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ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O
NOVO REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO
«Hoje em dia, os ideais de realização pessoal que cada
um vorazmente persegue, secundarizaram o casamento.
O casamento é um estado acessório que todos
retardamos. As pessoas continuam a casar-se numa ou
noutra altura da vida, mostrando que a normatividade
social do casamento se mantém. O que foi desaparecendo
foi a ideia do casamento como uma âncora individual, a
estrutura estável onde as paixões e os impulsos de cada
um se domesticam.
A felicidade passou a depender de uma espécie de
emotivismo permanente, desligado de regras e
compromissos duradouros.»
Pedro Lomba
Diário de Notícias
SUMÁRIO
I - O PROCESSO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO NO
TRIBUNAL
I - I - INTRODUÇÃO
I - II - A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL
I - III - LIMITAÇÕES NO NÚMERO DE TESTEMUNHAS
I - IV - A DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
I - V - O ADIAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS
I - VI - A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE
I – VII - O PATROCÍNIO FORENSE
I - VIII – OS EFEITOS DO CASO JULGADO
I - IX - EFEITOS DA DESISTÊNCIA DA ACÇÃO
I- X - O ÓNUS DA PROVA DAS DIVERSAS PRETENSÕES
I - XI - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA ESTRUTURA
I - XII - A FIXAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DO DIVÓRCIO EM ACÇÕES
AUTÓNOMAS E OS EFEITOS NO PROCESSO DE DIVÓRCIO
II - XIII - ESTRUTURA FORMAL DA DECISÃO
II - XIV - A INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
II - CESSAÇÃO DA RELAÇÃO DE AFINIDADE POR DIVÓRCIO
III - A PARTILHA DE BENS NO DIVÓRCIO
- 2 -
- I -
O PROCESSO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO
CONSENTIMENTO NO TRIBUNAL
- I - I -
INTRODUÇÃO
Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, são estabelecidas três
modalidades de divórcio: -
a) - o divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do
registo civil quando os cônjuges estejam de acordo em divorciar-se e quanto à
regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, ou esta
esteja previamente regulada, à atribuição da casa de morada de família, à fixação da
prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e à relação especificada dos comuns
ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha, acordo sobre a partilha dos bens
comuns (artigos 1775.º, 1776.º, 1776.º-A e 1778.º do Código Civil, 272.º a 272.º-C do
Código de Registo Civil, 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e
1420.º, 1422.º e 1424.º do Código de Processo Civil);
b) - o divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal quando
os cônjuges estejam de acordo em divorciar-se mas esse acordo não exista quanto à
regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, quanto à
atribuição da casa de morada de família, quanto à fixação da prestação de alimentos ao
cônjuge que deles careça ou quanto à relação especificada dos bens comuns (artigo
1178.º-A do Código Civil);
c) - o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges quando estes não
estejam de acordo em divorciar-se (artigos 1779.º, 1781.º e 1785.º do Código Civil e
1407.º e 1408.º, ambos do Código de Processo Civil).
Para além das alterações normativas exigidas pela eliminação da culpa no
divórcio, uma das principais novidades da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, consiste
na disposição normativa introduzida pelo artigo 1778.º-A do Código Civil, onde é
prevista a possibilidade de decretamento do divórcio por mútuo consentimento sem o
acordo dos cônjuges quanto a todos ou alguns dos consensos obrigatórios que deveriam
instruir o mesmo requerimento de divórcio por mútuo consentimento na conservatória
do registo civil1
.
Este modelo de divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal2
prevê apenas as seguintes regras3
: -
a) - o prosseguimento da acção para a fixação judicial das consequências do
divórcio por mútuo consentimento, relativamente às questões sobre as quais os cônjuges
não alcançaram acordo, como se fosse um divórcio sem consentimento;
1
A relação especificada dos bens comuns, acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais dos filhos
menores, acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e acordo sobre o destino da casa de
morada de família (artigo 1775.º do Código Civil).
2
Na prática, trata-se de um mútuo consentimento quanto ao divórcio mas litigioso quanto às demais questões que os
cônjuges deveriam resolver no divórcio por mútuo consentimento.
3
Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais - algumas Reflexões sobre a aplicação do novo
regime, Revista do CEJ, 1.º semestre 2009, n.º 11, pgs. 147-149.
- 3 -
b) - pressupõe a definição judicial das consequência do divórcio em todos os
segmentos dos interesses dos cônjuges e dos interesses dos filhos que não tenham sido
acordados, após a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária.
Este conjunto de regras é ainda aplicável aos casos em que o conservador do
registo civil entenda que os acordos apresentados pelos cônjuges não acautelam
suficientemente os interesses de um deles, quando os requerentes do divórcio não se
conformam com as alterações indicadas pelo Ministério Público ao acordo sobre o
exercício das responsabilidades parentais e mantenham o propósito de se divorciar e
quando, na tentativa de conciliação ou em qualquer altura do processo de divórcio sem
consentimento, seja obtido o acordo para conversão em divórcio por mútuo
consentimento (artigos 1776.º-A, 1778.º e 1779.º, todos do Código Civil).
Assim, ao contrário do regime anterior, em que existia uma separação
definida na tramitação e na competência entre o divórcio por mútuo consentimento
(onde os cônjuges deveriam acordar nas questões relativas aos seus interesses pessoais e
patrimoniais e aos interesses dos filhos menores) e o divórcio litigioso (em que essas
questões seriam objecto de decisão nas acções próprias, não afectando a tramitação da
acção de divórcio), estando os cônjuges de acordo em cessar a relação matrimonial por
divórcio mas não havendo acordo sobre todas ou alguma das questões sobre as quais
teriam que chegar a acordo, incumbe ao juiz decidir os efeitos do divórcio relativamente
a essas questões, como se fosse um divórcio sem consentimento.
Salvo o devido respeito, parece-nos que esta opção legislativa não terá a
virtualidade de reduzir a conflituosidade entre os cônjuges nem aumentará a eficiência
da justiça na medida em que desresponsabiliza os cônjuges de procurarem, por sua
própria iniciativa, a obtenção de acordos ou não os induz na busca de uma solução
consensual quanto às questões que terão que resolver caso pretendam ambos obter a
dissolução do casamento por divórcio4
.
Com efeito, a exigência de obtenção dos acordos sobre os interesses de cada
um dos cônjuges e sobre os interesses dos filhos menores como requisito do
decretamento do divórcio, responsabilizava os cônjuges na satisfação dos interesses
controvertidos e obrigava-os a empenhar-se na procura de soluções consensuais e mais
ajustadas aos interesses em causa.
Porém, a solução normativa encontrada, para além das inúmeras questões
processuais que suscita, contribui para diminuir o esforço de conciliação e de consenso
entre partes, relegando para o tribunal a resolução das questões que os cônjuges
poderiam obter por acordo (neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Apreciação Crítica
do Projecto-Lei que altera o Código Civil, Lisboa 2008, pg. 51).
Um dos principais objectivos desta reflexão consiste em analisar e avaliar os
impactos decorrentes da falta de previsão dos trâmites processuais que fixem ou
determinem previamente a prática dos actos e a produção de prova eventualmente
necessária para que o juiz decida sobre as consequências do divórcio.
Com efeito, num ordenamento rigidamente formatado segundo o princípio
da legalidade dos trâmites ou das formas processuais, a possibilidade do juiz poder
determinar a tramitação do processo e a produção de prova eventualmente necessária,
“tem tanto de aliciante para a realização da justiça no processo civil, como de
ameaçador para as garantias daqueles que exercem o seu direito à jurisdição” (Pedro
Madeira de Brito, O novo princípio da adequação formal, Aspectos do Novo Processo
Civil, Editora Lex, pg. 31).
4
Suscitando também reservas sobre esta opção, Pedro Lima, Algumas Notas Críticas sobre a Lei n.º 61/2008, de 31
de Outubro, Boletim da ASJP, IV.ª série, n.º 4, Setembro 2010 (pg. 202).
- 4 -
Na verdade, o processo não existe sem procedimento e este impõe a
observância de uma forma em que as formalidades dos actos ou a sua ordenação formal
podem ser determinadas segundo um dos seguintes sistemas: -
a) - o sistema da legalidade das formas em que a actuação processual se
encontra pré-estabelecida na lei, podendo o desrespeito das suas prescrições constituir
irregularidade que, nalguns casos, comporta um valor negativo que pode implicar a
ineficácia (em sentido amplo) do acto ou dos actos praticados fora da sequência
processual;
b) - o sistema de liberdade de forma em que não existem formas
previamente fixadas pelas normas processuais, cabendo aos sujeitos do processo (partes
ou juiz) determinar, em cada momento e em concreto, a forma a observar.
Embora não existam sistemas absolutamente puros, são apontadas vantagens
e desvantagens a um e a outro sistema.
Em primeiro lugar, se a lei fixa ou determina previamente as formas dos
actos ou da sequência de actos, verifica-se uma maior garantia para as partes, as quais,
quando instauram uma acção ou exercem um direito de defesa, conhecem e sabem à
partida quais os procedimentos a adoptar e o respectivo iter5
.
Em sentido contrário, num sistema de liberdade de forma, existe o perigo de
o juiz, conscientemente ou não, ceder a influências incontroláveis; na determinação da
modalidade processual pode ser escolhido um dado ponto de vista sem que exista forma
segura de controlar essa escolha além de que, perante situações idênticas, os juízes
poderiam decidir de forma diferente, o que coloca em risco a igualdade das partes
perante o processo e a garantia destas ao correcto exercício da função jurisdicional.
