As classes menos favorecidas sofrem mais com os riscos ambientais devido ao impacto financeiro ser maior. Embora percebam os riscos, constroem em áreas de risco por apego afetivo ao local e crença de que podem sobreviver às tragédias. Todas as classes percebem os riscos ambientais, mas a mitigação não está necessariamente ligada à percepção.
Percepção dos riscos ambientais e medidas de prevenção
1. PAUTA DE ENTREVISTA COM ANTONIO FERNANDO NAVARRO
P = Quem sofre mais com os riscos ambientais: as classes mais altas ou as mais baixas? Por
que?
R = As classes menos favorecidas sofrem mais porque o impacto financeiro sobre elas é
inegavelmente maior, quando atingidas por tragédias.
Assistimos pela televisão, famílias que perdem tudo com o transbordamento de um rio ou canal,
pois suas moradias estavam ao alcance das águas transbordadas. Quase sempre os atingidos
pertencem às classes sociais menos favorecidas.
O porquê dessa questão deve ser remetido ao poder público, em primeiro lugar, que permite, pela
omissão da fiscalização, o assentamento urbano em áreas facilmente colapsáveis por algum
fenômeno da natureza.
Normalmente as pessoas têm conhecimento e percepção dos riscos quando edificam um barraco
à beira de uma encosta ou posicionam suas casas na beira de um canal. Os relatos das tragédias
chegam aos seus ouvidos antes mesmo de que concluam a construção.
Então, por quê fazem isso, ou seja, por quê gastam os seus minguados recursos nessas
construções? Será um processo sadomasoquista?
Cremos que não. Trata-se de ficar próximo aos seus, de ficar próximo a um local de onde possam
tirar o sustento, de um local onde gastem menos com a condução. Será que para elas é bom ficar
no alto de um morro e ter que subir quatrocentos degraus todos os dias para chegar em casa? É
lógico que não. Mas naquele local, provavelmente nasceu a mãe, a avó e a bisavó, ou lá tiveram
seus filhos. Há, nessas condições, o vínculo afetivo com o local.
Mas ainda resta a questão do Por Quê? A resposta talvez esteja no fato de que acreditam que
possam sobreviver às tragédias e que juntos, conseguirão se soerguer.
P = E qual dessas classes tem uma melhor percepção dos riscos?
R = Em nossas pesquisas de campo verificamos que todos, de certa maneira, têm claramente a
percepção dos riscos a que estão sujeitos.
Costumamos dizer em nossas aulas que a percepção é um dos últimos estágios de um processo
que se inicia com a visão da coisa em si. O segundo passo é o da observação. Do olhar
perscrutativo. A terceira etapa envolve a identificação. Essa capacidade só se tem quando se
acumula conhecimentos. A última etapa desse processo é o da percepção, onde a intuição é um
fator importante. A mídia jorra notícias ruins quase sempre, divulgadas nos telejornais ou nas
banca de revistas. Assim, a informação chega a todos igualitariamente.
P = Perceber os riscos implica em trabalhar para mitigá-los, ou uma coisa não está
necessariamente ligada à outra?
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2. R = Uma coisa não está necessariamente relacionada à outra. A mitigação faz parte de um
processo de prevenção. Quando não se quer ter perdas pensa-se na prevenção. Em alguns
momentos percebem-se os riscos, mas imagina-se que eles não o afetarão. Talvez por isso a
prevenção não seja adequada ou correta.
Aquele que constrói uma belíssima casa na beira de uma represa e, num período de fortes chuvas
perde tudo, e aquele que constrói um casebre na beira do canal e também o perde em uma chuva
forte, têm perdas da mesma maneira. O sentimento da perda é o mesmo, guardadas as devidas
proporções.
P = Em seu artigo, os senhores citam a crescente conscientização da população portuguesa em
relação à preservação do meio ambiente. Quais são as principais diferenças entre a percepção
dos riscos ambientais e as medidas de preservação adotadas lá e cá?
R = A questão do cuidado com o Meio Ambiente está bem mais viva na Europa do que no Brasil.
O fato das fronteiras lá estarem mais próximas umas das outras e da população ser maior,
associado à questão de ocorrência de acidentes ambientais maiores, provocou um repensar mais
rápido voltado à preservação.
