Gilberto Gil lança o álbum Gilbertos Samba, no qual regrava clássicas de João Gilberto em homenagem ao mestre da bossa nova. Aos 71 anos, Gil presta tributo à influência fundamental de João Gilberto em sua carreira e na música brasileira. A turnê de lançamento do disco começa no Rio de Janeiro e chega a Salvador em maio, reproduzindo a atmosfera do violão e voz de João Gilberto.
1. EDITORA-COORDENADORA: SIMONE RIBEIRO / DOISMAIS@GRUPOATARDE.COM.BR
SÁB
SALVADOR
5/4/2014
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TER POP
QUA VISUAIS
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SEX FIM DE SEMANA
HOJE LETRAS
DOM TELEVISÃO
atarde.com.br/caderno2mais
LANÇAMENTO COM ATUAÇÃO
E DIREÇÃO DO ASTRO BEN
STILLER, O DRAMA A VIDA
SECRETA DE WALTER MITTY
CHEGA AO HOME VIDEO 2
LITERATURA ESCRITOR AMOS OZ FALA DE
SONHOS E IDEAIS A PARTIR DE UM KIBUTZ 3
Divulgação
MÚSICA Gil presta tributo a João Gilberto
no novo disco e a turnê de lançamento
chega em maio ao Teatro Castro Alves
Daryan Dornelles / Divulgação
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GILBERTOS SAMBA / GILBERTO GIL
SONY MUSIC / R$ 25
MARCOS DIAS
Quando os americanos tentam
definir a bossa nova, quase in-
variavelmente concluem que
trata-se de um sofisticado estilo
dejazzderivadodosamba.Com
o novo disco de Gilberto Gil, Gi-
bertos Samba, um dos mais im-
portantes artistas da música
brasileira não só homenageia o
gêniodeJoãoGilberto,masrea-
firma o que a bossa é, de fato:
samba.
“Para os americanos, é bom
ver a partir deles. Onde é que
nós estamos nisso aí?, eles pen-
sam e, claro, como eles estão,
puxam a brasa para a sardinha
deles e dizem isso é um jazz. A
denominaçãoquedavamerala-
tin jazz. Mas, para nós, como
estamos do lado de cá, começa
com o samba. O disco é para
afirmar isto: antes de tudo, de
qualquer coisa, a bossa nova é
samba”.
Ao regravar músicas que o
criador da bossa tornou clássi-
cas, Gil cumpre seu desejo de
gravar um disco de samba e ex-
pandemusicalepoeticamentea
linha evolutiva do gênero.
O repertório inclui seis com-
posições dos anos 1940, ante-
rioresàbossa,propriamenteas-
sociada ao final dos anos
1950.
Gil regravou Aos Pés da Cruz
(Marino Pinto e Zé da Zilda), Eu
Sambo Mesmo (Janet de Almei-
da),OPato(JaimeSilvaeNeuza
Teixeira), Tim Tim por Tim Tim
(GeraldoJacqueseHaroldoBar-
bosa),MilagreeDoralice,deDo-
rival Caymmi.
Nessa época, diz Gil, a música
populartornou-seacessívelpelo
rádio e pelo disco, e foi quando
a força do samba se revelou.
“Essa foi talvez a maior gran-
deza. Porque se ele tivesse se
restringido ao repertório do fi-
nal da década de 50, talvez não
tivéssemos essa capacidade de
explicação tão abrangente que
acabou contida no repertório
dele.Joãoteveessagenialidade
de colocar tudo isso e mais o
avanço musical de Tom, o De-
safinadodeNewtonMendonça,
aquelacoisanolimitedacanção
popular, já extrapolando para o
experimentalismo moderno.
João foi muita coisa e Caetano
diz: a bossa nova é foda”.
Carne e osso
Caetano, que gravou com Gil e
João Gilberto em 1981 o álbum
Brasil, escreve na apresentação
de Gilbertos Samba que João foi
o revolucionário que definiu a
vida deles. E que quando co-
nheceu Gil, já sentia que ele era
o “milagre de alguém de carne
e osso que podia reproduzir os
acordes que João fazia”.
“Foi um encantamento tão
forte, tão profundo, quando a
gente escutou”, lembra Gil. “O
tratamento que João deu ao
canto, ao violão e à canção che-
gavamuitoclaramenteparanós
como uma entidade nova, uma
revolução estética”.
A recepção inicial dessa no-
vidade, contudo, não foi nada
cool. Tom Zé lembrou, certa vez,
que em Salvador a bossa che-
gou a ser apontada como “mú-
sica de viado”. O que pode pa-
recer impensável para qualificar
uma criação.
No caso de João, Gil lembra,
a rejeição chegou ao ponto de
muitos dizerem que era um can-
tor desafinado. “Era tamanha a
carga de inovação, de surpresa
queeleeoscolegasfizeram,que
a reação mais reacionária foi
isso, buscar explicações absur-
das, se valer de preconceitos pa-
ra rejeitar aquilo, para não ser
obrigadoacompreenderagran-
deza daquilo e, portanto, a obri-
gação de incorporar aquilo co-
molinhaevolutivadanossamú-
sica e da nossa cultura. Os rea-
cionários todos trabalharam
contranessesentido,desdecha-
mar de desafinado até dizer que
era música de viado”.
