O documento discute a história da Lei Glass-Steagall nos Estados Unidos, que separava bancos comerciais e de investimento, e como sua revogação permitiu atividades financeiras desreguladas que levaram à crise global. Também fala sobre a necessidade de heróis que defendam regulamentações para limitar o poder dos bancos e a especulação.
1. Domingo, 13 de novembro de 2011 OPINIÃO ●
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O GLOBO
Propaganda VERISSIMO
sustentável
JOSÉ VICENTE MARINO
Heróis retroativos
O G
Conselho Nacional de Au- lass e Steagall não eram uma Glass e Steagall deram sua breve contri- que movimentava grandes quantias,
torregulamentação Publi- dupla de cantores folclóricos buição à história das boas intenções conseguiram demonizá-la a tal ponto
citária (Conar) divulgou
recentemente novas nor- como Simon e Garfunkel ou o frustradas e desapareceram, vencidos que até quem não tinha movimentação
mas para orientar a elaboração de nome de uma empresa famosa pelo lóbi da ganância. Não sei se ainda bancária alguma a esconjurava. A maio-
anúncios de propaganda sobre sus- como Black e Decker. Mas, embora nin- vivem ou ainda são congressistas. Tal- ria aderiu sem pensar ao lóbi do dinhei-
tentabilidade. A comissão encarre-
guém saiba muito a respeito deles, fo- vez tenham formado uma dupla folcló- ro inconformada contra a CPMF, que se
gada das revisões periódicas do
Código de Autorregulamentação ram nomes importantes na recente vida rica. bem administrada continua sendo uma
Publicitária redefiniu o artigo 36, econômica dos Estados Unidos e, por O caso deles é o da inconformidade de boa e justa ideia.
que trata do tópico “Poluição e consequência, do mundo. Os dois eram uma minoria, a dos banqueiros, mal ex- Nos Estados Unidos parte da revolta
Ecologia”, e promulgou um anexo,
intitulado “Apelos de Sustentabili- congressistas e autores de uma lei que plicada e transformada numa reivindi- dos manifestantes contra Wall Street e
dade”, sugerindo definições de pa- proibia os bancos comerciais de tam- cação geral. Coisa parecida aconteceu tudo que ela representa se deve à falta
râmetros como “veracidade, exati- bém serem bancos de investimento e li- no Brasil com a CPMF. A boa ideia do en- de decisão do Barack Obama em enfren-
dão, pertinência e relevância” para mitava a sua ação no mercado financei- tão ministro, dr. Jatene, de taxar transa- tar as financeiras. A desregulação con-
a divulgação de mensagens sobre
produtos e serviços com diferen- ro às tarefas bancárias tradicionais. Foi ções financeiras para financiar a saúde tinua. Ainda não se viu nas manifesta-
ciais socioambientais. a revogação da Lei Glass e Steagall que pública, falhou porque o dinheiro arre- ções nenhuma faixa dizendo “Onde es-
As novas diretrizes de sustenta- permitiu aos bancos inventarem mil e cadado na sua curta vigência estava tão Glass e Steagall agora que precisa-
bilidade buscam elevar o patamar
uma maneiras de lucrar com o jogo sem sendo usado pelo governo para tudo mos deles?”, mas os dois têm tudo para
das mensagens, mas também são
um reconhecimento de que exis- controle do capital, uma farra que deu menos a saúde pública, mas principal- se transformar em heróis retroativos. Se
tem abusos na comunicação sobre no estouro do Lehman Brothers e foi o mente porque os mais incomodados a lei deles tivesse vingado, nada disto
o tema. Aparentemente, ainda é começo da crise que nos abala até hoje. com a contribuição forçada, a minoria teria acontecido.
mais fácil agregar o mote às campa-
nhas de marketing do que à efetiva
gestão dos negócios. A vulgariza- Marcelo
ção das mensagens pode, assim,
banalizar o conceito em vez de pro-
mover a conscientização dos con-
O desafio
sumidores.
