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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE
O desafio da atenção integral às crianças e aos
adolescentes cronicamente adoecidos:
necessidades de saúde e políticas públicas
EMILLY PEREIRA MARQUES
ORIENTADORA: Profª. Giselle Lavinas Monnerat
CO-ORIENTADORA: Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011.
EMILLY PEREIRA MARQUES
O desafio da atenção integral às crianças e aos
adolescentes cronicamente adoecidos:
necessidades de saúde e políticas públicas
Monografia apresentada à Faculdade de
Serviço Social, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do grau de especialista, sob
orientação da Profª. Giselle Lavinas Monnerat
e co-orientação da Profª. Claudete Aparecida
Araújo Cardoso.
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Giselle Lavinas Monnerat
Profª. Drª Claudete Aparecida Araújo Cardoso.
Profª. Drª. Carla Cristina Lima de Almeida
Agradecimentos
Agradeço a Deus, à minha família e ao meu companheiro de todas as
horas Aziz;
Às minhas professoras orientadoras a assistente social Giselle e a
médica Claudete que contribuíram não só com o rigor acadêmico, mas também
com suas visões enquanto profissionais de saúde;
À professora Carla Cristina Lima de Almeida por ter aceitado o convite
de participação da minha banca e a todos os professores do CESS-UERJ que
contribuíram com a nossa formação profissional nos debates sempre
presentes;
Agradeço à equipe interdisciplinar do Serviço de Pediatria do HUAP-
UFF, com a qual dividimos angústias e resolutividades com o mesmo objetivo
de proporcionar um atendimento de qualidade e a promoção da saúde das
crianças e dos adolescentes atendidos;
À minha turma do Curso de Especialização em Serviço Social e Saúde –
2010 que colaborou para meu crescimento profissional diante de tanta
diversidade que a formou: diferentes idades, épocas de formação, diversas
faculdades, espaços sócio-ocupacionais (movimentos sociais, atenção primária
até a alta complexidade da atenção em saúde), porém todos com um
comprometimento ético-político na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária;
Agradeço às famílias que contribuíram com a minha pesquisa e
compreenderam a importância da luta pela garantia dos seus direitos.
Resumo:
O presente trabalho buscou contribuir com uma análise das diversas
situações enfrentadas por crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e
por suas famílias. Nossa indagação principal é se há suprimento de suas
necessidades de saúde, relacionando este cumprimento a garantia de
atendimento integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Em nossa pesquisa
percebemos a necessidade de maior articulação intersetorial, por meio de uma
rede integrada de atenção às necessidades específicas e coletivas deste
segmento em virtude dos diversos desafios e alterações de rotina que
perpassam seu cotidiano e que influenciam na continuidade do tratamento.
Realizamos pesquisa qualitativa nas enfermarias de pediatria do HUAP/UFF,
entrevistando com roteiro semi-estruturado 10 famílias cujas crianças e
adolescentes em condição crônica de adoecimento permanecem em
acompanhamento no HUAP após a alta hospitalar. Consideramos que o
acesso aos serviços e às políticas públicas compõe um dos sentidos do
atendimento integral, tendo em vista que tal suporte é relevante para que a
adesão e a continuidade ao tratamento de crianças e de adolescentes tenham
possibilidades reais e concretas de existir. Percebemos a sobrecarga da
família, principalmente das mães, responsabilizadas em prover o acesso aos
serviços necessários, além de prestar os cuidados que as crianças e os
adolescentes necessitam.
Palavras-chave: crianças e adolescentes, doenças crônicas,
atendimento integral, necessidades de saúde, políticas públicas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................06
CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE DA
ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL......................................11
CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À
ADOLESCÊNCIA...........................................................................................30
2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições crônicas
de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate...................43
CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS........................................................................................48
3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das
enfermarias de Pediatria.....................................................................50
3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de
seleção................................................................................................56
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..............................................61
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................126
ANEXOS.........................................................................................................135
6
INTRODUÇÃO
Neste trabalho buscamos investigar a temática da infância e da
adolescência em condição crônica de adoecimento numa concepção de
atendimento integral. A pesquisa tem como objeto a análise da integralidade da
atenção em saúde de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e que
necessitam de continuidade no cuidado e de acesso a diversos insumos,
equipamentos, especialidades de saúde e programas de proteção social.
Nesta direção, pretendemos observar se as famílias estão recebendo
suporte governamental para que a adesão e a continuidade ao tratamento de
suas crianças e de seus adolescentes tenham possibilidades reais e concretas
de serem realizadas em condições adequadas.
O interesse pelo tema se justifica em razão de nossa inserção
profissional no serviço de atenção à saúde da criança e do adolescente nas
enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da
Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF), situado no município de
Niterói-RJ, e que atende usuários de zero até 15 anos de idade.
Vale destacar que o cotidiano das crianças e dos adolescentes
cronicamente adoecidos e os entraves encontrados por estes e suas famílias
aparecem no acompanhamento aos casos atendidos pelo serviço social na
enfermaria pediátrica, onde nos deparamos cotidianamente com a falta de
políticas voltadas para as necessidades particulares deste segmento e do
acesso às políticas públicas já existentes.
7
Para prolongarem o tempo sem internação, muitas crianças e
adolescentes necessitam de equipamentos e de tecnologias em domicílio e
políticas específicas voltadas para o consumo de energia quando estas são
adquiridas; casas adaptadas e ambientes acessíveis; escolas que
compreendam as necessidades especiais dos alunos e que possuam
condições concretas de atendê-las; acesso a insumos e medicamentos
especiais e excepcionais sem morosidade no processo, dentre outras
questões.
Considerando as características de um hospital de alta complexidade, os
usuários atendidos apresentam doenças graves ou com diagnóstico sob
investigação ou ainda dependem de determinados tipos de especialidades
médicas ou recursos tecnológicos, atendendo diversas síndromes e condições
crônicas de adoecimento. São necessidades singulares e coletivas que se
transformam em demandas concretas em nosso cotidiano de trabalho nas
enfermarias de pediatria de um hospital de alta complexidade e reconhecemos
que para intervirmos é preciso uma abordagem integral e totalizante a estes
indivíduos e suas famílias.
Temos por hipótese que, apesar do arcabouço legal que ampara as
crianças e os adolescentes, os pacientes que possuem doenças crônicas ainda
possuem enormes dificuldades de garantir os seus direitos fundamentais.
Quanto ao procedimento metodológico propriamente dito, realizamos
pesquisa qualitativa na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário Antônio
Pedro (HUAP). Entrevistamos, por meio de roteiro semi-estruturado, 10 famílias
com responsáveis de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos em
8
acompanhamento hospitalar no HUAP entre os meses de setembro de 2010 a
junho de 2011.
Do ponto de vista da discussão teórica, trabalhamos com um dos
sentidos da integralidade considerando o viés do acesso a uma rede integrada
de atenção a estes usuários, apreendendo os desafios das crianças e dos
adolescentes e de suas famílias para alcançarem o atendimento de suas
necessidades de saúde, por meio de políticas, programas e serviços públicos.
Apontamos os consensos teóricos acerca da temática das doenças
crônicas nessa faixa etária, relacionando-os, posteriormente, aos desafios
práticos enfrentados por estes sujeitos e por suas famílias no acesso aos seus
direitos fundamentais, às políticas e aos serviços públicos, consonante com a
perspectiva da integralidade.
A literatura especializada mostra que a discussão de doenças crônicas
abrange majoritariamente outras gerações como adultos e idosos, portanto tal
temática vinculada à infância e à adolescência precisa de maior visibilidade e
problematização, com vistas à promoção da saúde e efetivação de direitos de
crianças e adolescentes em tratamento continuado.
Com efeito, este debate é relevante socialmente e também promissor
para as profissões que formulam e atuam nas políticas sociais, como os
assistentes sociais, já que estamos em diversas áreas das políticas públicas e
atuando pela ampliação e defesa dos direitos socialmente conquistados.
A relevância dessa pesquisa se ampara no fato de que há pouca
produção científica sobre esta temática, envolvendo as dificuldades
vivenciadas pelas crianças, adolescentes e suas famílias em seu cotidiano, em
9
quais políticas públicas estão inseridos e quais tentam acessar, e as principais
necessidades apresentadas, o que possibilitaria a elaboração de um perfil
coletivo, para posteriormente propormos estratégias de enfrentamento.
Realizamos também um levantamento bibliográfico sobre a temática das
doenças crônicas na infância e adolescência e as políticas públicas para
crianças e adolescentes, articulando-a com as produções sobre política de
saúde e integralidade, buscando balizar a discussão teórico-conceitual sobre o
tema. Essa pesquisa incluiu consulta a textos disponíveis na rede mundial de
computadores, a livros e revistas publicadas.
De igual modo, pesquisamos fontes secundárias com vistas ao
levantamento de dados, utilizando resultados da pesquisa em curso: “Perfil
epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do
Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense
(HUAP-UFF)”, coordenada pela profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso, co-
orientadora do nosso trabalho, além de dados produzidos por monografias,
dissertações e teses sobre a temática.
Através das informações obtidas no banco de dados elaborado pela
pesquisa de Cardoso (2009), fizemos uma análise do perfil das internações
nestas enfermarias no ano de 2010, buscando tornar claras as características
do atendimento nas enfermarias de Pediatria do HUAP-UFF.
Por fim, cabe ressaltar que centralidade do debate contemporâneo
acerca da integralidade e sua relevância para o atendimento às crianças e aos
adolescentes com doenças crônicas é fundamental para destacarmos que há
10
muito que se avançar para que esta diretriz do SUS se cumpra em seus
diversos sentidos.
Esta investigação também é relevante para as profissões da saúde que
atendem estes usuários dos serviços, assim como para os profissionais das
diversas políticas públicas que precisam estar atentos às necessidades
particulares e coletivas dos sujeitos. Tal tema é especialmente relevante para o
assistente social, tendo em vista que este profissional perpassa diversas áreas
das políticas públicas e atua pela ampliação e defesa dos direitos socialmente
conquistados (RAICHELLIS, 2009).
11
CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE
DA ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL.
Neste capítulo realiza-se um breve resgate histórico do modelo inicial de
intervenção do Estado na saúde de nosso país, para, em seguida, abordar a
proposta de superação deste modelo pelo movimento de Reforma Sanitária.
Posteriormente faz-se uma revisão teórica da integralidade na literatura
atual, destacando as suas múltiplas dimensões e as reflexões elaboradas pelos
principais autores no campo da Saúde Coletiva sobre a temática.
Busca-se demonstrar que a diretriz da integralidade e a sua efetivação
nos serviços de saúde no Brasil são alvo de amplo debate e, principalmente,
que a dissonância entre a proposta da Reforma Sanitária que introduz tal
conceito e a prevalência ainda do modelo individual-curativista e
hospitalocêntrico trazem impasses para transformações dos modelos
assistenciais em saúde do país.
O Estado brasileiro passa a intervir diretamente na saúde no século XX,
enfatizando, a partir dos anos 1930, as ações médicas pautadas no modelo
individual-curativista. A primazia dada à medicina ganha impulsão quando o
Estado a incorpora como forma de intervir sistematicamente na sociedade1
.
Nesta perspectiva, a articulação entre o Estado, a ciência e a medicina
1
A formação da medicina incorpora uma forma de produzir conhecimentos. O corpo é tido como
máquina e a observação, a descrição e a classificação das doenças na busca de suas causas é o seu objeto.
Neste modelo de medicina ocidental “Saúde é ausência de uma doença, e cura é a ausência de um
sintoma. (...) É esse mesmo conteúdo racional que será disseminado socialmente entre diversos setores da
sociedade” (PINHEIRO e CAMARGO, 2000:109).
12
configura a racionalidade normativa que vem embasando os modelos de
atenção à saúde.
Em decorrência, cristaliza-se um processo de medicalização iniciado no
país nos anos 1920 e 1930 e massificado na década de 1970, conjuntura em
que ocorre a ampliação de demanda pela saúde, ao mesmo tempo em que se
restringe o acesso direcionando-o para faixas específicas da população ou
limitado à atenção básica campanhista, persistindo o “descompasso entre
demanda e oferta nos serviços de saúde” (PINHEIRO e CAMARGO,
2000:103).
Para Camargo Jr (2010), o termo “medicalização” classicamente pode
ser entendido de duas formas:
(...) por um lado, o ocultamento de aspectos usualmente
conflitivos das relações sociais, pela sua transformação em
‘problemas de saúde’; e por outro, a expropriação da
capacidade de cuidado das pessoas em geral, em especial
(mas não apenas) os membros das camadas populares,
tornando-os dependentes do cuidado dispensado por
profissionais, em particular (ou quase exclusivamente, para
alguns) médicos. (2010: 98)
13
Nos anos 1970, na contramão desta racionalidade biomédica, o
movimento de Reforma Sanitária2
abarcou uma concepção ampliada de saúde
e a defesa da integralidade, tendo como marco o relatório da VIII Conferência
de Saúde, onde saúde é definida como:
(...) a resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o
resultado das formas de organização social da produção,
as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis
de vida. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986)
Com o processo de redemocratização na década de 1980, muitas
foram as conquistas na institucionalização das políticas sociais, as quais foram
materializadas na Constituição Federal de 1988. A principal expressão dos
avanços no campo da política social foi a implementação de um Sistema de
Seguridade Social Brasileiro que, pela primeira vez na história do país, explicita
a responsabilidade do Estado e consagra os direitos de cidadania na
perspectiva do acesso universal ao sistema pela população.
Ademais, a proposta de seguridade social busca sugerir uma nova
racionalidade de organização das políticas sociais, tendo em vista que traz uma
2
Para Cecílio (2001 ) universalidade, integralidade e equidade da atenção constituem um conceito tríplice
com poder de traduzir o ideário da Reforma Sanitária brasileira. Estes são objetivos da atenção em saúde
para além do simples consumo ou acesso a serviços.
14
proposta de integração de políticas e programas sociais, pelo menos das áreas
de saúde, assistência social e previdência social.
Na Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social Brasileira é
definida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes
públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.” (Título VIII, capítulo II, Seção I, art. 194 da
CF.)
A proposta da Seguridade Social promoveu avanços no âmbito da
formulação da construção de um sistema de proteção social solidário,
principalmente pela ampliação da cobertura a setores antes desprotegidos,
eqüidade de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos, descentralização
da gestão e ampla participação no processo decisório, além de inovar por meio
do controle social da execução das políticas. (COSTA ET ALLI, 2006).
A partir de então, a saúde passou a integrar a seguridade como direito
universal dos cidadãos. A Lei Nº 8.080/ 1990, uma das legislações que compõe
o Sistema Único de Saúde (SUS), dispõe em seu Título I que:
Art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
seu pleno exercício.
Seguindo tal paradigma, Giovanella et alli utilizam uma concepção
afirmativa de saúde, ou seja, “um processo de produção social influenciado por
15
fatores de diversas naturezas e que se expressa num nível de qualidade de
vida de uma dada população.” (2002: 44).
Desta forma, a saúde é vista como um processo mutável de acordo com
a ação da sociedade, para além das conseqüências imediatas de fatores
específicos, indicadas negativamente como doença, seqüela e morte. Portanto,
“deixa de ser o resultado de uma intervenção especializada e isolada sobre
alguns fatores e passa a ser um produto social resultante de fatos econômicos,
políticos, ideológicos e cognitivos”. (GIOVANELLA et alli, 2002: 45).
Notadamente, os avanços ocorreram na esfera legal e formal, pois na
esfera da implementação estamos ainda muito aquém de fornecer aporte para
o pleno exercício da cidadania e da efetivação do direito à saúde em seu
sentido mais amplo. Sobre este ponto, é forçoso reconhecer que o processo de
implementação da proposta de um sistema de Seguridade Social é
contraditório e incompleto. O trecho que segue ilustra esta afirmação:
De fato, a proposta de seguridade social inaugura na
história brasileira um modelo de sociedade mais justo,
visto que os direitos sociais não estão necessariamente
vinculados a uma contribuição anterior. No entanto, a
idéia de seguridade não vingou plenamente por uma série
de razões. Na realidade, cada área (previdência,
assistência e saúde) seguiu trajetória própria com
avanços significativos, mas com pontos importantes a
conquistar. Na atual conjuntura, marcada pelo
16
contingenciamento de gastos públicos e ameaça aos
direitos sociais vê-se que a saída é avançar de forma
criativa na articulação política das três áreas que
compõem a seguridade social. (MONNERAT e SENNA:
152)
A concepção ampliada de saúde presente na Constituição Federal de
1988 que expõe os seus fatores determinantes3
tornam-se utópicas diante dos
níveis de desigualdade e pobreza estrutural do país e da proposta neoliberal
hegemônica, extorquindo o direito dos usuários à garantia de eqüidade,
acessibilidade, qualidade e continuidade de políticas instituídas e
implementadas como direitos.
Conforme apontado por Costa et alli (2006), se por um lado, superamos
de alguma forma a visão biologizante da doença que enxergava o corpo como
máquina, os sujeitos ainda são tratados nos serviços de saúde como objetos
de ações isoladas, isto pode ser confirmado tanto pelas multiplicidades de
especialidades oferecidas pela medicina, quanto pelas dificuldades em
organizar serviços integrais. Quanto a este aspecto, Campos e Domitti
pontuam que:
3
Lei Nº 8.080/ 1990. Título I, Art. 3º “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as
ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade
condições de bem-estar físico, mental e social.”
17
Em Medicina e na saúde em geral houve uma crescente
divisão do trabalho que dificulta a integração do processo
de atenção e cuidado às pessoas, já que as distintas
especialidades médicas e profissões de saúde definiram
objetos de intervenção e campos de conhecimento sem
grandes compromissos com a abordagem integral de
processos saúde e doença concretos. (CAMPOS e
DOMITTI, 2007: 402)
Stotz ratifica a disparidade entre o que é estabelecido para o Sistema
Único de Saúde, um grande avanço comparável aos diversos sistemas de
saúde de outros países, e entre a precariedade do que é implementado, pois o
que é legislado, não ocorre na prática que ainda enfatiza o tratamento
individual-curativista, sem articulação com as políticas de proteção social:
Diferentemente do que acontece na maioria dos países
nas Américas, entre nós brasileiros, o valor da saúde é
formal e institucionalmente definido como um direito
social. No Brasil, contudo, vivemos o paradoxo do direito
à saúde ser um direito social, definido em termos do
princípio da solidariedade social que, como diz o artigo
196 da Constituição, exige políticas sociais e econômicas
que visem reduzir o risco de doenças e outros agravos à
saúde, enquanto o sistema organizado para garantir este
18
direito responde (precariamente, com baixa
resolutividade) à doença no plano individual. (STOTZ, s.d)
Portanto, a política de saúde está inserida em uma disputa por projetos
de sociedade. A arena sanitária brasileira conforma o projeto da Reforma
Sanitária com sua perspectiva universalizante pela equidade e integralidade de
um sistema de saúde gratuito e amplo e o Projeto neoliberal privatista que
propõe um “pacote básico para a saúde”, com programas focalizados e com
acesso aos serviços via mercado. (VILAÇA MENDES, 1994; BRAVO e
MATTOS, 2001)
Para Vilaça Mendes na prática, “a legislação universalizante, construtora
de uma cidadania plena é reinterpretada por uma realidade que estabelece
uma oferta de serviços altamente discriminatória, seletiva para diferentes
cidadanias e fixada na atenção médica” (1994: 80)
Então, a proposta da política de saúde dos anos 80, tem sido
desconstruída. Verificamos um quadro de precarização e privatização dos
serviços e dos benefícios públicos conquistados como direitos sociais.
Atualmente, as necessidades individualizam-se e são atendidas
fragmentadamente por estes serviços.
Inegavelmente a noção de saúde coletiva ampliou o debate sobre a
saúde e criticou as bases biologicistas sobre as quais as práticas e os saberes
médicos foram criados, constituindo uma forte mudança de paradigma neste
campo. No entanto, Nunes (1994) alerta que a pauta da construção deste
19
paradigma torna-se cada vez mais extensa devido aos sérios problemas
sociais e sanitários.
Desta forma, apesar das grandes transformações do sistema de saúde
brasileiro, principalmente em seu arcabouço jurídico, ainda não temos
materializadas grandes inovações no cotidiano dos serviços, persistindo
problemas entre as necessidades da população e as ações dos serviços de
saúde.
Porém, a progressiva universalização conquistada na implantação do
SUS nos aproximou de um modelo de atenção integral, onde todos os
indivíduos têm o direito legal instituído de serem inseridos e de utilizarem os
diversos níveis de atenção à saúde (da atenção básica à alta complexidade), o
que poderia facilitar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento à doença,
porém observamos que para a efetivação da integralidade ainda há muito que
se avançar, para além destas normatizações, pois dentre as diretrizes
propostas no SUS esta foi uma das que menos avançou.
