeto com a jovem Rachel Santana, técnica que integra o Programa de Comunicação e acompanha os dez municípios onde o projeto tem atuação. Os jovens do projeto utilizam as práticas de comunicação comunitária para promover a participação popular em prol da garantis dos direitos das crianças e adolescentes. - Eu acredito muito na comunicação comunitária como instrumento de transformação social e eu não tenho dúvida disso. Tenho muita perspectiva de continuar nessa causa, vontade de continuar “mexendo com gente”. Se não for no Moc, será em outro lugar, mas isso é o que me motiva. Nós, jovens do Território do Sisal, somos referência fora do Estado. Sempre tem a Bahia e o Território do Sisal como jovens protagonistas, que lidam com a comunicação para o controle das politicas e a mobilização social. . Nayara ao lado da colega Marial Vandalva, animando a Jornada Avaliativa do Peti, realizada pelo MOC em Feira de Santana - 2005.
  • 38. 37 Nayara realizando o Planejamento do projeto Comunicação Pelos Direitos, com os Jovens comunicadores do Projeto - 2010. Capacitação em Educomunicação com Educadores do Território do Sisal - 2010
  • 39. 38 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA, UM DESAFIO EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE “A gente não tinha recurso nem para manter uma sede, o que mantinha a Abraço eram as mensalidades e alguns serviços que a gente desenvolvia de capacitação e de produção sonora, e quando precisávamos reunir, utilizávamos o espaço de parceiros, a maioria das nossas atividades acontecia na Agência Mandacaru”, Arlene Freire. Arlene Cristina Freire Araújo. Esse é seu nome, forte como sua personalidade. Ela tem 38 anos, mas parece ter 18. É mãe de Elis Freire, de 14 anos, e a filha mais velha de seu Amós Araújo e dona Marlene Freire. Essa “baiana” de Valente nasceu em Caruaru, Pernambuco, mas veio para Valente aos vinte dias de nascida. Retornou a Caruaru com os pais aos sete anos, período em que ficaram na cidade pernambucana por um ano. Depois retornaram novamente a Valente e, aos 10 anos, mais uma vez viveu com a família em Caruaru, por 10 meses. - Minha mãe é pernambucana e meu pai é daqui de Valente. Eles se conheceram em Feira de Santana. Foi o casamento mais rápido que eu já tomei conhecimento na minha vida. Em dois meses, eles noivaram e casaram. Retornei com minha família para morar em Caruaru por duas vezes, pois para meus pais era melhor arranjar trabalho lá, que é uma cidade maior. Mas a minha história com Caruaru é bem curta, não recordo muita coisa. Mesmo sendo criada boa parte do tempo em Valente, Arlene passou um tempo sem se adaptar a cidade. Para ela, era um tempo em que a cidade não tinha nenhum atrativo. Mas depois conheceu a Valente FM, se envolveu socialmente na cidade e na região e hoje diz gostar e defender o território e ser uma valentense. Arlene Freire foi comunicadora da Valente FM.
  • 40. 39 Atualmente, integra a Abraço-Sisal e faz parte da equipe de comunicação da APAEB de Serrinha. Quando a jovem começou a se inserir no movimento de radiodifusão comunitária, tinha 27 anos. Foi convidada por Cleber Silva, um dos fundadores da rádio Valente FM a participar de um processo seletivo. - Eu estava recém-separada, tinha uma filha e precisava trabalhar. Encontrei com Cleber, na época já éramos amigos, e eu disse a ele que estava pensando em ir embora para Caruaru, para tentar um emprego. Naquele dia, ele me informou do processo seletivo que ia haver na rádio, foi no final de 2002. Arlene começou a trabalhar no setor de jornalismo, escrevendo para o jornal da rádio, mas logo passou a apresentar um programa de MPB, do meio-dia às 13 horas. Mas a jovem permaneceu com os dilemas que afetavam sua vida financeira. “Eu só ganhava oitenta reais”, conta. Essa é uma realidade que até hoje predomina nas rádios comunitárias: o trabalho dos comunicadores é voluntário e a remuneração varia em porcentagem a depender do apoio cultural, uma ajuda de custo que as rádios arrecadam dos parceiros do comércio e de organizações, em troca da divulgação de serviços. Arlene permaneceu na Valente FM por três anos. À medida em que as demandas de atividades aumentavam, a jovem também ia descobrindo o sentido da comunicação comunitária para o Território do Sisal. Em 2004, depois de um ano na rádio, Arlene passou a integrar a diretoria da Associação de Rádios e Tv’s Comunitárias do Território do Sisal (Abraço-Sisal). Foi nesse ano que eu a conheci. Aliás, eu já conhecia sua voz. Sempre frequentei Valente. Eu nasci lá e, mesmo morando no município de Retirolândia, cresci frequentando Valente porque minha família materna mora lá. Nessas minhas idas, eu sempre ouvia a rádio, geralmente à tarde, horário em que Arlene estava na programação. Em dezembro de 2004, quando o Moc ainda realizava a Jornada Avaliativa de Projetos Econômicos Educativos e Sociais (Japes), a cobertura do evento ficava por nossa conta, jovens comunicadores do projeto “Comunicação Juvenil” e Arlene também estava lá, representado a rádio e a Abraço-Sisal. Era uma época em que já desenvolvíamos atividades, mas a parceria só foi consolidada em 2005, quando a Mandacaru surgiu como entidade autônoma e Arlene assumiu a coordenação da Abraço.
