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1

POR QUE TRABALHAR COM O QUESITO COR?
Fernanda Lopes
Considerações
1. O racismo no Brasil é um fenômeno complexo, cujas manifestações, embora não
institucionalizadas, são diferentes a cada tempo e lugar, logo é importante pensar o conceito de
raça1 como o recurso fundamental na organização dos princípios das sociedades.
2. A indesejabilidade da discriminação racial e até mesmo a punição de práticas discriminatórias
em termos da lei, corrobora para a elaboração de estratégias individuais e coletivas, menos
evidentes, de discriminação racial, como por exemplo o fato do branco brasileiro considerar o
outro como "irmão" permite-lhe estar de frente para suas especificidades ainda que não as veja
(o estranho comum).
3. O "racismo cordial" derivado das características supracitadas permite aos brasileiros (governo
e sociedade) justificar a situação das desigualdades raciais como um "problema do negro", como
se estas não fossem decorrentes de uma relação entre negros e brancos; como se as
desigualdades não estivessem relacionadas ao cotidiano; ou ainda como se fossem um legado
inerte, de um passado no qual os brancos parecem ter estado ausentes. Para Bento (1999) é
1

A idéia de "raça" não é universal, mas emerge de um ponto particular da história da Europa Ocidental,

isso demonstra que "raça" não é um fato biológico, mas uma construção social. Enquanto classificação,
"raça" é definida por grupo de pessoas conectadas por uma origem comum. Desde o início do século XIX
a palavra foi usada em vários outros sentidos. A diversidade física atrai a atenção das pessoas tão
prontamente que elas não percebem que a validade do conceito depende do seu emprego numa
explicação, isto é, a questão principal não é o que vem a ser "raça" mas o modo como o conceito é
empregado. Embora a designação de raça siga uma regra social e não de classificação biológica, o idioma
da raça é importante para medidas de combate à discriminação racial (em detrimento ao uso desejado do
termo etnia). Enquanto significante (expressão, som ou imagem cujos significados são viabilizados
somente por meio da aplicação de regras e códigos), "raça" apresenta um caráter mutável, que pode ser
diferentes coisas para diferentes pessoas, em diferentes lugares na história, por isso desafia as explicações
definitivas fora de contextos específicos. No uso popular a expressão "raça" perdeu seu status de algo
com características e traços estáveis. A questão dominante passou a ser o discurso. A "raça" então passa a
ser um modo de entender e interpretar as diversidades por meio de marcadores inteligíveis. Enquanto
significado "raça" pode ser traduzida por grupo de pessoas socialmente unificadas numa determinada
sociedade em virtude de marcadores físicos. Os rótulos raciais têm significado em razão do teor
específico ligado aos termos raciais numa determinada época e lugar. As raças sociais não são
subespécies geneticamente ligadas entre si. Na verdade os membros de diferentes raças sociais são, com
freqüência, parentes próximos uns dos outros em muitas sociedades multirraciais, em especial naquelas
com um histórico de escravidão (Cashmore, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo:
Summus, 2000).
2