No álbum, Gil também regra-
va Desafinado (Jobim e Newton
Mendonça), Você e Eu (Carlos
Lyra e Vinicius de Moraes), Des-
de que o Samba é Samba (Cae-
tano Veloso) e Eu Vim da Bahia
(dele mesmo, gravada por João
em 1972), que revelam desdo-
bramentos da influência.
“João lançou e possibilitou
uma série de aprendizes e dis-
cípulos, fãs tributários do tra-
balhodeleequevieramdaruma
contribuiçãoenormeparaamú-
sica. Até o primeiro disco de Ro-
berto Carlos foi influenciado pe-
la bossa. A cada cem anos um
aparece”, diz ele, citando um
verso da inédita Gilbertos, úl-
timafaixadodisco,emquetam-
bém reconhece que “foi Dorival
Caymmi quem nos deu a noção
da canção como um liceu”.
E não é à toa que o CD (que
também tem tiragem em vinil),
além das duas músicas de Do-
rival,contecomparticipaçõesde
Dori (violão) e Danilo Caymmi
(flauta) em outras faixas.
Em Gilbertos, é como se ele
tratasse da transmissão dessa
excelência. “Nós que derivamos
dessa grandeza do João, que
fomos levados a procurar em
nósmesmosenonossoentorno
essamesmagrandeza,quenun-
ca é a mesma, mas sempre um
desdobramento dela já em
João, em Caymmi e em tantos
que nos antecederam, que ela
também permaneça em tantos
que venham nos suceder”.
Com produção do filho Bem
Gil e de Moreno Veloso (filho de
Caetano,comquemjáhaviatra-
balhado em Quanta), a própria
continuidadedessatransmissão
parece assegurada. “Como são
filhos dos discípulos de João,
chamei para entrarem na roda e
no processo do cuidado com a
sucessão”.
Gil revela que deixou que “os
meninos” concebessem o disco
com a feição deles e que só en-
trou, basicamente, com a voz e
violão. “Eles é que cuidaram de
tudo, os aspectos ornamentais,
o sentido da simplicidade no re-
pertório, tudo isso foram eles e
os amigos que eles trouxeram
para participar”. Músicos como
Domenico, Rodrigo Amarante,
Nicolas Krassik (violino), Pedro
Sá (guitarra) e Mestrinho (acor-
deon), entre outros.
Bem suave
A estreia da turnê nacional de
lançamento de Gilbertos Samba
acontece hoje, no Teatro NET
Rio, e nos dias 16 e 17 de maio
o show chega a Salvador, no
Teatro Castro Alves.
De acordo com Gil, eles vão
reproduzir a atmosfera básica
do disco, com violão e voz, “per-
cussão leve, não invasiva, bem
suave,paraprestigiarumpouco
mais a atmosfera da voz e do
violão que foram gravados de
uma vez só, com uma captação
bem joãogilbertiana”.
Alem de todas as canções do
disco, o show inclui sambas co-
mo Mancada (do início de sua
carreira), Meio de Campo (dos
anos 70), Máquina de Ritmo e a
inédita Rio Eu Te Amo.
O tributo a João é ainda mais
mágico, sendo o próprio Gil um
mestredamúsicabrasileira,rea-
lizando esse projeto aos 71
anos. É como se as suas tantas
e variadas realizações tivessem
na obra de João o que teóricos
do caos chamam de atrator,
uma espécie de intenção cós-
mica íntima que a anima.
“Ainda que na minha capa-
cidade de lidar e tratar a música
eutenhasidoatraídopormuitas
outras coisas, por Gonzaga, a
música do Recôncavo baiano,
Caymmi,ojazzeorock,deeuter
me entregue a um ecletismo va-
gabundo de certa forma, em-
bora tudo isso conte, talvez sem
João eu não tivesse nem con-
seguido me soltar tanto e com-
preender tanto as possibilida-
des tão variadas de abordagem
musical e liberdade”.
E dessa liberdade, algo que é
música e um além da música
também se revela: “João me fez
compreender muita coisa: a io-
ga, as novas leis da fisica, a es-
piritualidade da matéria e a ma-
terialidadedoespírito.Joãoaju-
dou muito ao meu próprio per-
curso pela floresta do existen-
cial. Não só a mim, mas a todos
da minha geração: ele é um
mestremaiornessesentido.Um
grande iogue”.
O sambados
GGiillbbeerrttooss
Gilberto Gil
reverencia, aos
71 anos, o mestre
João Gilberto, “um
grande iogue”
O CD é produzido
por Bem Gil e
Moreno Veloso
que, para Gil,
garantem o
“cuidado com a
sucessão”