Em segundo lugar, assinala-se ao sistema de liberdade de forma uma maior
celeridade no andamento do processo quando sejam atribuídos poderes ao juiz com esse
objectivo, enquanto que, ao sistema com formalidades pré-elaboradas é imputada
morosidade face à eventual verificação de actos desnecessários mas fixados na lei;
numa outra perspectiva, num sistema de liberdade de formas, se forem as partes a
definir a forma adoptar, existe o risco razoável de intermináveis dilações e
desfigurações que põem em causa a realização do próprio interesse das partes no
processo.
Finalmente, em terceiro lugar, o procedimento demasiado ritualizado e com
efeitos preclusivos não permite alcançar a justiça material que se procura através do
processo, constituindo um verdadeiro obstáculo no acesso à justiça.
Em suma, e com vista a assegurar um efectivo direito de acesso à justiça, o
processo, de natureza instrumental, não pode constituir obstáculo a uma decisão que
atinja a justiça material e as regras sobre a forma devem ajustar-se à questão em litígio.
O equilíbrio entre as garantias conferidas pela forma no processo e a
necessidade da realização da justiça material enquanto missão do Estado exige uma
adequada ponderação do princípio da instrumentalidade da forma no processo e que se
resume na ideia de que as formas do processo previstas na lei não servem para a
realização de um fim próprio e autónomo, sendo estabelecidas como o instrumento mais
idóneo para atingir um determinado resultado, o qual constitui o único e verdadeiro
objectivo da norma que disciplina a forma (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao
Processo Civil, Lisboa 1993, pgs. 35-36; Pedro Madeira de Brito, ob. cit., pgs. 31-35).
Porém, a capacidade de tornar expedito o processo por parte do juiz
implica que a lei processual lhe confira, num sistema predominantemente legalista
5
Segundo a máxima de Jhering, “a forma é inimiga jurada do arbítrio, a irmã gémea da liberdade”.
- 5 -
como o nosso, um efectivo poder de controlo e de direcção do processo,
enformando-o como um dever de gestão mas, sobretudo, impondo regras sóbrias de
litigância que condicionem a prolixidade das partes.
Por outro lado, não tipificando a lei formalmente os actos a praticar, estes
deverão ser praticados segundo a forma mais adequada a atingir o fim e o acto
processual praticado pelo juiz a que faltem os requisitos indispensáveis para atingir o
escopo pode ser inválido, mas esta invalidade é irrelevante se o acto atingiu o fim para o
qual se encontrava destinado na medida em que as regras de forma têm por função
garantir os interesses das partes, o que se retira da regra da relevância genérica do vício
formal no interesse de quem foi estabelecido.
Com efeito, o processo civil deve ser visto como algo que serve para
viabilizar a discussão, a dialéctica, tão alargadamente quanto possível, em ordem a
conseguir-se o desiderato que é a causa final do processo, a saber, a decisão da causa (a
boa quanto possível decisão), e não tanto mini-decisões de fases ou sub-fases
processuais.
Exactamente para que os problemas substantivos sejam bem ponderados,
deve haver um conjunto de regras de procedimento que confiram segurança às pessoas
cujos valores e interesses, e cujos diferendos justificam e impõem que a função
jurisdicional do Estado se exerça através de normatividade que imprima segurança e não
anarquia nos procedimentos.
Ao adequar a tramitação ao caso concreto6
, o juiz não pode fazê-lo com
violação da igualdade das partes, do direito de defesa, do contraditório e do dispositivo.
Por outro lado, a estrutura óssea do processo ou a sua matriz essencial não
deverão ser objecto de grandes alterações, sendo difícil prever que ocorram supressões
ou acrescentos de fases processuais pelo que a mudança na atitude do juiz será sentida
concretamente, dentro de cada fase, na dosagem e construção de cada acto processual7
.
Há que pensar, também, que a ponderação necessária para ajustar
devidamente as normas do processo implicará perder algum tempo de estudo e análise
do processo, sendo que o tempo não é o que mais abunda nos tribunais de maior
movimento.
Assim sendo, o principal problema com que somos confrontados consiste
em saber se, ao afirmar o legislador que o juiz determina a prática dos actos e a
produção de prova eventualmente necessária tanto para apreciar os acordos como para
fixar as consequências do divórcio, este tem a faculdade de adaptar “activamente” as
normas processuais8
e quais os limites de que dispõe9
.
- I - II -
A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL
6
Determinando a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária.
7
Embora relacionado com o dever de gestão processual previsto no Regime Processual Civil Experimental (Decreto-
Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho), defendemos que, em qualquer das situações em que o juiz faça uso do princípio da
adequação formal ou do dever de gestão processual, deve apresentar às partes os detalhes da programação processual
que irá adoptar, sendo essa esquematização mais justa e eficiente se for feita em colaboração com as partes (António
José Fialho, Simplificação e Gestão Processual, Regime Processual Civil Experimental, Edição CEJUR, pg. 58).
8
Aplicáveis a cada uma das questões referidas no artigo 1775.º do Código Civil (regulação do exercício das
responsabilidades parentais, atribuição da casa de morada de família, alimentos ao cônjuge que deles careça e
relacionação dos bens comuns).
9
Com efeito, os limites para esta adaptação activa das normas processuais é que poderão constituir questões
controvertidas na medida em que as regras processuais que determinam conteúdos injuntivos ou peremptórios (e.g. no
que respeita a prazos) ou aquelas que interferem no exercício dos direitos processuais (igualdade das partes, direito de
defesa e do contraditório) não poderão ser objecto de qualquer adaptação discricionária ou injustificada face aos fins
do processo.
- 6 -
A primeira questão que se coloca é saber se, com o prosseguimento da
acção para fixação judicial das consequências do divórcio por mútuo consentimento
como se fosse um divórcio sem consentimento, o legislador pretende que se faça uso do
regime previsto no artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, no qual se prevê a
possibilidade de fixação incidental (provisória e para a pendência da acção de divórcio)
da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, da
fixação de alimentos a cônjuge e da atribuição de casa de morada de família10
.
Os incidentes no processo são formas processuais secundárias em relação ao
processo principal, pressupondo, em geral, uma questão a resolver e que apresenta, em
relação ao objecto da acção, carácter acessório ou secundário ou representa uma
ocorrência anormal produzida no decurso do processo, sujeita a uma tramitação própria,
uma vezes materialmente autonomizada, outras inserida na tramitação do processo
principal (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pg. 564).
Em primeiro lugar, estando este regime incidental gizado para uma fixação
provisória de alguns dos efeitos do divórcio, a determinação definitiva prevista no artigo
1778.º-A, n.º 3 do Código Civil, apenas pode querer dizer que a acção prossegue sem
consentimento das partes quanto às consequências do divórcio mutuamente consentido
(neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais, pg.
148).
Sobre esta questão, Tomé d’Almeida Ramião entende que “o legislador não
pretendeu que na fixação dessas consequências, o juiz aplique as regras processuais
aplicáveis ao divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, ou seja, não pretendeu
remeter para o regime processual previsto nos artigos 1407.º e 1408.º do Código de
Processo Civil e afastar o regime processual aplicável ao divórcio por mútuo
consentimento, previsto nos artigos 1419.º a 1424.º do Código de Processo Civil, por
incompatível com o regime instituído no artigo 1778.º-A. Se assim fosse, tê-lo-ia dito,
nomeadamente que seria aplicável esse regime processual, com as devidas adaptações”
(O Divórcio e Questões Conexas, 2.ª edição, pg. 60).
O mesmo autor afirma que “estamos em presença de um divórcio por mútuo
consentimento e, por isso, a decisão a proferir nas questões sobre que os cônjuges não
acordaram, será proferida como se se estivesse perante um divórcio por mútuo
consentimento. Fixa as consequências como se tratasse de um divórcio por mútuo
consentimento de um dos cônjuges, porque não o é. No divórcio sem consentimento, o
juiz não aprecia, nem decide, essas questões11
. Elas não constituem objecto da acção de
divórcio sem consentimento. Aqui apenas se aprecia e decide do divórcio e,
eventualmente, e apenas a título provisório, da atribuição da casa de morada de família,
dos alimentos entre cônjuges e do exercício das responsabilidades parentais, nos termos
do artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil” (ob. cit., pg. 60).
A segunda questão radica em saber como se procede a essa definição
judicial das consequências uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer previsão
10
Segundo Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, Almedina, pg. 8) “a ideia que está na base do incidente
processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção, se incrusta uma questão acessória e
secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se
inserem. No centro do incidente processual está, pois, uma questão controvertida surgida no decurso do processo que,
em regra, deve ser decidida antes da decisão da questão principal do litígio e cuja sede própria é a decisão final. A
questão incidental é, assim, de natureza contenciosa, com certo grau de conexão com algum dos elementos que
integram o processo, sendo a questão incidental a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no
desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo
de autonomia ou, noutra perspectiva, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e
eventual em relação ao processo próprio da acção principal.”
11
A título de exemplo, caso algum dos cônjuges pretenda que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação
(artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil), por se tratar de direitos indisponíveis - e, consequentemente, insusceptíveis de
acordo ou de confissão - não será possível aos cônjuges convolar o processo para divórcio por mútuo consentimento,
ainda que estejam ambos de acordo em divorciar-se, devendo o processo prosseguir para julgamento.