como se a branquitude (conjunto de características que definem a identidade do branco) pudesse
ser caracterizada pelo reconhecimento da existência de uma carência negra sem, contudo,
existir a percepção do privilégio branco; como se ela (a branquitude) fosse uma guardiã
silenciosa de privilégios concretos e simbólicos inexoráveis e incontestáveis.
4. As vias pelas quais o social e o econômico influem sobre a saúde de uma população são, com
efeito, múltiplas e diferenciadas, segundo natureza das condições sócio-econômicas, tipo de
população e problemas de saúde enfrentados. No caso da população negra, o psicanalista Marco
Antonio Guimarães do Núcleo de Estudos em Psicossomática da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro afirma que o meio ambiente que exclui e nega o direito natural de
pertencimento coloca o negro brasileiro em condições de vulnerabilidade subjetiva dado que a
presença constante de um estado defensivo pode provocar comportamentos inadequados,
doenças psíquicas e psicossociais além das doenças físicas. Segundo Pinto e col.(2000) as
pessoas tornam-se impotentes diante de uma situação não explícita de discriminação. A
sensação de impotência é igual ou maior do que aquela vivida diante da agressão física, porque
as vítimas não encontram apoio para enfrentá-la.
5. A identificação racial pode ser opcional (de escolha) e contextual, depende da forma como a
informação é solicitada e da repercussão social e econômica (benefícios e prejuízos) que essa
categorização pode implicar. No Brasil, há uma divergência evidente na autoclassificação de
negros politicamente engajados e as bases não mobilizadas, deixando nítido a ideologia do
embranquecimento que marca significativamente o inconsciente e o imaginário coletivos logo, a
cor ou pertencimento racial que alguém se atribui é confirmada ou negada pelo olhar do outro,
podendo determinar uma dissonância entre o reconhecimento de si mesmo e o reconhecimento a
partir do olhar do outro (Munanga, 1986). A interferência do fator sócio-econômico também
contribui para que as pessoas mudem sua raça/cor: algumas pessoas, a medida que elevam seu
nível sócio-econômico tendem a relatar, com menos freqüência, que são pretas, podendo até se
apresentar enquanto pardas ou outras derivações semânticas (Berquó e col, 1986; Pinto, 1996);
em outras situações a negação da raça se acentua entre os negros pobres e entre os mestiços dos
diversos estratos sociais (Oliveira, 1999). Ainda assim, é essencial que a classificação seja
autodeclarada. A plasticidade de um conceito socialmente construído está na possibilidade dele
se (re)modelar cotidianamente seja no contato com seu interior ou com o interior do mundo.
Dessa propriedade é que derivam as conseqüências sobre a saúde que podem ser facilmente
percebidas enquanto deletérias ou não.
6. Baseados no princípio de equidade2 apresentado como um dos pilares do SUS, em termos
epidemiológicos, nos levantamentos referentes a agravos diversos e, sobretudo, naqueles que se

2

Por equidade entende-se superação das desigualdades que, em determinado contexto histórico e social,
são evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades diferenciadas da população sejam
3

referem às epidemias de HIV e aids é necessário saber qual é a verdadeira imagem dos/as
vulneráveis. Embora não existam dados do ministério da saúde sobre os números da aids por
raça/cor, a equipe de vigilância epidemiológica do PE de DST/AIDS – SES/SP (2001) aponta a
tendência crescente de aumento no número de negros matriculados e no percentual de óbitos
entre os negros, no período de 1980 a 2001, no CRT-DST/AIDS. Algumas pesquisas já
evidenciam o impacto das desigualdades raciais na era aids: Lopes e col (2002) destacam a
maior vulnerabilidade social e individual de mulheres negras vivendo com HIV/AIDS em São
Paulo; Luppi (2002) apresenta a cor como uma variável associada ao estado de soropositividade
para hiv em mulheres atendidas em um centro de testagem e aconselhamento de São Paulo;
Guimarães (2001) identifica a cor como o principal diferencial discriminatório para mulheres
que conviviam com hiv no Rio de Janeiro e eram atendidas nos hospitais universitários Pedro
Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Gaffré e Guinle da Universidade do Rio
de Janeiro. Batista (2002), calculando taxas de mortalidade por raça/cor em São Paulo, destaca
que, no caso da aids, os negros, especialmente os homens, são aqueles que apresentam as mais
elevadas taxas.
7. Em termos de direitos humanos3, o direito à saúde é uma das liberdades/potencialidades
fundamentais e sua promoção/efetivação é dependente e relacionada à promoção/efetivação de
outros direitos. Pensar programas e ações de saúde pública que respeitam esse princípio,
sobretudo no que diz respeito à realidade dos grupos sócio e economicamente destituídos, é
aumentar suas habilidades de proteção; é diminuir vulnerabilidade. Segundo Boaventura Souza
Santos (2000) nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as desigualdades são injustas.
O direito à diferença é, portanto, fundamental na superação das iniqüidades e efetivação da
igualdade.