  • 41. 40 Até 2006, ela dividiu seu tempo entre a rádio e a coordenação da Abraço. Ela saiu da rádio no final de 2006, mas continuou na Abraço. Já inteirada aos processos de mobilização da comunicação comunitária do Território, muitas vezes Arlene teve que driblar a falta de recursos com a vontade de trabalhar. O que mantinha a Abraço eram as taxas de mensalidades pagas pelas 17 rádios filiadas. A realidade financeira destas rádios também era comprometida, o pouco que arrecadavam dos apoios culturais mal dava para custear suas próprias despesas de manutenção. - A gente não tinha recurso nem para manter uma sede. O que mantinha a Abraço eram as mensalidades e alguns serviços que a gente desenvolvia de capacitação e de produção sonora. e quando precisávamos nos reunir, utilizávamos o espaço de parceiros, a maioria das nossas atividades acontecia na Agência Mandacaru. Em 2009, Arlene passou no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e foi morar em Feira para cursar História. A princípio, parecia uma vitória, mas os desafios a acompanharam. Por falta de trabalho e diante das poucas alternativas encontradas, Arlene não conseguiu se manter em Feira de Santana. Por isso, teve que abandonar o curso antes de finalizar o segundo semestre. Mas, no mesmo ano em que ingressou no curso de História da UEFS, ela ganhou um curso de Radialismo do o Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para o Desenvolvimento Social (DISOP Brasil) - Nesse período, tínhamos firmado uma parceria com o DISOP Brasil, que financiava algumas atividades da Abraço-Sisal. Então, fiz o curso no mesmo período em que estava na UEFS, com duração de dez meses. Abandonei o curso de História porque estava sem trabalho, morando praticamente de favor e tinha deixado minha filha com minha mãe. Então, não tinha como nos manter. Como o trabalho na Abraço era voluntário, dois meses depois de ter retornado de Feira de Santana para Valente, Arlene foi tentar um emprego em Salvador, mas também não teve sucesso. Mas antes de retornar novamente a Valente, fez o Enem em Salvador, em novembro de 2009. - Desde que eu me entendo por gente, minha mãe faz salgados para festas de casamento, formatura, aniversário, então pensei: como eu sempre ajudei minha mãe, enquanto eu não encontro trabalho, eu continuo ajudando ela. E foi assim que aconteceu.
  • 42. 41 Arlene voltou para casa e continuou ajudando dona Marlene a dar conta das encomendas dos salgadinhos. Além de continuar no processo de mobilização das rádios comunitárias pela Abraço-Sisal, inscreveu-se no Programa Universidade para Todos (Prouni) e no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e foi contemplada em duas vagas, uma delas foi em Comunicação Social na Uneb de Conceição do Coité, mas escolheu cursar Serviço Social. Em junho de 2010, Arlene passou também a compor a equipe de comunicação institucional da Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares da Região do Sisal e Semiárido da Bahia (Fatres). - Por que não comunicação?, perguntei. - Eu não negligenciei. Sabia que o curso de Comunicação Social, nos moldes que eu faria, seria muito rico pra mim como pessoa, até porque eu estive presente junto a outras entidades para discutir a proposta de um curso nessa modalidade para a região. Também cobrei e defendi que tivesse, mas naquele momento julguei Serviço Social melhor pra mim, porque eu visualizava um campo de atuação. Essa é mais uma área que eu sempre gostei e nela eu também poderia desenvolver a comunicação comunitária. Espero não estar enganada, afinal eu gosto muito de comunicação comunitária. Arlene passou pela execução da comunicação institucional da Fatres durante um ano e seis meses. As ações eram voltadas para a produção de um blog, registro de eventos e produção de noticias para um boletim eletrônico e impresso produzido em parceria com a Agência Mandacaru. No final de 2012, ela passou a integrar a equipe de comunicação da Apaeb de Serrinha, onde atua até hoje desenvolvendo ações de comunicação institucional nos mesmos moldes da Fatres, atualização de blog e demais páginas na internet, produção de reportagens e informativos. Antes de se tornar comunicadora comunitária na Valente FM, Arlene não tinha um visão crítica da sociedade em que vivia. A única coisa que lhe inquietava era a questão da submissão feminina, a violência contra a mulher e a forma como a sociedade defendia o homem na tomada de decisões, porém ela não questionava. Depois que ela se tornou uma comunicadora popular, passou a reconhecer seu papel social e a exercê-lo para além dos direitos das mulheres. O primeiro evento de grande porte de que participou foi o IX Encontro Nacional da Rede de Mulheres no Rádio, em Maceió, Alagoas, em maio de 2005, realizado pelo Cemina (Comunicação, Educação, Informação e Gênero).