Tanto a sustentabilidade quanto a
responsabilidade social corporativa
da Rocinha
são movimentos renovadores recen-
tes, genéricos, difusos, sujeitos a va- CLÁUDIA COSTIN
riadas interpretações e em processo
A
de construção. Na prática, os avan- perspectiva de pacificação
ços reais vêm sendo definidos gra- da Rocinha abre um capítulo
dualmente pelas empresas, organiza- novo e marcante na história
ções civis e pensadores. da cidade do Rio. Inúmeros
A vulgarização desses conceitos, desafios terão que ser enfrentados.
por outro lado, expressa sua popu- Um deles é a recuperação dos jovens
larização, impulsionada pela deman- que tiveram sua adolescência afetada
da dos consumidores mais informa- pela longa convivência com o tráfico,
dos e conscientes. Não há volta para muitos dos quais acabaram abando-
essa tendência global, intensificada nando a escola. A Educação, não sem
pela difusão de informações e pela dificuldades, tem os instrumentos pa-
expansão econômica. No Brasil, ape- ra isso, como pudemos fazer na Cida-
sar de a educação de qualidade ain- de de Deus, no Alemão e em tantas ou-
da ser privilégio de poucos, o Insti- tras comunidades que foram sendo
tuto Akatu vem monitorando, desde progressivamente pacificadas.
2003, uma evolução positiva nos pa- Há cerca de dois anos, o prefeito
drões de consumo. Eduardo Paes criou o Escolas do Ama-
Entre os brasileiros, cerca de nhã, um programa especificamente vol-
Nós compreendemos
60% da população, em especial os tado para as escolas em áreas confla-
menos dotados de instrução, não gradas, com um duplo objetivo: dimi-
demonstram interesse nem se mo- nuir o déficit de aprendizagem frente às
bilizam por sustentabilidade — si- demais escolas da rede e reduzir a eva-
nal de que o conceito ainda não foi são escolar. À época, a evasão média na
traduzido para a compreensão das JOÃO UBALDO RIBEIRO mostrar seu conteúdo a ninguém, eu nasci e, embora uma fração do ta- cidade era de 2,6% contra 5,1% nas 151
classes populares. Mas, apesar do nem ao bispo. “O voto é secreto!” ad- manho original, está até hoje com a unidades do Escolas do Amanhã. Deci-
T
forte crescimento demográfico e ive políticos próximos na fa- vertia-se, como quem diz que, se al- família). De resto, ele gostava de dimos incluir entre estas escolas as si-
econômico de 2003 a 2009, que le- mília. Hoje em dia, para mui- guém o mostrasse, entrava em cana exercer seu poder municipal, de pro- tuadas em áreas então controladas pe-
vou 29 milhões de pessoas a ascen- tos brasileiros, dizer isso é dura. Na verdade, era precaução con- tetor dos necessitados, que em tro- lo tráfico, pelas milícias e as recém-pa-
derem à classe C, os chamados pior do que se confessar tra o golpe aplicado por todos os ca deviam somente gratidão eleito- cificadas, entre estas últimas as do Do-
“consumidores conscientes” descendente direto e admirador dos candidatos, que consistia em pegar o ral, de defensor das tradições da ilha na Marta e da Cidade de Deus.