Conforme destacado por Mattos (2010), a diretriz da participação
popular desencadeou a construção de um arcabouço formado pelos Conselhos
e Conferências de Saúde, a descentralização também avança gradualmente
com a municipalização dos sistemas e a implementação da referência e
contrarreferência. Estas diretrizes são mais facilmente aceitas por projetos
societários distintos. O impasse ocorre justamente com a diretriz da
integralidade, explicitamente vinculada a um determinado projeto societário na
luta por uma sociedade mais justa. Neste caso, retomar este debate é
relevante e necessário.
20
Do ponto de vista da Constituição de 1988, o atendimento integral
previsto no artigo 198, caracteriza-se como uma diretriz do SUS, assim como a
descentralização e a participação da comunidade. Importante ressaltar que na
Lei 8080/1990 a integralidade da assistência torna-se um dos princípios, ao
lado de outros oito, dentre eles, a universalidade do acesso e a preservação da
autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral.
Conill (2004) destaca que em nosso país, a integralidade já compunha
parte das propostas do início da década de 80, por meio de programas mais
abrangentes para grupos específicos (Programa de Atenção Integral à Saúde
da Mulher – PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança –
PAISC), sendo finalmente assumida em 1988 para a organização do SUS.
Porém, apesar de constar como diretriz de uma legislação e como
proposta de programas já estabelecidos, o conceito de atenção integral ou a
integralidade - como é mais utilizado na literatura da saúde coletiva - é difuso e
vários autores têm elaborado definições ou dissertado sobre seus possíveis
sentidos construídos historicamente.
Mattos (2004; 2009) salienta que a noção de integralidade é polissêmica,
isto é, guarda inúmeras possibilidades de interpretação. O termo para ele tem
funcionado como uma “imagem-objetivo” ou “como uma forma de indicar (ainda
que de modo sintético) características desejáveis do sistema de saúde e das
práticas que nele são exercidas, contrastando-as com características vigentes
(ou predominantes)” (2004: 1411).
21
Ao refletir sobre os diferentes sentidos na noção de integralidade,
Mattos (2009) destaca os mais relevantes para a construção de políticas, de
sistemas e de práticas de saúde mais justas. Quais sejam:
 Atributo das boas práticas de saúde – relaciona-se com a prática que
busca apreender as necessidades do paciente de modo mais integral, não se
vinculando apenas às dimensões biológicas do organismo e às suas “queixas”.
Originalmente, este debate iniciou com o movimento de medicina integral nos
Estados Unidos que criticava a postura fragmentária e a atitude reducionista
dos médicos, atribuindo tal limite às escolas formativas e propondo alterações
curriculares;
 Atributos do modo de organizar os serviços e as práticas de saúde
– é a articulação entre a assistência e as práticas de saúde pública. Exige uma
“horizontalização” dos programas, além de pensar a organização dos serviços
adequadamente a partir das necessidades da população atendida, ou seja, não
se resumindo a uma atitude do profissional, mas a ações programáticas;
 Atributo das políticas de saúde especiais - são as respostas
governamentais a determinados problemas de saúde ou a grupos específicos,
incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, respeitando
as especificidades destes segmentos da população.
22
No entanto, Mattos destaca que a sua principal preocupação teórica não
é de definir os diversos sentidos do termo - que, sobretudo, é uma bandeira de
luta, uma “imagem-objetivo” - pois independente dos múltiplos sentidos que a
integralidade agrega todos são interligáveis, pois:
quer tomemos a integralidade como princípio orientador das
práticas, quer como princípio orientador da organização do
trabalho, quer da organização das políticas, integralidade
implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à
objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura ao
diálogo. (2009: 65, grifo nosso)
Outra caracterização das dimensões da integralidade é realizada por
Giovanella et alli (2002). Este trabalho elenca critérios e atributos para avaliar
sistemas de atenção integral e a operacionalização da integralidade. Para
estes autores, a integralidade possui quatro dimensões:
Primazia das ações de promoção – orientação do sistema para a promoção
da saúde. Exige processos de planejamento com a participação social para
ocorrer coerência entre as ações de promoção e de prevenção com os
problemas de saúde locais, valorizando os determinantes gerais das condições
de saúde dos sujeitos;
23
 Garantia da atenção nos três níveis de complexidade da assistência –
caracteriza o caráter contínuo do cuidado, propondo-se a uma oferta
organizada dos serviços com fluxos definidos entre os distintos níveis de
complexidade compatíveis com a demanda da população no território. É a
garantia da referência e contrarreferência, por meio de protocolos de atenção;
Articulação das ações de promoção, de prevenção e de recuperação –
integração organizacional e programática entre a gestão e a coordenação dos
setores de assistência individual e os de caráter coletivo. Exige uma estreita
articulação com uma perspectiva de complementariedade;
Abordagem integral de indivíduos e de famílias – intervenções nas esferas
biológica, psicológica e social, por meio do fortalecimento do vínculo usuário-
profissional-unidade de saúde, envolvendo o acolhimento e a atuação da
equipe multidisciplinar. Necessita para ser possível de novos arranjos o
processo e trabalho em saúde.
Portanto, os autores afirmam que um sistema de atenção integral deverá
garantir de forma articulada as ações de promoção, de prevenção e de
recuperação/reabilitação, ou seja:
um misto de práticas sanitárias e sociais, intervindo nos
diversos estágios e nas múltiplas dimensões do processo
saúde-doença, em busca de resultados capazes de
24
satisfazer as necessidades individuais, tal como sentidas
e demandadas pelas pessoas, assim como as
necessidades coletivas de saúde, tal como detectadas e
processadas técnica e politicamente. (GIOVANELLA et
alli, 2002: 445)
Percebemos então os principais pontos de confluência entre Mattos
(2009) e Giovanella et alli (2002), principalmente, referente à crítica ao
reducionismo presente na prática de determinados profissionais e articulação
na gestão e operacionalização do sistema, visando ao rompimento das ações
de caráter prevalentemente individual e curativo.
Tendo como preocupação central o âmbito da gestão e
operacionalização do sistema, Pinheiro et alli (2007) advogam que as práticas
de gestão das ações organizadas devem gravitar em torno da integralidade e o
grande desafio é garantir o acesso da população aos mais complexos níveis de
assistência do sistema de cuidados em saúde.
O referencial dos autores reforça e articula-se com as análises
anteriores destacando três dimensões da atenção integral:
 A organização de serviços - é a reorganização do sistema de modo a
garantir o acesso da população a todos os níveis de “sofisticação tecnológica”.
Para os autores seria o ponto de partida para a construção do princípio da
integralidade do SUS, porém reconhecem que o acesso isoladamente não
garante a integralidade;
25
 Os conhecimentos e as práticas dos profissionais de saúde - é a
inovação a partir da prática dos agentes de saúde. Refere-se à capacidade de
criar novos padrões, envolvendo o acolhimento e a integração dos serviços de
saúde. A integralidade é entendida aqui como um processo de construção
social. São experiências no cotidiano dos serviços que podem proporcionar
relações mais horizontais entre os seus participantes - gestores, profissionais
de saúde e usuários gerando novos conhecimentos;
 A formulação de políticas governamentais com participação da
população – defendem a gestão compartilhada do sistema, por meio da
construção de espaços que envolvam vários agentes de saúde, com
dispositivos permanentes de decisão conjunta.
Pinheiro et alli (2007) enfatizam as práticas de gestão como um campo
fértil para a construção da integralidade em uma dinâmica concreta da arena
política, onde os gestores, trabalhadores da saúde e sociedade civil precisam
se organizar.
Para Cecílio (2009) a integralidade da atenção também deve ser
trabalhada no nível micro e macropolítico para que seja alcançada de forma
completa. No espaço singular de cada serviço de saúde, esta é conceituada
como “integralidade focalizada” que deve ser o esforço da confluência de
vários saberes de uma equipe multiprofissional em traduzir e entender as
necessidades complexas daquela pessoa que busca o serviço, apresentadas
ou “travestidas” em algumas demandas. A “integralidade focalizada” é
26
construída na relação dos profissionais com os usuários do sistema, dos
profissionais entre si e da equipe como um todo, por meio de uma escuta
qualificada e de uma prática humanizada, acolhedora.
No entanto, destaca que a integralidade não pode ser plena por meio da
singularidade de um serviço por melhor que ele seja, por isso o autor introduz a
segunda dimensão como “integralidade ampliada”, fruto do esforço da ampla
gama de serviços e da articulação intersetorial. Esta se traduz na articulação
das múltiplas “integralidades focalizadas”, onde os serviços de saúde se
organizam em fluxos para atenderem as necessidades reais das pessoas.
Há aqui um rompimento com a idéia de que a integralidade só pode
ocorrer na atenção básica, pois as várias tecnologias em saúde que podem
melhorar e prolongar a vida estão distribuídas na ampla gama de serviços,
portanto, sem acesso a todos os níveis de atenção à saúde não há
integralidade.
Na abordagem de Cecílio (2009) o conceito de necessidades de saúde
torna-se central, pois defende que este deve ser o conceito estruturante na luta
pela integralidade e pela eqüidade na atenção à saúde. Para tanto, o autor
utiliza de uma concepção ampliada de necessidades de saúde, que deve
englobar boas condições de vida; acesso e consumo de tecnologias capazes
de melhorar e prolongar a vida a partir da necessidade de cada pessoa; criação
de vínculos entre usuários e profissionais e autonomia dos sujeitos com a
possibilidade efetiva de reconstruir seu modo de viver. Por isso, não há a
possibilidade de conquista destes princípios sem que a universalização do
acesso esteja garantida.
27
Sendo assim, para o autor a integralidade pressupõe relação articulada,
dialética e complementar entre a máxima integralidade no cuidado de cada
profissional, equipe e da rede de serviços. Seu conceito de “integralidade
ampliada” articula-se com as elaborações de Giovanella et alli (2002) que
trabalha com a articulação de ações intersetoriais e garantia da atenção nos
três níveis de complexidade da assistência.
Ceccim e Feurwerker, por sua vez, concentram o debate da
integralidade em torno da prática, pressupondo que para esta ocorrer são
necessárias mudanças na academia tradicional. Por isso, elaboram uma
análise centrada na atenção integral correlacionando-a com o cuidado e a
formação dos profissionais de saúde:
A integralidade da atenção supõe, entre outros a ampliação e
o desenvolvimento da dimensão cuidadora na prática dos
profissionais de saúde, o que lhes possibilita tornar-se mais
responsáveis pelos resultados das ações de atenção à saúde
e mais capazes de acolher, estabelecer vínculos e dialogar
com outras dimensões do processo saúde-doença não
inscritas no âmbito da epidemiologia e da clínica tradicionais.
(CECCIM e FEURWERKER, 2004:407)
Portanto, considerando que o campo da prática e da formação não
podem se dissociar, estes autores entendem que, do ponto de vista da
construção do SUS, é fundamental a adequação da formação dos profissionais
28
desde a graduação às necessidades sociais de saúde, para compreenderem o
processo saúde-doença de forma mais ampliada e, a partir de um diálogo com
os gestores, possibilitar mudanças na organização dos serviços.
O enfoque destes autores possui articulação com a discussão elaborada
por Mattos (2004) sobre a prática da integralidade. Apesar de o autor trabalhar
com as diferentes noções da integralidade, percebemos sua ênfase no atributo
das boas práticas que estão intrinsecamente vinculadas à formação dos
profissionais de saúde.
Mattos avança neste debate ao assinalar que o comportamento dos
médicos e as práticas fragmentárias não se produzem apenas nas escolas,
pois ao pensarmos as práticas de saúde enquanto práticas sociais, precisamos
relacioná-las também às relações de trabalho estabelecidas e nas articulações
entre o Estado e o complexo médico-industrial. (MATTOS, 2009)
Como vimos a partir das conexões estabelecidas entre os autores, é
consenso que a atenção integral implica a recusa do reducionismo ao
biológico, extrapola uma determinada ação, política ou serviço, não se restringe
a um determinado nível de atenção e vincula-se a um processo crítico
formativo e interventivo, portanto, está atrelada à concepção ampliada de
saúde difundida pelo Movimento de Reforma Sanitária.
Destacamos que para a materialização das múltiplas dimensões que
compõem a diretriz da Integralidade, é necessário realizarmos mediações entre
as diversas frentes apontadas pelos autores, seja pelo esforço da articulação
intersetorial, pela reorganização do sistema ou inovações na gestão dos
processos de trabalho em saúde, seja pela reformulação da formação dos
29
profissionais, promovendo maior comprometimento com o cuidado e com o
produto da intervenção.
Desta forma, partindo da conceituação utilizada de necessidades de
saúde como estruturante da integralidade (CECÍLIO, 2009) busca-se verificar
se as necessidades de saúde das crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento atendidos no HUAP-UFF estão sendo contempladas
por meio do acesso aos serviços oferecidos pela rede de atenção em saúde e
pelas políticas públicas existentes, considerando-se aqui a perspectiva de
articulação intersetorial (GIOVANELLA et alli: 2002).
Neste trabalho, portanto, adota-se um dos sentidos da integralidade, o
acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas públicas que atendam
as necessidades plurais, coletivas e particulares dos usuários do SUS.
Trabalha-se, portanto, com a integralidade ampliada debatida por Cecílio
(2009). Compreendemos que não há possibilidade de fragmentar ou isolar as
demandas apresentadas pelos sujeitos, tornando-se inviável intervir sem
interlocução com outras instituições e políticas, principalmente as pertencentes
ao sistema de garantia de direitos e de proteção social.
30
CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E
À ADOLESCÊNCIA
Atualmente, quando iniciamos um debate sobre a infância e a
adolescência, comumente nos remetemos à noção de proteção e cuidado.
Pensamos nesta parcela da população como pessoas que necessitam de
atenção integral para o seu pleno desenvolvimento. Este é um dos avanços de
nossa sociedade, reconhecido como fruto de um processo histórico.
Não podemos realizar um debate sobre atendimento integral às crianças
e adolescentes na saúde sem destacarmos tal processo. O atendimento a este
segmento não deve ser analisado apenas a partir dos avanços na política
setorial da saúde, visto que uma ampla gama de direitos tiveram que ser
conquistados para que este grupo tivesse visibilidade e prioridade na esfera
pública e fossem considerados como sujeitos.
Neste capítulo buscamos apresentar, de modo sucinto, a trajetória
histórica de atendimento às crianças e adolescentes na esfera pública,
especificamente no setor saúde. Esperamos, com esta análise, destacar a
necessidade de investimento na efetivação dos direitos socialmente
conquistados a partir da implantação de políticas públicas de qualidade, para
além do avanço na esfera jurídico-formal.
Consideramos que um dos limites encontrados nas políticas públicas
que orientam nosso atendimento à criança é o enfoque de proteção à infância
estar historicamente atrelado ao binômio infância/pobreza, sem uma
31
articulação entre distribuição de renda, educação e saúde, tendo como objetivo
final o controle da população. (RIZZINI e PILOTTI, 2009; FALEIROS, 2009)
Para demonstrar tal análise é necessário retomarmos um breve histórico
das políticas públicas direcionadas à infância no Brasil, considerando que tal
perspectiva reducionista e assistencialista está nas raízes de nossa cultura
institucional e política.
Rizzini e Pilotti (2009) apontam que na República Velha existiam alguns
projetos pontuais para a infância, numa articulação do setor público com o
privado, mas não implementados como uma política geral. Predominava, então,
uma perspectiva moralista com ideais disciplinadores. A escola de reforma e a
casa de preservação eram instituições que deveriam atender ao “abandono
moral” e “abandono material” das crianças4
(FALEIROS, 2009: 39).
Nesta época, a intervenção estatal ocorria hegemonicamente através da
atuação dos higienistas, nos controles das doenças, e juristas, na aplicação do
Código de Menores de 1923. Este Código apresentava uma “filosofia higienista
e correcional”, na qual ao lado da idéia de proteção da criança está presente a
de defesa da sociedade.
Especificamente no campo da saúde, inicialmente, a preocupação com
as crianças ocorreu devido ao alto índice de mortalidade no país. A intervenção
4
De acordo com Lei nº 4.242 de 06 de janeiro de 1921, que fixava a despesa geral da República dos
Estados Unidos do Brasil para o exercício naquele ano, o Governo ficava autorizado: “ I . A organizar o
serviço de assistência e proteção á infância abandonada e delinquente, observadas as bases seguintes: a)
construir um abrigo para o recolhimento provisório dos menores de ambos os sexos que forem
encontrados abandonados ou que tenham comettido qualquer crime ou contravenção; b) fundar uma casa
de preservação para os menores do sexo feminino, onde lhes seja ministrada educação doméstica, moral e
profissional. c) Construir dos pavilhões, annexos à Escola Premunitoria 15 de Novembro, para receberem
os menores abandonados e delinquentes, aos quaes será dada modesta educação litteraria e completa
educação profissional, de modo que todos adquiram uma profissão honesta, de acordo com as suas
aptidões e resistencia organica.”. Preservou-se fielmente nesta transcrição a escrita da época. Fonte:
www.ciespi.org.br/media/lei_4242_06_jan_1921.pdf
32
se deu baseada nesta perspectiva higienista de “formalizar os cuidados com a
criança”, quando fora fundada a Puericultura, com estreita articulação à
filantropia e à noção de desvios da infância pobre:
Com o capitalismo, pela necessidade de mão-de-obra
tanto para a produção, como para o consumo,
intensificou-se o interesse pela conservação da criança.
(...) Constituiu-se um modelo racional e, depois, científico
(com Pasteur e a Puericultura) que fornecia as regras e
normas para o relacionamento dos adultos com as
crianças. Regras e normas que, institucionalizadas pela
medicina e pela pedagogia, passaram a ser as únicas
socialmente legítimas. (ZANOLLI e MERHY, 2009: 979)
No primeiro Governo Varguista é criado um Sistema Nacional de
Assistência formado pelo Conselho Nacional de Serviço Social, pelo
Departamento Nacional da Criança, pelo Serviço Nacional de Assistência a
Menores (SAM) e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este sistema
tinha por estratégia “privilegiar, ao mesmo tempo a preservação da raça, a
manutenção da ordem e o progresso da nação e do país.” (FALEIROS, 2009:
53). Esta “política do menor” refletiu na trajetória das instituições e das políticas
direcionadas às crianças e aos adolescentes.
No período militar a coerção social foi nítida em todas as esferas da vida
social. A Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) viria a
33
substituir o anterior SAM, e em 1979 foi instituído o Novo Código de Menores
que adota a doutrina da situação irregular. Esta doutrina considerava
irregulares as situações que variavam desde condições precárias de
subsistência até situações de maus-tratos ou infrações penais.
Desta forma, podemos inferir, conforme destacado por Rizzini e Pilotti,
que nas políticas dirigidas à infância no Brasil:
impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais,
destinadas a compensar a ausência de uma política social
efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de
desenvolvimento para crianças e adolescentes de
qualquer natureza (RIZZINI e PILOTTI, 2009: 16,17).
Por outro lado, Faleiros destaca a contraditoriedade do processo que,
apesar de conservador da ordem, trouxe avanços nas políticas para a infância:
Se é bem verdade que, na orientação então prevalecente,
a questão da política se coloque como problema do
menor, com dois encaminhamentos, o abrigo e a
disciplina, a assistência e a repressão, há emergência de
novas obrigações do Estado em cuidar da infância pobre
(...). Ao lado das estratégias de encaminhamento para o
trabalho, clientelismo, patrimonialismo, começa a emergir
a estratégia dos direitos da criança (no caso o menor) já
34
que o Estado passa a ter obrigações de proteção
(FALEIROS, 2009: 48, grifos do autor).
Os anos 80 marcaram o processo de democratização e a entrada de
novos atores políticos, colocando os direitos sociais e a melhoria das condições
de vida em pauta. A proteção à infância e à adolescência foi uma das
bandeiras de luta em prol dos direitos humanos, presentes na Constituinte.
Posteriormente, com a instituição do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) em 1993, surgiu um novo paradigma em que é adotada a
“doutrina da proteção integral” em substituição àquela da “doutrina da situação
irregular”. Neste a criança é considerada sujeito de direitos em
desenvolvimento e com prioridade de atenção integral.
Porém, precisamos atentar para o alerta de Faleiros de que como a
cidadania da criança e do adolescente é recente, iniciada no bojo da
elaboração da Constituição de 1988, na cultura hegemônica a questão deste
paradigma da infância precisa continuamente ser reafirmada por meio de lutas
e de embates políticos:
Na cultura e estratégias de poder predominantes, a questão
da infância não tem se colocado na perspectiva de uma
sociedade e de um Estado de Direitos, mas na perspectiva de
autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios com
repressão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias, com
disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor das
35
correlações de forças sociais ao nível da sociedade e do
governo (FALEIROS, 2009:35).
Sendo assim, observamos que se avançou na criação de um sistema de
garantia de direitos, mas as infra-estruturas institucionais precárias e o não
cumprimento do que é explicitado na Constituição e no Estatuto da Criança e
Adolescente - instituídos há duas décadas - geram deficiências na efetivação
de atendimento integral a esta geração.
