1) O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) inspecionou quase 30 mil obras no Rio de Janeiro no ano passado e encontrou erros em cerca de 5 mil delas, um aumento de 26% em relação ao ano anterior.
2) No entanto, nenhum engenheiro teve seu registro cassado ou suspenso a despeito do grande número de erros encontrados.
3) Alguns criticam o Crea por falta de punição dura a responsáveis por erros graves em obras, o que pode contribuir para o agravamento dos
1. h
Sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012 OPINIÃO • 7
O GLOBO
Grande
chance na LUIZ GARCIA
Rio+20 Falar e ouvir
O
SUZANA KAHN RIBEIRO E WALTER jornal de domingo identificou ros responsáveis. Ou alguém conhece não basta. Um deles, Canagé Vilhena,
FIGUEIREDO DE SIMONI
um possível responsável — en- uma forma mais eficaz de impedir que reclama contra a inexistência de puni-
E
tre, com certeza, uns tantos ou- uma situação de perigo venha a se tor- ções em alguns casos, como acidentes
stamos em um momento im-
portante de redefinição dos ru- tros, desconhecidos ou sim- nar mais perigosa? O presidente do nos bondinhos de Santa Teresa, no ano
mos da economia global. A cri- plesmente não citados — por acidentes Crea, Agostinho Guerreiro, afirma que o passado, que causaram seis mortes.
se dos mercados financeiros, a aparentemente espontâneos em prédi- órgão está, como ele diz, apertando o Os atuais dirigentes do Crea afirmam
vulnerabilidade da economia de di- os do Rio de Janeiro. Seria ele o Conse- cerco desde 2006 — e, graças a isso, “os que, mesmo não sendo legalmente obri-
versos países e uma série de proble-
mas ambientais indicam uma realida- lho Regional de Engenharia e Agrono- profissionais estão mais conscientes”. gados a isso, cumprem o que definem,
de clara: existe um problema com o mia. Pode ser. O arquiteto Canagé Vilhena, corretamente, como um dever ético: in-
atual modelo de desenvolvimento. É uma autarquia federal que inspecio- que já presidiu o Crea, acusa o conselho formar à prefeitura e ao Ministério Pú-
Esta constatação não é nova, mas ho- na construções. No ano passado, os fis- de falta de energia na investigação de blico nos níveis estadual e federal so-
je temos uma confluência de fatores
que apontam para a consolidação de
cais do Crea visitaram quase 30 mil uma série de acidentes. O que contri- bre qualquer irregularidade que desco-
novos caminhos para o desenvolvi- obras no estado e descobriram erros, buiria para agravar o problema. Os nú- brem. Mas os dois órgãos públicos ne-
mento. de diferentes níveis de gravidade, em meros alimentam a discussão: no ano gam que recebam essas notificações.
A teoria econômica tem como obje- perto de cinco mil deles. Ninguém pre- passado, por exemplo,os fiscais visita- Pelo visto e pelo dito — e tendo como
tivo definir a alocação de recursos fi- cisa ser engenheiro para concluir que é
nitos dentro da nossa sociedade. A
ram quase 30 mil obras no estado, e princípio que em nenhuma das institui-
escassez, como conceito central de erro que não acaba mais. Pior, foi um descobriram coisas erradas em perto ções envolvidas existe má-fé ou incom-
toda a teoria econômica de Smith a crescimento de 26% em relação ao ano de cinco mil delas. Mas nenhum enge- petência em nível alarmante — há na
Keynes, é fundamental para o debate anterior. Ou seja, um problema grave nheiro teve seu registro cassado ou área um sério problema de comunica-
dos novos rumos da economia glo- que está ficando cada dia mais sério. suspenso. ção e informação. O qual tem o Rio co-
bal. Esta economia visando a um
crescimento infinito opera dentro de No entanto, isso não provocou o que O Crea prefere limitar os castigos a mo maior vítima. Parece ser urgente al-
um sistema que não precifica corre- seria óbvio: um aumento equivalente advertências reservadas. Alguns arqui- guma iniciativa que leve uns a falarem
tamente suas escassezes. Quando as no número de punições dos engenhei- tetos afirmam publicamente que isso mais alto e outros a ouvirem melhor.