  • 43. 42 - Tinha mulheres de outros países, cada uma trazia suas experiências de trabalho, da cultura e isso foi me permitindo ter uma visão mais esclarecida do que nós, jovens, representávamos no Território do Sisal e como estávamos organizados. Esse contato com as entidades a partir da rádio me permitiu perceber a dimensão da nossa organização. Atualmente, o desafio para Arlene já não é tanto a sua sustentabilidade, mas a das entidades, em se tratando da Abraço, ela considera que a entidade já foi mais atuante do que está sendo atualmente. Contudo, a organização tem deixado um legado, contribuindo para que a região e, especificamente, as organizações sociais enxerguem a comunicação como um bem necessário e estratégico para o desenvolvimento do Território. A Abraço-Sisal se tornou uma referência no Território quando o assunto é rádio comunitária, o que comprova a consolidação de proposta territorial. As formações para comunicadores e diretores também foram primordiais para que percebesse qual era o papel social destas rádios comunitárias e de que forma eles poderiam mobilizar a comunidade. “Eu acredito que as rádios ganharam sentido depois das formações e uma prova disso é que muitas delas, depois desse acompanhamento, já estão legalizadas”, destaca Arlene, que apesar de cantar as vitórias, não esquece os desafios que as rádios comunitárias enfrentaram e ainda enfrentam, principalmente as que ainda não possuem outorga. - Isso não aconteceu comigo como comunicadora na rádio, mas acompanhei o tempo todo na Abraço e me recordo do colega Toni Sampaio, que foi agredido fisicamente pela Polícia Federal. Conhecemos casos até mais graves, de gente morrer durante a chegada da Polícia devido à pressão. Isso, na minha opinião, é o mais grave de todos os desafios que passamos. O contexto socioeconômico das rádios comunitárias, sejam legalizadas ou não, é sempre o mesmo. As rádios se mantêm com apoios culturais do comércio e de parceiros locais, que não são suficientes para manter a estrutura nem remunerar os comunicadores. Boa parte desses comunicadores desenvolvem outras tarefas fora da rádio, em turno oposto, para ter renda própria. O fato de as rádios não terem poder financeiro, mas intervirem com denúncias de irregularidades sociopolíticas nos municípios, torna evidente que as perseguições da Anatel e da Polícia Federal são incitadas por uma minoria politicamente insatisfeita com o trabalho das rádios comunitárias. - Em 2012, apresentei o jornal com Toni Sampaio, na Valente FM. Algumas vezes, a história é a mesma, os apoios culturais entram a custo de muito suor e desgaste e a Valente FM tem um respaldo por ser uma das primeiras rádios comunitárias do Território a ser legalizada. São
  • 44. 43 dois grandes desafios à questão financeira e, junto a ela, a própria legislação que, de certa forma, interfere nessa questão. Mas esses desafios não são maiores do que a capacidade de articulação que têm as rádios comunitárias e as organizações de comunicação no Território do Sisal. É a mobilização no entorno da comunicação comunitária que possibilita a inserção da juventude nos demais espaços de intervenção política do território. Essa comunicação, que nem todos desenvolvem, mas de que todos precisam, é defendida por sujeitos como Arlene Freire, que enfrentou os desafios financeiros e permanece lutando por um mundo mais justo e participativo. - Eu percebo, desde a época em que comecei a participar, das pessoas que eu conheci dentro desses espaços de comunicação, que a gente é bem mais forte do que pensa, os jovens se apoderaram de tal maneira que não somos protagonistas apenas da nossa história de vida, mas do Território, que cada dia tem algo novo, novas perspectivas. Isso faz parte da ação da juventude. A comunicação popular é uma conversa com o povo, constantemente estamos conversando e nos dando uma resposta. Em Brasília 2007, com jovens da Agência Mandacaru na Finalização da II Jornada Nacional do Jovem Rural, que aconteceu em Luziânia, Goiás.
  • 45. 44 Arlene com os comunicadores de Ichu e Serrinha durante a Conferência realizada pelas movimentos sociais em Conceição do Coité em 2008, sobre Rádios e Tv’s Publicadas no Território do Sisal.
