1. 6 Sábado, 21 de janeiro de 2012
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O GLOBO
OPINIÃO
‘Indústria das chuvas’ repete a das secas
F
az dois anos, desde a enxurrada de vado do dinheiro público, como aquela acio- preventivas. Entende-se a extrema dificulda- trutura de representação política do país, faz
2010 na região de Angra dos Reis até nada nas secas no Nordeste, quando frentes de em se executar projetos óbvios, em todo com que sejam usados artifícios mirabolan-
a atual temporada de chuvas no Su- de trabalho, financiadas pelo contribuinte fe- o país, contra enchentes e desabamentos. tes para atrair o dinheiro fácil que sai de Bra-
deste, que a inapetência gerencial do deral, atuam na construção de O esquema montado na Serra sília e de cofres estaduais, em grandes de-
poder público dá demonstrações escancara- açudes, na capina de estradas, para desviar recursos liberados sastres ditos naturais.
das da péssima qualidade do serviço pres- em obras de todo o tipo em fa- para este tipo de obra é ilustra- Prova disso é o golpe dado por prefeitos
tado pelo Estado à população na área vital zendas do coronelato político Preferem-se tivo. De tão escandaloso, os ao criar coordenadorias de defesa civil ape-
da defesa civil. Na tromba-d’água da Região local. prefeitos de Teresópolis e Nova nas para receber estes recursos em enxur-
Serrana fluminense, em 2011, a efetiva ine- É característica desta indús- obras Friburgo foram afastados. radas, enchentes, desabamentos. Mais uma
xistência de um sistema de prevenção con- tria — tocada, é claro, por lide- Não há, também, compromis- vez, é a busca incessante do dinheiro para
tra este tipo de acidente climático ficou vi- ranças políticas regionais — de emergência so sério com prazos. Se na Re- “emergências”. E a bagunça e falta de coor-
sível de forma cristalina. Radares meteoro- preferir obras de emergência; gião Serrana fluminense não há denação são tamanhas que a Secretaria Na-
lógicos federais e estaduais até detectaram a depois, portanto, de ocorrido o do que uma casa sequer em construção cional de Defesa Civil (Sedec) sequer sabe
chegada da tempestade, mas como não há desastre. O prefeito decreta es- das 5.459 prometidas; em Angra, ao certo quantos dos 5.564 municípios têm
— ou não havia — qualquer esquema orga- tado de calamidade e, com isso, preventivas onde 53 pessoas morreram em coordenadorias.
nizado e eficiente de troca de informações não se exigem licitações e con- desabamentos, as obras de con- A Sedec é órgão do Ministério da Integra-
pouco ou nada se fez. E assim, entre Petró- corrências, e muito menos há tenção no Morro da Carioca qua- ção Nacional, de Fernando Bezerra (PSB), pi-
polis, Teresópolis e Nova Friburgo, 900 mor- cuidados com os custos. Em re- se não avançaram. Confirma-se lhado ao favorecer seu estado, Pernambuco,
reram, com muitos ainda desaparecidos. portagem do GLOBO sobre o assunto, o pre- outra norma da indústria das chuvas: melhor na distribuição de verbas para obras de pre-
Os desdobramentos da catástrofe na Ser- sidente do Clube de Engenharia, Francis Bo- obra de emergência do que de prevenção. venção contra acidentes. São demais os pe-
ra são exemplares da existência de uma “in- gossian, estimou os gastos em obras emer- A disseminação da cultura deletéria do fi- rigos para os milhões de brasileiros obriga-
dústria das chuvas”, montada para o uso pri- genciais dez vezes mais elevados que nas siologismo, existente de cima a baixo na es- dos a viver em áreas de risco.
