Este artigo discute:
1) A investigação da morte de Vladimir Herzog pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
2) A importância de se apurar as responsabilidades pelas mortes e torturas durante a ditadura militar no Brasil.
3) Como a memória da sociedade não é curta e eventos do passado ainda ecoam.
1. Product: OGlobo PubDate: 03-04-2012 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_G User: Schinaid Time: 04-02-2012 21:09 Color: K
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Terça-feira, 3 de abril de 2012 OPINIÃO • 7
O GLOBO
Novas LUIZ GARCIA
metas
fiscais Vlado vai gostar
P
ara os colegas de redação — fui Pode-se dizer que a discussão a res- ponsáveis pela tortura e a morte do
ILAN GOLDFAJN
um deles, durante dois anos, peito é acadêmica ou quase isso: a au- jornalista.
E
m time que está ganhando não se na revista “Visão” — Vladimir toridade que prende é responsável Talvez seja uma iniciativa pouco
mexe. É a máxima do futebol aplica- Herzog era companheiro de pela vida do cidadão preso, numa de- mais do que simbólica. No ano passa-
da pelos brasileiros aos mais distin-
tos aspectos da vida cotidiana. Mas trabalho amável e tímido. Um discreto mocracia ou num regime de exceção. do, o tribunal da OEA condenou o Bra-
o que não se mexe, não se muda. Portanto, homem de esquerda, como se dizia na A única diferença é que, no primeiro sil pela morte de 62 integrantes da
não evolui. E para continuar vencendo ao
longo do tempo é necessário evoluir. A má- época, ou um comunista safado — a caso, os carcereiros têm de prestar Guerrilha do Araguaia, nos anos 70 — e
xima do futebol vale para o curto prazo, definição dependia de onde era ouvi- contas; no segundo, pouco se impor- a condenação existe apenas no papel.
nem sempre para o longo prazo. da: numa redação ou num quartel. tam com o que pode pensar a opinião A nova iniciativa dificilmente terá
A política fiscal do Brasil pode ser vista
como vencedora. A manutenção de supe- Em 1975, quando o regime militar co- pública. destino diferente. A ditadura militar foi
rávits primários por uma década e meia meçava a viver seus últimos momen- Há outra diferença: quando os cida- substituída por um regime democráti-
foi capaz de reduzir a relação dívida/PIB,
afastar de vez as dúvidas quanto à sua tos e ninguém sabia — fosse nos quar- dãos têm liberdade de pensar e agir, a co, mas vamos continuar falando sé-
sustentabilidade, com isso ganhar credi- téis ou nas ruas — Vlado foi preso pe- sua vontade costuma prevalecer. E sua rio: onde serão encontrados as autori-
bilidade, reduzir o chamado risco Brasil
e o custo do financiamento público e pri- las autoridades militares de São Paulo memória não é curta. Assim se explica dades que foram omissas e os tortura-
vado. A base do time vencedor foi a cria- e levado para o DOI-Codi. Morreu pou- que, quase 40 anos depois, a morte de dores que se beneficiaram com a omis-
ção e manutenção da lei de responsabili-
dade fiscal e dos acordos bem-sucedidos cos dias depois, enforcado na grade de Vlado será oficialmente investigada são? Ou seja, em qual cemitério estão?
do governo federal com os Estados. Hoje uma janela de sua cela. Para as autori- pela Comissão Interamericana de Di- Seja como for, antes isso do que nada
a situação fiscal brasileira contrasta com
os problemas agudos dos países avança-
dades militares, ele se suicidara. Para reitos Humanos da OEA. O objetivo é disso. Onde estiver, o Vlado, a quem
dos, principalmente na Europa. quem o conhecia e falava sério, fora as- apurar se houve omissão das autorida- não faltava senso de humor, vai dar
Mas a política fiscal precisa evoluir. Há sassinado. des brasileiras, por não punir os res- uma boa risada.