Com efeito, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente são instrumentos legais que trouxeram profundos avanços nas
políticas de atendimento, porém muitos esforços devem ainda ser dispensados
para que haja articulação entre estas políticas, proporcionando a atenção
integral a estes sujeitos em desenvolvimento e a suas famílias, apesar dos
inegáveis avanços nas políticas públicas voltadas para a infância e a
adolescência, assim como na política de saúde brasileira.
Na política de saúde também obtivemos algumas conquistas na
ampliação da concepção de assistência que deveria ser prestada às crianças e
aos adolescentes através da elaboração e da implementação pelo Ministério da
Saúde (MS) do “Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança
(PAISC)” em 1984 e do “Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)” em
1989. Destacamos que tais programas são originários de um período anterior
ao Estatuto da Criança e do Adolescente e já traziam elementos relacionados à
atenção integral dos mesmos.
36
O PAISC avança ao destacar a necessária mudança da assistência,
focada no tratamento das patologias, para a atenção ao desenvolvimento e
crescimento infantil, atrelando-o as condições básicas de vida. Porém o
planejamento de suas ações persiste restrito ao enfrentamento à
morbimortalidade infantil (prioritariamente à faixa etária de 0 à 5 anos),
incentivo ao aleitamento materno, assistência às doenças respiratórias agudas,
diarréias e imunização.
O PROSAD, por sua vez, destina-se aos adolescentes, trabalhando com
a faixa etária entre 10 e 19 anos e as ações básicas propostas fundamentam-
se numa “política de promoção de saúde, identificação de grupos de risco,
detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação”. (BRASIL,
MS, 1989: 13).
Desta forma, apesar de apontar a busca pela atenção integral do
adolescente discursa em torno da redução da morbi-mortalidade e dos
“desajustes individuais e sociais”. Percebemos que o programa possui uma
concepção de adolescência como “fase de risco”, focalizando discussões como
drogas e sexualidade e seus “desvios”. Consideramos as mesmas relevantes
numa perspectiva de educação em saúde, e não de “ajustamento social”. Neste
debate, a política de saúde arrisca-se a retomar (ou permanecer com) seu
papel anterior de controle e disciplinamento da população, particularmente a
empobrecida.
É de notar ainda a adoção de uma abordagem fragmentada sobre a
realidade da juventude e a necessidade de propostas de articulação entre
políticas de saúde, educação, trabalho e cidadania. Posteriormente a atuação
37
do PROSAD foi ampliada por meio de sua transformação no Programa de
“Saúde Integral do Adolescente e do Jovem” abrangendo jovens até 24 anos5
.
Com base em análise de documentos oficiais publicados até o ano de
2008, Horta e Sena (2010) realizam críticas aos programas do Ministério da
Saúde destinados aos adolescentes e aos jovens. Estas autoras consideram
que os programas destinados a essa população têm baixa capacidade de
induzir mudanças, pois as políticas públicas precisam compreender o processo
saúde-doença da adolescência para além de riscos, considerando os
adolescentes como sujeitos sociais. Portanto, segundo as autoras:
(...) mesmo presentes na sociedade, a discussão sobre a
juventude, as políticas públicas de forma geral e de
saúde, em particular, ainda necessitam avançar para um
diálogo mais amplo, ora setorializado, ora intersetorial,
mas capaz de ver efetivamente os jovens nos espaços
sociais de sua vida, atender a suas demandas e
necessidades para além de um foco de problemas e
riscos. (HORTA e SENA, 2010: 486)
5
Horta e Sena (2010) analisaram as publicações do Ministério da Saúde entre 1989 e 2008 referentes à
atenção à saúde do adolescente e do jovem e destacam que na análise das publicações selecionadas, foi
“possível perceber que a conceituação prevalente, nos documentos oficiais do Ministério da Saúde, é de
adolescência, marcada por uma delimitação etária de 10 a 19 anos e vinculada às transformações físicas,
ao crescimento e desenvolvimento e à maturação sexual (...). A concepção de juventude é apontada, nos
documentos oficiais, a partir da instituição, em 1999, da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem, da
Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, compreendendo o limite etário de 15 a 24 anos.
O discurso oficial enfatiza a necessidade de se perceber a adolescência e juventude com limites etários
compreendendo adolescentes de 10 a 14 anos, adolescentes jovens de 15 a 19 anos e adultos jovens de 20
a 24 anos, sendo as ações de saúde, a partir de então, destinadas às faixas etárias de 10 a 24 anos” (2010:
479).
38
Os avanços nestes programas referem-se à ampliação desta percepção
de adolescência como um conceito plural, considerando as diversas
“adolescências” (BRASIL, 2002), e os seus componentes biológicos,
emocionais e socioculturais que permeiam este período da vida e suas
vivências.
Horta e Senna (2010) destacam como positivo o aumento do debate
referente à adolescência e à juventude, principalmente no período pós 1999
com publicações do Ministério da Saúde no âmbito Federal6
, apesar de
desconsiderarem uma mudança qualitativa nas ações.
Em 2004, o Ministério da Saúde também avança no PAISC, publicizando
a “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da
Mortalidade Infantil”, tal documento destaca a criança como foco do cuidado
integral compreendido como:
a responsabilidade de disponibilizar a atenção necessária em
todos os níveis: da promoção à saúde ao nível mais complexo
de assistência, do locus próprio da atenção à saúde aos
demais setores que têm interface estreita e fundamental com a
6
A saber: “Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional”, 1999;
“Adolescentes promotores da saúde: uma metodologia de capacitação”, 2000; “Prevenir é sempre
melhor”, 2000; “A adolescente grávida e os serviços de saúde do município”, 2000; “A Saúde de
adolescentes e jovens: uma; metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde:
módulo avançado”, 2002; “Marco legal: saúde, um direito de adolescentes”, 2005; “Saúde integral de
adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde”, 2005. “Marco teórico e
referencial: saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens” 2006; “A saúde de adolescentes e
jovens: uma metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo
básico”, 2007 e “Um olhar sobre o jovem no Brasil”, 2008.
39
saúde (moradia, água tratada, educação,etc.). (BRASIL, MS,
2004: 7)
O documento prevê diversos princípios como norteadores do cuidado: a)
Planejamento e desenvolvimento de ações intersetoriais; b) Acesso universal;
c) Acolhimento; d) Responsabilização; e) Assistência integral7
; f) Assistência
resolutiva; g) Eqüidade; h) Atuação em equipe; i) Desenvolvimento de ações
coletivas com ênfase nas ações de promoção da saúde; j) Participação da
família/controle social na gestão local; l) Avaliação permanente e sistematizada
da assistência prestada.
Neste material o MS reconhece o desafio e a necessidade da
conformação de uma rede única integrada de assistência à criança, porém
percebemos que no documento ainda prevalece como prioritário o foco na
atenção materno-infantil, na redução da mortalidade infantil (com destaque
para a morte neonatal) e no planejamento das ações da atenção básica.
Reconhecemos o caráter estratégico e relevante de tais ações, porém
enfatizamos que os outros níveis de atenção em saúde precisam estar
balizados na diretriz da atenção integral e em muitos casos resultando também
no estabelecimento de vínculos e no acompanhamento longitudinal dos
usuários de seus serviços, minimizando seu caráter hospitalocêntrico e
procedimento-centrado.
7
Neste documento o Ministério da Saúde define assistência integral como “abordagem global da criança,
contemplando todas as ações de saúde adequadas para prover resposta satisfatória na produção do
cuidado, não se restringindo apenas às demandas apresentadas. Compreende, ainda, a integração entre
todos os serviços de saúde, da atenção básica à atenção especializada, apoio diagnóstico e terapêutico até
a atenção hospitalar de maior complexidade, com o acompanhamento de toda a trajetória da criança pela
atenção básica” (BRASIL,MS, 2004: 14).
40
Em nosso estudo destacamos, especificamente, as particularidades e as
necessidades de saúde das crianças e dos adolescentes cronicamente
adoecidos. Consideramos que a necessidade de suporte de programas e
políticas públicas e proteção social a estes sujeitos e a suas famílias
geralmente ampliam-se e, contraditoriamente, por vezes também os entraves
nestes acessos e garantia dos seus direitos também aumentam.
Com base na análise das políticas elaboradas pelo Ministério da Saúde
pudemos perceber que não há destaque algum no debate sobre crianças e
adolescentes em condições crônicas de adoecimento e sobre suas diversas
necessidades de saúde que perpassam todo o fluxo de atendimento da rede de
serviços. O foco de atuação do Ministério da Saúde se concentra no âmbito da
prevenção à agudização das doenças e aos fatores de risco vinculados a
determinados segmentos etários, além do já dito enfoque de sistematizações e
estratégias de ação voltadas apenas para a atenção básica.
Desta forma, nosso trabalho tem a função precípua de promover um
destaque a este debate ressaltando a necessidade de maior problematização
deste universo, sem restringir-se apenas ao trinômio doença-diagnóstico-
tratamento. Pretendemos ampliar a discussão para o âmbito das políticas
públicas e apontar a necessidade de criação de diretrizes de atenção para este
público usuário dos serviços, numa perspectiva de atenção integral a estes
sujeitos em desenvolvimento.
Destacamos também que a assistência às famílias das crianças e dos
adolescentes deve ser um elemento central. Para Mioto (2008), “a família
passa a ser o “canal natural” de proteção social vinculado obviamente às suas
41
possibilidades de participação no mercado para compra de bens e serviços
necessários à provisão de suas necessidades” (2008, p.132). Neste aspecto
cabe apontarmos que diversas inflexões serão causadas na pluralidade dos
arranjos familiares8
existentes, assim como os atravessamentos sócio-
econômicos que promovem disparidades no desenvolvimento infanto-juvenil
brasileiro
Esta concepção transfere para o âmbito familiar os conflitos relacionados
à esfera da produção social sob a acumulação capitalista, pois esta que lida
com seus efeitos (desemprego, subemprego, pobreza). Portanto, apenas um
modelo ideal de família poderia absorver e solucionar os problemas sociais,
modelo este que não existe.
As famílias possuem formações próprias vinculadas ao contexto sócio-
cultural em que vivem. Podemos conceituar a família como um conjunto de
pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos ou não, por casamento
ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais.
A família é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo
de socialização. Apesar das transformações e das diferenças entre as famílias,
elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as pessoas,
como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.
8
Podemos conceituar a família como um conjunto de pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos
ou não, por casamento ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais. A família
é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo de socialização. Apesar das transformações
e das diferenças entre as famílias, elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as
pessoas, como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.
42
considerando que a sociedade capitalista transformou a família em espaço
privado que deve responder pela proteção dos seus membros por excelência.
Porém percebemos que geralmente neste processo, às mulheres é
atribuída a função de “cuidadoras”, portanto na proteção aos filhos há
claramente uma divisão entre homens e mulheres, com lugares e papéis
sociais demarcados e desiguais. Em nossa investigação tal informação é
fundamental para a problematização do universo das crianças e dos
adolescentes cronicamente adoecidos.
Como o objetivo do trabalho é ampliar a discussão para o âmbito das
políticas públicas, a unidade familiar perpassará toda a pesquisa em virtude da
centralidade atribuída à família nas políticas sociais vigentes.
A família mesmo no contexto neoliberal permanece ocupando espaço
primordial nas políticas públicas que compõem a Seguridade Social,
principalmente na assistência, com a diretriz da matricialidade sócio-familiar
prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e com a configuração
dos programas de transferência de renda, voltados para a unidade familiar,
mas que tem seus limites centrados no combate a extrema pobreza. Na política
de saúde a centralidade da família na política social também é percebida na
Estratégia da Saúde da Família, contida na Política Nacional de Atenção
Básica de 2006.
Torna-se essencial considerarmos as transformações societárias e as
questões sócio-políticas, econômicas e culturais da contemporaneidade para
intervir neste campo da infância e da adolescência em condição crônica de
43
adoecimento, diante de tantas expressões da “questão social”9
que perpassam
tal fenômeno, numa conjuntura neoliberal na qual o Estado e as Leis ao invés
de garantir direitos através de políticas sociais vem transferindo suas ações
para o âmbito privado, pessoal, da família e para a sociedade civil. Desta
forma, a família acaba sendo penalizada pelas dificuldades enfrentadas e pelo
não atendimento às necessidades de seus membros, principalmente os
dependentes e menores de idade.
2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate
Como vimos, em nosso país, o cuidado com a saúde das crianças
começa em virtude dos grandes índices de mortalidade infantil no país.
Enfatizou-se o tratamento das doenças agudas e o trabalho campanhista de
imunização. Porém, atualmente o quadro de atendimentos nas unidades
hospitalares vem se alterando. Tal modificação no perfil pode ser explicada
pela melhoria da qualidade da assistência a esses pacientes, além do
investimento em combate às doenças imunopreviníveis10
.
9
A “Questão social” é ampla e sua natureza é difusa possibilitando várias intervenções profissionais.
“Questão Social” esta, apreendida como fruto da sociedade capitalista madura onde a produção é cada vez
mais coletiva, mas a apropriação de riquezas mantém-se privada/monopolizada Ver IAMAMOTO,
Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 13 ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
10
A vulnerabilidade do grupo infantil aos agravos preveníveis já foi identificada e motivou a Assembléia
das Nações Unidas a reunir no ano de 2000, 191 países na Cúpula do Milênio, que se comprometeram a
cumprir objetivos de desenvolvimento até o ano de 2015. (Ministério da Saúde, 2006 apud CARDOSO,
2009).
44
Segundo Souza (2006), o perfil epidemiológico das causas de
hospitalizações em Pediatria modificou-se, pois as doenças agudas infecto-
contagiosas, tais como, a diarréia, a desidratação grave, a pneumonia, que
eram anteriormente as principais causas das hospitalizações infantis, deram
lugar às doenças crônicas. Entretanto, o debate sobre as doenças crônicas,
geralmente, segue ainda fragmentado por tipos de doença e tratamentos,
ficando circunscrito à análise clínica e/ ou epidemiológica.
Entendemos que com o aumento das crianças e dos adolescentes
cronicamente adoecidos, torna-se necessária a desmistificação de que o
debate da cronicidade do adoecimento deve estar voltado prioritariamente para
adultos e idosos. Precisamos avançar no debate sobre as políticas públicas
para esta população, numa perspectiva histórica e dialética, enfatizando
também este aspecto geracional da condição crônica de adoecimento numa
fase da vida de desenvolvimento e amadurecimento que é a infância e a
adolescência.
Moura (2001) discute em sua tese, o processo de cura e cuidado a partir
da doença crônica na infância. Segundo a autora:
As malformações congênitas e doenças genéticas,
principalmente as metabólicas e neuromusculares, são as
maiores responsáveis pelas doenças crônicas da infância.
São muitas vezes detectadas durante a gravidez,
acompanhadas no parto e posteriormente em hospitais
45
terciários, com envolvimento de diversas especialidades
médicas. (MOURA, 2001: 10)
Diante da complexidade da condição crônica de adoecimento nessa fase
da vida, torna-se necessário refletirmos sobre o atendimento a crianças e a
adolescentes, considerando que uma de suas especificidades é que esses não
possuem ampla autonomia na tomada de suas decisões, na busca por
tratamento, na aquisição de medicamentos etc., apesar de serem os sujeitos
de todo o processo.
Assim, não é somente a criança e o adolescente que devem ser
contemplados com ações, mas também a família que demanda políticas
públicas que possam fornecer suporte para a efetivação de um tratamento
continuado, que pode abranger acesso a serviços de saúde de diferentes
níveis de atenção, diferentes especialidades e tecnologias, acesso a insumos,
medicações e outras políticas públicas de assistência, educação, habitação,
previdência dentre outras, de acordo com suas necessidades de saúde
(Cecílio, 2001).
Com a mudança deste perfil percebemos uma grande demanda de
acompanhamento destes casos pelo Serviço Social, considerando que muitos
são os desafios que perpassam o cotidiano de crianças e de adolescentes com
condições crônicas de adoecimento e de suas famílias. De igual modo, esta
realidade também perpassa e influencia a atividade dos profissionais
envolvidos no cotidiano da assistência.
46
Neste trabalho utilizamos as categorias “condição crônica de
adoecimento” ou “cronicamente adoecido” ao invés de doença crônica, por
compreendermos que estas se adequam melhor aos nossos objetivos, já que
não pretendemos enfatizar apenas uma doença crônica e sim analisar de forma
ampla o impacto dessa condição na infância e na adolescência.
Vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu
nesta década um relatório mundial sobre cuidados inovadores para condições
crônicas, enfatizando o vertiginoso aumento das condições crônicas e
considerando que estas constituem o desafio para o setor saúde deste século.
(OMS, 2003).
Segundo o relatório, as “condições crônicas” não são mais vistas da
forma tradicional (e.g. limitadas a doenças cardíacas, diabetes, câncer e
asma), consideradas de forma isolada ou como se não tivessem nenhuma
relação entre si, sendo que a demanda sobre os pacientes, as famílias e o
sistema de saúde são similares, desta forma consideram que “as condições
crônicas então abarcam condições não transmissíveis, condições
transmissíveis persistentes, distúrbios mentais de longo prazo, deficiências
físicas/ estruturais contínuas” (OMS, 2003: 16)
Para Souza (2006), esse termo – crônica - engloba diversas doenças
que tem em comum os períodos prolongados que podem ou não serem
superados e deixarem ou não seqüelas. Destacamos também que o termo
“condição crônica” possibilita inferir uma possibilidade de superação da doença
ou mesmo estabilização através de um tratamento continuado, melhores
47
condições de vida e com o atendimento às necessidades de saúde destes
sujeitos, resultando no menor número possível de internações.
Tendo em vista nossa argumentação inicial da centralidade deste debate
na atual conjuntura, buscamos, nesta parte do trabalho, primeiramente
apresentar a doença crônica na infância e na adolescência ou condições
crônicas de adoecimento, conforme adotamos, e suas principais
características, relacionando a relevância deste debate à diretriz de atenção
integral do SUS.
Destacamos que muitos são os desafios enfrentados por esses e suas
famílias na busca por direitos e serviços que atendam suas necessidades de
saúde frente ao projeto neoliberal de focalização e fragmentação das políticas
sociais. Nossa indagação principal é se as políticas públicas existentes
contemplam as demandas apresentadas por estes sujeitos e se são facilmente
acessadas.
48
CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Em nossa atuação profissional no acompanhamento cotidiano das
crianças, dos adolescentes e das suas famílias nas enfermarias de pediatria do
HUAP-UFF, percebemos os desafios presentes para que a assistência em
saúde contemple as demandas e as necessidades materiais e subjetivas
desses usuários.
Diante disto, consideramos relevante pesquisar a trajetória de internação
e o cotidiano pós-alta hospitalar destas crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento. Interessa identificar os possíveis entraves e as
facilidades no acesso aos seus direitos e no suprimento às suas necessidades
de saúde, assim como o impacto destes condicionantes em suas famílias. Além
disso, buscamos proceder a uma sistematização das demandas que
frequentemente tem sido postas à equipe de saúde e, especificamente, ao
serviço social.
A escolha desse objeto de estudo está relacionada às
questões/perguntas advindas da experiência da pesquisadora na atenção e no
acolhimento às famílias, crianças e adolescentes nas enfermarias de pediatria
49
do HUAP-UFF, onde ocorreu o trabalho de campo, considerando o espaço do
serviço como importante cenário para a produção do conhecimento.
Neste sentido, realizamos uma pesquisa qualitativa na Unidade de
Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro, vinculada ao Departamento
Materno Infantil (MMI) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Tal unidade possui três enfermarias distribuídas por faixas
etárias (lactentes, pré-escolares e escolares) com um total de 17 leitos
disponíveis para internação.
Realizamos 10 entrevistas semi-estruturadas entre os meses de
setembro de 2010 a junho de 2011 com os responsáveis por crianças e
adolescentes em condição crônica de adoecimento com acompanhamento no
HUAP, cujos critérios de seleção são descritos nos procedimentos
metodológicos deste capítulo.
Deslandes e Gomes (2004) defendem a utilização dos serviços de saúde
como cenário de pesquisa, pois consideram que: “as interações entre
profissionais de saúde, usuários e serviços podem ser um lócus privilegiado de
análise para se compreender o que representa a doença ou o tratamento.”
(2004, p. 101)
A opção pela abordagem qualitativa ocorre por compreendermos que
esta pode contribuir para a análise de questões e relações ligadas aos serviços
de saúde e por melhor se adequar aos objetivos propostos de uma pesquisa
social e, especificamente, ao objeto de estudo em questão. (DESLANDES e
GOMES, 2004)
50
Conforme explicitado por Minayo, “as abordagens qualitativas se
conformam melhor a investigações de grupos e segmentos delimitados e
focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para a
análise de discursos e de documentos”. (MINAYO, 2006, p.57).
3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das
enfermarias de Pediatria.
Estima-se que ocorram anualmente cerca de 350 internações nas
enfermarias de Pediatria do HUAP, incluindo as internações de curta
permanência, com período menor que 48 horas (pacientes esses que se
internam para procedimentos diagnósticos e cirúrgicos eletivos e tratamento
clínico com medicações intravenosas em dose única) (CARDOSO, 2009).