  • 47. 46 COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO “Eu não tinha muita compreensão da formação política do movimento de rádio comunitária nem da parte técnica, até eu conhecer a Abraço. Nós ocupamos espaços importantes dentro e fora do território”, Kivia Carneiro. Kivia Maria da Silva Carneiro, 26 anos, é mais uma jovem filha de agricultor. Há quem diga ou pense que ser filho/a de agricultores no Território do Sisal da Bahia é sinônimo de limitação, fraqueza ou falta de oportunidade. Kivia é o exemplo concreto de que viver numa região semiárida com irregularidades de chuvas e ser filha de agricultor não é empecilho. - Tive uma infância e adolescência muito felizes, preenchidas de diversão, muito bem elaboradas pelos meus pais porque eles nunca me privaram das coisas boas de ser criança, tive momentos muito divertidos com amigos e parentes próximos a mim. Ela nasceu no município de São Domingos, distante 245 km de Salvador e a 38 km de Conceição do Coité. Atualmente, dirige a rádio São Domingos FM, integra a Abraço-Sisal e coordena o ponto de cultura Moringa Cultural, um projeto de comunicação popular desenvolvido pela Abraço-Sisal em parceria com a rádio comunitária Juá FM, do distrito de Juazeirinho, no município de Conceição do Coité. O projeto é apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado e atua na formação de comunicadores comunitários das rádios filiadas à Abraço-sisal Aos 16 anos, quando ainda estudava o ensino médio, Kivia participou de uma oficina de redação oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Secretaria de Educação do município de São Domingos. Durante o curso, foi informada que iria ser criada uma rádio comunitária no município.
  • 48. 47 Em se tratando de rádio comunitária, nesse período a jovem conhecia apenas a Valente FM e nunca tinha sequer pensado em trabalhar nesse meio. Durante o curso, foi elogiada pelos instrutores pela desenvoltura nos textos e na locução. - Engraçado que eu sempre fui retraída quando o assunto era falar no microfone... Na escola, eu preferia trabalhar nos bastidores para não ter que falar, não gostava de apresentar nem de atuar em função da timidez, mas quando fiquei sabendo do curso, arrisquei. Quando a São Domingos foi ao ar, em 2005, Kivia foi convidada por Gil Santana a fazer parte deste movimento. A jovem arriscou apresentar um programa com duração duas horas com músicas e notas informativas. Para Kivia, assim como para toda a equipe da rádio, era tudo novo. - Não tínhamos conhecimento de técnica nenhuma, não tinha noção de praticamente nada, os equipamentos eram emprestados, os conteúdos eram sem produção técnica e ficávamos ali, descobrindo o espaço onde a gente tinha acabado de entrar. Eli Gonçalves, de Valente, foi a pessoa que emprestou os equipamentos para a rádio ir ao ar. Kivia conheceu Eli três meses depois de assumir a programação da manhã e o cidadão chegou à rádio se apresentando de maneira que deixou a jovem nervosa. - Nunca esqueço, ele chegou dizendo que era da Anatel [sorriu]. Eu não sabia o que fazer, fiquei desorientada, quando ele viu que eu estava apavorada a ponto de enfartar, ele disse que era técnico da radio também. Aí eu respirei aliviada, mas foi sufoco, o fato se tornou engraçado depois. A inserção de Kivia no movimento de rádio comunitária aconteceu na medida em que a jovem começou a representar a rádio nas formações. Pouco a pouco, ela foi entendendo seu papel de comunicadora social. E à medida em que colocava em prática as orientações recebidas, redescobria a própria comunidade. A condição de comunicadora comunitária lhe permitiu estar ao lado das pessoas mais necessitadas. Dar voz à comunidade foi uma tarefa que a jovem colocou em prática logo que descobriu os prazeres e a importância de fazer esse tipo de comunicação. - Me lembro de um fato que me chamou atenção e, ao mesmo tempo, me fez reconhecer ainda mais a força que tem um veículo de comunicação, ainda mais quando usamos a serviço da comunidade. Eu estava na programação à tarde e chegou um moço de aparentemente 50 anos: -Boa tarde, cumprimentei.