Argentina escolhe o bloco errado
A
liberdade de expressão na Argenti- plia a rede de comunicação estatal, portado- algo que remete ao primeiro governo Perón rianos e chavistas, nessa ofensiva contra a li-
na está, indiretamente, nas mãos ra de uma única mensagem, a oficial. (1946-52). A partir de agora, só poderão ser berdade de opinião e de expressão, um dos
de Guillermo Moreno, um funcioná- Os governos K têm estado em disputa importadas 20 mil toneladas trimestrais de pilares centrais da democracia. A região
rio público no mínimo polêmico constante com os meios de co- papel-jornal, e a produção na- amargou anos de chumbo com ditaduras mi-
que formula e executa políticas kirchneristas municação que zelam pela mis- cional terá de ser igual ou supe- litares e tem hoje, naqueles países, uma in-
com uma arma ao alcance da mão, literal- são clássica de fiscalizar o traba- rior a 42,5 mil toneladas trimes- feliz recaída no autoritarismo daqueles tem-
mente. lho das autoridades em nome Nova ameaça à trais. O não cumprimento das pos, desta vez pela via do populismo.
A Casa Rosada delegou todos os poderes dos eleitores que os escolheram quantidades mencionadas pode Vale destacar que o Brasil, nesse particu-
sobre produção nacional e importação de e dos contribuintes que os pa- liberdade de gerar a aplicação de multas de lar, avança no rumo correto do fortalecimen-
papel de imprensa à Secretaria de Comércio gam. até o equivalente a US$ 75 mi- to das instituições democráticas, zelando pe-
Interior, de Moreno. A medida é parte da re- Essa disputa tem duas frentes expressão com lhões. lo direito constitucional à liberdade de ex-
gulamentação da lei proposta pelo Executivo principais: o Grupo Clarín — Multas deste valor podem ob- pressão. Iniciativas aqui e ali para incluir o
que declara de interesse público a fabricação que o governo se empenha em normas sobre viamente inviabilizar a Papel país no grupo mencionado, por meio do cha-
e comercialização de papel para jornal, apro- enfraquecer — e a Papel Prensa, Prensa. Eventuais sanções à em- mado “controle social da mídia” — que nada
vada há menos de um mês. produtora de 58% do papel de papel de jornal presa pelo descumprimento das mais é do que uma forma de censura —, têm
O apetite do governo argentino para con- jornal consumido no país, forne- determinações ficam a critério sido contidas pelo consenso político-institu-
trolar a produção e a importação de papel de cedora de 170 veículos e perten- da Secretaria de Comércio Inte- cional brasileiro.
jornal é totalmente coerente com sua inten- cente ao “Clarín” (49%), ao “La rior — leia-se Moreno. A presidente Dilma Rousseff deu o tom
ção de tentar “domesticar” a imprensa pro- Nación” (22%) e ao próprio Estado argentino É lamentável que a Argentina se junte a ou- quando disse preferir “o barulho às vezes do-
fissional independente, enquanto beneficia (27,5%). tros países sul-americanos — Venezuela, lorido da imprensa livre ao silêncio das dita-
os veículos favoráveis à Casa Rosada e am- A lei aprovada impõe cotas de importação, Equador e Bolívia — , os chamados boliva- duras”. Que assim seja.
Um tempo sem nome Marcelo
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA cer? Morreríamos nos acreditando
jovens como sempre fomos.
C
om seu cabelo cinza, rugas A vida sobrepõe uma série de ex-
novas e os mesmos olhos periências que não se anulam, ao
verdes, cantando madrigais contrário, se mesclam e compõem
para a moça do cabelo cor uma identidade. O idoso não anula
de abóbora, Chico Buarque de Holan- dentro de si a criança e o adolescen-
da vai bater de frente com as patru- te, todos reais e atuais, fantasmas
lhas do senso comum. Elas torcem o saudosos de um corpo que os aco-
nariz para mais essa audácia do tro- lhia, hoje inquilinos de uma pele em
vador. O casal cinza e cor de abóbora que não se reconhecem. E, se é ver-
segue seu caminho e tomara que ele dade que o envelhecer é um fato e
continue cantando “eu sou tão feliz uma foto, é também verdade que
com ela” sem encontrar resposta ao quem não se reconhece na foto, se re-
“que será que dá dentro da gente que conhece na memória e no frescor das
não devia”. emoções que persistem.