(aqueles que convertem “atitude” vendilhões expulsos do templo por envelope “somente para ver” e dar e de árbitro de disputas. Em cada escola introduzimos a ofer-
em “comportamento afirmativo” Jesus Cristo. Mas acho que meu caso um jeito de trocar uma ou mais cha- Tudo o que contei era normal e, ta de educação em tempo integral,
na hora da compra) mantiveram-se não é típico. Meu pai, que foi depu- pas, ou mesmo o próprio envelope. com as necessárias diferenças regio- com muitas oficinas de arte, esportes
estáveis na faixa dos 5%. Isso sig- tado estadual em Sergipe e vereador Havia especialistas nessas opera- nais e circunstanciais, praticado em e reforço escolar no contraturno; um
nifica nada menos do que 500 mil em Salvador, além de diversas vezes ções e meu avô usava os serviços de todo o país. Em grande parte dele, programa inovador de ciências, cen-
consumidores novos aderindo a titular de secretarias estaduais ou vários, tanto na ofensiva quanto na ainda é, com outras caras e nomes, trado em experimentação; um posto
valores sustentáveis. municipais, tinha vocação de políti- defensiva. mas a mesmíssima coisa. Desde que de atendimento de saúde; e um méto-
A publicidade não pode ignorar co, mas lhe faltava o talento para is- Porque muita gente só admitia vo- nos entendemos, vemos os podero- do mais dinâmico de ensino, voltado a
essa evolução. As normas do Conar so. Apesar de muito culto e bom ora- tar de paletó e gravata, um setor es- sos enricar ou “se fazer”, é parte de desfazer bloqueios cognitivos que ad-
são sinal disso. Embora não pos- dor, jejuava na arte e na matreirice pecializado era dedicado ao vestuá- nossa vida. O voto é ainda trocado vêm de exposição constante à violên-
suam caráter impositivo ou restri- necessárias ao político. E morreu de- rio e se forneciam até umas borrifa- por um favor ou pela solução de um cia. Cada escola recrutou um educa-
tivo, as novas diretrizes lançam pois de penar durante anos a cons- das do perfume que alguns achavam problema pessoal. E nunca, no Bra- dor comunitário, duas mães voluntá-
fundamentos para uma cultura de trução de sua única casa, deixando indispensável. De forma análoga, os sil, o cargo público foi visto como rias e passou a contar com o Bairro
comunicação mais legítima sobre somente a dita casa e uma pensão pa- calçados. Muitos eleitores só haviam serviço. Servir é a última coisa que Educador, iniciativa voltada a traba-
sustentabilidade, diminuindo a su- ra a viúva. Portanto, não deve ter usado sapatos uma ou duas vezes na ocorre ao chamado servidor públi- lhar a integração das escolas de cada
perficialidade com que o tema é roubado e estou convicto disso, em- vida e assim mesmo alheios ou her- co, estendido o termo ao governan- área e a colocar os espaços comunitá-
tratado. As orientações induzem à bora não possa dizer que ele tenha si- dados, enquanto ou- te. Nossa política não é rios a serviço da Educação.
reflexão sobre o impacto socioam- do cem por cento infenso a mordo- tros desconheciam seu feita de ideais, mas de Aumentamos também a remunera-
biental dos produtos e serviços, mias, porque me lembro da gente emprego, chegando a ambições. Estamos ção destes professores, que são os que
sobre seus ciclos de vida e difun- passeando de carro oficial em Araca- manifestar um certo Nossa política acostumados a ver a enfrentam os maiores desafios para en-
dem práticas de gestão sustentá- ju — e de nada mais, nesse departa- medo deles. (Seu Nezi- política como um meio sinar e capacitamos e estamos capaci-
vel. É provável também que contri- mento. nho só calçava sapato não é feita de ascensão pessoal, tando os professores e diretores a tra-
buam para aumentar o nível de fis- O outro político foi meu avô mater- gemendo e invocando o não somente de status, balharem como mediadores de confli-
calização das organizações do ter- no. Meu avô foi coronel, quando Ita- amparo dos santos.) O de ideais, mas patrimonial e sus- tos. Assinamos, junto com o Ministério
ceiro setor. parica ainda era interior. Como creio setor das refeições, peito que, no fundo, a Público, um protocolo de cooperação
A comunicação publicitária é que já contei aqui, me lembro de elei- comparável apenas ao mas de maioria de nós consi- para aprofundar o combate à evasão
uma ferramenta da gestão dos ne- ções movimentadas, lá na ilha. A ca- do jejum da Semana dera isso legítimo. Es- escolar, com equipes de visitação das
gócios. Nesse sentido, as boas prá- sa do coronel tinha acomodações ex- Santa (tinha gente que ambições tamos habituados ao casas dos alunos faltosos ou em risco
ticas precedem o discurso sobre ternas para o eleitorado, que se mo- aparecia para jejuar na cartão de apresenta- de abandono da escola.