Fernanda Lopes, Bióloga, doutoranda em epidemiologia pela Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS
(NEPAIDS/USP), pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), na
área de população e sociedade – projeto “A população negra brasileira frente a epidemia de
HIV/AIDS”. E-mail: lopesf@usp.br
atendidas por ações governamentais também diferenciadas (Whitehead M. The concepts and principles
of equity and health. Copenhagen, World Health Organization, 1990).
3

Por direitos humanos entende-se um sistema de valores éticos, hierarquicamente organizados de acordo
com o meio social, que tem como fonte e medida a dignidade do ser humano, aqui definida pela
concretização do valor supremo da justiça (Comparato FK. A afirmação histórica dos direitos
humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1-55).
4

Referências Bibliográficas
Batista LE. A epidemiologia e as relações raciais: o estudo da mortalidade. In: Livro de
Resumos do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. São Carlos:UFSCar, 2002.p.
49.
Bento MA. Institucionalização da luta anti-racismo e branquitude. In: Heringer H. (org) A cor
da desigualdade: desigualdades raciais no mercado de trabalho e ação afirmativa no
Brasil. Rio de Janeiro: IERÊ (Instituto de Estudos Raciais Étnicos), 1999. p 11-30.
Berquó E, Bercovichi AM e Garcia EM. Estudo da dinâmica demográfica da população negra
no Brasil. Textos NEPO 9. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1986.
Guimarães CD. Aids no feminino: por que a cada dia mais mulheres contraem aids no
Brasil? Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001a.
Lopes F, Buchalla CM; ECI Brazilian Team. Vulnerability, racism, symbolic violence and
women living with HIV/AIDS (WLWA), in Sao Paulo State, Brazil. In: XIV International
Conference Aids Full Text CDRom. 2002 jul 7-12; Barcelona, Espanha: Monduzzi Editore p.
274-278.
Luppi CG. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em mulheres atendidas em centro
de testagem e aconselhamento: um estudo caso-controle. São Paulo; 2002. [Tese de Doutorado
– Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo].
Munanga K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática Editora, 1986.
Oliveira I. Desigualdades raciais: construções da infância e da juventude. Niterói:
Intertexto, 1999b.
Pinto E, Boulos SR, Assis M. A saúde mental da população negra: uma breve reflexão a partir
da experiência com grupos de auto-ajuda. In: Werneck J, Mendonça M e White EC (orgs). O
Livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas,
2000. pp. 171-178.
Pinto RP. Classifying the brazilian population by color: underlying problems. In: Brazilian
issues on education, gender and race. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1996. p. 189-213.
Ruiz E, Tayra A, Jamal L, Santos N, Romera S. Cor/raça dos pacientes de HIV/AIDS do Centro
de Treinamento DST/AIDS São Paulo (CRT-DST/AIDS). Boletim Epidemiológico de AIDS
do PE-DST/AIDS Secretaria do Estado da Saúde. São Paulo. Ano XIX(2):6-19, outubro,
2001.
Santos BS. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Feldman BB e Capinha
(org). Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000b. pp.19-39.
Para saber mais sobre o assunto leia:
[IBGE] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores Sociais Mínimos. In: Censo
2000,
disponível
em
<URL:
http://
www.ibge.gov.br/ibge/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos> [2001 Jan
24].
[INSPIR] Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. Mapa da População Negra
no Mercado de Trabalho, disponível em <URL: http:// www. inspir.org.br> [2001 Jan 24].
5