- 7 -
específica de procedimento e a definição judicial de cada uma dessas consequências
encontra-se “prevista em acções independentes, com naturezas distintas, tramitações
específicas e ónus de prova diferenciados”12
, nomeadamente: -
a) - a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais é
tramitada como acção de jurisdição voluntária (artigos 150.º a 161.º e 174.º a 180.º da
Organização Tutelar de Menores, 1905.º e 1906.º do Código Civil e 302.º a 304.º e
1409.º a 1411.º, todos do Código de Processo Civil).
b) - a acção judicial de atribuição de casa de morada de família é tramitada
como processo especial de jurisdição voluntária (artigos 1793.º do Código Civil e
1413.º, 302.º a 304.º e 1409.º a 1411.º, todos do Código de Processo Civil).
c) - a acção de alimentos entre cônjuges configura uma acção declarativa
comum, sob a forma ordinária ou sumária, consoante o valor da causa (artigos 461.º do
Código de Processo Civil e 2016.º e 2016.º-A, ambos do Código Civil).
d) - a determinação dos bens comuns do casal é realizada através do
incidente de reclamação de bens no âmbito de processo especial de inventário para
separação de meações13
(artigos 1348.º e 1349.º e 302.º a 304.º “ex vi” do artigo 1404.º,
n.º 3, todos do Código de Processo Civil14
).
A propósito da tramitação a seguir pelo tribunal no divórcio por mútuo
consentimento, Alexandra Viana Lopes refere o seguinte (Divórcio e responsabilidades
parentais, pgs. 148 e 149): -
«Na acção de divórcio com consentimento, não estando previsto
procedimento adequado para a definição das consequências do divórcio, deve este
decorrer de acordo com as regras gerais.
Assim, concebem-se dois tipos de situações.
No caso de ser apresentado pedido de decretamento de divórcio no tribunal,
ab initio, devem os requerentes na petição inicial, formular o pedido de cada uma
das partes quanto à fixação das consequências pretendidas relativamente às quais
obtiveram consenso, alegar como causa de pedir e oposição, os factos em que estão
de acordo e os factos em que estão em desacordo, indicar a prova de cada uma das
partes.
No caso de devolução de competência para o tribunal em processo
inicialmente entrado na conservatória do registo civil relativamente a qualquer um
dos consensos, sem que o juiz tenha vindo a conciliar as partes, ou no caso de
convolação de uma acção de divórcio sem consentimento, deve o juiz suscitar a
dedução do incidente, ao qual cada um dos cônjuges formule o seu pedido, alegue
os factos integrativos da causa de pedir e indique a prova, incidente a que se
seguirá as regras gerais de contraditório, prova e julgamento (artigos 302.º e
seguintes do Código de Processo Civil).
Em todo o caso, enxertando-se as discussões sobre as consequências do
divórcio na própria acção de divórcio com consentimento, não se pode deixar de
prever uma grande complexidade processual, com o acentuar da demora na
12
Alexandra Viana Lopes, Divórcio e responsabilidades parentais, pg. 148.
13
Entrou em vigor em 18 de Julho de 2010 o Regime Jurídico do Processo de Inventário (aprovado pela Lei n.º
29/2009, de 29 de Junho, alterada pelas Lei n.º 1/2010, de 15 de Janeiro, e pela Lei n.º 44/2010, de 3 de Setembro).
Aquando do termo deste trabalho, não tinham ainda sido publicados os diplomas regulamentares que permitissem a
implementação deste novo regime jurídico do processo de inventário pelo que se optou por fazer referência às
disposições normativas relativas ao novo regime jurídico quando sejam referenciadas no texto disposições normativas
do processo de inventário contidas no Código de Processo Civil.
14
Artigos 1.º, n.º 4, 27.º, n.º 1, alínea c), e 71.º, todos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
- 8 -
definição das pretensões litigiosas, em face da diversidade de qualidade de cada
uma das partes nas diferentes pretensões.
A parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuição
das garantias em face das acções comuns de alimentos, de atribuição de casa de
morada de família e de regulação das responsabilidades parentais, pode revogar o
consentimento do divórcio por mútuo consentimento e instaurar ou aguardar a
instauração de acção de divórcio sem consentimento, com a cumulação do pedido
de alimentos e a instauração das acções conexas em que venha a pedir a definição
desses interesses (artigos 470.º, n.º 2 e 1413.º, do Código de Processo Civil e
artigos 154.º, n.º 4 e 174.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de
Outubro).»
Contudo, este conjunto de regras não resolve inteiramente o problema pois,
mesmo considerando uma tramitação incidental das questões sobre as quais os cônjuges
não lograram obter consenso no âmbito do divórcio com consentimento (instaurado no
tribunal, remetido pela conservatória ou mediante convocação de divórcio sem
consentimento), subsiste ainda um conjunto de questões processuais a resolver.
Procurando aproximar-se da solução deste problema, Tomé d’Almeida
Ramião afirma que “o juiz fixa essas consequências contra a vontade do outro cônjuge,
tendo em conta a pretensão do cônjuge demandante, os fundamentos invocados e as
regras do ónus da prova (…) fundamentando e demonstrando a sua causa de pedir” (O
Divórcio e Questões Conexas, pgs. 61-62).
O mesmo autor refere que são aplicáveis os princípios gerais da jurisdição
voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do Código de Processo Civil) na medida em que o
divórcio por mútuo consentimento se insere no âmbito desses procedimentos, sendo
ainda aplicáveis as disposições dos artigos 1419.º a 1422.º e 1424.º, todos do mesmo
Código (que não foram revogados), a sua utilidade prática reconduz-se aos casos de
convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento e,
finalmente, a sua previsão para o divórcio requerido na conservatória do registo civil se
afigura deslocada15
.
Para compreender melhor o problema, imagine-se uma situação em que os
cônjuges requereram o divórcio por mútuo consentimento no tribunal, instruem esse
pedido com uma relação especificada de bens comuns e afirmam não estar de acordo em
relação à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, à
atribuição do destino da casa de morada de família e à obrigação de alimentos a um dos
cônjuges.
Não conseguindo o juiz obter o consenso dos cônjuges quanto a estas
questões, deve determinar a prática dos actos e proceder à produção de prova que
considere necessária para a fixação das consequências do divórcio nas questões em que
os cônjuges não apresentaram acordo ou não acordaram na conferência16
.
Com vista a uma melhor compreensão da questão, a causa de pedir de cada
uma destas pretensões pode até não estar ainda suficientemente delimitada, não só
porque a questão é colocada em função de um divórcio sem consentimento convolado
em mútuo consentimento relativamente ao qual não existe o ónus de alegação destas
questões mas apenas dos fundamentos do divórcio (artigo 1779.º, n.º 2 do Código Civil)
15
Nesta parte, não concordamos com este autor na medida em que o legislador consagrou a remissão deste conjunto
de normas no artigo 272.º, n.º 5 do Código de Registo Civil (a propósito do procedimento do divórcio por mútuo
consentimento requerido na conservatória do registo civil).
16
No âmbito de um processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, se estes estão de acordo em
divorciar-se na tentativa de conciliação, não faz sentido efectuar a notificação do réu para contestar (artigo 1407.º, n.º
5 do Código de Processo Civil) uma vez que o objecto do litígio não serão as questões alegadas na petição inicial da
acção de divórcio sem consentimento mas alguma das questões mencionadas no artigo 1775.º do Código Civil sobre
as quais os cônjuges não obtiveram acordo.
- 9 -
ou porque a situação é colocada em função de um divórcio por mútuo consentimento
remetido pela conservatória do registo civil em que não se logrou alcançar acordo sobre
alguma das questões (artigo 1778.º do mesmo Código).
Neste caso, deve o juiz determinar a prática dos actos necessários,
designadamente a apresentação dos articulados em que cada um dos cônjuges formule o
seu pedido, alegue os factos integrativos da causa de pedir e indique a respectiva prova,
a que se seguirão as regras gerais do contraditório, prova e julgamento.
É aqui que se vão colocar as questões processuais a que a Lei n.º 61/2008,
de 31 de Outubro, não soube dar a resposta adequada.
Vejamos.
Para o exemplo que escolhemos, quer seja adoptada a solução processual do
incidente (artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil), quer a do processo de
jurisdição voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do mesmo Código), as partes têm o ónus
de alegar os factos integrativos da causa de pedir (e oferecer ou requerer a respectiva
prova) que permitam ao julgador decidir sobre a atribuição do uso da casa de morada a
um dos cônjuges, sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores
(residência e exercício das responsabilidades parentais, relações pessoais com o
progenitor não residente e obrigação de alimentos) e sobre a fixação de alimentos ao
cônjuge que alega necessitar deles (com a correspondente alegação das possibilidades
do outro cônjuge).
Vejamos a primeira situação.
O n.º 7 do artigo 1407.º do Código de Processo Civil dispõe que “em
qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma
das partes, e se entender conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a
alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e
quanto à utilização da casa de morada de família.”
Para haver lugar à aplicação desta disposição normativa, há ocorrer uma
situação de urgência (premência) relativa a qualquer uma dessas questões, de tal modo
que, não sendo as mesmas fixadas, resultem colocados em perigo ou em risco relevante
os bens ou interesses que visam acautelar.