alguns aspectos em que ela pode ser con-
siderada perdedora. As despesas têm
crescido em torno de 13% (6,3%, descon- Cavalcante
tada a inflação) na última década e meia. É
uma taxa muito elevada. Para atingir as
metas de primário foi necessário elevar a
A hora do
carga tributária de tal forma que hoje ela é
um dos maiores entraves à competitivida-
de da economia brasileira. A rigidez do
morro
crescimento das despesas correntes sig-
nificou também que a capacidade de in- FERNANDO FILARDI
vestimento do Estado ficou comprometi-
A
da, resultado cuja reversão é hoje um ausência do Estado em suas mais
compromisso explícito do governo, com diversas esferas nas comunida-
o intuito de reduzir os entraves ao cresci- des de baixa renda reduziu o in-
mento. O governo tem hoje uma poupan- vestimento e a presença das em-
ça negativa, o que significa que não so- presas durante décadas, visto que as
bram recursos para investir. Como conse- mesmas encontravam um ambiente
quência, para conseguir fazer frente às ne- hostil e turbulento, onde desenvolver
cessidades de investimento, a economia é qualquer atividade comercial ou merca-
dependente de poupança externa (equi- dológica se tornou praticamente impos-
valente ao déficit em conta corrente, atu- sível. No entanto, nos últimos anos, o Rio
almente em 2% do PIB). de Janeiro vem passando por uma fase
Em períodos de forte expansão econô- de renascimento social e econômico.
mica e/ou rápida elevação nos preços O ponto mais importante desta reto-
de ativos, as receitas do governo ten- mada de crescimento e desenvolvimen-
dem a crescer rapidamente e as despe- to do Estado aponta para a nova política
sas públicas dependentes do ciclo (co- de segurança pública cujos pilares de
mo os gastos com seguro-desemprego) sustentação são as Unidades de Polícia
tendem a cair. Gasta-se mais nesse perí- Pacificadora (UPPs), implantadas a par-
odo com o conforto de que as metas fis- tir de novembro de 2008 com o objetivo
cais não serão ameaçadas. Mas é exata- de extinguir o domínio territorial arma-
mente nesses momentos de bonança do dos criminosos e traficantes de dro-
que seria desejável (e possível) recupe- gas, retomando o controle das comuni-
rar a capacidade de poupar do governo dades da base da pirâmide econômica. E
Um peso, uma medida
brasileiro. aqui surge a questão central, qual é o re-
O contrário ocorre em momentos de de- al papel das empresas neste contexto?
saceleração. Com a queda nos preços de Os dados mais recentes contabilizam
ativos ou a deterioração de condições 17 UPPs onde vivem 315 mil pessoas de
econômicas, a arrecadação sofre e há po- um total de 1,3 milhão de habitantes das
tencialmente maiores gastos cíclicos, difi- RODRIGO CONSTANTINO sempre adotou postura tribal ou sempre do lado que julgo correto. favelas cariocas, população praticamen-
cultando a obtenção dos resultados fis- mesmo mafiosa. Seus membros são Condenou as cotas racistas, denun- te abandonada pelas empresas nas últi-
N
cais propostos à sociedade. Nesses mo- ão existe oposição liberal tratados como “especiais”, detento- ciou a doutrinação ideológica pelos mas três décadas. No entanto, a iniciati-
mentos, o alívio das metas fiscais tradicio- organizada no Brasil. Há res de um salvo-conduto para “mal- órgãos estatais, pregou maior rigor va do Estado de retomar esses territóri-