[IPEA] Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. O perfil da discriminação no mercado
de trabalho: um recorte de raça e gênero, disponível em <URL:http:www.ipea.gov.br/pub
> [2001 Aug 28]
Barbosa MIS. Racismo e Saúde. São Paulo; 1998. [Tese de Doutorado - Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo].
Barbosa MIS.É mulher, mas é negra: perfil da mortalidade do "quarto de despejo". Jornal da
RedeSaúde 2001; 23(março):34-36.
Caillaux EL. Cor e mobilidade social no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos 1994; 26(set):53-66.
Camino L, Silva P, Machado A, Pereira C. A Face Oculta do Racismo: uma análise
psicossociológica. Revista Psicologia Política, 200, 1(1):13-36.
Chaves FM. Desigualdades, racismo e saúde pública: reflexões introdutórias. In: Anais da VII
Jornada Científica de Pós-Graduação da Fiocruz. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz,
2001. p.332.
Gomes RM. Negras subjetividades. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 2,
nº 4, maio de 2001. pp. 35-39.
Guimarães MA. Vulnerabilidade Subjetiva. In: Anais do Seminário “A Vulnerabilidade da
População Afro-brasileira à Epidemia de HIV/AIDS; 2001 dez 10-11; Rio de Janeiro, Brasil.
Heringer R. As faces e cores da desigualdade.
http://www.ibase.br/paginas/deb11.pdf > [2001, Ago28]

Disponível

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Lopes F e Buchalla CM. Situações de não efetivação de direitos humanos de mulheres negras e
não negras que convivem com HIV/AIDS. In: Anais do VII Congresso Paulista de Saúde
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Lopes F e Malachias R. Assumir a diferença para promover a igualdade: a importância do
quesito cor na investigação epidemiológica. Boletim Epidemiológico de AIDS do PEDST/AIDS Secretaria do Estado da Saúde. São Paulo. Ano XIX(2):3-5, outubro, 2001.
Disponível em URL: <http//:www.jbaids.com.br>
Lopes F, Buchalla CM e ECI Brazilian Team. Em busca da equidade: o quesito raça/cor nas
estatísticas de aids. In: Rev. Bras. Epidemiologia (supl. especial): 217, março, 2002.
Lopes F, Latorre MRDO, Pignatari ACC e Buchalla CM. Prevalência de HIV, HPV e Sífilis na
Penitenciária Feminina da Capital. São Paulo. Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 17(6):14731480, nov-dez,2001
Lopes F. A saúde em busca de um novo paradigma na perspectiva afro-descendente pela
equalização das diferenças e dos diferentes. In: Livro de Resumos do II Congresso Brasileiro
de Pesquisadores Negros. São Carlos:UFSCar, 2002.p. 48.
Martins AL, Tanaka ACD. Mulheres negras e mortalidade no Estado do Paraná, Brasil, de 1993
a 1998. Revista Brasileira Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2000 10(1):27-38.
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RB.
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raciais
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<httpwww.ipea.gov.Br/pub/Desigualdades_raciais.ppt>

Brasil.Disponível

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6

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In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 2, nº 4, maio de 2001. pp. 24-29.
Oliveira F. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva: mulheres negras. In: Giffin K. (org)
Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. pp. 419-438.
Oliveira M. Sobre a saúde da população negra brasileira. In: Perspectivas em saúde e direitos
reprodutivos. Ano 2, nº 4, maio de 2001. pp. 8-11.
Paixão M. Brasil: retrato em branco e preto. Democracia Viva, 2002 13(março-junho):84-87.
Perpétuo, I.H.O. Raça e Acesso às Ações Prioritárias na Agenda de Saúde Reprodutiva. Jornal
da RedeSaúde 2000, 22(novembro).
Petry S. Até na hora no parto negra é discriminada. Folha de São Paulo On Line, Cotidiano,
26/05/2002.
Pinto E. Souzas R. A mortalidade materna e a questão raça/etnia: importância da lei do quesito
cor no sistema de saúde. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 3, nº 5, maio
de 2002. pp. 28-30.
Santos BS. A construção multicultural da igualdade e da diferença. VII Congresso
Brasileiro de Sociologia; 1995 set 4-6; Rio de Janeiro, Brasil.