  • 49. 48 - Boa tarde, queria saber se eu posso usar um minuto do microfone no ar. - Pra qual motivo, senhor?, perguntei. - É que eu estou com um filho doente, não tenho recurso nenhum mais, o hospital não me dá garantia de que tem condição de tratar ele aqui. Eu estava na praça, ouvi o comércio com o rádio ligado e você dizer que a rádio é do povo, eu quero falar no rádio. - E eu disse: esse espaço é seu! Abri o canal do microfone e nós conseguimos arrecadar uma quantia significativa de recurso financeiro para esse pai, mas acima de tudo eu debati inclusive na companhia de um advogado, Ranieri, o papel dos gestores e as políticas públicas de saúde no município. Nessa onda de comunicadora comunitária, Kivia não viveu apenas as alegrias e tristezas da partilha dos problemas e ideias de famílias, jovens, escolas e segmentos sociais e religiosos do município. A visita da Anatel, acompanhada da Policia Federal, não ficou apenas na brincadeira feita por Eli Gonçalves. Como todas as rádios comunitárias e como a maioria dos comunicadores, Kivia também viveu momentos constrangedores. “Já corri muito com o transmissor na mão pra me esconder da Policia Federal”, recorda a jovem, que aos 15 anos de idade já participava das formações educativas em comunicação comunitária oferecidas pelo Moc e, com 16 anos, passou a ser referência na radio comunitária São Domingo FM. - Parecia cena de filme a forma como acontecia a perseguição às rádios comunitárias. Uma vez, tivemos que desmontar a radio inteira dentro de cinco minutos e esconder todo o material para que não levassem. Reconheço que o trabalho deve ser exercido dentro de uma questão legal, mas nós, comunicadores, somos perseguidos de forma muito violenta. Quando somos abordados pela Anatel e a Polícia Federal, a impressão que fica é de que estamos cometendo um crime, quando na verdade estamos promovendo a transformação social, mobilizando a comunidade, garantindo os direitos dos cidadãos e a comunicação é um direito humano. A proposta de ajudar a comunidade e garantir a igualdade de direitos foi bem aceita em São Domingos por uma grande parcela da população. Uma prova disso foi em 2007, com a vinda dos agentes da Anatel e da Policia Federal. Quando as pessoas deram conta de que iria haver uma tentativa de invasão, começaram a se concentrar na frente da rádio na tentativa de interditar a passagem e evitar o fechamento da São Domingos FM. Kivia ainda era
  • 50. 49 adolescente. “Tive que me esconder, porque eu tinha 16 anos, mas como era uma referência da radio, se eu estivesse na rua e alguém me indicasse, eu correria risco”, diz a jovem. Apesar das frustrações que passou durante a caminhada iniciada muito cedo no movimento de radiodifusão comunitária, Kivia se emocionou ao recordar as conquistas alcançadas em defender uma proposta de luta por uma sociedade mais justa e pautada numa formação política e social. Ela foi presidente do Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Domingos por dois anos, 2010 e 2011, por conta do trabalho na radio. “O bom é que nossas ações vão além da comunicação comunitária”, destaca. Tive o primeiro contato com Kivia, em 2005, quando eu e 19 jovens comunicadores do projeto “Comunicação Juvenil” estruturávamos a Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura (Amac). Kivia e outros 19 representantes das rádios comunitárias, a maioria jovens, também reestruturavam, naquele momento, a Associação de Rádios e TV’s Comunitárias do Território do Sisal (Abraço-Sisal). As duas entidades surgiram paralelamente. No mesmo período em que a Abraço Sisal, em 2004, era articulada por representantes das próprias rádios comunitárias para atuar no campo da mobilização e estruturação das emissoras, a Amac, em 2005, surgia como resultado do processo de formação dos jovens comunicadores. A Amac é uma entidade de comunicação comunitária criada por e para jovens para promover e divulgar o desenvolvimento sustentável no Território do Sisal e no semiárido baiano. Kivia acompanhou de perto o processo de reformulação estatutária da Abraço-Sisal, em 2005, com a finalidade de seguir o padrão estatutário da Abraço em níveis nacional e estadual, mas mantendo uma identidade territorial. - Era um período de iniciação, quase nem existia financiamento. Íamos para as atividades com recursos próprios, para sentar com o pessoal do Moc e os representantes das outras rádios comunitárias. Tinha meses em que nos reuníamos três vezes até fechar o estatuto. Já estruturadas desde 2005, a Abraço e a Amac continuaram recebendo assessoria da equipe de comunicação do Moc. A parceria destas entidades fomenta discussões e articulações com os movimentos sociais para o fortalecimento da comunicação comunitária nos territórios. Nestas discussões, eu e Kivia estamos sempre presentes até os dias de hoje. Em 2010, tivemos o prazer de sermos colegas também na universidade, no curso de Comunicação Social da Uneb, no campus XIV, em Conceição do Coité.