Afinal, é o olhar estran- É assim que, vulcânica, a
geiro que nos faz estran- adolescência pode bro-
geiros a nós mesmos e O idoso não tar em um homem ou
cria os interditos que ba- uma mulher de meia-ida-
lizam o que supostamen- anula dentro de de, fazendo projetos que
te é ou deixa de ser ade- mal cabem em uma vida
quado a uma faixa etária. si a criança e o inteira.
O olhar alheio é mais Essa doce liberdade
cruel que a decadência adolescente, de se reinventar a cada
das formas. É ele que mi- dia poderia prescindir
na a autoimagem, que reais e atuais do esforço patético de
nos constitui como ve- camuflar com cirurgias e mais quando era antes. Os dois ritos naturalidade que em outros tempos sa traição, incontornável, que não é
lhos, desconhece e, de botoxes — obras na ca- de passagem que a anunciavam, o já foi chamada de despudor. Esmaece segredo para ninguém, não justifica
certa forma, proíbe a ver- sa demolida — a inexo- fim do trabalho e da libido, estão, am- a fronteira entre as fases da vida. É o transformar nossos dias em sala de
dade de um corpo sujeito à impieda- rável escultura do tempo. O medo pâ- bos, perdendo autoridade. Quem se conceito de velhice que envelhece. espera, espectadores conformados e
de dos anos sem que envelheça o nico de envelhecer, que fez da cirur- aposenta continua a viver em um Envelhecer como sinônimo de deca- passivos da degradação das células e
alumbramento diante da vida . gia estética um próspero campo da mundo irreconhecível que propõe dência deixou de ser uma profecia dos projetos de futuro, aguardando o
Proust, que de gente entendia co- medicina e de uma vendedora de novos interesses e atividades. A cu- que se autorrealiza. Sem, no entanto, dia da traição.
mo ninguém, descreve o envelhecer cosméticos a mulher mais rica do riosidade se aguça na medida em que impedir a lucidez sobre o desfecho. Chico, à beira dos setenta anos, crian-
como o mais abstrato dos sentimen- mundo, se explica justamente pela se é desafiado por bem mais que o ”Meu tempo é curto e o tempo dela do com brilho, ora literatura , ora mú-
tos humanos. O príncipe Fabrizio Sa- depreciação cultural e social que o tradicional choque de gerações com sobra”, lamenta-se o trovador, que sica, cantando um novo amor, é a quin-
linas, o Leopardo criado por Tomma- avançar na idade provoca. seus conflitos e desentendimentos. não ignora a traição que nosso corpo tessência desse fenômeno, um tempo
si di Lampedusa, não ouvia o barulho Ninguém quer parecer idoso, já Uma verdadeira mudança de era nos nos reserva. Nosso melhor amigo, da vida que não se parece em nada com
dos grãos de areia que escorrem na que ser idoso está associado a uma leva de roldão, oferecendo-nos ao que conhecemos melhor que nossa o que um dia se chamou de velhice. Es-
ampulheta. Não fora o entorno e seus sequência de perdas que começam mesmo tempo o privilégio e o susto própria alma, companheiro dos se tempo ainda não encontrou seu no-
espelhos, netos que nascem, amigos com a da beleza e a da saúde. Verda- de dela participar. maiores prazeres, um dia nos trairá, me. Por enquanto podemos chamá-lo
que morrem, não fosse o tempo “um deira até então, essa depreciação vai A libido, seja por uma maior libe- adverte o imperador Adriano em apenas de vida.
senhor tão bonito quanto a cara do sendo desmentida por uma saudável ralização dos costumes, seja por pro- suas memórias escritas por Margue-
meu filho“, segundo Caetano, quem, evolução das mentalidades: a velhice gressos da medicina, reclama seus rite Yourcenar. ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
por si mesmo, se perceberia envelhe- não é mais o que era antes. Nem é direitos na terceira idade com uma Todos os corpos são traidores. Es- E-mail: rosiska.darcy@uol.com.br.
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