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Por que trabalhar com o quesito cor

  • 1. 1 POR QUE TRABALHAR COM O QUESITO COR? Fernanda Lopes Considerações 1. O racismo no Brasil é um fenômeno complexo, cujas manifestações, embora não institucionalizadas, são diferentes a cada tempo e lugar, logo é importante pensar o conceito de raça1 como o recurso fundamental na organização dos princípios das sociedades. 2. A indesejabilidade da discriminação racial e até mesmo a punição de práticas discriminatórias em termos da lei, corrobora para a elaboração de estratégias individuais e coletivas, menos evidentes, de discriminação racial, como por exemplo o fato do branco brasileiro considerar o outro como "irmão" permite-lhe estar de frente para suas especificidades ainda que não as veja (o estranho comum). 3. O "racismo cordial" derivado das características supracitadas permite aos brasileiros (governo e sociedade) justificar a situação das desigualdades raciais como um "problema do negro", como se estas não fossem decorrentes de uma relação entre negros e brancos; como se as desigualdades não estivessem relacionadas ao cotidiano; ou ainda como se fossem um legado inerte, de um passado no qual os brancos parecem ter estado ausentes. Para Bento (1999) é 1 A idéia de "raça" não é universal, mas emerge de um ponto particular da história da Europa Ocidental, isso demonstra que "raça" não é um fato biológico, mas uma construção social. Enquanto classificação, "raça" é definida por grupo de pessoas conectadas por uma origem comum. Desde o início do século XIX a palavra foi usada em vários outros sentidos. A diversidade física atrai a atenção das pessoas tão prontamente que elas não percebem que a validade do conceito depende do seu emprego numa explicação, isto é, a questão principal não é o que vem a ser "raça" mas o modo como o conceito é empregado. Embora a designação de raça siga uma regra social e não de classificação biológica, o idioma da raça é importante para medidas de combate à discriminação racial (em detrimento ao uso desejado do termo etnia). Enquanto significante (expressão, som ou imagem cujos significados são viabilizados somente por meio da aplicação de regras e códigos), "raça" apresenta um caráter mutável, que pode ser diferentes coisas para diferentes pessoas, em diferentes lugares na história, por isso desafia as explicações definitivas fora de contextos específicos. No uso popular a expressão "raça" perdeu seu status de algo com características e traços estáveis. A questão dominante passou a ser o discurso. A "raça" então passa a ser um modo de entender e interpretar as diversidades por meio de marcadores inteligíveis. Enquanto significado "raça" pode ser traduzida por grupo de pessoas socialmente unificadas numa determinada sociedade em virtude de marcadores físicos. Os rótulos raciais têm significado em razão do teor específico ligado aos termos raciais numa determinada época e lugar. As raças sociais não são subespécies geneticamente ligadas entre si. Na verdade os membros de diferentes raças sociais são, com freqüência, parentes próximos uns dos outros em muitas sociedades multirraciais, em especial naquelas com um histórico de escravidão (Cashmore, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000).
  • 2. 2 como se a branquitude (conjunto de características que definem a identidade do branco) pudesse ser caracterizada pelo reconhecimento da existência de uma carência negra sem, contudo, existir a percepção do privilégio branco; como se ela (a branquitude) fosse uma guardiã silenciosa de privilégios concretos e simbólicos inexoráveis e incontestáveis. 