  • 51. 50 A Abraço-Sisal é referência para as emissoras comunitárias. Atualmente, tem 17 rádios filiadas, das quais 12 funcionam legalmente, inclusive a São Domingos FM, que obteve outorga definitiva em 2010. O papel da Abraço-Sisal é estar junto às rádios nos processos jurídicos, promover formação em produção de conteúdos e de programação e fortalecer o movimento popular. - Eu não tinha muita compreensão da formação política do movimento de radio comunitária nem da parte técnica, até eu conhecer a Abraço. Nós ocupamos espaços importantes dentro e fora do território, um deles foi para assegurar que o curso de Comunicação fosse inserido na região. Atualmente, a Abraço-Sisal tem feito o acompanhamento às radios através do projeto Moringa Cultural. O projeto atua desde 2008. A proposta foi idealizada pela Abraço, com a colaboração do Moc e a parceria da radio comunitária Juá FM. Atualmente, o projeto conta também com a parceria do campus XIV da Uneb. Uma das ações estratégicas do projeto foi realizada por Kivia, em 2012. A jovem acompanhou de perto a programação das 17 radios filiadas à Abraço. O projeto está no terceiro ano de execução, dando suporte às rádios na formação e qualificação dos comunicadores. O acompanhamento da programação realizado por Kivia foi uma forma de monitorar as ações do projeto. - Eu não me vejo fazendo outra coisa. Hoje sou totalmente diferente e as pessoas percebem isso, primeiro pela timidez que eu superei. Nós construímos um espaço e ele vem crescendo a cada dia. Estou morando em Conceição do Coité há um ano e cada vez que eu vou a São domingos, vou à radio, não apenas por ser diretora, mas para mandar o meu alô para a comunidade. Muito do que eu sou hoje, os lugares por onde passei, as pessoas que eu conheci e amizades que construí e as coisas que eu aprendi, devo ao movimento de comunicação comunitária.
  • 52. 51 Kívia ao lado dos jovens, João Netto e Jussara Borges, na atividade de sistematização das ações de comunicação comunitária, em agosto de 2007. Kívia durante a oficina de Representação da Cultura na Produção Audiovisual, realizada pela Amac em parceria com a Uneb de Conceição do Coité em agosto de 2010.
  • 53. 52 Kívia com os jovens da Agência Mandacaru, Gilcimar e Bruno, durante a oficina de audiovisual do projeto cultural "Vamos Roubar Um Boi" desenvolvido pela Amac em 2010 Kívia com a Equipe do Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CMDCA) do Município de São Domingos.
  • 54. 53 COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO “Foi na rádio que eu me descobri tanto pessoalmente como profissionalmente, vivenciei novas experiências, viagens de intercâmbio, construí boas relações de amizade, adquiri conhecimentos que vou levar para o resto da vida”, André Nilton. Quando cheguei à rádio comunitária Independente FM por volta das quinze horas do dia 17 de setembro de 2013, André Nilton estava se despedindo de um ouvinte. Tinha acabado de apresentar o programa “Sintonia Independente”, para dar espaço ao jovem comunicador, Emerson Pablo, que estava à espera para dar sequência à apresentação do programa “A tarde é nossa”. Deixamos Emerson na programação e fomos para uma sala ao lado, para uma conversa diferente das que temos durante as reuniões, capacitações e eventos de que costumamos participar. André Nilton Carneiro da Conceição tem 26 anos, é diretor presidente e comunicador da rádio comunitária independente FM e nasceu no município de Ichu, uma pequena cidade do Território do Sisal da Bahia. Ichu está localizada entre os municípios de Candeal e Serrinha, a 180 km de Salvador e a 27 km de Conceição do Coité. É nessa cidade com pouco mais de cinco mil habitantes que André vive até hoje. Ao caminhar pelas ruas da cidade, além de ser muito cumprimentado pelos ouvintes, recorda-se dos temas da infância, quando a imaginação dava vida aos brinquedos inventados por ele e os colegas.
  • 55. 54 - Vivi muita coisa boa na minha infância, nossas brincadeiras eram muito criativas, hoje em dia não se tem mais esse costume de brincar de bola na rua, fazer carro de lata... A era da tecnologia acaba tirando um pouco disso. Como filho de agricultor, a adolescência de André também foi dedicada às atividades na lavoura, como o plantio de milho e feijão. Foi ainda na adolescência que ele e o cunhado, Agnoel Almeida, tiveram a ideia de fazer uma horta. Produziam uma variedade de hortaliças, como alface, coentro, pimentão, tomate, cebolinha e couve, além de verduras, cenoura, abóbora e batata. André e o cunhado comercializavam esses produtos orgânicos nos domicílios do município de Ichu e quando a produção aumentava, comercializavam também no município de Candeal. Devido aos fortes períodos de estiagem, as aguadas da propriedade secaram. André cultivou as hortaliças até 2002 e parou por falta de irrigação. - Meus pais não tiveram a oportunidade de estudar, isso foi motivo para eles valorizarem o nosso estudo e nos incentivar, embora eu não tenha me dedicado a levar adiante, só terminei o ensino médio. Mas a história de André não ficou apenas nas hortaliças. Quando a rádio Independente FM surgiu no município, em 1998, André a visitava quase todos os dias. Curioso, observava cada detalhe, como funcionava. Foi observando os outros comunicadores que ele aprendeu controlar os canais da mesa de som. Começou a colocar a técnica em prática quando o irmão mais velho dele, Adailton Carneiro, passou a apresentar o programa “Acordar pra vida”. O jovem passou a acompanhar o irmão todas as noites de quarta-feira, dia em que o programa era apresentado, para ajudar na sonoplastia. - Dava um trabalho danado, comparado a hoje, mas era divertido. Eu acabei tomando gosto pela atividade. Na época, não tinha computador na rádio e toda a programação era pelo toca- CD e fita cassete. Foi assim que fui me inserindo na programação. A primeira participação de André como comunicador na Independente FM foi no jornal, divulgando os destaques esportivos. Em 2004, passou a apresentar com o pai, seu Manoel Cosme da Conceição, um programa musical na radio, voltado para a cultura do campo. O programa tocava chula, batuque, reisado e samba de roda. Em 2012, André deixou o programa, que continua a ser apresentado por seu Manoel.