Ao estabelecer um juízo de conveniência, o legislador está a reportar-se a
uma conveniência em termos temporais, no sentido de que só deve concluir ser
conveniente fixar algum daqueles regimes provisórios se, ponderada em concreto a
situação dos cônjuges e filhos, em função do período de tempo que, previsivelmente, a
acção de divórcio demorará, em juízo, se lhe afigurar necessário (conveniente) tal
fixação ou, no mínimo, prudente, para acautelar o risco que a demora da acção pode
assegurar aos interesses que estão em causa, configurando-se este regime provisório
como medida cautelar (neste sentido, Ac. RL de 11/02/2010 in CJ, I, pgs. 114-117).
Vejamos agora a segunda situação.
Caso sejam adoptados os critérios da jurisdição voluntária (aplicáveis à
regulação do exercício das responsabilidades parentais e à atribuição do uso da casa de
morada de família), o julgador pode decidir segundo um juízo de oportunidade ou
conveniência sobre os interesses em causa, proferindo a decisão que lhe pareça mais
equitativa, podendo, por exemplo, investigar livremente os factos, coligir as provas,
ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as
provas que considere necessárias (artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Contudo, o tribunal não dispõe destes poderes nas acções em que esteja em
causa a fixação dos alimentos entre cônjuges ou a determinação dos bens comuns já que
estas questões são integradas no âmbito da jurisdição contenciosa.
Esta é a primeira questão que importa resolver na medida em que a mesma é
determinante quanto à posição assumida pelo julgador no âmbito do processo.
- 10 -
Para efeitos de determinação da natureza da jurisdição, o legislador adoptou
o sistema de enumeração taxativa dos processos de jurisdição voluntária (artigos 1409.º
a 1411.º do Código de Processo Civil).
Assim, a jurisdição voluntária é exercitada em função dos interesses dos
sujeitos envolvidos ou de situações jurídicas subjectivas, cuja tutela é assumida por
razões de interesse geral da comunidade, visando a actividade do tribunal, na resolução
do caso concreto, com vista a permitir: -
a) - um certo interesse ou feixe de interesses previstos na lei e não à mais
justa composição dos interesses e direitos contrapostos dos litigantes;
b) - um certo interesse ou feixe de interesses deixado à livre apreciação do
juiz; ou para
c) - permitir que o juiz se limite a controlar uma auto-composição
processual das próprias partes.
No âmbito desta jurisdição, existe uma diferente modelação prática de
certos princípios ou regras processuais cuja distinção tende a basear-se nos critérios de
decisão do tribunal e no maior relevo atribuído ao princípio do inquisitório (neste
sentido, Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código de Processo Civil
Revisto, pgs. 78-80).
A característica geral dos processos de jurisdição voluntária é a de que não
há neles “um conflito de interesses a compor, mas só um interesse a regular, embora
podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse”
(Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 72)
ou “um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se
posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes”
(Antunes Varela - J. Miguel Bezerra - Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª
edição, pg. 69).
Na jurisdição voluntária há, não a decisão de uma controvérsia entre as
partes, mas uma actividade de assistência e de fiscalização em relação a actos realizados
pelos particulares, sendo a intervenção requerida pela parte interessada. Pode existir
controvérsia entre os interessados mas o essencial, nestes casos, é que haja um interesse
fundamental tutelado pelo direito e ao juiz se tenha atribuído o poder de escolher a
melhor forma de o gerir ou de fiscalizar o modo como se pretende satisfazê-lo.
Com vista a explicitar o critério distintivo entre a jurisdição voluntária e a
jurisdição contenciosa, Alberto dos Reis afirma que aquela tem um “fim essencialmente
constitutivo, tendendo à constituição de relações jurídicas novas ou coopera na
constituição e no desenvolvimento de relações existentes” e que “no espírito de quem
organizou a classificação estava o critério doutrinal no tocante à diferenciação, baseado
no exercício de uma actividade essencialmente administrativa na jurisdição voluntária e
de uma actividade verdadeiramente jurisdicional na jurisdição contenciosa” (Processos
Especiais II, Coimbra Editora, pgs. 397-398).
Como afirma o mesmo autor, “um julgamento pode inspirar-se em duas
orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade.
No primeiro caso, o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de
julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respectiva, ainda que, em
sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo
caso, o julgamento não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à
espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir
a decisão que lhe pareça mais equitativa” (ob. cit., pg. 400).
- 11 -
Assim, são aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária as seguintes
regras: -
a) - é mais forte a presença do princípio do inquisitório, em contraposição
ao princípio do dispositivo, na medida em que o julgador pode investigar livremente os
factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes,
tendo o poder de só admitir as provas que julgue necessárias17
(artigo 1409.º, n.º 2 do
Código de Processo Civil);
b) - o juiz não está sujeito a critérios de decisão fundados em legalidade
estrita, podendo pautar-se pela equidade, adoptando, em cada caso18
, a solução que lhe
pareça mais conveniente e oportuna ou devendo procurar antes, pela via do bom senso,
a solução mais adequada a cada caso19
(artigo 1410.º do mesmo Código);
c) - as decisões adoptadas pelo julgador são livremente modificáveis, com
fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem essa modificação
(princípio «rebus sic standibus») (artigo 1411.º, n.º 1 do referido Código);
d) - é inadmissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de
todas as decisões proferidas no âmbito destes processos, contanto que tenham sido
pronunciadas segundo critérios de estrita conveniência e de oportunidade, ou seja,
segundo critérios (decisórios) de equidade (artigo 1411.º, n.º 2 do Código de Processo
Civil);
e) - não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso
(artigo 1409.º, n.º 4 do Código de Processo Civil);
f) - com o requerimento inicial e a respectiva oposição, devem ser logo
oferecidas as testemunhas e requeridos os outros meios de prova (artigo 303.º, n.º 2 “ex
vi” do artigo 1409.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil);
g) - cada parte não pode produzir mais de três testemunhas sobre cada facto
nem pode oferecer mais de oito testemunhas (artigo 304.º, n.º 1 “ex vi” do artigo 1409.º,
n.º 1, ambos do Código de Processo Civil).
Em primeiro lugar, e no que diz respeito a uma das questões entre os
cônjuges que o tribunal deve resolver (alimentos entre cônjuges) e, apesar de estar
legalmente consagrada a possibilidade de alteração na fixação de alimentos ao cônjuge
que deles careça, esta não existe em consequência dos mecanismos processuais da
jurisdição voluntária mas por força de outra excepção ao princípio da intangibilidade do
caso julgado.
17
Na jurisdição contenciosa, o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes ao passo que na
jurisdição voluntária, pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. Nestes processos, o material de facto
sobre que há-de assentar a resolução, é não só a que os interessados ofereçam, senão também o que o juiz conseguir
trazer para o processo pela sua própria actividade, dispondo de largo poder de iniciativa na colheita dos factos e nos
meios de prova. Em suma, na jurisdição contenciosa, os poderes oficiosos do juiz em matéria de prova têm natureza
subsidiária enquanto que, na jurisdição voluntária, essa limitação não existe (Alberto dos Reis, Processos Especiais II,
Coimbra Editora, pgs. 399-400).
18
A expressão “em cada caso” significa que o julgador, em vez de se orientar por conceitos abstractos de
humanidade e de justiça, deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução mais conveniente para os
interesses em causa, funcionando como um árbitro, ao qual é conferido o poder de julgar ex aequo et bono (Alberto
dos Reis, Processos Especiais II, pgs. 400-401).
19
Como afirma Antunes Varela (Manual de Processo Civil, pg. 72) “a prevalência da equidade sobre a legalidade
estrita, nas providências que o tribunal tome, não vai obviamente ao ponto de se permitir a postergação de normas
imperativas aplicáveis à situação”.
- 12 -
Com efeito, em termos substantivos, o artigo 2012.º do Código Civil
permite que, depois de fixados alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados,
se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos
ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser
obrigados a prestá-los; por seu turno, o artigo 2013.º do mesmo Código prevê mesmo a
possibilidade de cessação pela morte do obrigado ou alimentado, quando aquele que os
presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os receba deixe de precisar deles
ou quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
Com vista a concretizar este direito substantivo, o artigo 671.º, n.º 2 do
Código de Processo Civil dispõe que se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos
ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto
à sua medida e duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as
circunstâncias que determinaram a condenação.
Consagra-se, assim, uma excepção ao princípio da intangibilidade do caso
julgado em processos que não revistam natureza de jurisdição voluntária, excepção esta
justificada pela constituição da referência à situação de facto ou aos seus limites
temporais existentes no momento do encerramento da discussão (Lebre de Freitas,
Código de Processo Civil Anotado, 2.º volume, pg. 680).
Vejamos outra questão.
Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado
nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para
partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o da separação (artigo
1404.º, n.º 1 do Código de Processo Civil20
).
A partilha é o acto ou o meio técnico-jurídico pelo qual se põe termo à
indivisão de um património comum e, no caso da partilha dos bens que integram a
comunhão conjugal, visa a atribuição definitiva aos cônjuges dos bens comuns através
do preenchimento da respectiva meação, pressupondo a existência de mais do que um
titular desse património (Esperança Pereira Mealha, Acordos Conjugais para Partilha
dos Bens Comuns, Almedina, pg. 62).