Para fins de análise do perfil das internações nestas enfermarias
utilizamos os dados agrupados no banco de dados elaborado pela pesquisa de
Cardoso (2009) referentes às internações de janeiro a dezembro de 2010.
Neste ano ocorreram 261 internações nas enfermarias de Pediatria do HUAP-
UFF com período maior ou igual a 48 horas. Como critério metodológico da
pesquisa, consideramos o período de 14 dias ou mais de hospitalização como
internação prolongada, pois observamos que após duas semanas a internação
passa a ter implicações com a cessação das atividades que seriam cotidianas
para o paciente e sua família (escola e trabalho, por exemplo).
51
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.
A mediana11
de tempo de internação foi de oito dias(intervalo interquartil:
4 – 14 dias). Do total de 261 pacientes, 69 (26,4%) permaneceram internados
por um período de tempo maior ou igual a 14 dias, portanto apresentaram
internação prolongada.
11
“A mediana é a observação que ocupa a posição central, depois que os dados são ordenados em forma
crescente ou decrescente. Esta medida de posição não é afetada por valores discrepantes na amostra já que
depende do número de elementos da amostra e não dos seus valores” (VELARDE, s.d: 29)
52
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.
Estas internações subdividiram-se nas três enfermarias: lactentes –
absorve crianças de 0 a 2 anos – com 5 leitos; pré-escolares – crianças de 2 a
6 anos – com 6 leitos e escolares – crianças e adolescentes de 6 a 15 anos –
com 6 leitos.
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
No que se refere ao sexo, no ano de 2010, tivemos predominância de
pacientes do sexo masculino:
53
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
A partir da análise dos diagnósticos que motivaram a internação,
percebemos que 52,1%, ou seja, mais da metade, possuíam alguma doença de
base e estariam internados em virtude da agudização da mesma ou do
tratamento de doenças associadas.
A doença de base é a afecção que acomete primariamente o paciente e
que ocasiona as várias internações para tratamento. Segundo Moura (2001):
Em geral as doenças de base são altamente incapacitantes
ou mesmo fatais, requerendo repetidas internações e
procedimentos especiais como cirurgias, ostomias, uso de
oxigênio, respirador e aspirações. A elas se somam todas as
disfunções adquiridas precocemente decorrentes do
tratamento (MOURA, 2001: 10)
Destacamos que se tivéssemos considerando os pacientes com
internações com duração inferior a 48 horas, provavelmente este número de
pacientes com doenças de base aumentaria, tendo em vista a grande
quantidade de pacientes que internam para receber alguma medicação
específica fundamental para a continuidade do seu tratamento ambulatorial.
54
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
A partir dos diagnósticos descritos nas internações do ano de 2010 e
compilados no banco de dados elaborado por Cardoso (2009), realizamos uma
divisão topográfica das doenças para demonstrar o perfil das demandas
clínicas atendidas nas enfermarias do HUAP-UFF, tendo em vista a diversidade
de síndromes e multiplicidade dos diagnósticos existentes:
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa.
55
Quanto à evolução clínica dos pacientes internados, os dados mostram
que os resultados no final da internação foram classificados entre alta
melhorada, curada, inalterada, pacientes transferidos para outra unidade de
saúde, pacientes transferidos para CTI (o HUAP não possui CTI pediátrico),
óbito e saída à revelia.
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
Podemos entender a prevalência das altas melhoradas em relação às
outras evoluções clínicas, devido ao perfil da maioria dos pacientes da
enfermaria serem cronicamente adoecidos com períodos de agudização, o que
leva ao tratamento destas intercorrências sem resolução do quadro de base, ou
seja, sem cura.
56
3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de
seleção
Conforme as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, referidas na Resolução nº 196 de 10 de outubro
de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, este projeto foi submetido para
apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio
Pedro e aprovado em 03/09/10 sob o nº CAAE: 01650258/000-10.
A partir da análise do nosso cenário de pesquisa e do alto índice de
atendimento a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, optamos por
entrevistar 10 famílias cujos filhos (as) possuíam uma condição crônica de
adoecimento e realizavam acompanhamento hospitalar no Hospital
Universitário Antônio Pedro durante o período do estudo (setembro de 2010 a
junho de 2011). Os critérios para inclusão na pesquisa foram:
a) Idade do paciente entre zero e 15 anos à admissão na enfermaria de
Pediatria do HUAP ;
b) Concordância com a participação no estudo e assinatura pelo
responsável legal do termo de consentimento livre e esclarecido;
c) Responsável direto pelo paciente presente no momento do
preenchimento do questionário de coleta de dados e que os acompanhe o
tratamento a fim de ter condições de responder às questões do instrumento de
pesquisa;
57
d) Ter passado pelo menos por uma internação nas enfermarias. Esta
consulta foi feita ao banco de dados do projeto em andamento “Perfil
epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do
Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense”,
coordenado pela professora Claudete Cardoso;
e) Realizar acompanhamento ambulatorial regular com alguma
especialidade no HUAP em virtude da condição crônica de adoecimento,
mantendo, portanto, o vínculo com a instituição.
Foram excluídos da pesquisa as crianças e os adolescentes internados
ou acompanhados no HUAP em virtude de doenças agudas, cirurgias eletivas,
ou outros quadros clínicos que não configuram condição crônica de
adoecimento e os que não passaram por alguma internação nas enfermarias
de Pediatria, pois pretendíamos analisar o impacto da hospitalização e do
tratamento em seu cotidiano e de suas famílias, além do fato da pesquisadora
atuar dentro das enfermarias, já acompanhando rotineiramente estes
pacientes.
Utilizamos entrevistas semi-estruturadas (vide Anexo 1 – Roteiro de
entrevista), as quais foram gravadas e depois transcritas integralmente.
Analisamos os dados a partir da metodologia de estudo de caso
interrelacionando com nossa base teórica da problematização do assunto.
As entrevistas foram autorizadas através de assinatura prévia em duas
vias em termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas
crianças e pelos adolescentes (vide Anexo 2). Procuramos nas entrevistas
58
levantar o que consideram como necessidades de saúde para a continuidade
do tratamento, em quais espaços públicos eles estão inseridos (escola,
programas, projetos) e ainda verificar se a família considera estar assistida por
alguma política pública a qual seu filhos (as) ou a própria família tenham direito.
Portanto, nossas perguntas foram direcionadas para analisar as
condições de acesso e adesão ao tratamento ambulatorial; as internações
recorrentes e por vezes prolongadas, assim como os seus impactos para as
crianças e os adolescentes e as suas famílias. Buscamos também analisar
como a família se organiza para prover a continuidade do tratamento e se as
políticas públicas existentes, por meio de seus programas e benefícios tem
auxiliado no enfrentamento das dificuldades apontadas pelos responsáveis.
Para assegurar a confidencialidade dos dados, a análise foi realizada
sem a identificação nominal dos pacientes. À admissão da criança na
enfermaria, a assistente social pesquisadora, em virtude da realização da
entrevista social de rotina, confirmou se o paciente preenchia os critérios
definidos anteriormente para inclusão no estudo. Em caso afirmativo, o
responsável legal foi convidado a participar com a criança/ o adolescente do
estudo. Após concordância, explicamos o termo de consentimento livre e
esclarecido e verificamos se o responsável concordava em participar da
pesquisa.
O responsável legal pelo paciente assinou duas vias do termo de
consentimento livre e esclarecido, tendo guardado uma via consigo e a outra
via foi arquivada pela equipe de pesquisadores responsáveis pelo estudo.
59
Decorridas as etapas descritas acima, a família da criança e do adolescente foi
incluída na pesquisa.
Como mencionado, realizamos entrevistas com 10 famílias dentro de
perfil previamente estabelecido. As doenças de base foram selecionadas
aleatoriamente pela pesquisadora responsável pelo estudo. A cada entrevista
atribuímos um número para garantir a confidencialidade dos sujeitos partícipes
do processo.
Quadro 1 - Idade e Diagnóstico das crianças e dos adolescentes
N° Enfermaria Idade Diagnóstico Topografia do
diagnóstico principal
1 Lactentes 7 meses Síndrome West Neurológica
2 Lactentes 4 meses Cardiopatia congênita Cardíaca
3 Escolares 15 anos Hepatite auto-imune Gastrointestinal
4 Escolares 14 anos Encefalopatia não progressiva Neurológica
5 Escolares 15 anos Miastenia gravis Neurológica
6 Pré-
escolares
4 anos Sarcoidose Generalizada
7 Escolares 15 anos Sínd. de Klinefelter + diabetes
mellitus
Endocrinológica
8 Escolares 15 anos Anemia falciforme Onco-hematológico
9 Escolares 11 anos Lupus Eritematoso Sistêmico +
Bronquite asmática
Reumatológico
10 Escolares 12 anos Síndrome Nefrótica Urinário
Buscamos diversificar os diagnósticos e a idade das crianças e dos
adolescentes envolvidos na pesquisa, porém o maior número de entrevistados
concentrou-se na enfermaria dos escolares, pois é nesta faixa etária (6 a 15
anos) que possuímos o maior número de internações na enfermaria e também
60
é a etapa onde a cronicidade da doença geralmente se manifesta, ou, em
alguns casos, quando conseguem uma conclusão diagnóstica, após diversas
passagens em outras unidades de saúde.
61
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Conforme já exposto, nosso objetivo com o presente trabalho foi de
investigar a condição crônica de adoecimento na infância e na adolescência,
buscando cotejar a diversidade e pontos de contato no que se refere às
experiências e trajetórias das famílias e, através de uma concepção de
atendimento integral a estes sujeitos, levantarmos os principais desafios para
que as suas necessidades de saúde sejam contempladas pelas políticas
públicas existentes, seja por meio do acesso ao tratamento ou pela garantia de
seus direitos fundamentais: educação, lazer, assistência, dentre outros.
A partir das categorias teóricas selecionadas analisamos as narrativas
dos familiares, levantando os pontos de confluência entre os mesmos, assim
como as divergências procurando analisar a condição crônica de adoecimento
das crianças e dos adolescentes que unem estas famílias, assim como também
suas particularidades locais, formações familiares, diferenciações no
tratamento e articulações desenvolvidas pelas famílias com a rede de
atendimento.
No desenvolvimento da pesquisa percebemos que seria necessário
enfatizar os desafios enfrentados pelas crianças, adolescentes e suas famílias
na busca por direitos e acesso a serviços que atendam suas necessidades de
saúde. Também buscamos problematizar os limites recorrentes na
continuidade do tratamento, entendendo que isto pode contribuir para
internações reincidentes ou mais prolongadas.
62
Todas as entrevistas foram realizadas com as mães das crianças e dos
adolescentes selecionados, exceto a entrevista n° 4 que foi realizada com o pai
da criança e a entrevista n° 7 feita com a avó do adolescente. Estes
acompanhavam o tratamento conjuntamente com a mãe da criança. Ou seja,
das famílias selecionadas a mãe estava presente em todas as trajetórias de
tratamento, a diferenciação advém de que algumas contam também com o
suporte de outros familiares.
No quadro abaixo apresentamos alguns dados coletados a partir das
entrevistas para termos ciência de algumas informações que caracterizam as
trajetórias do tratamento de cada paciente. Nele apontamos o tempo de
descoberta diagnóstica, o número aproximado de internações, buscando
demonstrar a frequência de reinternações nos casos de adoecimento crônico,
as especialidades clínicas que os acompanham ambulatorialmente, além dos
tratamentos complementares necessários:
63
Quadro 2- Internações e acompanhamentos de Saúde
N° Tempo de
descoberta do
diagnóstico
N° aproximado
de internações
Acompanhamento
Ambulatorial clínico
Acompanhamentos
complementares
1 5 meses 3 Neurologia e
Pediatria
Fonoterapia e
Psicologia
2 4 meses 1 Cardiologia e
Pediatria
Fonoaudiologia e
Nutrição
3 2 anos 3 Gastroenterologia e
Pediatria
-
4 14 anos Mais de 20 Neurologia,
Pediatria e
Neurocirurgia
Fisioterapia,
Fonoaudiologia e
Terapia
Ocupacional
5 10 anos 6 Neurologia e
Pediatria
-
6 6 meses 4 Reumatologia e
Pediatria
-
7 15 anos Não sabe
informar
“muitas”
Neurologia,
Genética,
Otorrinolaringologia
Oftalmologia,
Pediatria
Dentista e Grupo
de diabéticos
8 14 anos Mais de 50 Hematologista,
Cardiologista e
Pediatria
-
9 4 anos 12 só no ano
passado.
Reumatologia e
Pediatria
-
10 6 anos 3 Nefrologia,
Endocrinologia e
Pediatria
-
Subdividimos a análise das entrevistas em eixos temáticos, procurando
contemplar a proposta de análise inicial. Consideramos que esta é uma forma
mais sistematizada e clara para correlacionarmos os diversos pontos de
encontro e as singularidades nas experiências das famílias.
As famílias pesquisadas apresentam trajetórias diversas, seja pelo
suporte familiar que recebem ou pela condição econômica. No entanto,
possuem em comum, apesar dos diagnósticos diferenciados, a condição
crônica de adoecimento. Para análise do objeto de estudo em questão e
64
problematização dos desafios da atenção em saúde na perspectiva da
“integralidade ampliada”, optamos por alguns eixos de análise.
Os eixos de análise definidos foram: a) condições de acesso ao
tratamento; b) aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com
o processo crônico de adoecimento c) a experiência de internação; d) a
inserção no sistema educacional; e) suporte familiar para apoio na
continuidade do tratamento; f) sobre as políticas públicas: inserção e
acesso aos programas e benefícios sociais e g) dificuldades para a
adesão e continuidade do tratamento; e h) estratégias de enfrentamento
encontradas pelas famílias.
a) Condições de acesso ao tratamento
O acesso ao tratamento e à assistência em saúde é uma das principais
categorias analíticas para discutirmos os desafios do atendimento integral. Sem
universalização do acesso, não é possível a concretização da integralidade.
(CECÍLIO, 2009)
Inicialmente pensamos que ao abordar a questão do acesso o elemento
que mais apareceria nos dados empíricos seria a trajetória assistencial das
famílias antes de chegar ao HUAP, os problemas relativos à referência e
contrarreferência, as dificuldades para efetivar atendimentos de média e alta
complexidade, dentre outras questões.
65
Porém, na análise sobre o acesso ao tratamento ambulatorial, os
elementos mais fortes abordados por estas famílias foram as dificuldades
enfrentadas para chegarem as consultas, marcação e realização de exames.
O acompanhamento ambulatorial em um hospital de atenção terciária e
quaternária é diferenciado do acompanhamento, por exemplo, do Programa
Médico de Família, que possui proximidade e vínculo com a localidade em que
o usuário do SUS está residindo. No HUAP, muitas famílias residem em
municípios distantes e, portanto, a facilitação do acesso à consulta torna-se um
elemento necessário para ser pensado como estratégia para adesão ao
tratamento e continuidade da atenção em saúde.
Através das entrevistas pudemos avaliar que o transporte é um dos
principais entraves para as famílias, usuárias de um hospital público darem
seguimento ao acompanhamento e tratamento de seus filhos
ambulatorialmente. As narrativas mostram que o Vale Social12
é uma relevante
conquista social, porém ainda insuficiente para contemplar a complexidade das
necessidades apresentadas pelas famílias entrevistadas.
“O Passe Livre dei entrada, demorou um mês pra sair (...) e não atende (a
necessidade), porque é uma criança que é muito grande, não tem como ficar
locomovendo ela no transporte porque, nem sempre os ônibus são adaptados
para isso, né. E assim eu tenho que sair muito pra marcar médico, pra buscar
remédio e tudo isso a gente não pode usar o passe, porque o passe é para a
12
O Vale Social foi instituído pelas Leis Estaduais nº 3.650/2001 e 4.510/2005. Ele garante a gratuidade
no transporte público intermunicipal as pessoas com doença crônica ou deficiência, cuja interrupção no
tratamento possa acarretar risco de morte.
66
criança, se a gente sair sem a criança, para resolver o problema da criança, a
gente não pode usá-lo”. (FAMÍLIA 4)
“Assim, o passe às vezes eles bloqueiam, só que aí tem que vir na consulta
então tem que ter o dinheiro da passagem para pagar a minha e a dele. É uma
dificuldade porque às vezes eu não tenho e tem que pedir emprestado, mas
tem que vir de qualquer jeito” (FAMÍLIA 08)
As famílias reclamam que quando a criança está internada, o passe não
pode ser utilizado para seus responsáveis virem ao hospital para revezar o
acompanhamento, esta questão aparece também quando precisam vir ao
hospital às vezes sem seus filhos para marcação de exames ou remarcação de
consultas e não podem utilizar o Vale Social:
“Na semana eu venho aqui três vezes por semana, com ele ou sem ele.(...)Tem
dias que tem consulta marcada que se eu não tenho dinheiro de passagem eu
não venho não. Aí eu venho depois no outro dia e aí gasto mais, porque ai eu
gasto dinheiro pra remarcar e ver o dia que a médica está, para ela remarcar e
vir depois”. (FAMÍLIA 10).
Algumas Secretarias Municipais de Saúde também possuem um setor
para agendamento de transporte para trazer o paciente para o tratamento
ambulatorial. Porém, as famílias destacam que o agendamento precisa ser feito
67
com muita antecedência e mesmo assim não é garantido devido à grande
demanda existente:
“Eu tenho que ir ate lá (na Secretaria de Saúde), marcar com muita
antecedência, porque de uma semana pra outra já não consegue. Não é fácil
conseguir transporte, é porque dizem que a demanda é muito grande de
pacientes e pouco transporte. No caso, hoje ela teria consulta 10 horas da
manhã, eu teria que vim no carro das seis horas da manhã. Entendeu? Eu só
não vim, porque expliquei que ela não tem condições de ficar muito tempo no
hospital então com muito custo eu consegui um carro, porque liguei para outra
pessoa, que trabalha lá dentro na chefia para conseguir autorizar para liberar o
carro” (FAMÍLIA 4)
Em outras situações evidencia-se que não somente a liberação do
custeio da passagem não é suficiente, visto que algumas crianças e
adolescentes precisam de um carro e, às vezes, até mesmo de ambulância
para vir as consultas ambulatoriais.
Esta realidade aparece nas enfermarias de pediatria, com crianças
acamadas ou que dependem de algum recurso como oxigenioterapia por
exemplo. Nas entrevistas realizadas essa questão apareceu devido aos
sintomas no período de agudização da doença, quando o transporte de ônibus
não é o recurso que a família que necessita. O trecho abaixo ilustra tal
situação:
68
“A Anemia Falciforme a dor dela é muito forte e a criança fica sem andar às
vezes. Então tem que ter, assim, tem que ter alguém para trazer no colo,
porque a mãe tem que aguentar né, pra subir no ônibus, para trazer aqui dentro
do hospital que fica longe do ponto”. (FAMÍLIA 08)
Verificamos, assim, que do ponto de vista da facilitação do acesso, o
Passe livre ainda é insuficiente diante das enormes dificuldades que
perpassam o cotidiano dessas famílias.
Quanto ao acesso a tratamentos complementares como a fisioterapia,
no caso da família 04, a dificuldade de vagas também foi abordada:
“Acesso é demorado, tem que levar documentações para a prefeitura, esperar
se chamado, passar por uma avaliação, tudo é demorado, nada é rápido, a não
ser que você tenha conhecimento com alguém. Levou uns três meses pra
conseguir” (FAMÍLIA 04).
Estes depoimentos mostram que o poder de acesso aos serviços de
saúde vai além do que a simples chegada a uma unidade de saúde. A
fragilidade das condições de acesso aparece nas entrevistas refletidos nos
relatos sobre dificuldade econômica, distância casa-unidade de saúde, demora
para o atendimento, transporte público, referência e contrarreferência.
Desta forma, o poder público precisa atentar-se para esta população
usuária do SUS e suas crescentes demandas por criação de programas de
suporte social para possibilitar o acesso, a adesão e a continuidade do
69
tratamento, que consequentemente, poderia minimizar as internações
hospitalares que apresentam um grande custo para o sistema.
Notamos que este grupo apresenta poucos espaços para expor esta
situação, alguns procuram os órgãos de garantia de direitos, como os
Conselhos Tutelares, os equipamentos da Assistência Social (CRAS, CREAS)
ou a Defensoria Pública. Percebemos que pacientes com alguns diagnósticos
específicos ainda contam com grupos de apoio ou determinadas associações,
como os diabéticos, porém, de acordo com nossa experiência empírica, poucos
espaços de troca e criação de alternativas de enfrentamento das limitações
enfrentadas no cotidiano por estas crianças, adolescentes e suas famílias.
Diante disto, em junho de 2010 foi criado o Fórum Ampliado de
Políticas de Promoção da Saúde de Crianças e Adolescentes com
Doenças Crônicas e Deficiências e suas famílias, como iniciativa inicial do
Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz, que envolveu profissionais e
famílias, onde ouvimos as instituições ali representadas e familiares de
crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e todas estas questões
destacadas.