4. As vias pelas quais o social e o econômico influem sobre a saúde de uma população são, com efeito, múltiplas e diferenciadas, segundo natureza das condições sócio-econômicas, tipo de população e problemas de saúde enfrentados. No caso da população negra, o psicanalista Marco Antonio Guimarães do Núcleo de Estudos em Psicossomática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro afirma que o meio ambiente que exclui e nega o direito natural de pertencimento coloca o negro brasileiro em condições de vulnerabilidade subjetiva dado que a presença constante de um estado defensivo pode provocar comportamentos inadequados, doenças psíquicas e psicossociais além das doenças físicas. Segundo Pinto e col.(2000) as pessoas tornam-se impotentes diante de uma situação não explícita de discriminação. A sensação de impotência é igual ou maior do que aquela vivida diante da agressão física, porque as vítimas não encontram apoio para enfrentá-la. 5. A identificação racial pode ser opcional (de escolha) e contextual, depende da forma como a informação é solicitada e da repercussão social e econômica (benefícios e prejuízos) que essa categorização pode implicar. No Brasil, há uma divergência evidente na autoclassificação de negros politicamente engajados e as bases não mobilizadas, deixando nítido a ideologia do embranquecimento que marca significativamente o inconsciente e o imaginário coletivos logo, a cor ou pertencimento racial que alguém se atribui é confirmada ou negada pelo olhar do outro, podendo determinar uma dissonância entre o reconhecimento de si mesmo e o reconhecimento a partir do olhar do outro (Munanga, 1986). A interferência do fator sócio-econômico também contribui para que as pessoas mudem sua raça/cor: algumas pessoas, a medida que elevam seu nível sócio-econômico tendem a relatar, com menos freqüência, que são pretas, podendo até se apresentar enquanto pardas ou outras derivações semânticas (Berquó e col, 1986; Pinto, 1996); em outras situações a negação da raça se acentua entre os negros pobres e entre os mestiços dos diversos estratos sociais (Oliveira, 1999). Ainda assim, é essencial que a classificação seja autodeclarada. A plasticidade de um conceito socialmente construído está na possibilidade dele se (re)modelar cotidianamente seja no contato com seu interior ou com o interior do mundo. Dessa propriedade é que derivam as conseqüências sobre a saúde que podem ser facilmente percebidas enquanto deletérias ou não. 6. Baseados no princípio de equidade2 apresentado como um dos pilares do SUS, em termos epidemiológicos, nos levantamentos referentes a agravos diversos e, sobretudo, naqueles que se 2 Por equidade entende-se superação das desigualdades que, em determinado contexto histórico e social, são evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades diferenciadas da população sejam
  • 3. 3 referem às epidemias de HIV e aids é necessário saber qual é a verdadeira imagem dos/as vulneráveis. Embora não existam dados do ministério da saúde sobre os números da aids por raça/cor, a equipe de vigilância epidemiológica do PE de DST/AIDS – SES/SP (2001) aponta a tendência crescente de aumento no número de negros matriculados e no percentual de óbitos entre os negros, no período de 1980 a 2001, no CRT-DST/AIDS. Algumas pesquisas já evidenciam o impacto das desigualdades raciais na era aids: Lopes e col (2002) destacam a maior vulnerabilidade social e individual de mulheres negras vivendo com HIV/AIDS em São Paulo; Luppi (2002) apresenta a cor como uma variável associada ao estado de soropositividade para hiv em mulheres atendidas em um centro de testagem e aconselhamento de São Paulo; Guimarães (2001) identifica a cor como o principal diferencial discriminatório para mulheres que conviviam com hiv no Rio de Janeiro e eram atendidas nos hospitais universitários Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Gaffré e Guinle da Universidade do Rio de Janeiro. Batista (2002), calculando taxas de mortalidade por raça/cor em São Paulo, destaca que, no caso da aids, os negros, especialmente os homens, são aqueles que apresentam as mais elevadas taxas. 