Não optando ambos os cônjuges pela partilha conjuntamente com o divórcio
(artigos 1775.º, n.º 1, alínea a), “in fine” do Código Civil e 272.º-A a 272.º-C, todos do
Código de Registo Civil), é através do processo de inventário que os cônjuges irão pôr
termo à comunhão de bens do casal e onde devem relacionar-se os bens que entraram na
comunhão e as dívidas que oneram o património comum, ou seja, da responsabilidade
de ambos os cônjuges (neste sentido, Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, volume III, pg.
362; Ac. RP de 21/11/2000 in CJ, V, pg. 197).
Os bens que integram a partilha são especificados na relação por meio de
verbas sujeitas a uma só numeração, sendo as dívidas relacionadas em separado, sujeitas
a numeração própria (artigos 1345.º, n.os
1 e 2 e 1404.º, n.º 3, ambos do Código de
Processo Civil21
).
Apresentada a relação de bens no processo de inventário, é o outro
interessado notificado das declarações iniciais e da relação de bens, podendo reclamar
contra ela, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a exclusão de
bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguir
qualquer inexactidão na descrição dos bens que releve para a partilha (artigo 1348.º do
Código de Processo Civil).
Sendo deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal
notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre as
questões suscitadas na reclamação; confessando a existência dos bens cuja falta foi
20
Artigo 71.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
21
Artigos 23.º, n.os
1 e 2 e 71.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
- 13 -
acusada, deve proceder imediatamente ou no prazo que lhe seja concedido para o efeito,
ao aditamento da relação de bens inicialmente apresentada.
No caso contrário, haverá lugar à produção de prova, decidindo o juiz da
existência de bens e da pertinência da sua relacionação, salvo se a complexidade da
matéria de facto subjacente às questões tornar inconveniente a tramitação incidental,
caso em que se abstém de decidir e remete os interessados para os meios comuns
(artigos 1349.º e 1350.º, ambos do citado Código22
).
As provas devem ser apresentadas com o requerimento de reclamação e a
respectiva resposta pelo que, não o fazendo qualquer dos interessados, fica esgotada a
possibilidade de o conseguir posteriormente (artigo 303.º, n.º 2 “ex vi” dos artigos
1334.º e 1404.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil) (neste sentido, Tomé
d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, pg. 126; Ac. STJ de 09/02/1998 in
CJ-STJ, I, pg. 54; Ac. RP de 15/06/2000 in www.dgsi.pt/jtrp).
Também o processo de inventário para partilha de bens - e o respectivo
incidente de reclamação de bens - reveste natureza contenciosa na medida em que não
se encontra tipificado na enumeração dos processos de jurisdição voluntária (artigos
1409.º a 1411.º do referido Código).
Para apreciar os acordos que os cônjuges tenham apresentado ou para fixar
as consequências do divórcio, o legislador estabelece que “o juiz pode determinar a
prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária” (artigo 1778.º-A, n.º
4 do Código Civil).
Em primeiro lugar, importa observar que o legislador utiliza a mesma
expressão no n.º 1 do artigo 1776.º do Código Civil ao estabelecer que o conservador do
registo civil pode “determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente
necessária” na apreciação dos acordos apresentados pelos cônjuges e com vista a aferir
se estes acautelam os interesses de algum deles ou dos filhos.
Apesar desta coincidente formulação, afigura-se manifesto que os poderes
processuais conferidos ao juiz ou ao conservador numa e noutra disposição normativa
são bastante diferentes23
.
Com efeito, a prática dos actos e as diligências instrutórias a realizar pelo
conservador do registo civil devem apenas restringir-se à produção dos meios de prova
que permitam avaliar se os acordos acautelam os interesses que visam tutelar ou que
permitam convidar à correcção e aperfeiçoamento dos acordos pois tudo aquilo que
ultrapassar este entendimento irá colidir necessariamente com a norma constitucional
que reserva aos tribunais a função de julgamento dos conflitos de interesses
controvertidos (artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
Diversamente, o juiz pode (e deve) determinar uma tramitação processual de
instrução e julgamento das questões controvertidas que lhe sejam apresentadas.
Para fixar as consequências do divórcio na situação escolhida, o juiz teria
que decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos
menores, sobre a atribuição do uso da casa da morada de família e sobre a fixação de
alimentos a um dos cônjuges.
Vejamos.
A determinação da prática dos actos (processuais) necessários à fixação das
consequências do divórcio e sobre as quais os cônjuges não lograram alcançar o acordo
depende, em primeiro lugar, da modalidade de divórcio que é suscitada junto do
tribunal: -
22
Artigos 18.º e 28.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
23
O que permite indiciar, com algum grau de certeza, que o legislador não anteviu de forma adequada esta questão.
- 14 -
a) - no divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do
registo civil, quando o conservador entenda que algum dos acordos apresentados pelos
cônjuges não acautelam suficientemente os seus interesses ou quando estes se não
conformem com as alterações indicadas pelo Ministério Público ao acordo sobre o
exercício das responsabilidades parentais e mantenham o propósito de ser divorciar, em
princípio, não existe conflito entre os cônjuges e os actos processuais praticados apenas
expressam a diversidade de opiniões entre os cônjuges e o conservador do registo civil
ou entre aqueles e o Ministério Público (artigos 1776.º-A, n.º 4 e 1778.º, ambos do
Código Civil);
b) - no divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal, os actos
processuais praticados apenas expressam a vontade dos cônjuges em divorciar-se mas
nem sequer é exigida qualquer alegação quanto às questões sobre as quais não lograram
alcançar acordo (artigo 1778.º-A do Código Civil);
c) - no divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, quando obtido o
acordo para conversão em divórcio por mútuo consentimento, os actos processuais
praticados expressam, numa fase inicial, os fundamentos que justificam a dissolução do
casamento e, numa fase posterior, a manifestação da vontade de ambos os cônjuges em
divorciar-se, não sendo igualmente exigida qualquer alegação prévia quanto às
consequências do divórcio sobre as quais não exista acordo (artigo 1779.º do Código
Civil).
Na primeira situação, a divergência entre os cônjuges e o conservador do
registo civil ou entre aqueles e o Ministério Público pode consubstanciar uma questão
baseada num conjunto de factos mas será mais provável que configure uma questão de
direito ou sobre a interpretação das cláusulas dos acordos apresentados e sobre a sua
adequação jurídico-normativa às normas legais vigentes ou ao juízo de equidade que o
conservador ou o Ministério Público entendam que acautelam melhor os interesses de
qualquer dos cônjuges ou dos filhos menores.
Porém, nas restantes situações, ambos os cônjuges estão de acordo em
dissolver o seu casamento por divórcio mas esse acordo não se estendeu à regulação do
exercício das responsabilidades parentais, à atribuição da casa de morada de família e à
fixação de alimentos ao cônjuge que entende deles carecer24
.
Assim, é mais provável que, nestes casos, a divergência implique a
instrução e discussão das questões controvertidas, quer na sua componente fáctica, quer
na componente jurídico-normativa, justificando um mínimo de alegação dos
interessados sobre os fundamentos que justificam as suas pretensões, as razões do
dissenso entre ambos, bem como a possibilidade de apresentarem e produzirem os
meios de prova que entendam adequados para demonstrar esses fundamentos, sem
prejuízo do poder-dever conferido ao juiz de determinar a produção de outros meios de
prova eventualmente necessários.
Com esta previsão normativa, o legislador criou uma figura processual
complexa e “sui generis”: - um processo que tem início como divórcio (por mútuo
consentimento ou sem consentimento) mas cuja instrução e discussão vai incidir sobre
outras questões que não correspondem à matriz processual nem à causa de pedir
próprias da acção de divórcio, sem que estejam definidas, por exemplo, normas de
cumulação de pedidos25
, regras de competência, normas sobre os meios de prova
24
Podendo ainda abranger a determinação e relacionação dos bens comuns (artigos 1775.º, n.º 1, alínea a), 1776.º, n.º
1 e 1778.º-A, n.º 1, todos do Código Civil).
25
Por exemplo, poderia ter sido adoptada a solução prevista no Código da Família da República Popular de Angola
que prevê a possibilidade de cumulação de pedidos no processo de divórcio permitindo ao autor ou ao réu reconvindo
- 15 -
admissíveis e sobre a própria tramitação processual, diferenciada em relação a cada uma
das consequências do divórcio que o tribunal terá que fixar para o decretar, em suma,
permitindo interpretações diversas nesta omissão de regras processuais.
Na interpretação das normas, o intérprete deve ter em conta a sua origem e
circunstâncias em que as mesmas foram produzidas, não devendo aquela cingir-se à
letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, considerando a
unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições
específicas de tempo em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil); na fixação do
sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções
mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não podendo
considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.os
2 e 3 do citado artigo).
Ao estabelecer que, para fixar as consequências do divórcio, o juiz
determina a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária, o
legislador atribuir ao juiz o dever de determinar quais os actos processuais que se
afiguram essenciais à fixação das consequências do divórcio e de determinar quais os
meios de prova que sejam estritamente necessários à prossecução do mesmo fim.
Nem mais … nem menos.