Os entraves no acesso e/ou efetivação e implementação das políticas
públicas também foi acompanhado através de observação participante das
principais questões levantadas e recorrentes neste espaço. A principal questão
debatida foi o transporte e seus desdobramentos: Vale Social, carros e
ambulâncias disponibilizados para tratamento ambulatorial.
O segundo encontro do Fórum foi em setembro de 2010 e voltou-se
principalmente para debater estas questões relativas ao transporte. A mesa
70
redonda trouxe o tema “Ações e experiências com promoção da saúde de
crianças e adolescentes com doenças crônicas e deficiências e suas famílias
no acesso ao transporte público e gratuito”. Porém, após este encontro não
houve outras reuniões. Desse modo, permanecemos com a carência de
espaços públicos destinados à esta temática, onde uma construção propositiva
e política seja realizada de forma participativa e democrática.
b) A aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com o
processo crônico de adoecimento:
Neste processo de conhecimento do diagnóstico e de suas implicações
para as alterações no cotidiano dos sujeitos cronicamente adoecidos, a
atuação da equipe interdisciplinar é fundamental para adesão das famílias ao
tratamento, pois pode fornecer elementos para que estas compreendam todo o
processo de acompanhamento e os cuidados necessários. É importante que
estejam atentos para a necessidade de uma abordagem integral dos indivíduos
e de suas famílias, com intervenções que considerem as esferas biológica,
psicológica e social (Giovanella et alli, 2002).
Thaines et alli (2009) realizaram um estudo sobre a importância da
integralidade da atenção como princípio norteador no atendimento à pessoa
em condição crônica, nesta pesquisa foi abordado o caso de um adulto que
tinha diagnóstico de diabetes mellitus. As autoras destacam que na condição
crônica de adoecimento a mudança de hábitos é fundamental:
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
Atenção integral à saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas
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  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE O desafio da atenção integral às crianças e aos adolescentes cronicamente adoecidos: necessidades de saúde e políticas públicas EMILLY PEREIRA MARQUES ORIENTADORA: Profª. Giselle Lavinas Monnerat CO-ORIENTADORA: Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011.
  • 2. EMILLY PEREIRA MARQUES O desafio da atenção integral às crianças e aos adolescentes cronicamente adoecidos: necessidades de saúde e políticas públicas Monografia apresentada à Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista, sob orientação da Profª. Giselle Lavinas Monnerat e co-orientação da Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso. Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011
  • 3. Banca Examinadora: _______________________________________________________________ Profª. Drª. Giselle Lavinas Monnerat Profª. Drª Claudete Aparecida Araújo Cardoso. Profª. Drª. Carla Cristina Lima de Almeida
  • 4. Agradecimentos Agradeço a Deus, à minha família e ao meu companheiro de todas as horas Aziz; Às minhas professoras orientadoras a assistente social Giselle e a médica Claudete que contribuíram não só com o rigor acadêmico, mas também com suas visões enquanto profissionais de saúde; À professora Carla Cristina Lima de Almeida por ter aceitado o convite de participação da minha banca e a todos os professores do CESS-UERJ que contribuíram com a nossa formação profissional nos debates sempre presentes; Agradeço à equipe interdisciplinar do Serviço de Pediatria do HUAP- UFF, com a qual dividimos angústias e resolutividades com o mesmo objetivo de proporcionar um atendimento de qualidade e a promoção da saúde das crianças e dos adolescentes atendidos; À minha turma do Curso de Especialização em Serviço Social e Saúde – 2010 que colaborou para meu crescimento profissional diante de tanta diversidade que a formou: diferentes idades, épocas de formação, diversas faculdades, espaços sócio-ocupacionais (movimentos sociais, atenção primária até a alta complexidade da atenção em saúde), porém todos com um comprometimento ético-político na construção de uma sociedade mais justa e igualitária; Agradeço às famílias que contribuíram com a minha pesquisa e compreenderam a importância da luta pela garantia dos seus direitos.
  • 5. Resumo: O presente trabalho buscou contribuir com uma análise das diversas situações enfrentadas por crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e por suas famílias. Nossa indagação principal é se há suprimento de suas necessidades de saúde, relacionando este cumprimento a garantia de atendimento integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Em nossa pesquisa percebemos a necessidade de maior articulação intersetorial, por meio de uma rede integrada de atenção às necessidades específicas e coletivas deste segmento em virtude dos diversos desafios e alterações de rotina que perpassam seu cotidiano e que influenciam na continuidade do tratamento. Realizamos pesquisa qualitativa nas enfermarias de pediatria do HUAP/UFF, entrevistando com roteiro semi-estruturado 10 famílias cujas crianças e adolescentes em condição crônica de adoecimento permanecem em acompanhamento no HUAP após a alta hospitalar. Consideramos que o acesso aos serviços e às políticas públicas compõe um dos sentidos do atendimento integral, tendo em vista que tal suporte é relevante para que a adesão e a continuidade ao tratamento de crianças e de adolescentes tenham possibilidades reais e concretas de existir. Percebemos a sobrecarga da família, principalmente das mães, responsabilizadas em prover o acesso aos serviços necessários, além de prestar os cuidados que as crianças e os adolescentes necessitam. Palavras-chave: crianças e adolescentes, doenças crônicas, atendimento integral, necessidades de saúde, políticas públicas
  • 6. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................06 CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL......................................11 CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA...........................................................................................30 2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições crônicas de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate...................43 CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................................................48 3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das enfermarias de Pediatria.....................................................................50 3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de seleção................................................................................................56 CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..............................................61 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................120 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................126 ANEXOS.........................................................................................................135
  • 7.
  • 8. 6 INTRODUÇÃO Neste trabalho buscamos investigar a temática da infância e da adolescência em condição crônica de adoecimento numa concepção de atendimento integral. A pesquisa tem como objeto a análise da integralidade da atenção em saúde de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e que necessitam de continuidade no cuidado e de acesso a diversos insumos, equipamentos, especialidades de saúde e programas de proteção social. Nesta direção, pretendemos observar se as famílias estão recebendo suporte governamental para que a adesão e a continuidade ao tratamento de suas crianças e de seus adolescentes tenham possibilidades reais e concretas de serem realizadas em condições adequadas. O interesse pelo tema se justifica em razão de nossa inserção profissional no serviço de atenção à saúde da criança e do adolescente nas enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF), situado no município de Niterói-RJ, e que atende usuários de zero até 15 anos de idade. Vale destacar que o cotidiano das crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos e os entraves encontrados por estes e suas famílias aparecem no acompanhamento aos casos atendidos pelo serviço social na enfermaria pediátrica, onde nos deparamos cotidianamente com a falta de políticas voltadas para as necessidades particulares deste segmento e do acesso às políticas públicas já existentes.
  • 9. 7 Para prolongarem o tempo sem internação, muitas crianças e adolescentes necessitam de equipamentos e de tecnologias em domicílio e políticas específicas voltadas para o consumo de energia quando estas são adquiridas; casas adaptadas e ambientes acessíveis; escolas que compreendam as necessidades especiais dos alunos e que possuam condições concretas de atendê-las; acesso a insumos e medicamentos especiais e excepcionais sem morosidade no processo, dentre outras questões. Considerando as características de um hospital de alta complexidade, os usuários atendidos apresentam doenças graves ou com diagnóstico sob investigação ou ainda dependem de determinados tipos de especialidades médicas ou recursos tecnológicos, atendendo diversas síndromes e condições crônicas de adoecimento. São necessidades singulares e coletivas que se transformam em demandas concretas em nosso cotidiano de trabalho nas enfermarias de pediatria de um hospital de alta complexidade e reconhecemos que para intervirmos é preciso uma abordagem integral e totalizante a estes indivíduos e suas famílias. Temos por hipótese que, apesar do arcabouço legal que ampara as crianças e os adolescentes, os pacientes que possuem doenças crônicas ainda possuem enormes dificuldades de garantir os seus direitos fundamentais. Quanto ao procedimento metodológico propriamente dito, realizamos pesquisa qualitativa na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP). Entrevistamos, por meio de roteiro semi-estruturado, 10 famílias com responsáveis de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos em
  • 10. 8 acompanhamento hospitalar no HUAP entre os meses de setembro de 2010 a junho de 2011. Do ponto de vista da discussão teórica, trabalhamos com um dos sentidos da integralidade considerando o viés do acesso a uma rede integrada de atenção a estes usuários, apreendendo os desafios das crianças e dos adolescentes e de suas famílias para alcançarem o atendimento de suas necessidades de saúde, por meio de políticas, programas e serviços públicos. Apontamos os consensos teóricos acerca da temática das doenças crônicas nessa faixa etária, relacionando-os, posteriormente, aos desafios práticos enfrentados por estes sujeitos e por suas famílias no acesso aos seus direitos fundamentais, às políticas e aos serviços públicos, consonante com a perspectiva da integralidade. A literatura especializada mostra que a discussão de doenças crônicas abrange majoritariamente outras gerações como adultos e idosos, portanto tal temática vinculada à infância e à adolescência precisa de maior visibilidade e problematização, com vistas à promoção da saúde e efetivação de direitos de crianças e adolescentes em tratamento continuado. Com efeito, este debate é relevante socialmente e também promissor para as profissões que formulam e atuam nas políticas sociais, como os assistentes sociais, já que estamos em diversas áreas das políticas públicas e atuando pela ampliação e defesa dos direitos socialmente conquistados. A relevância dessa pesquisa se ampara no fato de que há pouca produção científica sobre esta temática, envolvendo as dificuldades vivenciadas pelas crianças, adolescentes e suas famílias em seu cotidiano, em
  • 11. 9 quais políticas públicas estão inseridos e quais tentam acessar, e as principais necessidades apresentadas, o que possibilitaria a elaboração de um perfil coletivo, para posteriormente propormos estratégias de enfrentamento. Realizamos também um levantamento bibliográfico sobre a temática das doenças crônicas na infância e adolescência e as políticas públicas para crianças e adolescentes, articulando-a com as produções sobre política de saúde e integralidade, buscando balizar a discussão teórico-conceitual sobre o tema. Essa pesquisa incluiu consulta a textos disponíveis na rede mundial de computadores, a livros e revistas publicadas. De igual modo, pesquisamos fontes secundárias com vistas ao levantamento de dados, utilizando resultados da pesquisa em curso: “Perfil epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF)”, coordenada pela profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso, co- orientadora do nosso trabalho, além de dados produzidos por monografias, dissertações e teses sobre a temática. Através das informações obtidas no banco de dados elaborado pela pesquisa de Cardoso (2009), fizemos uma análise do perfil das internações nestas enfermarias no ano de 2010, buscando tornar claras as características do atendimento nas enfermarias de Pediatria do HUAP-UFF. Por fim, cabe ressaltar que centralidade do debate contemporâneo acerca da integralidade e sua relevância para o atendimento às crianças e aos adolescentes com doenças crônicas é fundamental para destacarmos que há
  • 12. 10 muito que se avançar para que esta diretriz do SUS se cumpra em seus diversos sentidos. Esta investigação também é relevante para as profissões da saúde que atendem estes usuários dos serviços, assim como para os profissionais das diversas políticas públicas que precisam estar atentos às necessidades particulares e coletivas dos sujeitos. Tal tema é especialmente relevante para o assistente social, tendo em vista que este profissional perpassa diversas áreas das políticas públicas e atua pela ampliação e defesa dos direitos socialmente conquistados (RAICHELLIS, 2009).
  • 13. 11 CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL. Neste capítulo realiza-se um breve resgate histórico do modelo inicial de intervenção do Estado na saúde de nosso país, para, em seguida, abordar a proposta de superação deste modelo pelo movimento de Reforma Sanitária. Posteriormente faz-se uma revisão teórica da integralidade na literatura atual, destacando as suas múltiplas dimensões e as reflexões elaboradas pelos principais autores no campo da Saúde Coletiva sobre a temática. Busca-se demonstrar que a diretriz da integralidade e a sua efetivação nos serviços de saúde no Brasil são alvo de amplo debate e, principalmente, que a dissonância entre a proposta da Reforma Sanitária que introduz tal conceito e a prevalência ainda do modelo individual-curativista e hospitalocêntrico trazem impasses para transformações dos modelos assistenciais em saúde do país. O Estado brasileiro passa a intervir diretamente na saúde no século XX, enfatizando, a partir dos anos 1930, as ações médicas pautadas no modelo individual-curativista. A primazia dada à medicina ganha impulsão quando o Estado a incorpora como forma de intervir sistematicamente na sociedade1 . Nesta perspectiva, a articulação entre o Estado, a ciência e a medicina 1 A formação da medicina incorpora uma forma de produzir conhecimentos. O corpo é tido como máquina e a observação, a descrição e a classificação das doenças na busca de suas causas é o seu objeto. Neste modelo de medicina ocidental “Saúde é ausência de uma doença, e cura é a ausência de um sintoma. (...) É esse mesmo conteúdo racional que será disseminado socialmente entre diversos setores da sociedade” (PINHEIRO e CAMARGO, 2000:109).
  • 14. 12 configura a racionalidade normativa que vem embasando os modelos de atenção à saúde. Em decorrência, cristaliza-se um processo de medicalização iniciado no país nos anos 1920 e 1930 e massificado na década de 1970, conjuntura em que ocorre a ampliação de demanda pela saúde, ao mesmo tempo em que se restringe o acesso direcionando-o para faixas específicas da população ou limitado à atenção básica campanhista, persistindo o “descompasso entre demanda e oferta nos serviços de saúde” (PINHEIRO e CAMARGO, 2000:103). Para Camargo Jr (2010), o termo “medicalização” classicamente pode ser entendido de duas formas: (...) por um lado, o ocultamento de aspectos usualmente conflitivos das relações sociais, pela sua transformação em ‘problemas de saúde’; e por outro, a expropriação da capacidade de cuidado das pessoas em geral, em especial (mas não apenas) os membros das camadas populares, tornando-os dependentes do cuidado dispensado por profissionais, em particular (ou quase exclusivamente, para alguns) médicos. (2010: 98)
  • 15. 13 Nos anos 1970, na contramão desta racionalidade biomédica, o movimento de Reforma Sanitária2 abarcou uma concepção ampliada de saúde e a defesa da integralidade, tendo como marco o relatório da VIII Conferência de Saúde, onde saúde é definida como: (...) a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986) Com o processo de redemocratização na década de 1980, muitas foram as conquistas na institucionalização das políticas sociais, as quais foram materializadas na Constituição Federal de 1988. A principal expressão dos avanços no campo da política social foi a implementação de um Sistema de Seguridade Social Brasileiro que, pela primeira vez na história do país, explicita a responsabilidade do Estado e consagra os direitos de cidadania na perspectiva do acesso universal ao sistema pela população. Ademais, a proposta de seguridade social busca sugerir uma nova racionalidade de organização das políticas sociais, tendo em vista que traz uma 2 Para Cecílio (2001 ) universalidade, integralidade e equidade da atenção constituem um conceito tríplice com poder de traduzir o ideário da Reforma Sanitária brasileira. Estes são objetivos da atenção em saúde para além do simples consumo ou acesso a serviços.
  • 16. 14 proposta de integração de políticas e programas sociais, pelo menos das áreas de saúde, assistência social e previdência social. Na Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social Brasileira é definida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (Título VIII, capítulo II, Seção I, art. 194 da CF.) A proposta da Seguridade Social promoveu avanços no âmbito da formulação da construção de um sistema de proteção social solidário, principalmente pela ampliação da cobertura a setores antes desprotegidos, eqüidade de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos, descentralização da gestão e ampla participação no processo decisório, além de inovar por meio do controle social da execução das políticas. (COSTA ET ALLI, 2006). A partir de então, a saúde passou a integrar a seguridade como direito universal dos cidadãos. A Lei Nº 8.080/ 1990, uma das legislações que compõe o Sistema Único de Saúde (SUS), dispõe em seu Título I que: Art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Seguindo tal paradigma, Giovanella et alli utilizam uma concepção afirmativa de saúde, ou seja, “um processo de produção social influenciado por
  • 17. 15 fatores de diversas naturezas e que se expressa num nível de qualidade de vida de uma dada população.” (2002: 44). Desta forma, a saúde é vista como um processo mutável de acordo com a ação da sociedade, para além das conseqüências imediatas de fatores específicos, indicadas negativamente como doença, seqüela e morte. Portanto, “deixa de ser o resultado de uma intervenção especializada e isolada sobre alguns fatores e passa a ser um produto social resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos”. (GIOVANELLA et alli, 2002: 45). Notadamente, os avanços ocorreram na esfera legal e formal, pois na esfera da implementação estamos ainda muito aquém de fornecer aporte para o pleno exercício da cidadania e da efetivação do direito à saúde em seu sentido mais amplo. Sobre este ponto, é forçoso reconhecer que o processo de implementação da proposta de um sistema de Seguridade Social é contraditório e incompleto. O trecho que segue ilustra esta afirmação: De fato, a proposta de seguridade social inaugura na história brasileira um modelo de sociedade mais justo, visto que os direitos sociais não estão necessariamente vinculados a uma contribuição anterior. No entanto, a idéia de seguridade não vingou plenamente por uma série de razões. Na realidade, cada área (previdência, assistência e saúde) seguiu trajetória própria com avanços significativos, mas com pontos importantes a conquistar. Na atual conjuntura, marcada pelo
  • 18. 16 contingenciamento de gastos públicos e ameaça aos direitos sociais vê-se que a saída é avançar de forma criativa na articulação política das três áreas que compõem a seguridade social. (MONNERAT e SENNA: 152) A concepção ampliada de saúde presente na Constituição Federal de 1988 que expõe os seus fatores determinantes3 tornam-se utópicas diante dos níveis de desigualdade e pobreza estrutural do país e da proposta neoliberal hegemônica, extorquindo o direito dos usuários à garantia de eqüidade, acessibilidade, qualidade e continuidade de políticas instituídas e implementadas como direitos. Conforme apontado por Costa et alli (2006), se por um lado, superamos de alguma forma a visão biologizante da doença que enxergava o corpo como máquina, os sujeitos ainda são tratados nos serviços de saúde como objetos de ações isoladas, isto pode ser confirmado tanto pelas multiplicidades de especialidades oferecidas pela medicina, quanto pelas dificuldades em organizar serviços integrais. Quanto a este aspecto, Campos e Domitti pontuam que: 3 Lei Nº 8.080/ 1990. Título I, Art. 3º “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.”
  • 19. 17 Em Medicina e na saúde em geral houve uma crescente divisão do trabalho que dificulta a integração do processo de atenção e cuidado às pessoas, já que as distintas especialidades médicas e profissões de saúde definiram objetos de intervenção e campos de conhecimento sem grandes compromissos com a abordagem integral de processos saúde e doença concretos. (CAMPOS e DOMITTI, 2007: 402) Stotz ratifica a disparidade entre o que é estabelecido para o Sistema Único de Saúde, um grande avanço comparável aos diversos sistemas de saúde de outros países, e entre a precariedade do que é implementado, pois o que é legislado, não ocorre na prática que ainda enfatiza o tratamento individual-curativista, sem articulação com as políticas de proteção social: Diferentemente do que acontece na maioria dos países nas Américas, entre nós brasileiros, o valor da saúde é formal e institucionalmente definido como um direito social. No Brasil, contudo, vivemos o paradoxo do direito à saúde ser um direito social, definido em termos do princípio da solidariedade social que, como diz o artigo 196 da Constituição, exige políticas sociais e econômicas que visem reduzir o risco de doenças e outros agravos à saúde, enquanto o sistema organizado para garantir este
  • 20. 18 direito responde (precariamente, com baixa resolutividade) à doença no plano individual. (STOTZ, s.d) Portanto, a política de saúde está inserida em uma disputa por projetos de sociedade. A arena sanitária brasileira conforma o projeto da Reforma Sanitária com sua perspectiva universalizante pela equidade e integralidade de um sistema de saúde gratuito e amplo e o Projeto neoliberal privatista que propõe um “pacote básico para a saúde”, com programas focalizados e com acesso aos serviços via mercado. (VILAÇA MENDES, 1994; BRAVO e MATTOS, 2001) Para Vilaça Mendes na prática, “a legislação universalizante, construtora de uma cidadania plena é reinterpretada por uma realidade que estabelece uma oferta de serviços altamente discriminatória, seletiva para diferentes cidadanias e fixada na atenção médica” (1994: 80) Então, a proposta da política de saúde dos anos 80, tem sido desconstruída. Verificamos um quadro de precarização e privatização dos serviços e dos benefícios públicos conquistados como direitos sociais. Atualmente, as necessidades individualizam-se e são atendidas fragmentadamente por estes serviços. Inegavelmente a noção de saúde coletiva ampliou o debate sobre a saúde e criticou as bases biologicistas sobre as quais as práticas e os saberes médicos foram criados, constituindo uma forte mudança de paradigma neste campo. No entanto, Nunes (1994) alerta que a pauta da construção deste
  • 21. 19 paradigma torna-se cada vez mais extensa devido aos sérios problemas sociais e sanitários. Desta forma, apesar das grandes transformações do sistema de saúde brasileiro, principalmente em seu arcabouço jurídico, ainda não temos materializadas grandes inovações no cotidiano dos serviços, persistindo problemas entre as necessidades da população e as ações dos serviços de saúde. Porém, a progressiva universalização conquistada na implantação do SUS nos aproximou de um modelo de atenção integral, onde todos os indivíduos têm o direito legal instituído de serem inseridos e de utilizarem os diversos níveis de atenção à saúde (da atenção básica à alta complexidade), o que poderia facilitar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento à doença, porém observamos que para a efetivação da integralidade ainda há muito que se avançar, para além destas normatizações, pois dentre as diretrizes propostas no SUS esta foi uma das que menos avançou. Conforme destacado por Mattos (2010), a diretriz da participação popular desencadeou a construção de um arcabouço formado pelos Conselhos e Conferências de Saúde, a descentralização também avança gradualmente com a municipalização dos sistemas e a implementação da referência e contrarreferência. Estas diretrizes são mais facilmente aceitas por projetos societários distintos. O impasse ocorre justamente com a diretriz da integralidade, explicitamente vinculada a um determinado projeto societário na luta por uma sociedade mais justa. Neste caso, retomar este debate é relevante e necessário.