elas. A responsabilidade maior não vimentava durante todo um dia aza- casa de meu avô já na ção, ao pistolão, ao trá- Os resultados não tardaram a apa-
é das agências de publicidade, e famado. Aliás, minto: não era somen- segunda-feira e só ia fico de influência, aos recer: a evasão escolar caiu de 5,1%
sim das organizações. Não basta te um dia. Havia uma infraestrutura a embora no sábado de Aleluia, de pan- privilégios para os quem têm os re- para 3,26% e mais de 65% das Escolas
anunciar “prefira minha marca por- manter. Analfabeto não votava e a dulho estufado de todo tipo de comi- lacionamentos certos. do Amanhã foram premiadas por
que respeito o consumidor”. É pre- prova de alfabetização era a assina- da, com a rigorosa exceção de carne, Acho que não há exceções, entre atingirem as metas de melhoria da
ciso demonstrar esse atributo. A ca- tura do nome e, portanto, ninguém se que era o alvo exclusivo de jejum), os brasileiros: todo mundo, desde a aprendizagem dos alunos, contra
da nova geração os consumidores preocupava em ensinar o eleitor a ler, funcionava em sistema de rodízio infância, ouve falar que a maioria 56% das demais escolas. Em 2010, o
são mais bem informados, articula- mas a desenhar o nome. Talvez pare- desde as quatro da manhã e começa- dos políticos é formada de corrup- melhor colégio do município em
dos em rede, dispostos a exigências ça fácil, mas podia levar meses, ainda va de véspera, com a chegada, em sa- tos e ladrões. Todos sabem da his- aprendizagem e redução de evasão
crescentes e ainda mais críticos. Es- mais que as refeições eram de graça, veiro, canoa ou lombo de jegue, do tória de pelo menos um rapaz pobre, foi o CEP 1 o de Maio, uma Escola do
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tamos a caminho de sociedades em durante o curso. E ainda me lembro eleitorado do “interior”, longe da se- de família humilde, cujo pai tinha Amanhã situada em Antares, onde a
que as empresas não poderão vei- de Seu Nezinho do Baiacu, que para- de do município. uma pequena padaria de subúrbio e violência ainda destrói vidas, mas se
cular um discurso sustentável sem va para tomar fôlego, no meio da as- Também não creio que meu avô que hoje é gordo e bilionário. Assim começa a construir um futuro de ver-
que seja sustentado pela prática. sinatura. tenha roubado. Ele mesmo, que eu ou assado, fomos criados vendo es- dade para inúmeras crianças.
Cuidava-se também das muitas saiba, nunca exerceu cargo eletivo se cenário se reproduzir e — aí é que A pacificação trará muitos benefí-
JOSÉ VICENTE MARINO é vice-presidente manobras envolvendo os envelopes nenhum (tinha um belo emprego pú- é o chato — segue-se a conclusão cios, entre eles uma maior frequência
de Negócios da Natura, diretor da com as cédulas (as chapas, como se blico federal), mas também não que todos nós, de uma forma ou de às aulas e a tranquilidade tão neces-
Associação Brasileira de Anunciantes e dizia por lá). Supostamente, o eleitor acho que, à parte sua sinecura, te- outra, temos uma formação de cor- sária para professores e alunos. Que
integrante do Conselho Superior do escolheria suas chapas, as enfiaria nha metido a mão em dinheiro, pú- rupto e, em certos casos, até uma possam as crianças da Rocinha pas-
Conselho Nacional de Autorregulamentação no envelope e subsequentemente na blico ou alheio. Pelo contrário, só vi- empatia meio cúmplice com alguns sar a viver o novo tempo que se
Publicitária (Conar). E-mail: urna. Mas os eleitores de meu avô, via envolvido em assuntos e polêmi- deles, quase alguma ternura. Por is- abriu, recentemente, para as do Ale-
josevicente@natura.net. naturalmente, recebiam seu envelo- cas cívicos, tanto assim que não li- so é que continuam ativos e impu- mão, da Cidade de Deus, do Cantaga-
pes já prontos, como acontecia em gava para as duas ou três fazendolas nes. Nós compreendemos, a vida é lo ou do Borel.
O GLOBO NA INTERNET milhares de municípios, ou mesmo e o resto do patrimônio que herdou. assim mesmo.
OPINIÃO Leia mais artigos todos eles, em maior ou menor esca- Caiu tudo em usucapião dos ocupan- CLÁUDIA COSTIN é secretária municipal de
oglobo.com.br/opiniao la. E com a rigorosa instrução de não tes e sobrou somente a casa (onde JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor. Educação do Rio.