nais é recomendável. Na ausência desse uma clara hegemonia da es- feitos”. Os fins “nobres” sempre jus- penal para combater a criminalida- os, realizando obras, instalando mobiliá-
alívio, o atual regime fiscal estimula a bus- querda entre os vários par- tificam os meios obscuros, e os cri- de, atacou sempre o desvio de recur- rio urbano e revitalizando essas comuni-
ca por fontes de receitas temporárias. tidos. Mas o DEM seria o mais próxi- mes perpetrados por seus líderes sos públicos e defendeu a urgência dades, começa a atrair a atenção e o inte-
As metas fiscais estruturais podem mo desta bandeira que prega me- nunca são crimes, ao contrário da- de um partido que tenha a economia resse comercial de empresas dos mais
evitar essas distorções. Para calcular o nos intervenção estatal e mais li- queles realizados pela oposição. São de mercado e sólidos valores morais diversos segmentos, que enxergam nes-
resultado fiscal estrutural, ajustam-se berdade econômica. E, dentro do sempre dois pesos diferentes, para como plataforma. sas intervenções oportunidades de co-
os números observados do orçamento DEM, o senador Demóstenes Tor- se obter duas medidas diametral- Não poderia concordar mais! O mercializar seus produtos e serviços pa-
público para os ciclos de atividade e de res tem sido uma das vozes mais fir- mente opostas. que falta em nossa política é um par- ra as pessoas das classes menos favore-
preços de ativos, após uma filtragem mes em defesa destes valores, as- Foi assim que um assassino frio e tido que rejeite esta visão predomi- cidas, ou seja, as classes C, D e E. Mas co-
preliminar dos dados que elimina opera- sim como da ética. cruel como Che Guevara chegou a se nante de que o governo é uma espé- mercializar produtos e serviços é ape-
ções orçamentárias não recorrentes. Por isso é fundamental usar o tornar herói, ou a mais longa e cie de deus clarividente capaz de ge- nas uma pequena parte da imensa opor-
Recentemente, técnicos do Ipea divul- escândalo envolvendo o senador e opressora ditadura do continente rar progresso por decreto. Países tunidade que essas empresas deveriam
garam resultados sobre as séries fiscais sua mais que suspeita amizade com até hoje é defendida. Abro um parên- com mais intervencionismo estatal identificar e desenvolver.
estruturais para o Brasil. Na mesma li- um contraventor para marcar as di- tese para lembrar que tanto Mussoli- invariavelmente acabam com me- Tais comunidades abrigam diversos
nha, a equipe econômica do Itaú Uniban- ferenças entre a esquerda e os libe- ni como Hitler, apesar nos riqueza e liberda- pequenos negócios que, com a devida
co vem trabalhando com bastante pro- rais, estes ainda sem representa- de tratados como os de. E nada mais absur- capacitação, suporte gerencial e tecno-
fundidade sobre o assunto. (Veja o tra- ção política. monstros que eram, do do que combater o lógico, podem passar a fazer parte da ca-
balho de Mauricio Oreng em http:// Quando os homens estão unidos porque são vistos co- O foco era racismo com segrega- deia produtiva das grandes empresas
www.itaubba-economia.com.br/con- por princípios claros, não há espaço mo de “direita”, eram ção racial. como fornecedores, distribuidores, re-
tent/interfaces/cms/anexos/MA- para arbitrariedade. Os princípios na verdade coletivis- no ‘que’ foi Logo, Demóstenes presentantes e parceiros locais.