  • 22. 20 Do ponto de vista da Constituição de 1988, o atendimento integral previsto no artigo 198, caracteriza-se como uma diretriz do SUS, assim como a descentralização e a participação da comunidade. Importante ressaltar que na Lei 8080/1990 a integralidade da assistência torna-se um dos princípios, ao lado de outros oito, dentre eles, a universalidade do acesso e a preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral. Conill (2004) destaca que em nosso país, a integralidade já compunha parte das propostas do início da década de 80, por meio de programas mais abrangentes para grupos específicos (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança – PAISC), sendo finalmente assumida em 1988 para a organização do SUS. Porém, apesar de constar como diretriz de uma legislação e como proposta de programas já estabelecidos, o conceito de atenção integral ou a integralidade - como é mais utilizado na literatura da saúde coletiva - é difuso e vários autores têm elaborado definições ou dissertado sobre seus possíveis sentidos construídos historicamente. Mattos (2004; 2009) salienta que a noção de integralidade é polissêmica, isto é, guarda inúmeras possibilidades de interpretação. O termo para ele tem funcionado como uma “imagem-objetivo” ou “como uma forma de indicar (ainda que de modo sintético) características desejáveis do sistema de saúde e das práticas que nele são exercidas, contrastando-as com características vigentes (ou predominantes)” (2004: 1411).
  • 23. 21 Ao refletir sobre os diferentes sentidos na noção de integralidade, Mattos (2009) destaca os mais relevantes para a construção de políticas, de sistemas e de práticas de saúde mais justas. Quais sejam:  Atributo das boas práticas de saúde – relaciona-se com a prática que busca apreender as necessidades do paciente de modo mais integral, não se vinculando apenas às dimensões biológicas do organismo e às suas “queixas”. Originalmente, este debate iniciou com o movimento de medicina integral nos Estados Unidos que criticava a postura fragmentária e a atitude reducionista dos médicos, atribuindo tal limite às escolas formativas e propondo alterações curriculares;  Atributos do modo de organizar os serviços e as práticas de saúde – é a articulação entre a assistência e as práticas de saúde pública. Exige uma “horizontalização” dos programas, além de pensar a organização dos serviços adequadamente a partir das necessidades da população atendida, ou seja, não se resumindo a uma atitude do profissional, mas a ações programáticas;  Atributo das políticas de saúde especiais - são as respostas governamentais a determinados problemas de saúde ou a grupos específicos, incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, respeitando as especificidades destes segmentos da população.
  • 24. 22 No entanto, Mattos destaca que a sua principal preocupação teórica não é de definir os diversos sentidos do termo - que, sobretudo, é uma bandeira de luta, uma “imagem-objetivo” - pois independente dos múltiplos sentidos que a integralidade agrega todos são interligáveis, pois: quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura ao diálogo. (2009: 65, grifo nosso) Outra caracterização das dimensões da integralidade é realizada por Giovanella et alli (2002). Este trabalho elenca critérios e atributos para avaliar sistemas de atenção integral e a operacionalização da integralidade. Para estes autores, a integralidade possui quatro dimensões: Primazia das ações de promoção – orientação do sistema para a promoção da saúde. Exige processos de planejamento com a participação social para ocorrer coerência entre as ações de promoção e de prevenção com os problemas de saúde locais, valorizando os determinantes gerais das condições de saúde dos sujeitos;
  • 25. 23  Garantia da atenção nos três níveis de complexidade da assistência – caracteriza o caráter contínuo do cuidado, propondo-se a uma oferta organizada dos serviços com fluxos definidos entre os distintos níveis de complexidade compatíveis com a demanda da população no território. É a garantia da referência e contrarreferência, por meio de protocolos de atenção; Articulação das ações de promoção, de prevenção e de recuperação – integração organizacional e programática entre a gestão e a coordenação dos setores de assistência individual e os de caráter coletivo. Exige uma estreita articulação com uma perspectiva de complementariedade; Abordagem integral de indivíduos e de famílias – intervenções nas esferas biológica, psicológica e social, por meio do fortalecimento do vínculo usuário- profissional-unidade de saúde, envolvendo o acolhimento e a atuação da equipe multidisciplinar. Necessita para ser possível de novos arranjos o processo e trabalho em saúde. Portanto, os autores afirmam que um sistema de atenção integral deverá garantir de forma articulada as ações de promoção, de prevenção e de recuperação/reabilitação, ou seja: um misto de práticas sanitárias e sociais, intervindo nos diversos estágios e nas múltiplas dimensões do processo saúde-doença, em busca de resultados capazes de
  • 26. 24 satisfazer as necessidades individuais, tal como sentidas e demandadas pelas pessoas, assim como as necessidades coletivas de saúde, tal como detectadas e processadas técnica e politicamente. (GIOVANELLA et alli, 2002: 445) Percebemos então os principais pontos de confluência entre Mattos (2009) e Giovanella et alli (2002), principalmente, referente à crítica ao reducionismo presente na prática de determinados profissionais e articulação na gestão e operacionalização do sistema, visando ao rompimento das ações de caráter prevalentemente individual e curativo. Tendo como preocupação central o âmbito da gestão e operacionalização do sistema, Pinheiro et alli (2007) advogam que as práticas de gestão das ações organizadas devem gravitar em torno da integralidade e o grande desafio é garantir o acesso da população aos mais complexos níveis de assistência do sistema de cuidados em saúde. O referencial dos autores reforça e articula-se com as análises anteriores destacando três dimensões da atenção integral:  A organização de serviços - é a reorganização do sistema de modo a garantir o acesso da população a todos os níveis de “sofisticação tecnológica”. Para os autores seria o ponto de partida para a construção do princípio da integralidade do SUS, porém reconhecem que o acesso isoladamente não garante a integralidade;
  • 27. 25  Os conhecimentos e as práticas dos profissionais de saúde - é a inovação a partir da prática dos agentes de saúde. Refere-se à capacidade de criar novos padrões, envolvendo o acolhimento e a integração dos serviços de saúde. A integralidade é entendida aqui como um processo de construção social. São experiências no cotidiano dos serviços que podem proporcionar relações mais horizontais entre os seus participantes - gestores, profissionais de saúde e usuários gerando novos conhecimentos;  A formulação de políticas governamentais com participação da população – defendem a gestão compartilhada do sistema, por meio da construção de espaços que envolvam vários agentes de saúde, com dispositivos permanentes de decisão conjunta. Pinheiro et alli (2007) enfatizam as práticas de gestão como um campo fértil para a construção da integralidade em uma dinâmica concreta da arena política, onde os gestores, trabalhadores da saúde e sociedade civil precisam se organizar. Para Cecílio (2009) a integralidade da atenção também deve ser trabalhada no nível micro e macropolítico para que seja alcançada de forma completa. No espaço singular de cada serviço de saúde, esta é conceituada como “integralidade focalizada” que deve ser o esforço da confluência de vários saberes de uma equipe multiprofissional em traduzir e entender as necessidades complexas daquela pessoa que busca o serviço, apresentadas ou “travestidas” em algumas demandas. A “integralidade focalizada” é
  • 28. 26 construída na relação dos profissionais com os usuários do sistema, dos profissionais entre si e da equipe como um todo, por meio de uma escuta qualificada e de uma prática humanizada, acolhedora. No entanto, destaca que a integralidade não pode ser plena por meio da singularidade de um serviço por melhor que ele seja, por isso o autor introduz a segunda dimensão como “integralidade ampliada”, fruto do esforço da ampla gama de serviços e da articulação intersetorial. Esta se traduz na articulação das múltiplas “integralidades focalizadas”, onde os serviços de saúde se organizam em fluxos para atenderem as necessidades reais das pessoas. Há aqui um rompimento com a idéia de que a integralidade só pode ocorrer na atenção básica, pois as várias tecnologias em saúde que podem melhorar e prolongar a vida estão distribuídas na ampla gama de serviços, portanto, sem acesso a todos os níveis de atenção à saúde não há integralidade. Na abordagem de Cecílio (2009) o conceito de necessidades de saúde torna-se central, pois defende que este deve ser o conceito estruturante na luta pela integralidade e pela eqüidade na atenção à saúde. Para tanto, o autor utiliza de uma concepção ampliada de necessidades de saúde, que deve englobar boas condições de vida; acesso e consumo de tecnologias capazes de melhorar e prolongar a vida a partir da necessidade de cada pessoa; criação de vínculos entre usuários e profissionais e autonomia dos sujeitos com a possibilidade efetiva de reconstruir seu modo de viver. Por isso, não há a possibilidade de conquista destes princípios sem que a universalização do acesso esteja garantida.
  • 29. 27 Sendo assim, para o autor a integralidade pressupõe relação articulada, dialética e complementar entre a máxima integralidade no cuidado de cada profissional, equipe e da rede de serviços. Seu conceito de “integralidade ampliada” articula-se com as elaborações de Giovanella et alli (2002) que trabalha com a articulação de ações intersetoriais e garantia da atenção nos três níveis de complexidade da assistência. Ceccim e Feurwerker, por sua vez, concentram o debate da integralidade em torno da prática, pressupondo que para esta ocorrer são necessárias mudanças na academia tradicional. Por isso, elaboram uma análise centrada na atenção integral correlacionando-a com o cuidado e a formação dos profissionais de saúde: A integralidade da atenção supõe, entre outros a ampliação e o desenvolvimento da dimensão cuidadora na prática dos profissionais de saúde, o que lhes possibilita tornar-se mais responsáveis pelos resultados das ações de atenção à saúde e mais capazes de acolher, estabelecer vínculos e dialogar com outras dimensões do processo saúde-doença não inscritas no âmbito da epidemiologia e da clínica tradicionais. (CECCIM e FEURWERKER, 2004:407) Portanto, considerando que o campo da prática e da formação não podem se dissociar, estes autores entendem que, do ponto de vista da construção do SUS, é fundamental a adequação da formação dos profissionais
  • 30. 28 desde a graduação às necessidades sociais de saúde, para compreenderem o processo saúde-doença de forma mais ampliada e, a partir de um diálogo com os gestores, possibilitar mudanças na organização dos serviços. O enfoque destes autores possui articulação com a discussão elaborada por Mattos (2004) sobre a prática da integralidade. Apesar de o autor trabalhar com as diferentes noções da integralidade, percebemos sua ênfase no atributo das boas práticas que estão intrinsecamente vinculadas à formação dos profissionais de saúde. Mattos avança neste debate ao assinalar que o comportamento dos médicos e as práticas fragmentárias não se produzem apenas nas escolas, pois ao pensarmos as práticas de saúde enquanto práticas sociais, precisamos relacioná-las também às relações de trabalho estabelecidas e nas articulações entre o Estado e o complexo médico-industrial. (MATTOS, 2009) Como vimos a partir das conexões estabelecidas entre os autores, é consenso que a atenção integral implica a recusa do reducionismo ao biológico, extrapola uma determinada ação, política ou serviço, não se restringe a um determinado nível de atenção e vincula-se a um processo crítico formativo e interventivo, portanto, está atrelada à concepção ampliada de saúde difundida pelo Movimento de Reforma Sanitária. Destacamos que para a materialização das múltiplas dimensões que compõem a diretriz da Integralidade, é necessário realizarmos mediações entre as diversas frentes apontadas pelos autores, seja pelo esforço da articulação intersetorial, pela reorganização do sistema ou inovações na gestão dos processos de trabalho em saúde, seja pela reformulação da formação dos
  • 31. 29 profissionais, promovendo maior comprometimento com o cuidado e com o produto da intervenção. Desta forma, partindo da conceituação utilizada de necessidades de saúde como estruturante da integralidade (CECÍLIO, 2009) busca-se verificar se as necessidades de saúde das crianças e adolescentes em condições crônicas de adoecimento atendidos no HUAP-UFF estão sendo contempladas por meio do acesso aos serviços oferecidos pela rede de atenção em saúde e pelas políticas públicas existentes, considerando-se aqui a perspectiva de articulação intersetorial (GIOVANELLA et alli: 2002). Neste trabalho, portanto, adota-se um dos sentidos da integralidade, o acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas públicas que atendam as necessidades plurais, coletivas e particulares dos usuários do SUS. Trabalha-se, portanto, com a integralidade ampliada debatida por Cecílio (2009). Compreendemos que não há possibilidade de fragmentar ou isolar as demandas apresentadas pelos sujeitos, tornando-se inviável intervir sem interlocução com outras instituições e políticas, principalmente as pertencentes ao sistema de garantia de direitos e de proteção social.
  • 32. 30 CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA Atualmente, quando iniciamos um debate sobre a infância e a adolescência, comumente nos remetemos à noção de proteção e cuidado. Pensamos nesta parcela da população como pessoas que necessitam de atenção integral para o seu pleno desenvolvimento. Este é um dos avanços de nossa sociedade, reconhecido como fruto de um processo histórico. Não podemos realizar um debate sobre atendimento integral às crianças e adolescentes na saúde sem destacarmos tal processo. O atendimento a este segmento não deve ser analisado apenas a partir dos avanços na política setorial da saúde, visto que uma ampla gama de direitos tiveram que ser conquistados para que este grupo tivesse visibilidade e prioridade na esfera pública e fossem considerados como sujeitos. Neste capítulo buscamos apresentar, de modo sucinto, a trajetória histórica de atendimento às crianças e adolescentes na esfera pública, especificamente no setor saúde. Esperamos, com esta análise, destacar a necessidade de investimento na efetivação dos direitos socialmente conquistados a partir da implantação de políticas públicas de qualidade, para além do avanço na esfera jurídico-formal. Consideramos que um dos limites encontrados nas políticas públicas que orientam nosso atendimento à criança é o enfoque de proteção à infância estar historicamente atrelado ao binômio infância/pobreza, sem uma
  • 33. 31 articulação entre distribuição de renda, educação e saúde, tendo como objetivo final o controle da população. (RIZZINI e PILOTTI, 2009; FALEIROS, 2009) Para demonstrar tal análise é necessário retomarmos um breve histórico das políticas públicas direcionadas à infância no Brasil, considerando que tal perspectiva reducionista e assistencialista está nas raízes de nossa cultura institucional e política. Rizzini e Pilotti (2009) apontam que na República Velha existiam alguns projetos pontuais para a infância, numa articulação do setor público com o privado, mas não implementados como uma política geral. Predominava, então, uma perspectiva moralista com ideais disciplinadores. A escola de reforma e a casa de preservação eram instituições que deveriam atender ao “abandono moral” e “abandono material” das crianças4 (FALEIROS, 2009: 39). Nesta época, a intervenção estatal ocorria hegemonicamente através da atuação dos higienistas, nos controles das doenças, e juristas, na aplicação do Código de Menores de 1923. Este Código apresentava uma “filosofia higienista e correcional”, na qual ao lado da idéia de proteção da criança está presente a de defesa da sociedade. Especificamente no campo da saúde, inicialmente, a preocupação com as crianças ocorreu devido ao alto índice de mortalidade no país. A intervenção 4 De acordo com Lei nº 4.242 de 06 de janeiro de 1921, que fixava a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício naquele ano, o Governo ficava autorizado: “ I . A organizar o serviço de assistência e proteção á infância abandonada e delinquente, observadas as bases seguintes: a) construir um abrigo para o recolhimento provisório dos menores de ambos os sexos que forem encontrados abandonados ou que tenham comettido qualquer crime ou contravenção; b) fundar uma casa de preservação para os menores do sexo feminino, onde lhes seja ministrada educação doméstica, moral e profissional. c) Construir dos pavilhões, annexos à Escola Premunitoria 15 de Novembro, para receberem os menores abandonados e delinquentes, aos quaes será dada modesta educação litteraria e completa educação profissional, de modo que todos adquiram uma profissão honesta, de acordo com as suas aptidões e resistencia organica.”. Preservou-se fielmente nesta transcrição a escrita da época. Fonte: www.ciespi.org.br/media/lei_4242_06_jan_1921.pdf
  • 34. 32 se deu baseada nesta perspectiva higienista de “formalizar os cuidados com a criança”, quando fora fundada a Puericultura, com estreita articulação à filantropia e à noção de desvios da infância pobre: Com o capitalismo, pela necessidade de mão-de-obra tanto para a produção, como para o consumo, intensificou-se o interesse pela conservação da criança. (...) Constituiu-se um modelo racional e, depois, científico (com Pasteur e a Puericultura) que fornecia as regras e normas para o relacionamento dos adultos com as crianças. Regras e normas que, institucionalizadas pela medicina e pela pedagogia, passaram a ser as únicas socialmente legítimas. (ZANOLLI e MERHY, 2009: 979) No primeiro Governo Varguista é criado um Sistema Nacional de Assistência formado pelo Conselho Nacional de Serviço Social, pelo Departamento Nacional da Criança, pelo Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM) e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este sistema tinha por estratégia “privilegiar, ao mesmo tempo a preservação da raça, a manutenção da ordem e o progresso da nação e do país.” (FALEIROS, 2009: 53). Esta “política do menor” refletiu na trajetória das instituições e das políticas direcionadas às crianças e aos adolescentes. No período militar a coerção social foi nítida em todas as esferas da vida social. A Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) viria a
  • 35. 33 substituir o anterior SAM, e em 1979 foi instituído o Novo Código de Menores que adota a doutrina da situação irregular. Esta doutrina considerava irregulares as situações que variavam desde condições precárias de subsistência até situações de maus-tratos ou infrações penais. Desta forma, podemos inferir, conforme destacado por Rizzini e Pilotti, que nas políticas dirigidas à infância no Brasil: impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais, destinadas a compensar a ausência de uma política social efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de desenvolvimento para crianças e adolescentes de qualquer natureza (RIZZINI e PILOTTI, 2009: 16,17). Por outro lado, Faleiros destaca a contraditoriedade do processo que, apesar de conservador da ordem, trouxe avanços nas políticas para a infância: Se é bem verdade que, na orientação então prevalecente, a questão da política se coloque como problema do menor, com dois encaminhamentos, o abrigo e a disciplina, a assistência e a repressão, há emergência de novas obrigações do Estado em cuidar da infância pobre (...). Ao lado das estratégias de encaminhamento para o trabalho, clientelismo, patrimonialismo, começa a emergir a estratégia dos direitos da criança (no caso o menor) já
  • 36. 34 que o Estado passa a ter obrigações de proteção (FALEIROS, 2009: 48, grifos do autor). Os anos 80 marcaram o processo de democratização e a entrada de novos atores políticos, colocando os direitos sociais e a melhoria das condições de vida em pauta. A proteção à infância e à adolescência foi uma das bandeiras de luta em prol dos direitos humanos, presentes na Constituinte. Posteriormente, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1993, surgiu um novo paradigma em que é adotada a “doutrina da proteção integral” em substituição àquela da “doutrina da situação irregular”. Neste a criança é considerada sujeito de direitos em desenvolvimento e com prioridade de atenção integral. Porém, precisamos atentar para o alerta de Faleiros de que como a cidadania da criança e do adolescente é recente, iniciada no bojo da elaboração da Constituição de 1988, na cultura hegemônica a questão deste paradigma da infância precisa continuamente ser reafirmada por meio de lutas e de embates políticos: Na cultura e estratégias de poder predominantes, a questão da infância não tem se colocado na perspectiva de uma sociedade e de um Estado de Direitos, mas na perspectiva de autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios com repressão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias, com disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor das
  • 37. 35 correlações de forças sociais ao nível da sociedade e do governo (FALEIROS, 2009:35). Sendo assim, observamos que se avançou na criação de um sistema de garantia de direitos, mas as infra-estruturas institucionais precárias e o não cumprimento do que é explicitado na Constituição e no Estatuto da Criança e Adolescente - instituídos há duas décadas - geram deficiências na efetivação de atendimento integral a esta geração. Com efeito, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente são instrumentos legais que trouxeram profundos avanços nas políticas de atendimento, porém muitos esforços devem ainda ser dispensados para que haja articulação entre estas políticas, proporcionando a atenção integral a estes sujeitos em desenvolvimento e a suas famílias, apesar dos inegáveis avanços nas políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência, assim como na política de saúde brasileira. Na política de saúde também obtivemos algumas conquistas na ampliação da concepção de assistência que deveria ser prestada às crianças e aos adolescentes através da elaboração e da implementação pelo Ministério da Saúde (MS) do “Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC)” em 1984 e do “Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)” em 1989. Destacamos que tais programas são originários de um período anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente e já traziam elementos relacionados à atenção integral dos mesmos.