7. Em termos de direitos humanos3, o direito à saúde é uma das liberdades/potencialidades fundamentais e sua promoção/efetivação é dependente e relacionada à promoção/efetivação de outros direitos. Pensar programas e ações de saúde pública que respeitam esse princípio, sobretudo no que diz respeito à realidade dos grupos sócio e economicamente destituídos, é aumentar suas habilidades de proteção; é diminuir vulnerabilidade. Segundo Boaventura Souza Santos (2000) nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as desigualdades são injustas. O direito à diferença é, portanto, fundamental na superação das iniqüidades e efetivação da igualdade. Fernanda Lopes, Bióloga, doutoranda em epidemiologia pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS (NEPAIDS/USP), pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), na área de população e sociedade – projeto “A população negra brasileira frente a epidemia de HIV/AIDS”. E-mail: lopesf@usp.br atendidas por ações governamentais também diferenciadas (Whitehead M. The concepts and principles of equity and health. Copenhagen, World Health Organization, 1990). 3 Por direitos humanos entende-se um sistema de valores éticos, hierarquicamente organizados de acordo com o meio social, que tem como fonte e medida a dignidade do ser humano, aqui definida pela concretização do valor supremo da justiça (Comparato FK. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1-55).
  • 4. 4 Referências Bibliográficas Batista LE. A epidemiologia e as relações raciais: o estudo da mortalidade. In: Livro de Resumos do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. São Carlos:UFSCar, 2002.p. 49. Bento MA. Institucionalização da luta anti-racismo e branquitude. In: Heringer H. (org) A cor da desigualdade: desigualdades raciais no mercado de trabalho e ação afirmativa no Brasil. Rio de Janeiro: IERÊ (Instituto de Estudos Raciais Étnicos), 1999. p 11-30. Berquó E, Bercovichi AM e Garcia EM. Estudo da dinâmica demográfica da população negra no Brasil. Textos NEPO 9. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1986. Guimarães CD. Aids no feminino: por que a cada dia mais mulheres contraem aids no Brasil? Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001a. Lopes F, Buchalla CM; ECI Brazilian Team. Vulnerability, racism, symbolic violence and women living with HIV/AIDS (WLWA), in Sao Paulo State, Brazil. In: XIV International Conference Aids Full Text CDRom. 2002 jul 7-12; Barcelona, Espanha: Monduzzi Editore p. 274-278. Luppi CG. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em mulheres atendidas em centro de testagem e aconselhamento: um estudo caso-controle. São Paulo; 2002. [Tese de Doutorado – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo]. Munanga K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática Editora, 1986. Oliveira I. Desigualdades raciais: construções da infância e da juventude. Niterói: Intertexto, 1999b. Pinto E, Boulos SR, Assis M. A saúde mental da população negra: uma breve reflexão a partir da experiência com grupos de auto-ajuda. In: Werneck J, Mendonça M e White EC (orgs). O Livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. pp. 171-178. Pinto RP. Classifying the brazilian population by color: underlying problems. In: Brazilian issues on education, gender and race. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1996. p. 189-213. Ruiz E, Tayra A, Jamal L, Santos N, Romera S. Cor/raça dos pacientes de HIV/AIDS do Centro de Treinamento DST/AIDS São Paulo (CRT-DST/AIDS). Boletim Epidemiológico de AIDS do PE-DST/AIDS Secretaria do Estado da Saúde. São Paulo. Ano XIX(2):6-19, outubro, 2001. Santos BS. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Feldman BB e Capinha (org). Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000b. pp.19-39. Para saber mais sobre o assunto leia: [IBGE] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores Sociais Mínimos. In: Censo 2000, disponível em <URL: http:// www.ibge.gov.br/ibge/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos> [2001 Jan 24]. [INSPIR] Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, disponível em <URL: http:// www. inspir.org.br> [2001 Jan 24].