É uma formulação legal próxima daquela que confere ao juiz o poder de
investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as
informações convenientes, admitindo apenas as provasa que considere necessárias
(artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Assim, consistindo a questão principal da causa no decretamento do
divórcio (artigo 1778.º-A, n.º 5 do Código Civil), a definição judicial das consequências
deste configura uma questão incidental, a resolver de acordo com as orientações
processuais que o juiz entender mais convenientes, quer quanto ao conteúdo e forma dos
actos processuais, quer quanto à produção de prova considerada necessária, observando
os princípios processuais, nomeadamente da igualdade das partes e do contraditório.
Esta é a solução que julgamos conferir sentido útil à formulação legal em
causa26 27
.
- I - III -
LIMITAÇÕES NO NÚMERO DE TESTEMUNHAS
O princípio do contraditório exige que, no plano da prova, seja facultada às
partes a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o
apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa e que possam
pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo
tribunal.
requerer, em cumulação, a regulação do poder paternal, a atribuição da casa de morada de família e a fixação de
alimentos ao cônjuge que deles careça (artigo 104.º do Código da Família, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de
Fevereiro).
26
Contudo, reiteramos a afirmação de que a parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuição
das suas garantias em face das acções que digam respeito a cada uma das consequências do divórcio, não fica inibida
de revogar o acordo para o divórcio (Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais, pg. 149).
27
Apesar de tudo, a solução legislativa que julgaríamos mais adequada consistiria na revogação, pura e simples, das
disposições contidas no artigo 1778.º-A do Código Civil e na manutenção das modalidades de divórcio por mútuo
consentimento (impondo aos cônjuges a definição consensual das suas consequências) e o divórcio sem
consentimento (cuja causa de pedir e pedido se restringiria aos fundamentos que conduzam ao decretamento do
divórcio) uma vez que a nova modalidade não traz qualquer vantagem significativa ou acrescida ao ordenamento
jurídico, em contraposição com as inúmeras questões e dúvidas que suscita.
Em alternativa, a manutenção destas disposições normativas numa mais que previsível e necessária alteração do novo
regime jurídico do divórcio imporá a definição das regras e dos trâmites processuais necessários à fixação das
consequências do divórcio na própria acção de divórcio.
- 16 -
Este direito à prova compadece-se com uma limitação razoável do número
de testemunhas a ouvir por cada parte28
, que a exigência de economia processual
justifica mas é mais dificilmente conciliável com a limitação a um número de
testemunhas a inquirir a cada facto (artigos 304.º, n.º 1, 633.º e 789.º, todos do Código
de Processo Civil), caso se entenda que a limitação se circunscreve aos factos principais
da causa (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, pgs. 99-
100).
É sabido que a limitação legal do número de testemunhas a inquirir por
iniciativa das partes justifica-se como meio de evitar a utilização de produção de prova
para fins dilatórios pelo que, sendo ultrapassado o limite legal, não são admitidas as
testemunhas oferecidas para além daquele, considerando a proposição de prova
realizada nos articulados.
Aqui chegados, importa saber ou determinar qual o número de máximo de
testemunhas a inquirir por iniciativa das partes nas questões sobre as quais os cônjuges
não tenham obtido acordo, ou seja e de forma mais concreta, se o limite no número de
testemunhas deve ser considerado em relação a cada questão ou se é determinado em
função do conjunto de questões.
Assim, neste caso, o número máximo de testemunhas poderia ser de oito por
cada questão29
ou poderia ser apenas de oito (para um conjunto de questões) enquanto
que, em relação a cada facto, apenas poderiam ser inquiridas três testemunhas (artigo
304.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Optar por uma redução ou limitação no número legal de testemunhas não é
irrelevante e deve fundamentar-se num equilíbrio entre justiça e celeridade.
Na verdade, o direito à prova faz parte do direito constitucional de acesso à
justiça, sendo necessário (e conveniente) aplicar estas regras como limites susceptíveis
de admitir determinadas excepções, designadamente quando esta redução ou limitação
possa implicar a impossibilidade de se fazer prova sobre determinados factos.
Esta solução no âmbito dos limites probatórios poderia também suscitar a
questão de saber se a decisão que fixa as consequências do divórcio tem ou não valor de
caso julgado material30
.
Por outro lado, esta limitação probatória suscita ainda questões a propósito
da invocação do valor extra-processual das provas e que se consubstancia na regra
segundo a qual um certo meio de prova pode ser invocado numa segunda acção se o
regime de produção de prova no segundo processo oferecer à parte a quem o meio de
prova é oposto garantias não inferiores às do primeiro processo (artigo 522.º do Código
de Processo Civil).
É que, ao contrário do que afirma Tomé d’Almeida Ramião não podemos
considerar sempre como certo que “os meios de prova obtidos ou a realizar, em regra,
são comuns” e, salvo o devido respeito, também não cremos que tenha estado na “mens
legislatoris” considerar que existem “elementos de prova comuns que são úteis a uma
boa decisão de mérito nestas matérias, evitando, assim a repetição desses meios
probatórios caso fossem apreciadas em processos autónomos” (ob. cit., pg. 58).
28
São 20 testemunhas no processo ordinário (artigos 633.º, n.os
1 e 2 do Código de Processo Civil), 10 no processo
sumário e sumaríssimo (artigos 789.º e 464.º, ambos do mesmo Código) e 8 nos incidentes de instância e nos
processos de divórcio (litigioso) sem consentimento (artigos 304.º, n.º 1 e 1408.º, n.º 2, ambos do referido Código).
29
O que determina que, para três questões em que o número máximo de testemunhas individualmente considerado
seja de oito, o número máximo total de testemunhas seria de vinte e quatro.
30
Sobre opção semelhante do legislador no âmbito da oposição à execução e considerando que a existência de
contraditório, prova e apreciação judicial são suficientes para assegurar esse efeito sobre a questão apreciada, Lebre
de Freitas, A Acção Executiva, pg. 163, e Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, pg. 325; Rui Pinto, A
Acção Executiva depois da Reforma, pg. 75; abordando o problema numa outra perspectiva e colocando dúvidas
sobre esta questão, Carlos Oliveira Soares, O caso julgado na acção executiva, Themis IV/7, 2003, pgs. 256-258;
Paulo Pimenta, Acções e incidentes declarativos na dependência da execução, Themis V/9, 2004, pg. 79.
- 17 -
Não obstante a falta de previsão de uma tramitação processual que acautele
a complexidade subjacente à diversidade das questões a resolver, uma decisão incidental
autónoma destas questões (artigos 302.º a 304.º e 1407.º, n.º 7 do Código de Processo
Civil e 1778.º-A, n.º 4 do Código Civil) é aquela que melhor se adequa à necessidade de
prosseguimento da acção para a fixação judicial das consequências do divórcio
relativamente às questões sobre as quais os cônjuges não alcançaram acordo.
Assim sendo, cada uma das partes apenas dispõe da faculdade processual de
apresentar oito testemunhas, existindo um limite de três testemunhas por cada facto31
(artigo 304.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Competindo ao juiz determinar a produção de prova eventualmente
necessária, não fica prejudicada a possibilidade de inquirição oficiosa de testemunhas já
que é conferido àquele um papel determinante na direcção do processo, permitindo-lhe,
dentro de certos limites e em colaboração com as partes que prescinda dos actos e dos
meios de prova que considere inúteis ou inadequados e pratique outros que julgue
apropriados.
- I - IV -
A DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
Caso seja indicada prova testemunhal ou outros meios de prova a produzir
perante o tribunal, o juiz teria ainda que determinar se a documentação dos depoimentos
prestados pelas testemunhas ou por outras pessoas a inquirir deveriam ser gravados ou
não.
Com efeito, no âmbito do processo tutelar cível de regulação do exercício
das responsabilidades parentais não há lugar à gravação dos depoimentos a prestar na
audiência de julgamento (artigo 158.º, n.º 1, alínea c), da Organização Tutelar de
Menores)32
enquanto que, nos processos de jurisdição voluntária que admitam recurso
ordinário, a gravação dos depoimentos pode ser requerida por qualquer das partes
(artigos 304.º, n.os
2 a 4 e 522.º-A a 522.º-C, todos do Código de Processo Civil).
Por outro lado, quando os incidentes da instância sejam instruídos e
julgados conjuntamente com a causa principal, o regime dos depoimentos respeitantes à
matéria dos incidentes obedece ao que estiver estabelecido para a causa principal (artigo
304.º, n.º 3 do mesmo Código) ao passo que, nos casos restantes, tudo depende da
admissibilidade ou não do recurso ordinário quanto à decisão a proferir e da iniciativa
dos interessados (artigo 304.º, n.os
3 e 4 do citado Código).
Esta diversidade de tramitação é mais um aspecto que julgamos não ter sido
devidamente ponderado pelo legislador e facilmente se compreende que a opção
inicialmente assumida relativamente à tramitação processual das questões sobre as quais
os cônjuges não tenham alcançado acordo é susceptível de condicionar também a
possibilidade ou não de registo da prova produzida em audiência.
Assim, impondo-se a gravação das “audiências finais” a par dos
“depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados” (artigo 522.º-B do
Código de Processo Civil), abarcando, deste modo, todos os actos processuais inseridos
na audiência de discussão e julgamento (artigos 652.º e 653.º do mesmo Código), e não
tendo sido conferido “o poder ao juiz, em conjugação com as partes, de seleccionar os
momentos processuais que justificassem a gravação”33
, será impossível delimitar, numa
mesma audiência de discussão e julgamento que, por exemplo, tenha por objecto a
regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a fixação de alimentos ao
31
Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, 2.ª edição, pg. 64.