  • 38. 36 O PAISC avança ao destacar a necessária mudança da assistência, focada no tratamento das patologias, para a atenção ao desenvolvimento e crescimento infantil, atrelando-o as condições básicas de vida. Porém o planejamento de suas ações persiste restrito ao enfrentamento à morbimortalidade infantil (prioritariamente à faixa etária de 0 à 5 anos), incentivo ao aleitamento materno, assistência às doenças respiratórias agudas, diarréias e imunização. O PROSAD, por sua vez, destina-se aos adolescentes, trabalhando com a faixa etária entre 10 e 19 anos e as ações básicas propostas fundamentam- se numa “política de promoção de saúde, identificação de grupos de risco, detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação”. (BRASIL, MS, 1989: 13). Desta forma, apesar de apontar a busca pela atenção integral do adolescente discursa em torno da redução da morbi-mortalidade e dos “desajustes individuais e sociais”. Percebemos que o programa possui uma concepção de adolescência como “fase de risco”, focalizando discussões como drogas e sexualidade e seus “desvios”. Consideramos as mesmas relevantes numa perspectiva de educação em saúde, e não de “ajustamento social”. Neste debate, a política de saúde arrisca-se a retomar (ou permanecer com) seu papel anterior de controle e disciplinamento da população, particularmente a empobrecida. É de notar ainda a adoção de uma abordagem fragmentada sobre a realidade da juventude e a necessidade de propostas de articulação entre políticas de saúde, educação, trabalho e cidadania. Posteriormente a atuação
  • 39. 37 do PROSAD foi ampliada por meio de sua transformação no Programa de “Saúde Integral do Adolescente e do Jovem” abrangendo jovens até 24 anos5 . Com base em análise de documentos oficiais publicados até o ano de 2008, Horta e Sena (2010) realizam críticas aos programas do Ministério da Saúde destinados aos adolescentes e aos jovens. Estas autoras consideram que os programas destinados a essa população têm baixa capacidade de induzir mudanças, pois as políticas públicas precisam compreender o processo saúde-doença da adolescência para além de riscos, considerando os adolescentes como sujeitos sociais. Portanto, segundo as autoras: (...) mesmo presentes na sociedade, a discussão sobre a juventude, as políticas públicas de forma geral e de saúde, em particular, ainda necessitam avançar para um diálogo mais amplo, ora setorializado, ora intersetorial, mas capaz de ver efetivamente os jovens nos espaços sociais de sua vida, atender a suas demandas e necessidades para além de um foco de problemas e riscos. (HORTA e SENA, 2010: 486) 5 Horta e Sena (2010) analisaram as publicações do Ministério da Saúde entre 1989 e 2008 referentes à atenção à saúde do adolescente e do jovem e destacam que na análise das publicações selecionadas, foi “possível perceber que a conceituação prevalente, nos documentos oficiais do Ministério da Saúde, é de adolescência, marcada por uma delimitação etária de 10 a 19 anos e vinculada às transformações físicas, ao crescimento e desenvolvimento e à maturação sexual (...). A concepção de juventude é apontada, nos documentos oficiais, a partir da instituição, em 1999, da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem, da Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, compreendendo o limite etário de 15 a 24 anos. O discurso oficial enfatiza a necessidade de se perceber a adolescência e juventude com limites etários compreendendo adolescentes de 10 a 14 anos, adolescentes jovens de 15 a 19 anos e adultos jovens de 20 a 24 anos, sendo as ações de saúde, a partir de então, destinadas às faixas etárias de 10 a 24 anos” (2010: 479).
  • 40. 38 Os avanços nestes programas referem-se à ampliação desta percepção de adolescência como um conceito plural, considerando as diversas “adolescências” (BRASIL, 2002), e os seus componentes biológicos, emocionais e socioculturais que permeiam este período da vida e suas vivências. Horta e Senna (2010) destacam como positivo o aumento do debate referente à adolescência e à juventude, principalmente no período pós 1999 com publicações do Ministério da Saúde no âmbito Federal6 , apesar de desconsiderarem uma mudança qualitativa nas ações. Em 2004, o Ministério da Saúde também avança no PAISC, publicizando a “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil”, tal documento destaca a criança como foco do cuidado integral compreendido como: a responsabilidade de disponibilizar a atenção necessária em todos os níveis: da promoção à saúde ao nível mais complexo de assistência, do locus próprio da atenção à saúde aos demais setores que têm interface estreita e fundamental com a 6 A saber: “Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional”, 1999; “Adolescentes promotores da saúde: uma metodologia de capacitação”, 2000; “Prevenir é sempre melhor”, 2000; “A adolescente grávida e os serviços de saúde do município”, 2000; “A Saúde de adolescentes e jovens: uma; metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo avançado”, 2002; “Marco legal: saúde, um direito de adolescentes”, 2005; “Saúde integral de adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde”, 2005. “Marco teórico e referencial: saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens” 2006; “A saúde de adolescentes e jovens: uma metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo básico”, 2007 e “Um olhar sobre o jovem no Brasil”, 2008.
  • 41. 39 saúde (moradia, água tratada, educação,etc.). (BRASIL, MS, 2004: 7) O documento prevê diversos princípios como norteadores do cuidado: a) Planejamento e desenvolvimento de ações intersetoriais; b) Acesso universal; c) Acolhimento; d) Responsabilização; e) Assistência integral7 ; f) Assistência resolutiva; g) Eqüidade; h) Atuação em equipe; i) Desenvolvimento de ações coletivas com ênfase nas ações de promoção da saúde; j) Participação da família/controle social na gestão local; l) Avaliação permanente e sistematizada da assistência prestada. Neste material o MS reconhece o desafio e a necessidade da conformação de uma rede única integrada de assistência à criança, porém percebemos que no documento ainda prevalece como prioritário o foco na atenção materno-infantil, na redução da mortalidade infantil (com destaque para a morte neonatal) e no planejamento das ações da atenção básica. Reconhecemos o caráter estratégico e relevante de tais ações, porém enfatizamos que os outros níveis de atenção em saúde precisam estar balizados na diretriz da atenção integral e em muitos casos resultando também no estabelecimento de vínculos e no acompanhamento longitudinal dos usuários de seus serviços, minimizando seu caráter hospitalocêntrico e procedimento-centrado. 7 Neste documento o Ministério da Saúde define assistência integral como “abordagem global da criança, contemplando todas as ações de saúde adequadas para prover resposta satisfatória na produção do cuidado, não se restringindo apenas às demandas apresentadas. Compreende, ainda, a integração entre todos os serviços de saúde, da atenção básica à atenção especializada, apoio diagnóstico e terapêutico até a atenção hospitalar de maior complexidade, com o acompanhamento de toda a trajetória da criança pela atenção básica” (BRASIL,MS, 2004: 14).
  • 42. 40 Em nosso estudo destacamos, especificamente, as particularidades e as necessidades de saúde das crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos. Consideramos que a necessidade de suporte de programas e políticas públicas e proteção social a estes sujeitos e a suas famílias geralmente ampliam-se e, contraditoriamente, por vezes também os entraves nestes acessos e garantia dos seus direitos também aumentam. Com base na análise das políticas elaboradas pelo Ministério da Saúde pudemos perceber que não há destaque algum no debate sobre crianças e adolescentes em condições crônicas de adoecimento e sobre suas diversas necessidades de saúde que perpassam todo o fluxo de atendimento da rede de serviços. O foco de atuação do Ministério da Saúde se concentra no âmbito da prevenção à agudização das doenças e aos fatores de risco vinculados a determinados segmentos etários, além do já dito enfoque de sistematizações e estratégias de ação voltadas apenas para a atenção básica. Desta forma, nosso trabalho tem a função precípua de promover um destaque a este debate ressaltando a necessidade de maior problematização deste universo, sem restringir-se apenas ao trinômio doença-diagnóstico- tratamento. Pretendemos ampliar a discussão para o âmbito das políticas públicas e apontar a necessidade de criação de diretrizes de atenção para este público usuário dos serviços, numa perspectiva de atenção integral a estes sujeitos em desenvolvimento. Destacamos também que a assistência às famílias das crianças e dos adolescentes deve ser um elemento central. Para Mioto (2008), “a família passa a ser o “canal natural” de proteção social vinculado obviamente às suas
  • 43. 41 possibilidades de participação no mercado para compra de bens e serviços necessários à provisão de suas necessidades” (2008, p.132). Neste aspecto cabe apontarmos que diversas inflexões serão causadas na pluralidade dos arranjos familiares8 existentes, assim como os atravessamentos sócio- econômicos que promovem disparidades no desenvolvimento infanto-juvenil brasileiro Esta concepção transfere para o âmbito familiar os conflitos relacionados à esfera da produção social sob a acumulação capitalista, pois esta que lida com seus efeitos (desemprego, subemprego, pobreza). Portanto, apenas um modelo ideal de família poderia absorver e solucionar os problemas sociais, modelo este que não existe. As famílias possuem formações próprias vinculadas ao contexto sócio- cultural em que vivem. Podemos conceituar a família como um conjunto de pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos ou não, por casamento ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais. A família é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo de socialização. Apesar das transformações e das diferenças entre as famílias, elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as pessoas, como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica. 8 Podemos conceituar a família como um conjunto de pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos ou não, por casamento ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais. A família é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo de socialização. Apesar das transformações e das diferenças entre as famílias, elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as pessoas, como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.
  • 44. 42 considerando que a sociedade capitalista transformou a família em espaço privado que deve responder pela proteção dos seus membros por excelência. Porém percebemos que geralmente neste processo, às mulheres é atribuída a função de “cuidadoras”, portanto na proteção aos filhos há claramente uma divisão entre homens e mulheres, com lugares e papéis sociais demarcados e desiguais. Em nossa investigação tal informação é fundamental para a problematização do universo das crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos. Como o objetivo do trabalho é ampliar a discussão para o âmbito das políticas públicas, a unidade familiar perpassará toda a pesquisa em virtude da centralidade atribuída à família nas políticas sociais vigentes. A família mesmo no contexto neoliberal permanece ocupando espaço primordial nas políticas públicas que compõem a Seguridade Social, principalmente na assistência, com a diretriz da matricialidade sócio-familiar prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e com a configuração dos programas de transferência de renda, voltados para a unidade familiar, mas que tem seus limites centrados no combate a extrema pobreza. Na política de saúde a centralidade da família na política social também é percebida na Estratégia da Saúde da Família, contida na Política Nacional de Atenção Básica de 2006. Torna-se essencial considerarmos as transformações societárias e as questões sócio-políticas, econômicas e culturais da contemporaneidade para intervir neste campo da infância e da adolescência em condição crônica de
  • 45. 43 adoecimento, diante de tantas expressões da “questão social”9 que perpassam tal fenômeno, numa conjuntura neoliberal na qual o Estado e as Leis ao invés de garantir direitos através de políticas sociais vem transferindo suas ações para o âmbito privado, pessoal, da família e para a sociedade civil. Desta forma, a família acaba sendo penalizada pelas dificuldades enfrentadas e pelo não atendimento às necessidades de seus membros, principalmente os dependentes e menores de idade. 2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições crônicas de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate Como vimos, em nosso país, o cuidado com a saúde das crianças começa em virtude dos grandes índices de mortalidade infantil no país. Enfatizou-se o tratamento das doenças agudas e o trabalho campanhista de imunização. Porém, atualmente o quadro de atendimentos nas unidades hospitalares vem se alterando. Tal modificação no perfil pode ser explicada pela melhoria da qualidade da assistência a esses pacientes, além do investimento em combate às doenças imunopreviníveis10 . 9 A “Questão social” é ampla e sua natureza é difusa possibilitando várias intervenções profissionais. “Questão Social” esta, apreendida como fruto da sociedade capitalista madura onde a produção é cada vez mais coletiva, mas a apropriação de riquezas mantém-se privada/monopolizada Ver IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2007. 10 A vulnerabilidade do grupo infantil aos agravos preveníveis já foi identificada e motivou a Assembléia das Nações Unidas a reunir no ano de 2000, 191 países na Cúpula do Milênio, que se comprometeram a cumprir objetivos de desenvolvimento até o ano de 2015. (Ministério da Saúde, 2006 apud CARDOSO, 2009).
  • 46. 44 Segundo Souza (2006), o perfil epidemiológico das causas de hospitalizações em Pediatria modificou-se, pois as doenças agudas infecto- contagiosas, tais como, a diarréia, a desidratação grave, a pneumonia, que eram anteriormente as principais causas das hospitalizações infantis, deram lugar às doenças crônicas. Entretanto, o debate sobre as doenças crônicas, geralmente, segue ainda fragmentado por tipos de doença e tratamentos, ficando circunscrito à análise clínica e/ ou epidemiológica. Entendemos que com o aumento das crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos, torna-se necessária a desmistificação de que o debate da cronicidade do adoecimento deve estar voltado prioritariamente para adultos e idosos. Precisamos avançar no debate sobre as políticas públicas para esta população, numa perspectiva histórica e dialética, enfatizando também este aspecto geracional da condição crônica de adoecimento numa fase da vida de desenvolvimento e amadurecimento que é a infância e a adolescência. Moura (2001) discute em sua tese, o processo de cura e cuidado a partir da doença crônica na infância. Segundo a autora: As malformações congênitas e doenças genéticas, principalmente as metabólicas e neuromusculares, são as maiores responsáveis pelas doenças crônicas da infância. São muitas vezes detectadas durante a gravidez, acompanhadas no parto e posteriormente em hospitais
  • 47. 45 terciários, com envolvimento de diversas especialidades médicas. (MOURA, 2001: 10) Diante da complexidade da condição crônica de adoecimento nessa fase da vida, torna-se necessário refletirmos sobre o atendimento a crianças e a adolescentes, considerando que uma de suas especificidades é que esses não possuem ampla autonomia na tomada de suas decisões, na busca por tratamento, na aquisição de medicamentos etc., apesar de serem os sujeitos de todo o processo. Assim, não é somente a criança e o adolescente que devem ser contemplados com ações, mas também a família que demanda políticas públicas que possam fornecer suporte para a efetivação de um tratamento continuado, que pode abranger acesso a serviços de saúde de diferentes níveis de atenção, diferentes especialidades e tecnologias, acesso a insumos, medicações e outras políticas públicas de assistência, educação, habitação, previdência dentre outras, de acordo com suas necessidades de saúde (Cecílio, 2001). Com a mudança deste perfil percebemos uma grande demanda de acompanhamento destes casos pelo Serviço Social, considerando que muitos são os desafios que perpassam o cotidiano de crianças e de adolescentes com condições crônicas de adoecimento e de suas famílias. De igual modo, esta realidade também perpassa e influencia a atividade dos profissionais envolvidos no cotidiano da assistência.
  • 48. 46 Neste trabalho utilizamos as categorias “condição crônica de adoecimento” ou “cronicamente adoecido” ao invés de doença crônica, por compreendermos que estas se adequam melhor aos nossos objetivos, já que não pretendemos enfatizar apenas uma doença crônica e sim analisar de forma ampla o impacto dessa condição na infância e na adolescência. Vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu nesta década um relatório mundial sobre cuidados inovadores para condições crônicas, enfatizando o vertiginoso aumento das condições crônicas e considerando que estas constituem o desafio para o setor saúde deste século. (OMS, 2003). Segundo o relatório, as “condições crônicas” não são mais vistas da forma tradicional (e.g. limitadas a doenças cardíacas, diabetes, câncer e asma), consideradas de forma isolada ou como se não tivessem nenhuma relação entre si, sendo que a demanda sobre os pacientes, as famílias e o sistema de saúde são similares, desta forma consideram que “as condições crônicas então abarcam condições não transmissíveis, condições transmissíveis persistentes, distúrbios mentais de longo prazo, deficiências físicas/ estruturais contínuas” (OMS, 2003: 16) Para Souza (2006), esse termo – crônica - engloba diversas doenças que tem em comum os períodos prolongados que podem ou não serem superados e deixarem ou não seqüelas. Destacamos também que o termo “condição crônica” possibilita inferir uma possibilidade de superação da doença ou mesmo estabilização através de um tratamento continuado, melhores
  • 49. 47 condições de vida e com o atendimento às necessidades de saúde destes sujeitos, resultando no menor número possível de internações. Tendo em vista nossa argumentação inicial da centralidade deste debate na atual conjuntura, buscamos, nesta parte do trabalho, primeiramente apresentar a doença crônica na infância e na adolescência ou condições crônicas de adoecimento, conforme adotamos, e suas principais características, relacionando a relevância deste debate à diretriz de atenção integral do SUS. Destacamos que muitos são os desafios enfrentados por esses e suas famílias na busca por direitos e serviços que atendam suas necessidades de saúde frente ao projeto neoliberal de focalização e fragmentação das políticas sociais. Nossa indagação principal é se as políticas públicas existentes contemplam as demandas apresentadas por estes sujeitos e se são facilmente acessadas.
  • 50. 48 CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Em nossa atuação profissional no acompanhamento cotidiano das crianças, dos adolescentes e das suas famílias nas enfermarias de pediatria do HUAP-UFF, percebemos os desafios presentes para que a assistência em saúde contemple as demandas e as necessidades materiais e subjetivas desses usuários. Diante disto, consideramos relevante pesquisar a trajetória de internação e o cotidiano pós-alta hospitalar destas crianças e adolescentes em condições crônicas de adoecimento. Interessa identificar os possíveis entraves e as facilidades no acesso aos seus direitos e no suprimento às suas necessidades de saúde, assim como o impacto destes condicionantes em suas famílias. Além disso, buscamos proceder a uma sistematização das demandas que frequentemente tem sido postas à equipe de saúde e, especificamente, ao serviço social. A escolha desse objeto de estudo está relacionada às questões/perguntas advindas da experiência da pesquisadora na atenção e no acolhimento às famílias, crianças e adolescentes nas enfermarias de pediatria
  • 51. 49 do HUAP-UFF, onde ocorreu o trabalho de campo, considerando o espaço do serviço como importante cenário para a produção do conhecimento. Neste sentido, realizamos uma pesquisa qualitativa na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro, vinculada ao Departamento Materno Infantil (MMI) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tal unidade possui três enfermarias distribuídas por faixas etárias (lactentes, pré-escolares e escolares) com um total de 17 leitos disponíveis para internação. Realizamos 10 entrevistas semi-estruturadas entre os meses de setembro de 2010 a junho de 2011 com os responsáveis por crianças e adolescentes em condição crônica de adoecimento com acompanhamento no HUAP, cujos critérios de seleção são descritos nos procedimentos metodológicos deste capítulo. Deslandes e Gomes (2004) defendem a utilização dos serviços de saúde como cenário de pesquisa, pois consideram que: “as interações entre profissionais de saúde, usuários e serviços podem ser um lócus privilegiado de análise para se compreender o que representa a doença ou o tratamento.” (2004, p. 101) A opção pela abordagem qualitativa ocorre por compreendermos que esta pode contribuir para a análise de questões e relações ligadas aos serviços de saúde e por melhor se adequar aos objetivos propostos de uma pesquisa social e, especificamente, ao objeto de estudo em questão. (DESLANDES e GOMES, 2004)
  • 52. 50 Conforme explicitado por Minayo, “as abordagens qualitativas se conformam melhor a investigações de grupos e segmentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para a análise de discursos e de documentos”. (MINAYO, 2006, p.57). 3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das enfermarias de Pediatria. Estima-se que ocorram anualmente cerca de 350 internações nas enfermarias de Pediatria do HUAP, incluindo as internações de curta permanência, com período menor que 48 horas (pacientes esses que se internam para procedimentos diagnósticos e cirúrgicos eletivos e tratamento clínico com medicações intravenosas em dose única) (CARDOSO, 2009). Para fins de análise do perfil das internações nestas enfermarias utilizamos os dados agrupados no banco de dados elaborado pela pesquisa de Cardoso (2009) referentes às internações de janeiro a dezembro de 2010. Neste ano ocorreram 261 internações nas enfermarias de Pediatria do HUAP- UFF com período maior ou igual a 48 horas. Como critério metodológico da pesquisa, consideramos o período de 14 dias ou mais de hospitalização como internação prolongada, pois observamos que após duas semanas a internação passa a ter implicações com a cessação das atividades que seriam cotidianas para o paciente e sua família (escola e trabalho, por exemplo).