  • 56. 55 - O programa hoje é bem aceito. No inicio, havia uma rejeição, principalmente dos jovens que não valorizavam um programa dessa categoria. Eu fui o único jovem da rádio Independente a apresentar um programa para um público idoso e com a valorização da cultura popular. A comunicação comunitária é para toda a comunidade. Atualmente, além de presidente da rádio, André é responsável por apresentar o jornal comunitário todas as segundas, do meio-dia às 13 horas junto com Emerson Pablo. E de terça a sexta-feira, do meio dia às 15 horas, André apresenta o programa “Sintonia Independente”, que mistura música e informação. A rádio conta com uma equipe de dez comunicadores envolvidos diretamente na produção diárias de pautas e notícias. As informações alimentam o site da rádio (independentefm.com) que também transmite a programação ao vivo da rádio. - Hoje muitas pessoas acompanham a programação pela internet também, com essa alternativa, o noticiário diário é acompanhado pelo site da rádio. Como não temos estrutura e disponibilidade de apresentar um jornal diário, apresentamos o jornal semanal com estes destaques que foi noticiado durante a semana, essa é uma forma de manter informados os ouvintes que não acompanham a programação pela internet. Desde 2005, o jovem vem participando de capacitações. Começou nas que eram oferecidas pela Abraço-Sisal, em parceria com o Moc e o Instituto Belgo-brasileiro de Cooperação para o Desenvolvimento Social (Disop-brasil). Foi nas capacitações que André aperfeiçoou suas habilidades de comunicador comunitário. Os cursos foram essenciais para o desenvolvimento profissional e pessoal do jovem. Até 2008. Antes de a rádio ser legalizada, ele acompanhou os momentos mais difíceis da emissora. Antes da legalização, a Independente FM não tinha local fixo para funcionar. A cada visita da Anatel e da Polícia Federal, os equipamentos eram apreendidos. E quando a radio conseguia reabrir, já não era no mesmo local. -Chegamos a mudar de local umas dez vezes, porque a gente não tinha sede própria. Quando as rádios sabiam que a Anatel estava pela região, entrávamos em contato umas com as outras. Mas, na maioria das vezes, eles chegavam de surpresa, nem todas as rádios ficavam sabendo. Em 2005, já em processo de legalização, a radio chegou a ficar cinco meses fora do ar, depois de ter os equipamentos apreendidos pela Anatel. A comunidade sentiu falta da rádio e começou a cobrar dos comunicadores a volta dela ao ar.
  • 57. 56 - Nos mobilizamos com a comunidade e viabilizamos outros equipamentos. Voltamos ao ar com uma programação mais curta, das 18 às 22 horas, porque o transmissor que conseguimos era caseiro. Continuamos fazendo campanhas até que conseguimos comprar um transmissor homologado, ou seja, com o selo de aprovação da Anatel. A rádio funcionou com horário reduzido durante dois anos e só voltou a funcionar integralmente após receber a outorga provisória, em setembro de 2007. A outorga definitiva saiu cinco meses depois, em fevereiro de 2008. André se sente feliz de estar presente em 12 dos 15 anos de existência da rádio. “Minha vida profissional se resume à rádio”, diz o jovem. A Independente FM tem um quadro de vinte comunicadores e diretores e mais de cinquenta associados. Todos os comunicadores são voluntários da rádio, apenas três que são comunicadores fixos, responsáveis diretamente pela programação diária, são remunerados com uma ajuda de custo no valor de R$ 130 e mais 30% do que arrecadam de apoio cultural, um deles é André, “muitas vezes nós nem recebemos a porcentagem, o que entra de apoio cultural é cerca de seiscentos reais, depende do mês”, revela André. Os demais comunicadores atuam como voluntários a noite e nos finais de semana. - É muito importante a comunicação comunitária aqui no município, pois me desenvolvi mais, adquiri mais conhecimentos e até o reconhecimento das pessoas. É muito gratificante. Já tentei sair da radio, mas tenho tanto amor pelo que faço, que não consigo me afastar, por mais que eu tente. Uma das atividades de que André está participando são as formações do projeto Moringa Cultural. Desde o inicio do projeto, ele representa a Independente FM e multiplica os conteúdos na rádio. Todas as orientações e informações que André recebe nas oficinas ele repassa para os outros colegas da rádio, a proposta é que todos os comunicadores sejam atendidos com os conteúdos visto que o projeto não dispõe tem verba suficiente para atender todos os comunicadores ao mesmo tempo. -Antes da radio, eu não tinha nenhuma perspectiva de vida. Foi na rádio que me descobri tanto pessoalmente, como profissionalmente. Vivenciei novas experiências, viagens de intercâmbio, construí boas relações de amizade e adquiri conhecimentos que vou levar para o resto da vida. A comunicação comunitária nos envolve de tal maneira com as pessoas ao nosso redor... É o reconhecimento delas é o que faz com que eu permaneça na luta, fazendo a