fundações da economia tradicional
foram criadas, não existia uma per-
cepção clara dos limites dos nossos
A hipocrisia dos “sudestinos” Tesouros em
ecossistemas. Na era da economia de
Adam Smith e David Ricardo, as limi-
tações vistas eram mais tangíveis e
óbvias, relacionadas ao consumo de
minerais, terra fértil, madeira e ou- Cavalcante
desperdício
tros recursos naturais. Hoje, porém, GLAUCIO SOARES
pressões criadas pelo nosso modelo LÚCIA MOTTA E MARCELO CHIMENTO
R
de consumo se tornam cada vez mais eunir governadores, políticos,
I
evidentes, trazendo à tona realida- polícias e pesquisadores do magine que você tem um bilhete pre-
des não reconhecidas no século XVI- Sudeste pode ser o primeiro miado na Mega-Sena e esquece de
II. A ciência evoluiu para melhor en- passo para a formação de uma retirar o valor. Parece estranho, mas
tender as pressões humanas nos sis- identidade regional. O crime não é os jornais noticiaram recentemente
temas naturais e seus limites, mas a mais um fenômeno estritamente es- que, em 2010, R$ 169 milhões foram es-
teoria econômica, os mercados finan- tadual: se regionaliza e se nacionali- quecidos por ganhadores de prêmios
ceiros e até mesmo a nossa própria za. Além dos seus objetivos imedia- em loterias federais. Ainda mais sur-
percepção ainda não acompanharam tos na luta contra o crime e a violên- preendente é que, no mundo da inova-
tal evolução. cia, também pode ser um passo es- ção, aconteça algo comparável: muitos
Hoje, estamos às vésperas da reali- tratégico na política brasileira a fim brasileiros produzem soluções inovado-
zação da Rio+20, 40 anos após a pri- de defender os interesses da região. ras que poderiam ser licenciadas e ren-
meira conferência de meio ambiente Na trama complexa da política regio- der milhões, mas perdem esta chance
de Estocolmo. Esta é uma reunião nal, o Sudeste e o Centro-Oeste lutam porque não pediram a patente.
que possui um potencial de mudança contra uma ausência de identidade Ninguém duvida do potencial da ci-
global, pois podemos ver sinais de regional. Não há sudestinos... É cada ência brasileira, mas não faltam
uma verdadeira integração de objeti- estado por si e ninguém por todos. E exemplos para mostrar que nem sem-
vos ambientais e sociais no processo contribui para a debilidade de cada pre o conhecimento nacional se
de tomada de decisão tanto nas esfe- estado. Vejam o comportamento de transforma em riqueza para o país.
ras públicas quanto privadas. Pode- tantos políticos de outros estados Um caso clássico é o do captopril,
se dizer que a Rio+20 não será uma em relação ao pré-sal. medicamento anti-hipertensivo de-
reunião sobre o meio ambiente, e sim Mas há nordestinos, nortistas e su- senvolvido a partir do veneno da jara-
sobre um desenvolvimento mais in- listas e essas identidades contam — rivalidades entre cariocas, mineiros ões pobres pelas ricas, tão “a gusto” raca. O princípio ativo da droga foi
clusivo, eficiente e de baixo carbono. e muito — seja na retórica política e paulistas são divertidas no campo dos ricos das regiões pobres, tem al- descoberto por um pesquisador bra-
Esta é uma oportunidade única para que, dentro e fora do Congresso, in- de futebol, mas na política têm um gumas facetas que me incomodam. sileiro. Porém, a patente ficou com
concepção de ferramentas que cria- flui na distribuição dos recursos pú- efeito negativo. Historicamente, a lo- Primeiro, faltam dados que demons- um laboratório americano.
rão uma nova economia, em que cada blicos, inclusive por recursos desti- calização estrutural variou pouco em trem que essa exploração existe; se- O que se fala aqui não é em falta de
ator, público, privado, financeiro ou nados a combater o crime, seja na ati- São Paulo e Minas, mas o Estado do gundo, exime a elite política do Nor- inovação, mas sim na inexistência de
do terceiro setor, terá um papel fun- vidade política que assegura que es- Rio de Janeiro, que vivia parcialmen- deste e do Norte de qualquer respon- uma cultura consolidada para prote-
damental no nascimento desse novo ses fundos realmente sejam usados e te na sombra do Distrito Federal, de- sabilidade, histórica e atual, pelos ção dos resultados de pesquisa. É cla-
paradigma. não contingenciados. pois Estado da Guanabara, foi esvazi- problemas da região e seus estados. ro que o país precisa investir mais em
Dentro desta realidade, é funda- Políticos e a sociedade construí- ado com a transferência da capital, e Exemplificando: a miséria do Mara- inovação, mas é igualmente impor-
mental que o Estado retome seu pa- ram uma fortíssima identidade nor- o Espírito Santo tinha e tem pouca ex- nhão se deve mais à exploração por tante que avance na proteção do que
pel de indutor e regulador do desen- destina, uma forte identidade nortis- pressão demográfica e política. São Paulo ou a décadas de corrupção os brasileiros já possuem nas mãos
volvimento, favorecendo a adoção ta e uma identidade sulista. A cons- Porém, a despeito do crescimento e inépcias da sua elite? Se a ambos, — o tal “bilhete premiado”.