No Brasil os crimes ambientais, quando detectados, ainda levam certo tempo para serem
divulgados. Aqui os acidentes ambientais não trazem consigo grande número de vítimas. As
indenizações não são vultosas, quando ocorrem.
Talvez a questão dissonante esteja apoiada à transgressão da lei impunemente.
Na Europa, em 1972 a preocupação com a questão ambiental já era tanta que ocorreu a
Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente para discipliná-la. A Conferência ocorreu na
Suécia para discutir questões relacionadas com o meio ambiente no mundo. Contou com a
participação de mais de 100 países e 400 ONGs. Passando a ser um marco da moderna
formulação da questão do meio ambiente global, como objeto de políticas públicas, resultando daí
a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA.
P = Em terras portuguesas, a questão do meio ambiente se tornou mais visível devido à
progressiva degradação das condições ambientais? A situação em Portugal é pior que no Brasil?
R = A Europa já tinha perdido metade de sua cobertura vegetal na época da descoberta do Brasil.
O Brasil perdeu mais de 2 milhões de quilômetros quadrados de mata primária nos últimos 50
anos. Isso corresponde a quase a metade da Europa.
A questão ambiental na Europa está muito forte hoje, basta ver o quanto se tem investido na
despoluição de rios tidos como mortos, como o Tâmisa ou o Sena.
Portugal tem uma área de um pouco mais do dobro da área do estado do Rio de Janeiro. A
população é de aproximadamente 70% da população do Rio. Tem o turismo como uma fonte de
renda muito expressiva e, para isso, precisa ter, na questão ambiental e na preservação do meio
ambiente alicerces bons.
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3. P = Ainda em outra pesquisa citada no trabalho, os moradores do bairro Jardim Sofia, em Joinville
(SC) afirmam não achar que os órgãos públicos preocupam-se com sua segurança. Ajudar a
população a prevenir-se contra os riscos não seria uma forma de demonstrar preocupação com a
sua segurança?
R = Naquele contexto da pesquisa, a preocupação referida pelos moradores não era uma simples
ajuda material momentânea, mas sim ações efetivas que pudessem evitar novas tragédias, já que
muitos tiveram suas casas sob uma lâmina de água de pelo menos 2 metros várias vezes. E nada
foi feito para evitar a repetição daquelas tragédias.
A preocupação dos órgãos públicos deve ser bem mais do que uma ajuda eventual. Se a
população mora na beira de um rio ou canal, e não há possibilidade de realocá-las para pontos
mais seguros, devem ser postas em prática ações que envolvam a proteção da calha do rio,
ações de saneamento, de rebaixamento do leito do rio, e outras mais. Dizer que o pobre joga o
sofá velho no rio para livrar-se dele é fácil. Disponibilizar meios de recolhimento dos sofás ou
geladeiras velhas das ruas é bem mais difícil. Em Curitiba há o caminhão do “lixo que não é lixo”,
recolhendo essas coisas e as reaproveitando. Em Joinville há cooperativas que utilizam na
varrição das ruas vassouras feitas com os filetes de garrafas PET. As garrafas, nesses casos, são
coletadas e aproveitadas antes que caiam em algum bueiro. Se não se quer que a população
jogue nada nos rios deve-se disponibilizar coletores e cobrar, das associações de moradores, o
depósito no local, comprometendo-se com o recolhimento deles todas as vezes em que estiverem
cheios.
P = Além de ter noção dos riscos que correm, essas pessoas tinham conhecimento sobre como o
seguro poderia ajudá-las a se recuperar dos prejuízos ligados ao meio ambiente?
R = Quando você tem uma população de baixa renda, com pelo menos 6 pessoas em casa, onde
quem contribui mais recebe dois salários por mês, fica difícil falar-se em seguro que acoberte os
danos da natureza, já que a prioridade deles é o pagamento da luz e do gás e da comida para
todos.
Já houve cidades no Rio Grande do Sul onde a Prefeitura disponibilizou uma cobertura de
seguros junto ao pagamento do IPTU, dando garantia contra vendavais, evento mais comum
naquela região. Sob essas circunstâncias, a do mutualismo, a condições securitárias passam a
ser mais interessantes a todos e não há uma seleção específica de riscos.