  • 58. 57 minha história. Na verdade, nunca acreditei poder fazer um bom trabalho se não tiver prazer pelo que faço. André representando os jovens do Território do Sisal no Fórum Social Mundial em Belém do Pará, 2009. André na cobertura e entrega do troféu do campeão de futsal de veteranos de Ichu, 2009
  • 59. 58 COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL “Passei a entender a comunicação comunitária como um terreno fértil para a juventude, um campo de luta pela busca de incentivos de políticas públicas, um espaço desafiador”, Givaldo Souza. A fazenda Olhos d’Água fica a 22 km do município de Santaluz, entre as comunidades de Miranda e Serra Branca. Foi nesse ambiente agrícola, habitado por famílias humildes e trabalhadoras que o pedagogo Givaldo do Carmo Souza, 28 anos, cresceu ao lado dos avós maternos, seu José Pio do Carmo e dona Ernegilda do Carmo. A infância de Givaldo foi marcada pela valorização e respeito às tradições rurais. O vínculo com a terra e os animais, a religiosidade, o convívio familiar e as antigas histórias contadas pelos mais velhos ainda estão presentes na lembrança do jovem. - Fui morar com meus avós maternos aos dois anos de idade, quando meus pais se separaram. Eu tinha um vínculo muito grande com eles. Na casa dos meus avós moravam quatro netos, além de mim, e ainda tinha os que chegavam para passar férias e fins de semana. Era um ambiente muito movimentado e eu vivia naquele conforto de ter a companhia dos primos e de meus avós, que eram meus pais também. Givaldo estudava na comunidade de Serra Branca e participava das atividades culturais de fim de semana na comunidade de Miranda, geralmente missas e jogo de futebol. Numa época em que não havia transporte escolar, ele ia a pé todos os dias para a escola que ficava a 5 km de sua casa.
  • 60. 59 -Era difícil encarar o desafio, mas se tornava divertido porque íamos eu e mais um grupo de 10 adolescentes. Aos 16 anos, quando ainda estudava em Serra Branca, Givaldo ingressou no grupo de jovens da igreja católica da comunidade de Miranda. O jovem - que sempre gostou de ler e reunir conteúdos temáticos para discutir com os colegas - logo passou a acompanhar o grupo e conhecer a Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Miranda (AMPPM), que propôs a ele trabalhar com os jovens temas como sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis (DST’s) e planejamento familiar. A associação propôs esses temas após perceber os altos indícios de gravidez precoce na comunidade. O que aconteceu de forma espontânea foi como uma chave abrindo as portas para Givaldo enxergar a importância de reunir os jovens para discutir assuntos que pudessem contribuir no dia-a-dia deles. Os jovens da comunidade de Miranda eram carentes de espaço para se comunicar. O grupo de jovens foi a oportunidade de se encontrarem para discutir temas que contribuíssem com o conhecimento de suas realidades, limitações e potencialidades. Antes de conhecer a associação, Givaldo tinha a visão de que era um espaço apenas para idosos. De fato, ele não estava pensando errado. A juventude da comunidade ainda não havia se inserido naquele espaço, o público da associação eram os pais, avós, tios e tias dos jovens que participavam do grupo. -Todos nós pensávamos assim, não queríamos saber de associação, todo final de semana a gente ia para a comunidade jogar futebol, paquerar as meninas... até que um dia provoquei um colega, Plenildo Reis: “Vamos lá na associação?” - Ah, mas lá só tem velho, o que a gente vai fazer lá?, indagou o colega. - Mas vamos assim mesmo, insistiu Givaldo. Quando chegaram à associação, a comunidade estava debatendo a situação do lixo na comunidade, pois estava sendo jogado numa localidade indevida e acabava retornando para a rua. Nesse dia, Givaldo teve o primeiro choque da realidade social em que vivia.