32
Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 9.ª edição, pg. 56.
33
António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil (II volume), pg. 195.
- 18 -
cônjuge que deles careça, a gravação dos depoimentos das testemunhas, dos peritos ou
dos técnicos, restringindo-a à parte em que os depoimentos podem ser gravados e
limitando na parte em que não o podem ser.
Por outro lado, conforme defende Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do
Processo Civil, II volume, pg. 205) “resulta da letra da lei (artigos 463.º, n.º 2 e 522.º-B)
que não basta que a causa admita recurso para que seja possível a gravação dos
depoimentos nela prestados (…) tornando-se ainda necessário que os depoimentos se
enquadrem numa «audiência final», o que afasta do referido regime os elementos de
prova recolhidos avulsamente no processo (v.g. incidentes do inventário)”.
Assim, determinando o juiz que, para fixar as consequências do divórcio, se
justifica a audição de testemunhas, de peritos ou de técnicos, quer por iniciativa própria,
quer por iniciativa das partes, esses depoimentos deverão ser gravados ?
O juízo que é feito a propósito dos incidentes no inventário e sobre os
elementos de prova recolhidos avulsamente no processo afiguram-se inteiramente
aplicáveis a esta situação.
O objecto principal desta acção de divórcio consiste na dissolução ou no fim
da relação matrimonial, cuja estrutura litigiosa e controvertida não diz respeito aos
fundamentos do divórcio mas sim quanto às suas consequências nas questões em que os
cônjuges estão em desacordo.
Tratando de questão incidental em que não estabelece uma audiência de
julgamento quanto à própria tramitação do incidente, afigura-se que, caso sejam
ouvidas testemunhas, peritos ou técnicos, por iniciativa do juiz ou das partes, não
haverá lugar à documentação da prova produzida na diligência processual que o
juiz designar para o efeito.
- I - V -
O ADIAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS
No âmbito da providência tutelar cível de regulação do exercício das
responsabilidades parentais, a audiência só pode ser adiada uma vez, por falta das
partes, seus advogados ou testemunhas (artigo 158.º, n.º 2 da Organização Tutelar de
Menores).
Assim, a falta de alguma das partes, advogados ou testemunhas implica
sempre o adiamento da audiência, por uma só vez, mesmo que esta tenha sido agendada
mediante a compatibilidade de agendas, sendo inaplicável o disposto no n.º 5 do artigo
651.º do Código de Processo Civil “ex vi” do artigo 161.º da Organização Tutelar de
Menores (neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores
Anotada, 9.ª edição, pg. 56).
Porém, não foi esta a solução adoptada pelo legislador relativamente ao
processo declarativo civil comum e aos demais processos em que aquele tenha aplicação
subsidiária.
Caso o juiz haja providenciado pela marcação por acordo prévio com os
mandatários judiciais, observando o disposto no artigo 155.º do Código de Processo
Civil34
, restringe-se a possibilidade de adiamento das diligências processuais (incluindo
a audiência de discussão e julgamento) à falta do advogado que comunique a
impossibilidade da sua comparência por circunstâncias impeditivas da sua presença
(artigos 155.º, n.º 5 e 651.º, n.º 1, alínea d), ambos do citado Código).
Em contrapartida, se o juiz não houver providenciado pela marcação por
acordo com os mandatários judiciais e faltar algum dos advogados, sem qualquer
34
E que deve igualmente ser observado na marcação das audiências de julgamento das providências tutelares cíveis
cm vista a possibilitar o “acordo de agendas” e evitar o adiamento de diligências (Tomé d’Almeida Ramião,
Organização Tutelar de Menores Anotada, 9.ª edição, pg. 57).
- 19 -
indagação ou justificação, a diligência é adiada (artigo 651.º, n.º 1, alínea c), do referido
Código).
É assim evidente a diferença entre uma providência tutelar cível em que se
apliquem as regras processuais gerais da Organização Tutelar de Menores (e.g. a
regulação do exercício das responsabilidades parentais) e entre os processos em que
sejam aplicáveis as regras gerais do Código de Processo Civil (artigo 651.º “ex vi” do
artigo 463.º do mesmo Código) (e.g. atribuição da casa de morada de família, alimentos
entre cônjuges e incidente para relacionação de bens).
São também conhecidas as razões para que se mantenha esta diversidade
nos trâmites processuais emergentes da falta de qualquer das partes ou dos seus
mandatários: - na Organização Tutelar de Menores, o legislador entendeu prejudicar a
celeridade em benefício de uma solução consensual que envolva ambos os
progenitores35
e exija a sua presença na audiência de julgamento, privilegiando, desta
forma, o superior interesse da criança, ao passo que, no Código de Processo Civil, é
dada prevalência à celeridade, procurando minimizar “as perturbações causadas (ao
tribunal, às partes, às testemunhas e a outros intervenientes processuais) pelos
adiamentos da audiência” (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume
2.º, pg. 617).
Na determinação das consequências do divórcio, o juiz sempre não só
promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges (artigo 1778.º-A, n.º 6 do
Código Civil).
Assim, quando o juiz designar qualquer diligência processual em que devam
ter intervenção os cônjuges e os seus mandatários no âmbito do divórcio por mútuo
consentimento requerido ou em curso no tribunal, deve aquele providenciar pela
marcação da mesma por acordo prévio com os mandatários, observando o disposto no
artigo 155.º do Código de Processo Civil.
Caso venha a faltar algum dos cônjuges ou algum dos mandatários a essa
diligência, e não se verifique qualquer circunstância impeditiva e inesperada da
presença do mandatário, o juiz deve adiar a realização da diligência se houver razões
para considerar viável a possibilidade de um acordo dos cônjuges sobre as
consequências do divórcio36
.
- I - VI -
A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE
Por força da diversidade das tramitações processuais, pode ainda suscitar-se
a questão da admissibilidade do depoimento de parte requerido por qualquer um dos
cônjuges relativamente aos efeitos do divórcio que incumbe ao juiz fixar e sobre os
quais não exista acordo.
Vejamos.
A admissibilidade da confissão como meio de prova tendo por objecto
factos relativos a direitos indisponíveis constitui uma questão controversa face ao
disposto na alínea b) do artigo 354.º do Código Civil que prevê a inadmissibilidade
deste meio de prova se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis.
Apesar disso, o artigo 361.º do mesmo Código dispõe que o reconhecimento
de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento
probatório, que o tribunal aprecia livremente, o que justifica que alguma doutrina se
35
E dos respectivos advogados.
36
Adopta-se uma solução intermédia que combina a obrigatoriedade de adiamento na providência tutelar cível de
regulação do exercício das responsabilidades parentais com a regra do não adiamento da diligência, em nome da
busca de uma solução consensual do litígio.
- 20 -
refira à ineficácia da confissão (neste sentido, Antunes Varela, Manual de Processo
Civil, 2.ª edição, pg. 549).
Assim, a confissão incidente sobre factos relativos a direitos indisponíveis
pode constituir um meio de prova admissível, submetido, no entanto, à livre convicção
do julgador.
Sobre a admissibilidade do depoimento de parte há quem sustente a tese da
sua inadmissibilidade uma vez que o mesmo visa obter a confissão judicial, admitindo
que o juiz possa determinar que as partes prestem informações ou esclarecimentos ao
tribunal (artigos 356.º, n.º 2 do Código Civil e 265.º e 519.º, ambos do Código de
Processo Civil) (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972,
pgs. 118-119), enquanto que outros defendem a admissibilidade do depoimento de
parte, argumentando que este não se circunscreve à obtenção da confissão judicial com
eficácia plena mas que poderia ter por objecto qualquer declaração confessória ainda
que sujeita à livre convicção do julgador37
(Américo Campos Costa, O depoimento de
parte sobre factos relativos a direitos indisponíveis, Revista dos Tribunais, Ano 76.º,
pgs. 322 a 327).
Este problema é mais relevante quando a fixação das consequências do
divórcio diga respeito à fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça ou à
determinação judicial dos bens comuns do casal já que estas questões,
indubitavelmente, não configuram direitos indisponíveis.
Incumbindo à parte que requer a prestação de depoimento de parte o ónus de
indicar, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair (artigo 552.º, n.º 2 do
Código de Processo Civil) e cabendo ao juiz convidar a parte que fazer essa indicação
quando a mesma tenha sido omitida no respectivo requerimento probatório, são
conferidos ao juiz poderes de zelar pelo aproveitamento dos actos das partes e para a
prossecução da verdade material.
Os factos sobre os quais a parte há-de depor não constam de uma base
instrutória e a apresentação factual dos articulados em termos muito genéricos não veda
da prestação de depoimento de parte, assim como a proposição desta sobre pontos
concretos menos amplos do que os dela constantes.
Requerido por uma parte o depoimento da outra parte, compete ao juiz
admiti-lo (artigos 508.º-A, n.º 2 e 512.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil),
podendo rejeitá-lo se o objecto proposto for inadmissível38
ou o requerente não tiver
indicado os factos que o constituem após convite para o efeito.
O depoimento de parte é, em regra, prestado na audiência final de discussão
e julgamento (artigo 556.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) na qual o juiz deverá
assegurar que seja respeitado o objecto oportunamente admitido.