de práticas econômicas e processos trução dessas regiões como blocos demográfico (em boa parte absor- em que proporção? Terceiro, as pes- Neste sentido, o Instituto Nacional
produtivos inovadores, calcado no que constituem o edifício político foi vendo o excedente de outras regi- soas (da elite e do povo também) da Propriedade Industrial (Inpi) vem
uso racional e na proteção dos recur- importante na luta por recursos. A ões) e econômico, a participação do têm ou não alguma responsabilidade trabalhando em parceria com diver-
sos naturais e na incorporação de identidade criou uma ideologia da ex- Sudeste no Legislativo, particular- pelas decisões que tomam ou dei- sos setores do Governo, da indústria
classes sociais excluídas à economia, ploração entre regiões. A relevância mente no Senado Federal, decresceu xam de tomar, independentemente e das instituições de ensino e pesqui-
por meio do acesso ao emprego, ao dessa identidade e dessa ideologia através do tempo. Esse enfraqueci- da região em que vivem? Quarto, os sa para estimular a busca não só por
trabalho decente e à renda. transparece nos discursos no Sena- mento não promoveu recursos desviados no patentes, mas também por marcas,
A criação de um ambiente institu- do Federal: através de pesquisa no Si- uma união regional, não Sudeste e do Sul vão desenhos industriais e outros ativos
cional seguro, com regulamenta- con (Sistema de Informações do Con- houve a criação e o cres- beneficiar os necessi- de propriedade intelectual. Neles, re-
ções claras e novas ferramentas que gresso Nacional) localizei 3.780 dis- cimento da identidade Alguns políticos tados das regiões mais side a chance de crescer no mercado,
permitam o direcionamento de flu- cursos nos quais se mencionava a Re- regional “sudestina”: a pobres, ou a burocra- consolidar uma empresa e vencer os
xos de capitais, sinaliza para onde gião Nordeste, outros 1.469 nos quais região continua vivendo falam da cia dessas regiões, ou a concorrentes. Não é à toa que gigan-
deve ir o investimento. Limites le- se mencionava a Região Norte, segui- o isolacionismo e a burocracia federal, ou tes como Samsung e Apple investem
gais para emissão de poluentes são dos por 964 discursos nos quais a Re- pseudoautossuficiên- “exploração” do a elite eregiões — e em
a classe média pesadamente em patentes, gerando
o exemplo clássico disso, mas tam- gião Sul era mencionada, e pela Cen- cia, para enfrentar es- dessas até disputas judiciais entre eles.