P = Ultimamente vemos muitas seguradoras empreendendo ações de cunho sócio-ambiental. O
que acham do desenvolvimento de projetos como esses voltados também à população de baixa
renda?
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4. R = Vemos com bons olhos todas as ações que tragam para essa classe benefícios anteriormente
restritos a poucos. A dita população de baixa renda tem um dos menores índices de inadimplência
e já fazem parte de um mercado comprador expressivo.
As seguradoras, enquanto empresas, também devem ter a obrigação de engajar-se nas políticas
ambientais.
P = A pesquisa revela ainda que as mulheres têm uma percepção de risco um pouco maior que os
homens, talvez pelo instinto de proteção da família. O seguro deveria se voltar um pouco mais ao
público feminino?
R = Com certeza. No início da década de 80% algumas seguradoras desenvolveram apólices de
seguro de automóveis com condições mais vantajosas para as mulheres. Hoje, pelas estatísticas
sabe-se que as mulheres se envolvem menos nos acidentes.
As mulheres já ultrapassam os homens, em algumas regiões na questão da empregabilidade.
Assim, deve ser natural que as empresas de seguros percebam essa mudança e aproveitem a
ocasião.
P = Além de enchentes e secas, quais são os outros riscos ambientais mais comuns aos quais a
população está sujeita?
R = Pela extensão geográfica de nosso país são muitos os eventos da natureza que podem atingir
a população. Alguns fenômenos até bem pouco tempo eram inimagináveis, pela maioria da
população, como por exemplo, os terremotos. Há os ciclones e trombas d”água, vendavais,
alagamentos e inundações, e outros.
P = Com relação às indústrias, elas já possuem uma percepção dos riscos ambientais mais
aprofundada que a população em geral? A quais riscos elas estão mais propensas?
R = Até mesmo em função das exigências dos organismos certificadores e dos clientes as
indústrias estão bem mais estruturadas para a percepção dos riscos e a aplicação de medidas
mitigadoras. Os investimentos na modernização dos parques industriais são bem grandes.
Em meados da década de oitenta, portanto, há quase 25 anos atrás o mercado segurador
trabalhava com a questão da poluição súbita através de apólices de responsabilidade civil. Hoje
em dia a questão da poluição já é vista de modo holístico.
No final da década de oitenta uma grande mineradora teve problemas com os seus sócios
estrangeiros porque assoreou uma grande área com os rejeitos da lavagem do minério. A pressão
causada provocou mudanças no processo operacional e um “termo de ajuste de conduta” para o
desassoreamento do lago.
P = Atualmente, quais são as indústrias responsáveis pelos maiores danos ao meio ambiente e o
que elas têm feito para reduzi-los?
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5. R = Ainda são as indústrias químicas e petroquímicas os grandes vilões da poluição. Elas têm
investido bilhões na modernização de seus parques industriais e na alteração da configuração de
seus processos e equipamentos.
P = E o mercado de seguros? Está no caminho certo, ou seja, tem agido nas frentes em que o
meio ambiente mais necessita de investimentos, ou deveria ampliar mais suas ações?
R = Com certeza o Mercado Segurador precisa voltar-se mais para a área de Meio Ambiente, com
produtos diferentes e saiba reconhecer os esforços das empresas nessas questões, através de
um tratamento tarifário diferente. Houve um tempo em que um adequado projeto de sprinklers
propiciava descontos nas taxas de seguros, que chegavam a 60%. Se uma indústria tem um
melhor sistema de prevenção contra os danos causados ao meio ambiente, deve ser reconhecida
por isso. As empresas que possuem certificação e Sistema de Gestão Integrada com as normas
NBR ISO 9001, NBR ISO 14001 e OHSAS 18001 estão mais bem preparadas do que aquelas que
não possuem nenhum tipo de certificação. Talvez a questão esteja em reconhecer àquelas melhor
preparadas, beneficiando-as através da redução das taxas de seguros, ou, ao contrário,
penalizando aquelas em piores situações.
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