  • 5. 5 [IPEA] Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. O perfil da discriminação no mercado de trabalho: um recorte de raça e gênero, disponível em <URL:http:www.ipea.gov.br/pub > [2001 Aug 28] Barbosa MIS. Racismo e Saúde. São Paulo; 1998. [Tese de Doutorado - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo]. Barbosa MIS.É mulher, mas é negra: perfil da mortalidade do "quarto de despejo". Jornal da RedeSaúde 2001; 23(março):34-36. Caillaux EL. Cor e mobilidade social no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos 1994; 26(set):53-66. Camino L, Silva P, Machado A, Pereira C. A Face Oculta do Racismo: uma análise psicossociológica. Revista Psicologia Política, 200, 1(1):13-36. Chaves FM. Desigualdades, racismo e saúde pública: reflexões introdutórias. In: Anais da VII Jornada Científica de Pós-Graduação da Fiocruz. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2001. p.332. Gomes RM. Negras subjetividades. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 2, nº 4, maio de 2001. pp. 35-39. Guimarães MA. Vulnerabilidade Subjetiva. In: Anais do Seminário “A Vulnerabilidade da População Afro-brasileira à Epidemia de HIV/AIDS; 2001 dez 10-11; Rio de Janeiro, Brasil. Heringer R. As faces e cores da desigualdade. http://www.ibase.br/paginas/deb11.pdf > [2001, Ago28] Disponível em < URL: Lopes F e Buchalla CM. Situações de não efetivação de direitos humanos de mulheres negras e não negras que convivem com HIV/AIDS. In: Anais do VII Congresso Paulista de Saúde Pública e Democracia. São Paulo: APSP, 2001. p. 180. Lopes F e Malachias R. Assumir a diferença para promover a igualdade: a importância do quesito cor na investigação epidemiológica. Boletim Epidemiológico de AIDS do PEDST/AIDS Secretaria do Estado da Saúde. São Paulo. Ano XIX(2):3-5, outubro, 2001. Disponível em URL: <http//:www.jbaids.com.br> Lopes F, Buchalla CM e ECI Brazilian Team. Em busca da equidade: o quesito raça/cor nas estatísticas de aids. In: Rev. Bras. Epidemiologia (supl. especial): 217, março, 2002. Lopes F, Latorre MRDO, Pignatari ACC e Buchalla CM. Prevalência de HIV, HPV e Sífilis na Penitenciária Feminina da Capital. São Paulo. Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 17(6):14731480, nov-dez,2001 Lopes F. A saúde em busca de um novo paradigma na perspectiva afro-descendente pela equalização das diferenças e dos diferentes. In: Livro de Resumos do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. São Carlos:UFSCar, 2002.p. 48. Martins AL, Tanaka ACD. Mulheres negras e mortalidade no Estado do Paraná, Brasil, de 1993 a 1998. Revista Brasileira Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2000 10(1):27-38. Martins RB. Desigualdades raciais no <httpwww.ipea.gov.Br/pub/Desigualdades_raciais.ppt> Brasil.Disponível em URL:
  • 6. 6 Oliveira F. Atenção adequada à saúde e ética na ciência: ferramentas de combate ao racismo. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 2, nº 4, maio de 2001. pp. 24-29. Oliveira F. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva: mulheres negras. In: Giffin K. (org) Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. pp. 419-438. Oliveira M. Sobre a saúde da população negra brasileira. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 2, nº 4, maio de 2001. pp. 8-11. Paixão M. Brasil: retrato em branco e preto. Democracia Viva, 2002 13(março-junho):84-87. Perpétuo, I.H.O. Raça e Acesso às Ações Prioritárias na Agenda de Saúde Reprodutiva. Jornal da RedeSaúde 2000, 22(novembro). Petry S. Até na hora no parto negra é discriminada. Folha de São Paulo On Line, Cotidiano, 26/05/2002. Pinto E. Souzas R. A mortalidade materna e a questão raça/etnia: importância da lei do quesito cor no sistema de saúde. In: Perspectivas em saúde e direitos reprodutivos. Ano 3, nº 5, maio de 2002. pp. 28-30. Santos BS. A construção multicultural da igualdade e da diferença. VII Congresso Brasileiro de Sociologia; 1995 set 4-6; Rio de Janeiro, Brasil.