CRO_VISAO_FISCAL.pdf" servem como critério objetivo para tas antiliberais que mereceu cada elogio Há, também, um celeiro pratica-
http://www.itaubba-economia.com.br/ julgar os atos. Em contrapartida, nasceram na esquer- dito, e não que fiz. Afinal, eu foca- mente inesgotável de pessoas a se-
content/interfaces/cms/anexos/ quando se trata de um grupo tribal, da socialista e sempre va no rem qualificadas para trabalhar nes-
TD6_abr11.pdf) o seu membro será sempre tratado condenaram o capita- em ‘quem’ “que” foi dito, e não sas empresas, que podem aproveitar
Nossas estimativas para o período de com complacência, enquanto os “de lismo. Fecho o parên- em “quem” o disse. Da a mediação e a interlocução das
2000 a 2011 (até setembro) mostram uma fora” serão duramente condenados. tese. o disse mesma forma, agora ONGs e representantes locais. Segun-
flutuação considerável no resultado primá- O uso de dois pesos e duas medidas É com base na mes- que gravações com- do dados do IBGE, o Brasil tem hoje
rio estrutural (enquanto o resultado primá- é característica comum a estes gru- ma lealdade mafiosa prometedoras vieram cerca de 11,4 milhões de pessoas vi-
rio tradicional, sem ajuste, mostrou relativa pos, e vale tudo para salvar a pele do que alguns petistas a público, enorme de- vendo em favelas. Nesse contexto
estabilidade). Encontramos um considerá- companheiro, por mais criminoso sempre partem para a acusação de cepção à parte, continuo focando no torna-se fundamental ampliar o deba-
vel esforço fiscal até 2004, um afrouxamen- que tenha sido seu ato. uma fantasiosa “mídia golpista” “que” mostram os fatos, não sobre te sobre a participação das empresas
to contínuo até 2010 e um ajuste fiscal rele- Aristóteles dizia que uma socieda- quando escândalos envolvendo “quem” eles recaem. Defendo uma e suas estratégias para envolver e de-
vante em 2011. de adequada é governada por leis, seus aliados vêm à tona. Curiosa- investigação minuciosa e, se for o ca- senvolver pessoas e parceiros locais
Em suma, nossas estimativas de supe- não por homens. Com isso ele queria mente, eles logo esquecem esta im- so, a severa punição do senador. Sob pertencentes às comunidades da ba-
rávit primário estrutural revelam que o dizer que devemos adotar um impé- prensa “golpista” quando o escânda- meu ponto de vista, ele é apenas um se da pirâmide do país, buscando me-
atual regime fiscal induz um comporta- rio de leis igualmente válidas para lo envolve a oposição. Dois pesos e homem comum, um indivíduo como lhoria da qualidade de vida dessas
mento expansionista em períodos de so- todos, em oposição ao poder arbi- duas medidas, a marca registrada da qualquer outro, que deve respeitar pessoas, especialmente através do
breaquecimento, e o contrário em fases trário que aos amigos tudo dá, en- nossa esquerda. Para eles, o camara- as mesmas leis. aumento da renda familiar. O objeti-
de retração. Além disso, o regime incenti- quanto aos inimigos aplica o rigor da não é um “homem comum”, mas Infelizmente, isso é algo que a es- vo é reduzir assim a dependência de
va a busca por receitas extraordinárias das leis. Da mesma forma, uma asso- sim alguém acima das leis. Não se querda em geral e os petistas em programas sociais do governo, como
em tempos de recessão. Acreditamos ciação adequada é unida por ideias, importam com “o que” acontece, particular parecem nunca com- já é feito há décadas na Índia, no Méxi-
que a adoção de metas estruturais resul- não por homens, e seus membros mas sim com “quem” acontece. preender: a importância de se ter co, na África do Sul e tantas outras na-
taria em mais eficiência na gestão públi- são leais às ideias, não ao grupo. A Os liberais não aceitam esta postu- apenas um peso, e uma medida. ções que têm grande parte da sua po-
ca e maior nível de poupança governa- máfia, por exemplo, é o oposto de tal ra. No final de 2011, escrevi para a re- pulação composta pela base da pirâ-
mental, contribuindo para aumentar o associação, pois seus membros de- vista “Época” algumas palavras em RODRIGO CONSTANTINO é economista mide econômica.
crescimento sustentável do país. vem lealdade aos demais membros, homenagem justamente a Demóste-
e não a valores objetivos. nes Torres. Não conheço o senador O GLOBO NA INTERNET FERNANDO FILARDI é professor e
ILAN GOLDFAJN é economista-chefe do Itaú Com esta distinção em mente, fica pessoalmente, mas acompanhei su- OPINIÃO Leia mais artigos pesquisador do Ibmec.
Unibanco e sócio do Itaú BBA. claro que boa parte da esquerda as lutas no Senado. Esteve quase oglobo.com.br/opinião E-mail: fernandofilardi@gmail.com.