O documento discute novos paradigmas e dilemas da relação entre ambiente e saúde à luz da ciência pós-normal, abordando temas como sustentabilidade, resiliência, governança e participação social. Apresenta exemplos históricos de doenças infecciosas e acidentes químicos, além de propor categorias para análise de processos participativos que promovam a ampliação da comunidade de pares.
1. Escassez hídrica: Novos paradigmas e
dilemas da relação ambiente e saúde
Leandro L. Giatti – lgiatti@usp.br
2. “Reduzir algo desconhecido a algo conhecido
alivia, acalma, satisfaz e, além disso, dá
uma sensação de poder. Com o
desconhecido vem o perigo, a inquietação, a
preocupação”.
Friedrich Nietzsche, 1888
3. A promessa da modernidade: controle sobre a natureza e
um desenvolvimento equilibrado.
O resultado: desigualdade, risco e despreparo.
(BAUMAN 1999).
4. Entre as décadas de 1970 e 1980
- Maior intensificação das forças de globalização;
- Reestruturação econômica com novas configurações da
organização industrial e da vida social;
- Aumento surpreendente da fluidez do capital;
- Exacerbação das forças que reproduzem as iniquidades
sociais.
(HARVEY 2009).
6. Ao ´sucesso da modernidade´ e ao ´êxito da
industrialização associam-se os insucessos do controle
de suas respectivas externalidades gerando uma
profusão de riscos que não são compreendidos,
mitigados e evitados sob as mesmas dinâmicas da
produção de bens e riqueza.
(BECK, 2008).
7. Alguns dos maiores acidentes químicos da
história, todos em 1984:
- No Brasil, Vila Socó (508 óbitos);
- No México, San Juan Ixhuatepec (550 óbitos);
- E na Índia, Bhopal (com estimativas entre 1.800 e
20.000 óbitos, embora o registro oficial contabilize
2.500).
Similaridades: rápido desenvolvimento entre 1960
e 1980, com ampla indução da indústria pelo Estado,
endividamento, urbanização da pobreza.
Porto e Freitas (2003)
8. Desigualdades globais na emissão de gases
de efeito estufa entre 1950 e 2000.
Patz et. al., 2007.
9. Patz et. al., 2007.
Desigualdades globais em impactos na saúde
(malária, desnutrição, diarréia e mortes
associadas a enchentes).
10.
11. – Acidente de Seveso, Itália, 1976;
– Síndrome da Encefalite espongiforme bovina;
– Transgênicos;
...
– Nanotecnologia.
12. Ciência Pós-normal
Novos paradigmas que envolvem ambiente e saúde são
distinguíveis dos problemas científicos tradicionais:
– Fatos incertos;
– Valores controvertidos;
– Apostas elevadas;
– Ações urgentes.
Funtowicz e Ravetz, 1997
Ravetz, 2004.
13. Diagrama de resolução de problemas
segundo proposta da Ciência Pós-normal.
Funtowicz e Ravetz, 1997
15. Van den Hove (2007) afirma que ciência e política
não são categorias herméticas.
Há quatro domínios de interação:
1o
) o processo de escolha de prioridades de
pesquisa;
2o
) o processo de financiamento e fomento à
pesquisa;
3o
) a validação e acreditação de qualidade de
pesquisa;
4o
) um elevado grau de influência política no
controle do processo de educação e capacitação
científica.
16. Ciência Pós-normal
Diante das incertezas, valores e processos políticos, o
controle de qualidade crítica da ciência não pode mais
ser desempenhado por um corpo restrito de
especialistas;
O diálogo e a formação de políticas devem ser estendido
a todos os afetados – comunidade ampliada de
pares.
Funtowicz e Ravetz, 1997
Ravetz, 2004.
17. Promoção da Saúde
“Partindo de uma concepção ampla do processo
saúde-doença e de seus determinantes, a
promoção da saúde propõe a articulação de
saberes técnicos e populares e a mobilização de
seus recursos institucionais e comunitários,
públicos e privados para seu enfrentamento e
resolução”. (Buss 2003, p. 15)
Palavra chave: Empoderamento (empowerment)
18. “A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não
despreza o conhecimento que produz tecnologia,
mas entende que, tal como o conhecimento deve
traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento
deve traduzir-se em sabedoria de vida.”
Boaventura de Souza Santos, 2009.
20. Os miasmas como origem das doenças
Havia um sistema médico em formação,
mas com forte representação pelo
proeminente The Lancet
“Podemos apenas supor a existência de um
veneno que progride a despeito do vento, do
solo, de todas as condições do ar, e da
barreira do mar”
Editorial do The Lancet, 1831.
21. O mapa do bairro Soho com os casos de
cólera, 1854
Disponível em www.ph.ucla.edu/epi/snow.html
22. Edwin Chadwick
Grande impacto sobre a
concepção moderna do papel
do governo;
Lançou as bases para a
constituição da saúde pública –
o Estado no amparo da saúde e
do bem estar de seu povo.
Mas sob uma concepção
miasmática interferiu de modo
equivocado quanto ao cólera,
provocando milhares de
infecções humanas.
23.
24.
25. As surpresas com as doenças infecciosas
Dengue
Malária
Tuberculose
Varíola
Doença de Chagas
Mudanças ambientais promovem efeitos em cascatas que
exacerbam a emergência e reemergência de doenças
infecciosas, tais como: desflorestamento, introdução de
doenças, poluição, pobreza e migração humana.
Patz, 2004
26. Novos paradigmas e dilemas da relação
ambiente e saúde:
- sustentabilidade
- resiliência
- governança
Questões inerentes à participação social –
amplicação da comunidade de pares.
27. Dimensões e categorias de análise para processos
participativos e promoção da ampliação de comunidade de
pares
Aplicação de
instrumentos
participativos
A quantidade de instrumentos não corresponde diretamente à
qualidade do processo de empoderamento, este por sua vez, se
constrói dentro de uma dinâmica de retroalimentação: assim,
propõem-se três categorias:
- Pontual – em que se verifica apenas um instrumento de poder
dialético envolvendo os sujeitos;
- Multi-instrumentos – em que se combinam distintos instrumentos,
porém, sem caracterizar um processo de retroalimentação;
- Cíclica/continuada – uma aplicação de distintos instrumentos
combinados e em cadeia de retroalimentação, com elevada
participação crítica dos sujeitos, inclusive provendo questões a serem
respondidas pelo processo de pesquisa, também caracterizando o
envolvimento colaborativo na dinâmica ou redelineamento
metodológico.
28. Escala - Local/dirigida – por permitir classificar os grupos de sujeitos de risco por uma
característica comum, seja enquanto delimitação de certo grupo social
(trabalhadores, indígenas ou imigrantes), seja pura e simplesmente um grupo de
determinada comunidade ou bairro;
- Ampliada – que corresponde a uma escala superior em termos geográficos,
podendo ser uma cidade/metrópole, uma bacia hidrográfica, uma bio-região (ex.:
bioma Mata Atlântica), estado/província ou país. Está escala, tem como
consideração de base o diferenciamento com relação à categoria local/dirigida,
na qual a intervenção se procede diretamente com os sujeitos. Na escala
ampliada a intervenção pode ser feita com representantes dos sujeitos dispersos
no território, também estando presentes gestores públicos, especialistas e
outros atores sociais inerentes à gestão do território;
- Multinivel – que combina as escalas local/dirigida e ampliada, sua
estruturação pode ser, por exemplo, de baixo para cima (bottom up) em que
processos de empoderamento de base comunitária se desenvolvem e passam a
interferir nos mecanismos de gestão do território.
29. Funcionalidade - Diagnóstico – o processo colaborativo envolvendo sujeitos ocorre para a
identificação, reconhecimento ou explicação sobre um determinado
problema, sob um exercício interdisciplinar e participativo, gerando
benefícios diretos para ambos os participantes;
- Resolução de um problema – Além de diagnosticar, o processo
participativo se dirige ao equacionamento, à busca colaborativa de
soluções. Evidentemente, essa situação tem como pré-requisito o
diagnóstico;
- Incertezas/fenômenos emergentes – constitui-se em avanços para
além do diagnóstico e das possíveis soluções para um problema,
explorando, por meio de cenários prospectivos, por exemplo,
possibilidades de fenômenos ou riscos pouco conhecidos. É
correspondente à aplicação do princípio de precaução, sendo pertinente
com uma proposta de governança.
30. Aplicação do diagrama de ciência pós-normal sobre a
classificação de artigos selecionados em revisão
sistemática
31. Referências
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