bém se inclui a criação de mecanis- tro-Oeste, com 637. Na retaguarda, sas perdas. Os estados Nordeste mas que proporções? Quid O Brasil, ao contrário das empresas
mos financeiros que permitam o di- absolutamente distanciada dos de- do Sudeste viviam e vi- bono? Finalmente, os citadas acima, ainda não despertou
recionamento de fluxos financeiros mais, a Região Sudeste, com 270 men- vem a ilusão do passa- são insensíveis pobres das regiões ri- para o potencial de valor da proprie-
para a proteção de ecossistemas, o ções. Para cada menção ao Sudeste, do. Cada estado do Su- cas, abandonados nes- dade intelectual embutida em seus
aumento de eficiência de recursos e há 14 ao Nordeste. Se levarmos a po- deste defendia seus in- à miséria se debate, merecem al- serviços e produtos. Estamos apenas
o próprio pagamento por serviços pulação em conta, e computarmos as teresses e nenhum de- gum apoio? engatinhando em registro de softwa-
ecossistêmicos para aqueles que o taxas per capita, as desigualdades fendia os interesses da Há uma hipocrisia re (mal chegamos a 1300 por ano),
protegem. Dentre novos mecanis- são gigantescas. região. que deve ser desmas- nossos genuínos produtos regionais
mos disponíveis para a integração Essas identidades regionais e cole- Essa fraqueza teve e tem um preço. carada. Alguns dos atores políticos ainda não possuem um selo de dife-
do modelo econômico com políticas tivas não são, apenas, figuras de retó- A legislação federal relega a região que brandem a bandeira da explora- renciação — indicação de procedên-
ambientais, se destacam a constru- rica. Elas são instrumentos de mobili- Sudeste à irrelevância enquanto regi- ção do Nordeste e do Norte pelo Sul e cia —, não temos uma tradição de re-
ção de novos ativos ambientais e a zação política dentro e fora do Con- ão. Apenas 1% da legislação mencio- pelo Sudeste são riquíssimos e in- gistro de desenhos industriais mes-
criação de mecanismos de mercado. gresso, na luta por recursos públi- na a região, em contraste com 60% de sensíveis à miséria do próprio povo. mo tendo uma indústria de moda ca-
O mais conhecido destes é o Merca- cos. Inicialmente, era uma estratégia referências à região nordeste. Ao fi- É insultante ouvir esse discurso de da vez mais relevante e sermos reco-
do de Carbono. Outras questões am- necessária: um representante de Ala- car fora da retórica política e do ima- vítima por parte de políticos latifun- nhecidamente criativos em design.
bientais podem ser tratadas dentro goas ou de Sergipe teria mais chance ginário nacional, o Sudeste como re- diários, que possuem nababescas Em evento recente na UFRJ, com alu-
de tais mecanismos. de obter recursos para seu estado se gião ficou fora da legislação. Não há casas de praia, cujos familiares cons- nos da pós-graduação em biotecnologia
A crise global e o momento político alinhavasse seu discurso e seu pedi- como legislar sobre uma região que tantemente viajam ao exterior e são vegetal, especialistas do Inpi identifica-
representado pela Rio+20 nos apre- do em nome do Nordeste. Porém, fa- não existe, nem como beneficiá-la. todos insensíveis à miséria que os ram pelo menos seis projetos que pode-
sentam uma oportunidade única. Po- zer reivindicações estaduais em no- Por que essa união é necessária? cerca. Esse discurso se choca com a riam gerar patentes. Isso pode se tradu-
deremos redefinir o modelo de de- me do Nordeste era mais do que sim- Porque os recursos são escassos. mais-valia que extraem dos peões zir em recursos para estimular a pesqui-
senvolvimento em que, ao contrário ples retórica: era e é estratégia políti- Porque o setor público brasileiro es- que trabalham para eles. sa na universidade, a geração de outras
do que a economia tradicional fre- ca. Durante mais de um século, foi tá falido, financeira e moralmente. Os "sudestinos" devem se unir para patentes e, assim, se cria um círculo vir-
quentemente indica, a natureza não sendo alinhavada uma estratégia de Legisla em benefício próprio. A imen- obter recursos federais, que estão tuoso. É uma das estratégias para que o
é grátis. barganha regional. Hoje, ela é fortís- sa burocracia federal deixa para a minguando, para combater a pobreza Brasil avance na busca por patentes e
sima. Durante parte desse período, o disputa as migalhas, o que sobra. e a violência, para reduzir a desigual- encontre tesouros tão valiosos quanto
SUZANA KAHN RIBEIRO é subsecretária Rio de Janeiro, antiga capital, São Nessa disputa, os estados, individu- dade, e os brasileiros devem se unir os que já foram desperdiçados.
de Economia Verde da Secretaria de Esta- Paulo, nova e crescente potência almente, têm pouca força, mesmo os para garantir que os recursos públi-
do do Ambiente do Rio econômica, e Minas Gerais, estado in- estados fortes. O “estado” brasileiro cos cheguem às mãos dos mais ne- LÚCIA MOTTA E MARCELO CHIMENT
tegrante obrigatório de qualquer po- tem impostos suecos e benefícios cessitados e não desapareçam pelos são jornalistas.
WALTER FIGUEIREDO DE SIMONI é supe- lítica nacional, seguiam caminhos in- africanos. Consome o que extrai da ralos do estado. O GLOBO NA INTERNET
rintendente de Economia Verde da Secre- dividualizados, com frequência inde- população. OPINIÃO Leia mais artigos
taria. pendentes, às vezes antagônicos. As O discurso da exploração das regi- GLAUCIO SOARES é sociólogo oglobo.com.br/opinião