  • 53. 51 Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa. A mediana11 de tempo de internação foi de oito dias(intervalo interquartil: 4 – 14 dias). Do total de 261 pacientes, 69 (26,4%) permaneceram internados por um período de tempo maior ou igual a 14 dias, portanto apresentaram internação prolongada. 11 “A mediana é a observação que ocupa a posição central, depois que os dados são ordenados em forma crescente ou decrescente. Esta medida de posição não é afetada por valores discrepantes na amostra já que depende do número de elementos da amostra e não dos seus valores” (VELARDE, s.d: 29)
  • 54. 52 Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa. Estas internações subdividiram-se nas três enfermarias: lactentes – absorve crianças de 0 a 2 anos – com 5 leitos; pré-escolares – crianças de 2 a 6 anos – com 6 leitos e escolares – crianças e adolescentes de 6 a 15 anos – com 6 leitos. Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa No que se refere ao sexo, no ano de 2010, tivemos predominância de pacientes do sexo masculino:
  • 55. 53 Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa A partir da análise dos diagnósticos que motivaram a internação, percebemos que 52,1%, ou seja, mais da metade, possuíam alguma doença de base e estariam internados em virtude da agudização da mesma ou do tratamento de doenças associadas. A doença de base é a afecção que acomete primariamente o paciente e que ocasiona as várias internações para tratamento. Segundo Moura (2001): Em geral as doenças de base são altamente incapacitantes ou mesmo fatais, requerendo repetidas internações e procedimentos especiais como cirurgias, ostomias, uso de oxigênio, respirador e aspirações. A elas se somam todas as disfunções adquiridas precocemente decorrentes do tratamento (MOURA, 2001: 10) Destacamos que se tivéssemos considerando os pacientes com internações com duração inferior a 48 horas, provavelmente este número de pacientes com doenças de base aumentaria, tendo em vista a grande quantidade de pacientes que internam para receber alguma medicação específica fundamental para a continuidade do seu tratamento ambulatorial.
  • 56. 54 Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa A partir dos diagnósticos descritos nas internações do ano de 2010 e compilados no banco de dados elaborado por Cardoso (2009), realizamos uma divisão topográfica das doenças para demonstrar o perfil das demandas clínicas atendidas nas enfermarias do HUAP-UFF, tendo em vista a diversidade de síndromes e multiplicidade dos diagnósticos existentes: Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa.
  • 57. 55 Quanto à evolução clínica dos pacientes internados, os dados mostram que os resultados no final da internação foram classificados entre alta melhorada, curada, inalterada, pacientes transferidos para outra unidade de saúde, pacientes transferidos para CTI (o HUAP não possui CTI pediátrico), óbito e saída à revelia. Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa Podemos entender a prevalência das altas melhoradas em relação às outras evoluções clínicas, devido ao perfil da maioria dos pacientes da enfermaria serem cronicamente adoecidos com períodos de agudização, o que leva ao tratamento destas intercorrências sem resolução do quadro de base, ou seja, sem cura.
  • 58. 56 3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de seleção Conforme as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, referidas na Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, este projeto foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro e aprovado em 03/09/10 sob o nº CAAE: 01650258/000-10. A partir da análise do nosso cenário de pesquisa e do alto índice de atendimento a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, optamos por entrevistar 10 famílias cujos filhos (as) possuíam uma condição crônica de adoecimento e realizavam acompanhamento hospitalar no Hospital Universitário Antônio Pedro durante o período do estudo (setembro de 2010 a junho de 2011). Os critérios para inclusão na pesquisa foram: a) Idade do paciente entre zero e 15 anos à admissão na enfermaria de Pediatria do HUAP ; b) Concordância com a participação no estudo e assinatura pelo responsável legal do termo de consentimento livre e esclarecido; c) Responsável direto pelo paciente presente no momento do preenchimento do questionário de coleta de dados e que os acompanhe o tratamento a fim de ter condições de responder às questões do instrumento de pesquisa;
  • 59. 57 d) Ter passado pelo menos por uma internação nas enfermarias. Esta consulta foi feita ao banco de dados do projeto em andamento “Perfil epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense”, coordenado pela professora Claudete Cardoso; e) Realizar acompanhamento ambulatorial regular com alguma especialidade no HUAP em virtude da condição crônica de adoecimento, mantendo, portanto, o vínculo com a instituição. Foram excluídos da pesquisa as crianças e os adolescentes internados ou acompanhados no HUAP em virtude de doenças agudas, cirurgias eletivas, ou outros quadros clínicos que não configuram condição crônica de adoecimento e os que não passaram por alguma internação nas enfermarias de Pediatria, pois pretendíamos analisar o impacto da hospitalização e do tratamento em seu cotidiano e de suas famílias, além do fato da pesquisadora atuar dentro das enfermarias, já acompanhando rotineiramente estes pacientes. Utilizamos entrevistas semi-estruturadas (vide Anexo 1 – Roteiro de entrevista), as quais foram gravadas e depois transcritas integralmente. Analisamos os dados a partir da metodologia de estudo de caso interrelacionando com nossa base teórica da problematização do assunto. As entrevistas foram autorizadas através de assinatura prévia em duas vias em termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes (vide Anexo 2). Procuramos nas entrevistas
  • 60. 58 levantar o que consideram como necessidades de saúde para a continuidade do tratamento, em quais espaços públicos eles estão inseridos (escola, programas, projetos) e ainda verificar se a família considera estar assistida por alguma política pública a qual seu filhos (as) ou a própria família tenham direito. Portanto, nossas perguntas foram direcionadas para analisar as condições de acesso e adesão ao tratamento ambulatorial; as internações recorrentes e por vezes prolongadas, assim como os seus impactos para as crianças e os adolescentes e as suas famílias. Buscamos também analisar como a família se organiza para prover a continuidade do tratamento e se as políticas públicas existentes, por meio de seus programas e benefícios tem auxiliado no enfrentamento das dificuldades apontadas pelos responsáveis. Para assegurar a confidencialidade dos dados, a análise foi realizada sem a identificação nominal dos pacientes. À admissão da criança na enfermaria, a assistente social pesquisadora, em virtude da realização da entrevista social de rotina, confirmou se o paciente preenchia os critérios definidos anteriormente para inclusão no estudo. Em caso afirmativo, o responsável legal foi convidado a participar com a criança/ o adolescente do estudo. Após concordância, explicamos o termo de consentimento livre e esclarecido e verificamos se o responsável concordava em participar da pesquisa. O responsável legal pelo paciente assinou duas vias do termo de consentimento livre e esclarecido, tendo guardado uma via consigo e a outra via foi arquivada pela equipe de pesquisadores responsáveis pelo estudo.
  • 61. 59 Decorridas as etapas descritas acima, a família da criança e do adolescente foi incluída na pesquisa. Como mencionado, realizamos entrevistas com 10 famílias dentro de perfil previamente estabelecido. As doenças de base foram selecionadas aleatoriamente pela pesquisadora responsável pelo estudo. A cada entrevista atribuímos um número para garantir a confidencialidade dos sujeitos partícipes do processo. Quadro 1 - Idade e Diagnóstico das crianças e dos adolescentes N° Enfermaria Idade Diagnóstico Topografia do diagnóstico principal 1 Lactentes 7 meses Síndrome West Neurológica 2 Lactentes 4 meses Cardiopatia congênita Cardíaca 3 Escolares 15 anos Hepatite auto-imune Gastrointestinal 4 Escolares 14 anos Encefalopatia não progressiva Neurológica 5 Escolares 15 anos Miastenia gravis Neurológica 6 Pré- escolares 4 anos Sarcoidose Generalizada 7 Escolares 15 anos Sínd. de Klinefelter + diabetes mellitus Endocrinológica 8 Escolares 15 anos Anemia falciforme Onco-hematológico 9 Escolares 11 anos Lupus Eritematoso Sistêmico + Bronquite asmática Reumatológico 10 Escolares 12 anos Síndrome Nefrótica Urinário Buscamos diversificar os diagnósticos e a idade das crianças e dos adolescentes envolvidos na pesquisa, porém o maior número de entrevistados concentrou-se na enfermaria dos escolares, pois é nesta faixa etária (6 a 15 anos) que possuímos o maior número de internações na enfermaria e também
  • 62. 60 é a etapa onde a cronicidade da doença geralmente se manifesta, ou, em alguns casos, quando conseguem uma conclusão diagnóstica, após diversas passagens em outras unidades de saúde.
  • 63. 61 CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Conforme já exposto, nosso objetivo com o presente trabalho foi de investigar a condição crônica de adoecimento na infância e na adolescência, buscando cotejar a diversidade e pontos de contato no que se refere às experiências e trajetórias das famílias e, através de uma concepção de atendimento integral a estes sujeitos, levantarmos os principais desafios para que as suas necessidades de saúde sejam contempladas pelas políticas públicas existentes, seja por meio do acesso ao tratamento ou pela garantia de seus direitos fundamentais: educação, lazer, assistência, dentre outros. A partir das categorias teóricas selecionadas analisamos as narrativas dos familiares, levantando os pontos de confluência entre os mesmos, assim como as divergências procurando analisar a condição crônica de adoecimento das crianças e dos adolescentes que unem estas famílias, assim como também suas particularidades locais, formações familiares, diferenciações no tratamento e articulações desenvolvidas pelas famílias com a rede de atendimento. No desenvolvimento da pesquisa percebemos que seria necessário enfatizar os desafios enfrentados pelas crianças, adolescentes e suas famílias na busca por direitos e acesso a serviços que atendam suas necessidades de saúde. Também buscamos problematizar os limites recorrentes na continuidade do tratamento, entendendo que isto pode contribuir para internações reincidentes ou mais prolongadas.
  • 64. 62 Todas as entrevistas foram realizadas com as mães das crianças e dos adolescentes selecionados, exceto a entrevista n° 4 que foi realizada com o pai da criança e a entrevista n° 7 feita com a avó do adolescente. Estes acompanhavam o tratamento conjuntamente com a mãe da criança. Ou seja, das famílias selecionadas a mãe estava presente em todas as trajetórias de tratamento, a diferenciação advém de que algumas contam também com o suporte de outros familiares. No quadro abaixo apresentamos alguns dados coletados a partir das entrevistas para termos ciência de algumas informações que caracterizam as trajetórias do tratamento de cada paciente. Nele apontamos o tempo de descoberta diagnóstica, o número aproximado de internações, buscando demonstrar a frequência de reinternações nos casos de adoecimento crônico, as especialidades clínicas que os acompanham ambulatorialmente, além dos tratamentos complementares necessários:
  • 65. 63 Quadro 2- Internações e acompanhamentos de Saúde N° Tempo de descoberta do diagnóstico N° aproximado de internações Acompanhamento Ambulatorial clínico Acompanhamentos complementares 1 5 meses 3 Neurologia e Pediatria Fonoterapia e Psicologia 2 4 meses 1 Cardiologia e Pediatria Fonoaudiologia e Nutrição 3 2 anos 3 Gastroenterologia e Pediatria - 4 14 anos Mais de 20 Neurologia, Pediatria e Neurocirurgia Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional 5 10 anos 6 Neurologia e Pediatria - 6 6 meses 4 Reumatologia e Pediatria - 7 15 anos Não sabe informar “muitas” Neurologia, Genética, Otorrinolaringologia Oftalmologia, Pediatria Dentista e Grupo de diabéticos 8 14 anos Mais de 50 Hematologista, Cardiologista e Pediatria - 9 4 anos 12 só no ano passado. Reumatologia e Pediatria - 10 6 anos 3 Nefrologia, Endocrinologia e Pediatria - Subdividimos a análise das entrevistas em eixos temáticos, procurando contemplar a proposta de análise inicial. Consideramos que esta é uma forma mais sistematizada e clara para correlacionarmos os diversos pontos de encontro e as singularidades nas experiências das famílias. As famílias pesquisadas apresentam trajetórias diversas, seja pelo suporte familiar que recebem ou pela condição econômica. No entanto, possuem em comum, apesar dos diagnósticos diferenciados, a condição crônica de adoecimento. Para análise do objeto de estudo em questão e
  • 66. 64 problematização dos desafios da atenção em saúde na perspectiva da “integralidade ampliada”, optamos por alguns eixos de análise. Os eixos de análise definidos foram: a) condições de acesso ao tratamento; b) aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com o processo crônico de adoecimento c) a experiência de internação; d) a inserção no sistema educacional; e) suporte familiar para apoio na continuidade do tratamento; f) sobre as políticas públicas: inserção e acesso aos programas e benefícios sociais e g) dificuldades para a adesão e continuidade do tratamento; e h) estratégias de enfrentamento encontradas pelas famílias. a) Condições de acesso ao tratamento O acesso ao tratamento e à assistência em saúde é uma das principais categorias analíticas para discutirmos os desafios do atendimento integral. Sem universalização do acesso, não é possível a concretização da integralidade. (CECÍLIO, 2009) Inicialmente pensamos que ao abordar a questão do acesso o elemento que mais apareceria nos dados empíricos seria a trajetória assistencial das famílias antes de chegar ao HUAP, os problemas relativos à referência e contrarreferência, as dificuldades para efetivar atendimentos de média e alta complexidade, dentre outras questões.
  • 67. 65 Porém, na análise sobre o acesso ao tratamento ambulatorial, os elementos mais fortes abordados por estas famílias foram as dificuldades enfrentadas para chegarem as consultas, marcação e realização de exames. O acompanhamento ambulatorial em um hospital de atenção terciária e quaternária é diferenciado do acompanhamento, por exemplo, do Programa Médico de Família, que possui proximidade e vínculo com a localidade em que o usuário do SUS está residindo. No HUAP, muitas famílias residem em municípios distantes e, portanto, a facilitação do acesso à consulta torna-se um elemento necessário para ser pensado como estratégia para adesão ao tratamento e continuidade da atenção em saúde. Através das entrevistas pudemos avaliar que o transporte é um dos principais entraves para as famílias, usuárias de um hospital público darem seguimento ao acompanhamento e tratamento de seus filhos ambulatorialmente. As narrativas mostram que o Vale Social12 é uma relevante conquista social, porém ainda insuficiente para contemplar a complexidade das necessidades apresentadas pelas famílias entrevistadas. “O Passe Livre dei entrada, demorou um mês pra sair (...) e não atende (a necessidade), porque é uma criança que é muito grande, não tem como ficar locomovendo ela no transporte porque, nem sempre os ônibus são adaptados para isso, né. E assim eu tenho que sair muito pra marcar médico, pra buscar remédio e tudo isso a gente não pode usar o passe, porque o passe é para a 12 O Vale Social foi instituído pelas Leis Estaduais nº 3.650/2001 e 4.510/2005. Ele garante a gratuidade no transporte público intermunicipal as pessoas com doença crônica ou deficiência, cuja interrupção no tratamento possa acarretar risco de morte.
  • 68. 66 criança, se a gente sair sem a criança, para resolver o problema da criança, a gente não pode usá-lo”. (FAMÍLIA 4) “Assim, o passe às vezes eles bloqueiam, só que aí tem que vir na consulta então tem que ter o dinheiro da passagem para pagar a minha e a dele. É uma dificuldade porque às vezes eu não tenho e tem que pedir emprestado, mas tem que vir de qualquer jeito” (FAMÍLIA 08) As famílias reclamam que quando a criança está internada, o passe não pode ser utilizado para seus responsáveis virem ao hospital para revezar o acompanhamento, esta questão aparece também quando precisam vir ao hospital às vezes sem seus filhos para marcação de exames ou remarcação de consultas e não podem utilizar o Vale Social: “Na semana eu venho aqui três vezes por semana, com ele ou sem ele.(...)Tem dias que tem consulta marcada que se eu não tenho dinheiro de passagem eu não venho não. Aí eu venho depois no outro dia e aí gasto mais, porque ai eu gasto dinheiro pra remarcar e ver o dia que a médica está, para ela remarcar e vir depois”. (FAMÍLIA 10). Algumas Secretarias Municipais de Saúde também possuem um setor para agendamento de transporte para trazer o paciente para o tratamento ambulatorial. Porém, as famílias destacam que o agendamento precisa ser feito
  • 69. 67 com muita antecedência e mesmo assim não é garantido devido à grande demanda existente: “Eu tenho que ir ate lá (na Secretaria de Saúde), marcar com muita antecedência, porque de uma semana pra outra já não consegue. Não é fácil conseguir transporte, é porque dizem que a demanda é muito grande de pacientes e pouco transporte. No caso, hoje ela teria consulta 10 horas da manhã, eu teria que vim no carro das seis horas da manhã. Entendeu? Eu só não vim, porque expliquei que ela não tem condições de ficar muito tempo no hospital então com muito custo eu consegui um carro, porque liguei para outra pessoa, que trabalha lá dentro na chefia para conseguir autorizar para liberar o carro” (FAMÍLIA 4) Em outras situações evidencia-se que não somente a liberação do custeio da passagem não é suficiente, visto que algumas crianças e adolescentes precisam de um carro e, às vezes, até mesmo de ambulância para vir as consultas ambulatoriais. Esta realidade aparece nas enfermarias de pediatria, com crianças acamadas ou que dependem de algum recurso como oxigenioterapia por exemplo. Nas entrevistas realizadas essa questão apareceu devido aos sintomas no período de agudização da doença, quando o transporte de ônibus não é o recurso que a família que necessita. O trecho abaixo ilustra tal situação:
  • 70. 68 “A Anemia Falciforme a dor dela é muito forte e a criança fica sem andar às vezes. Então tem que ter, assim, tem que ter alguém para trazer no colo, porque a mãe tem que aguentar né, pra subir no ônibus, para trazer aqui dentro do hospital que fica longe do ponto”. (FAMÍLIA 08) Verificamos, assim, que do ponto de vista da facilitação do acesso, o Passe livre ainda é insuficiente diante das enormes dificuldades que perpassam o cotidiano dessas famílias. Quanto ao acesso a tratamentos complementares como a fisioterapia, no caso da família 04, a dificuldade de vagas também foi abordada: “Acesso é demorado, tem que levar documentações para a prefeitura, esperar se chamado, passar por uma avaliação, tudo é demorado, nada é rápido, a não ser que você tenha conhecimento com alguém. Levou uns três meses pra conseguir” (FAMÍLIA 04). Estes depoimentos mostram que o poder de acesso aos serviços de saúde vai além do que a simples chegada a uma unidade de saúde. A fragilidade das condições de acesso aparece nas entrevistas refletidos nos relatos sobre dificuldade econômica, distância casa-unidade de saúde, demora para o atendimento, transporte público, referência e contrarreferência. Desta forma, o poder público precisa atentar-se para esta população usuária do SUS e suas crescentes demandas por criação de programas de suporte social para possibilitar o acesso, a adesão e a continuidade do
  • 71. 69 tratamento, que consequentemente, poderia minimizar as internações hospitalares que apresentam um grande custo para o sistema. Notamos que este grupo apresenta poucos espaços para expor esta situação, alguns procuram os órgãos de garantia de direitos, como os Conselhos Tutelares, os equipamentos da Assistência Social (CRAS, CREAS) ou a Defensoria Pública. Percebemos que pacientes com alguns diagnósticos específicos ainda contam com grupos de apoio ou determinadas associações, como os diabéticos, porém, de acordo com nossa experiência empírica, poucos espaços de troca e criação de alternativas de enfrentamento das limitações enfrentadas no cotidiano por estas crianças, adolescentes e suas famílias. Diante disto, em junho de 2010 foi criado o Fórum Ampliado de Políticas de Promoção da Saúde de Crianças e Adolescentes com Doenças Crônicas e Deficiências e suas famílias, como iniciativa inicial do Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz, que envolveu profissionais e famílias, onde ouvimos as instituições ali representadas e familiares de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e todas estas questões destacadas. Os entraves no acesso e/ou efetivação e implementação das políticas públicas também foi acompanhado através de observação participante das principais questões levantadas e recorrentes neste espaço. A principal questão debatida foi o transporte e seus desdobramentos: Vale Social, carros e ambulâncias disponibilizados para tratamento ambulatorial. O segundo encontro do Fórum foi em setembro de 2010 e voltou-se principalmente para debater estas questões relativas ao transporte. A mesa
  • 72. 70 redonda trouxe o tema “Ações e experiências com promoção da saúde de crianças e adolescentes com doenças crônicas e deficiências e suas famílias no acesso ao transporte público e gratuito”. Porém, após este encontro não houve outras reuniões. Desse modo, permanecemos com a carência de espaços públicos destinados à esta temática, onde uma construção propositiva e política seja realizada de forma participativa e democrática. b) A aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com o processo crônico de adoecimento: Neste processo de conhecimento do diagnóstico e de suas implicações para as alterações no cotidiano dos sujeitos cronicamente adoecidos, a atuação da equipe interdisciplinar é fundamental para adesão das famílias ao tratamento, pois pode fornecer elementos para que estas compreendam todo o processo de acompanhamento e os cuidados necessários. É importante que estejam atentos para a necessidade de uma abordagem integral dos indivíduos e de suas famílias, com intervenções que considerem as esferas biológica, psicológica e social (Giovanella et alli, 2002). Thaines et alli (2009) realizaram um estudo sobre a importância da integralidade da atenção como princípio norteador no atendimento à pessoa em condição crônica, nesta pesquisa foi abordado o caso de um adulto que tinha diagnóstico de diabetes mellitus. As autoras destacam que na condição crônica de adoecimento a mudança de hábitos é fundamental: