3. 13
O Edifício Sampaio Moreira, de 1924, projetado pelos
arquitetos Cristiano Stockler e Samuel das Neves, ficou
conhecido como o primeiro arranha-céu de São Paulo.
Foi com uma imagem deste edifício que a comunidade
Prédios de São Paulo ilustrou sua primeira postagem no
Facebook, no dia 13 de agosto de 2014. Assim como
o edifício em questão inaugurou novos caminhos na
construção da cidade de São Paulo, o Prédios de São
Paulo incutiu no âmbito das curtidas e compartilha-
mentos, com um olhar fresco e despretensioso, um
novo interesse a esta cidade que nunca dorme. Num
avesso “nemo propheta in patria”, o italiano Matteo Ga-
vazzi, criador da página, passou a dividir diariamente
através de suas postagens as pequenas descobertas
que fazia em suas caminhadas pelo centro da cidade
que se deixava revelar. Surpreendentemente, perce-
bemos através do olhar curioso do estrangeiro que a
cidade é igualmente ou mais desconhecida para os
próprios nativos desta erroneamente intitulada selva
de pedra. Estes passam ligeiro todos os dias, alheios
aos cenários que agora invadem timidamente a tela
do celular onde seus olhos por vezes se encontram
fixados. É essa tela que Prédios de São Paulo vai povo-
ar de imagens que, como uma boa música a tocar lá
fora, nos despertam do que estamos (ou não estamos)
fazendo, alheios a esse entorno construído. Num uni-
verso onde as imagens costumam dissimular a realida-
de do sujeito fotografado, a excelência das fotografias
publicadas neste projeto é diretamente proporcional
à qualidade da Arquitetura que elas retratam. Seme-
lhante a um agente infiltrado, ao mesmo tempo em
que transforma o Facebook num lugar muito mais in-
teressante, a página nos convida a sair dele e vivenciar
a cidade real que nos passa despercebida. Como ar-
quiteto, fico imensamente feliz em descobrir através
desse projeto que todas as qualidades do centro da
cidade de São Paulo, centro que encantou o fundador
da página e por consequência seus seguidores, são re-
conhecidas por tanta gente. Às suas largas avenidas,
aos térreos dos prédios abertos diretamente para as
calçadas, às praças e aos eixos entre elas somam-se
edifícios – que não são poucos – de qualidade excep-
“A RAZÃO DA CIDADE É PODERMOS
CONVERSAR. SE VOCÊ DÁ CHANCE DE AS
PESSOAS SE ENCONTRAREM PARA FALAR,
EIS O MOVIMENTO.”
PAULO MENDES DA ROCHA
PREFÁCIO ANDRÉ SCARPA
ABRA A JANELA
4. 15
prediosdesaopaulo.com – e agora para as páginas que
se seguem a este prefácio. Mais do que um livro de
arquitetura, esta publicação é o resultado de uma ma-
nifestação muito maior que comprova que está aceso
o interesse por esta cidade. Comprova também que
ela tem muito mais espaços de qualidade do que se
imagina, e as pessoas sabem reconhecer isso. Convi-
do-vos a abrir as janelas, olhar para fora e reencontrar
essa música que toca numa São Paulo apaixonante
e muito mais acessível do que poderíamos imaginar.
Desejo que este não seja um livro único, e sim o pri-
meiro volume de uma vasta coleção que continuará a
nos emocionar positivamente com esta cidade, com a
certeza de que ela esconde muito mais boas surpresas
além do cruzamento da Ipiranga com a Av. São João.
André Scarpa é arquiteto e entusiasta da fotografia. For-
mou-se na Faculdade de Arquitectura da Universidade do
Porto, colaborou com António Madureira e Álvaro Siza, e
atualmente é sócio no escritório Nitsche Arquitetos. Em seu
perfil no Instagram (@scarpa_andre), procura retratar exclu-
sivamente arquitetura que lhe desperta interesse, e muitas
vezes estão presentes os prédios de São Paulo.
ensina à incorporação imobiliária que mais importan-
te que a quantidade de metros quadrados é a qualida-
de desses metros. Não podemos esperar que a cidade
se transforme sozinha, pois nós somos seus elementos
transformadores, e todos os fatores responsáveis pela
sua construção têm de responder aos nossos reais in-
teresses. O que torna este projeto tão interessante é o
fato de ele não ser algo fechado em si mesmo com um
fim óbvio. Trata-se de uma rede aberta para constan-
te e produtiva discussão, oferecendo a possibilidade
de muitas formas de leitura e abrindo caminhos para
novas descobertas. Nesta jornada onde o importan-
te não é aonde se quer chegar, mas sim aproveitar o
passeio, foram se juntando amigos que se reconhece-
ram pelos mesmos interesses e afinidades. É a prova
de que as redes sociais ainda têm motivo de serem
assim chamadas. A viagem ganhou mais pontos de
parada, os edifícios ganharam mais olhares atentos.
Juntaram-se Milena Leonel e Emiliano Hagge, os auto-
res das belíssimas imagens que nos ajudam a redesco-
brir São Paulo. Esta aventura descomprometida, e por
isso mesmo instigante, ganhou em menos de nove
meses mais de 11 mil seguidores. Mais seguidores que
os de páginas de escritórios de arquitetura brasileiros
renomados. Transbordou para uma página na web –
cional. Tão dignos de reconhecimento quanto exem-
plares amplamente ovacionados como o Copan, de
Oscar Niemeyer, ou o MASP, de Lina Bo Bardi, esses
edifícios integram um catálogo arquitetônico vasto e
em crescimento, não resumido apenas ao centro. En-
contram-se exemplares por toda a cidade, e sua cons-
trução não se limita a épocas específicas. Tão grande
quanto a qualidade desses espaços é a importância de
saber identificá-la. E todo o reconhecimento que este
projeto vem tendo prova que a Arquitetura não está
tão longe do entendimento do público, como mui-
tos pensam. As pessoas interagem com Arquitetura o
tempo todo. Todos, arquitetos ou não, temos algo a di-
zer sobre os espaços do nosso cotidiano: se gostamos
da luz que bate numa sala no fim da tarde, se achamos
difícil atravessar um corredor tortuoso, se o acesso a
um edifício é claro pela posição em que as portas se
encontram. Qualquer ambiente construído à nossa
volta nos diz respeito, e o sucesso de Prédios de São
Paulo reaviva a esperança de que é importante não só
preservar, mas aprender com o que foi feito, analisar,
reutilizar, para assim construir mais e mais espaços
de qualidade. Esta iniciativa nos incita a sermos mais
flâneurs nos passeios pelo centro da cidade, e menos
gourmets em varandas de condomínios fechados. E
Nara Rosetto é arquiteta, artista e idealizadora do projeto
Janelas de SP - janelasdesp.tumblr.com - e gentilmente criou
exclusivamente para este livro a janela do Sampaio Moreira.
5. 17
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Predinhos da Hípica
Copan
Paquita
Eiffel
Lausanne
Cícero Prado
Conjunto Nacional
Cinderela
Guaporé
Viadutos
Paulicéia
MASP
Bretagne
Louvre
Domus
Germaine Burchard
Trussardi
Prudência
Louveira
Tribunal de Justiça
Palacete Chavantes
Esther
Hygienópolis
Mina Klabin
Altino Arantes
Conde Matarazzo
Palacete São Paulo
Sampaio Moreira
Martinelli
Palacete Riachuelo
Rolim
Augusto Gazeau
Guinle
CCBB
Simpatia
Corujas
João Moura
Maison de Mouette
Jaraguá
Camboriu
Guaimbê
Abaeté
CRONOLOGIA
6. 19
FOTOS MILENA LEONEL TEXTO ANA CLARA QUEIROZ
CENTRO CULTURAL
BANCO DO BRASIL
O CCBB é um dos grandes representantes da arquite-
tura do início do século passado. Em 1923, os aspec-
tos originais de sua arquitetura foram restaurados.
Coube ao arquiteto Hyppolito Gustavo Pujol Jr. que
tais ações fossem conduzidas para abrigar a nova
sede do Banco do Brasil no centro da cidade, sendo
a primeira de propriedade integral da instituição.
Durante os estudos que precederam a readaptação
do edifício em 2001, dúvidas quanto a sua fachada
surgiram. Segundo documentos do Banco do Brasil,
Pujol deveria, em sua readaptação em 1923, preser-
var o aspecto das paredes externas do prédio. Contu-
do, vários elementos presentes na fachada do CCBB
são encontrados em outras obras de Pujol. Segundo
o arquiteto Luiz Telles, responsável pela segunda re-
adaptação do edifício, o brasão do Banco do Brasil
está em perfeita sintonia com os demais elementos
da fachada, o que seria difícil de ocorrer se este ti-
vesse sido instalado décadas depois da construção
do edifício. Isso nos leva a crer que a fachada deve
A RIQUEZA NOS DETALHES
8. 23
ter sido da autoria de Pujol. Luiz Telles teve o gran-
de desafio de conciliar a restauração e moderniza-
ção de uma agência bancária de quase um século
de idade com a presença de diversos elementos já
tombados. Esse trabalho magnífico hoje possibilita
que os visitantes estejam em contato com o passa-
do em um ambiente controlado, com climatização e
comunicação de dados de última geração. Podemos
dizer que as exposições no CCBB são obras de arte
expostas dentro de uma obra de arte. Logo na en-
trada, vê-se duas esculturas de deuses gregos: Mer-
cúrio e Vulcano, representando o poder do trabalho
e da realização material. Esses e outros elementos
são identificados por todo o local e fazem alusão a
aspectos financeiros e econômicos da época. Ao en-
trar ali, o visitante tem a clara sensação de riqueza,
expressa em cada detalhe visualizado no interior do
edifício. A decoração do interior é um mix de art nou-
veau com art déco, criando assim um espaço único e
majestoso. Os adornos e requintes decorativos eram
reservados apenas para o andar onde funcionava a
agência, onde antes havia uma claraboia que sepa-
rava o primeiro andar dos demais. Hoje, existe um
vão que democratizou o acesso a todo o edifício, e a
claraboia foi elevada e fixada no quarto andar. Quan-
to à diferenciação no tratamento dado aos andares,
a restauração manteve tais diretrizes e assim buscou
contar, através das diferenças, a história do edifício. A
expressão robusta é sutilizada com suas janelas am-
plas, presentes em todos os andares. Com mais de
4 mil m², o espaço conta com salas de exposições,
cinema, teatro, auditório, salas de vídeo, restaurante
e café. A localização do CCBB instiga o centro de São
Paulo a dialogar com a cultura atual, e nos faz repen-
sar a interação do novo com o antigo, a demolição
e a construção, ou a revitalização e a modernização.
D A D O S T É C N I C O S
Nome: Centro Cultural Banco do Brasil
Ano de construção: 1901
Projeto 1927: Readaptado por Hyppolito G. Pujol Jr.
Projeto 2001: Readaptado por LT Arquitetura
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112 - Centro
9. 75
MINA KLABIN
Projetado pelo grande arquiteto modernista Gregori
Warchavchik, esse edifício traz em suas linhas sóbrias
e construção robusta um estilo muito arrojado. Cons-
truído em 1939, seu aspecto nos parece mais novo
do que realmente é. Com apenas 5 andares e 2 apar-
tamentos por pavimento, sua sofisticação não é uma
constante para edifícios do mesmo porte. Situado na
Al. Barão de Limeira, 1003, foi recentemente refor-
mado pelos donos depois de permanecer degrada-
do por muitos anos. Antes chamado de Mina Klabin
em homenagem à esposa de Gregori Warchavchik,
hoje o prédio possui o nome de Barão de Limeira. O
arquiteto também projetou o Edifício Cícero Prado,
localizado no mesmo bairro. Warchavchik foi o reali-
zador do primeiro manifesto de arquitetura moderna
do Brasil, publicado em 1925, e construiu a primeira
casa modernista do Brasil, situada na rua Santa Cruz.
CINCO ANDARES DE PURO CHARME
FOTOS EMILIANO HAGGE TEXTO ANA CLARA QUEIROZ
10. 77
D A D O S T É C N I C O S
Nome: Edifício Mina Klabin
Ano de construção: 1939
Projeto: Gregori Warchavchik
Endereço: Rua Barão de Limeira, 1003 - Campos Elíseos
11. 89
FOTOS MILENA LEONEL TEXTO ANA CLARA QUEIROZ
GERMAINE
BURCHARD
Projetado por Enrico Brand e construído por Archi-
medes de Barros Pimentel, o edifício foi encomenda-
do pela condessa Germaine Bruchard na década de
30. A condessa costumava dar muito prejuízo para
os arquitetos que contratava, pois nunca pagava os
extraordinários dos prédios que encomendava. Isso
era comum na época, pois os edifícios eram enco-
mendados a preço fixo, o que dava ao dono da obra
a liberdade de pagar ou não os gastos adicionais. Foi
o primeiro flat da cidade e passou a abrigar os fazen-
deiros que vinham para São Paulo e não mais que-
riam ocupar os casarões caríssimos, e sim optar por
soluções luxuosas com valores reduzidos. Em 1941-
1942, ganhou o prêmio de edifício mais belo de São
Paulo. Nos anos 50 foi reformado por Vladimir Ven-
sann e Lucjan Korngold para abrigar o Hotel Alvear,
que foi um dos mais luxuosos da cidade. No começo
deste século, suas suítes de hotel foram transforma-
O PRIMEIRO FLAT DE SÃO PAULO
13. 93
das pelo arquiteto Pierre Mermelstein em pequenos
apartamentos residenciais. Pierre preservou a maio-
ria dos detalhes originais do prédio, mantendo em
seu retrofit a história e a essência desse lindo prédio.
Hoje em dia Pierre Mermelstein mantém seu escritó-
rio na cobertura do Edifício Germaine Burchard, e se
mostra sempre muito disponível (quando está por lá)
a acompanhar os visitantes, contando toda a história
do edifício e o conceito de seu retrofit.
D A D O S T É C N I C O S
Nome: Edifício Germaine Burchard
Ano de construção: 1942
Projeto: Enrico Brand
Construtora: Archimedes de Barros Pimentel
Endereço: Av. Cásper Líbero, 59 e 79 - Centro
14. 129
Localizado no bairro de Higienópolis, o Edifício Lau-
sanne parte de uma implantação paralela de um
grande volume retangular, tendo sua maior fachada
voltada para a Av. Higienópolis. Franz Heep em seu
projeto estabelece um diálogo entre o entorno e o
edifício. Sua implantação no terreno permitiu um
grande recuo frontal integrador. Nele encontram-se
acessos de veículos, rampas e escadas para pedes-
tres além de um grande jardim. A fachada principal
do edifício apresenta um aspecto interessante asso-
ciado às aberturas dos apartamentos. A organização
das esquadrias dá origem a uma miscelânea de for-
mas puras de várias cores, seus brises garantem uma
fachada mutante e dinâmica capaz de apresentar di-
versas combinações formais. É importante salientar
que as esquadrias, além de garantirem uma caracte-
rística dinâmica, também são consequência de uma
estratégia bioclimática que favorece as áreas de estar
e dormitórios. São 15 pavimentos e 30 unidades de
apartamentos com aproximadamente 178m² cada.
FOTOS EMILIANO HAGGE TEXTO MARIANA CAZAROLI
LAUSANNE
COLORIDO DINÂMICO
16. 133
D A D O S T É C N I C O S
Nome: Edifício Lausanne
Ano de construção: 1953 - 1958
Projeto: Adolf Franz Heep
Construtora: Construtora Auxiliar S/A
Endereço: Av. Higienópolis, 101 - Higienópolis
A planta conta com três dormitórios, e uma suíte.
Os ambientes sociais são amplos; o setor de serviço
contém cozinha, área de serviço e dependência de
empregada, todos beneficiados por vasta ilumina-
ção natural proporcionando praticidade e conforto.
O Lausanne é um exemplo de praticidade, utilidade
e beleza, as três leis vitruvianas para uma arquitetura
excelente. Integração formal em uma implantação
convidativa extensa, beleza dinâmica e muito racio-
nalismo.