Assim, caso o objecto do depoimento de parte diga respeito a factos sobre
os quais o mesmo seja admissível, pode o mesmo ser prestado no âmbito das diligências
para fixação das consequências do divórcio, incumbindo ao juiz determinar o alcance
dessa admissibilidade39
.
- I - VII -
O PATROCÍNIO FORENSE
37
Assim, poder-se ia utilizar o depoimento de parte para a obtenção de tal declaração confessória, sendo que recai
sobre o depoente o dever de ser fiel à verdade, muito embora as suas respostas sejam desprovidas de valor probatório
tarifado, estando sujeita ao regime da prova livre.
38
Pode também ser rejeitado se o seu objecto respeitar a direitos indisponíveis – para quem entenda não ser
admissível -, por não se tratar de facto pessoal, por dizer respeito a factos criminosos ou torpes ou por ser claro que a
parte não tem conhecimento do facto (Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, pg. 375).
39
Já quanto aos factos que digam respeito a direitos indisponíveis, a sua admissibilidade dependerá do entendimento
que o juiz tenha sobre o assunto de acordo com as posições expressas na doutrina.
- 21 -
O patrocínio forense é considerado como elemento essencial à boa
administração da justiça e tem subjacente o reconhecimento da função social dos
advogados na administração da justiça, assegurando a representação jurídica das partes
e a condução técnico-jurídica do processo40
(artigo 208.º da Constituição da República
Portuguesa).
É por isso que as normas da organização judiciária estabelecem que os
advogados participam na administração da justiça, competindo-lhes, de forma exclusiva
e com as excepções previstas na lei, exercer o patrocínio das partes41
(artigos 6.º, n.º 1
da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).
O advogado é o profissional do foro cuja actividade se desdobra em “três
vertentes: de apoio e informação jurídica, de instância de resolução amigável de
conflitos e de mandatário processual das partes” (António Arnaut, Iniciação à
Advocacia, 2.ª edição, pg. 35)42
.
Estabelecendo as normas da organização judiciária que o patrocínio forense
é exercido exclusivamente por advogados mas, ao mesmo tempo, admitindo a existência
de excepções, foi opção expressa do legislador prever que, nalguns casos, a constituição
por advogado não seja obrigatória, quer pelo valor económico dos conflitos, pela
natureza dos interesses controvertidos ou pela inexistência de discussões de âmbito
jurídico.
Assim, nas causas de competência dos tribunais com alçada, em que seja
admissível recurso ordinário e nas causas em que seja sempre admissível recurso,
independentemente do valor, é obrigatória a constituição de advogado (artigo 32.º, n.º 1,
alíneas a), e b), do Código de Processo Civil).
Nos inventários, seja qual for a sua natureza e valor, só é obrigatória a
intervenção de advogado para se suscitarem ou discutirem questões de direito (artigo
32.º, n.º 3 do mesmo Código43
) enquanto que, nos processos de jurisdição voluntária,
não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409.º, n.º
4 do citado Código).
Com base nestas disposições normativas, é possível estabelecer as seguintes
regras para os processos de divórcio (seja qual for a sua natureza) e para as questões que
os cônjuges devem resolver: -
a) - nos processos de divórcio por mútuo consentimento instaurados na
conservatória do registo civil, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na
fase de recurso (artigos 1409.º, n.os
1 e 4 e 1419.º a 1424.º, todos do Código de Processo
Civil e 12.º, n.º 1, alínea b), e 14.º, ambos do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de
Outubro);
b) - nos processos de divórcio por mútuo consentimento instaurados no
tribunal, é obrigatória a constituição de advogado (artigos 1778.º-A do Código Civil,
32.º, n.º 1, alínea c), 312.º e 1407.º e 1408.º, todos do Código de Processo Civil);
c) - nos processos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, é
obrigatória a constituição de advogado (artigos 32.º, n.º 1, alínea c), 312.º e 1407.º e
1408.º, todos do Código de Processo Civil);
40
E que corresponde ao exercício do denominado “jus postulandi”.
41
Os actos próprios do advogado encontram-se previstos no artigo 62.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e na
Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.
42
Já no século XIII, Jacopo Ruiz (tutor de Afonso X de Espanha) recomendava aos juízes que se as partes quisessem
advogado para defender os seus direitos, lho deveriam dar, sobretudo aos pobres, aos órfãos e àqueles que não
soubessem razoar.
43
Artigo 8.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
- 22 -
d) - nos processos de regulação do exercício das responsabilidades
parentais, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigo
1409.º, n.º 4 do Código de Processo Civil “ex vi” do artigo 150.º da Organização Tutelar
de Menores);
e) - nos processos de atribuição de casa de morada de família, não é
obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigos 1409.º, n.º 4 e
1413.º, ambos do Código de Processo Civil e 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º
272/2001, de 13 de Outubro);
f) - nos processos de inventário para separação de meações, seja qual for o
seu valor, é obrigatória a intervenção de advogado quando se suscitem ou discutam
questões de direito (artigos 32.º, n.º 3 e 1404.º, n.º 3, ambos do Código de Processo
Civil44
);
g) - nas acções declarativas de alimentos entre cônjuges, é obrigatória a
intervenção de advogado quando o valor da acção admita recurso ordinário (artigo 32.º,
n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha
intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa45
com outra que represente, ou
tenha representado, a parte contrária, estando proibido de aconselhar, representar ou agir
por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir
conflito entre os interesses desses clientes (artigos 83.º, n.º 1, alínea a), e 94.º, n.os
1 e 3
do Estatuto da Ordem dos Advogados46
).
Esta disposição normativa tem em vista evitar a existência de conflito de
interesses na condução do mandato por advogado e assume uma tripla função ao: -
a) - defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer
advogado em particular, de actuações menos lícitas ou danosas por parte de um colega,
conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes;
b) - defender o próprio advogado da possibilidade de, sobre ele recair a
suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que
não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; e
c) - defender a própria profissão, a advocacia, do anátema que sobre ela
recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.
Como afirma António Arnaut (Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado,
Coimbra Editora, pg. 111) “a lealdade e a confiança são as pedras basilares das relações
advogado-cliente. Se um destes pressupostos falha, de um lado ou de outro, melhor será
que o advogado renuncie ao mandato, ou que o cliente procure outro patrono (…) pois
seria altamente desprestigiante para a classe que o advogado pudesse intervir, a favor da
44
Artigos 8.º e 71.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
45
A questão conexa pressupõe uma relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das
outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valorização de certos factos (Parecer do Conselho Geral
da Ordem dos Advogados de 11/05/1996 relatado por Alberto Luís; Parecer do Conselho Geral da Ordem dos
Advogados de 13/10/2000 relatado por Carlos Grijó, ambos disponíveis no site da Ordem dos Advogados).
O critério da conexão tem que existir para que tenhamos em conta um vertente do dever de lealdade para com o
cliente e que consiste no princípio fundamental segundo a qual a lealdade do advogado em relação a um consulente,
constituinte ou patrocinado se prolonga para além da questão sobre que é consultado ou para a qual é constituído ou
nomeado por tal forma que, se terminar o mandato ou a representação, e o advogado e o ex-cliente passarem para
campos adversos, aquela lealdade e a confiança que lhe andou associada são quebradas.
46
Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.
- 23 -
outra parte, numa questão conexa ou noutro processo como se fosse uma consciência
que se aluga”.
Assim, e a propósito do patrocínio forense nas acções de divórcio por mútuo
consentimento, a Ordem dos Advogados estabeleceu como doutrina uniforme que “o
advogado pode representar ambos os cônjuges no divórcio por mútuo consentimento
mas, se no decorrer do processo surgirem conflitos entre os seus clientes, deve abster-se
de patrocinar qualquer deles e renunciar ao mandato” (Parecer do Conselho Geral da
Ordem dos Advogados de 01/10/2000 publicado na Revista da Ordem dos Advogados,
Janeiro de 2001).
Em suma, estando verificados os pressupostos do artigo 1778.º-A do Código
Civil, justificando a intervenção judicial para a decisão de um conflito entre os cônjuges
sobre as consequências do divórcio, o patrocínio forense (obrigatório na modalidade de
divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal e no divórcio por mútuo
consentimento ou quando se discutam questões de direito em qualquer das modalidades)
deve ser exercido por advogados que representem cada uma das partes, não sendo
possível o patrocínio de ambos os cônjuges pelo mesmo advogado47
.
- I - VIII -
OS EFEITOS DO CASO JULGADO
Com a fixação pelo juiz das consequências do divórcio por mútuo
consentimento, importa determinar qual o valor dessa decisão, designadamente se a
mesma é relevante para efeitos de caso julgado.
Em primeiro lugar, parece-nos evidente que a fixação das consequências do
divórcio na regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores,
na atribuição do uso da casa de morada de família e na determinação da prestação de
alimentos ao cônjuge que deles careça produz caso julgado nos mesmos termos em que
o faria qualquer acção autónoma que tivesse por objecto alguma daquelas questões.
Contudo, a questão que se coloca é saber se a decisão judicial sobre a
relação especificada dos bens comuns tem o mesmo valor.
Com efeito, sendo esta questão definitivamente resolvida no inventário
subsequente para partilha dos bens comuns, a questão da relevância jurídica da sua
apresentação no divórcio por mútuo consentimento tem sido objecto de posições
divergentes na doutrina e na jurisprudência.
Na doutrina, Lopes Cardoso afirma que “apesar da lei processual exigir que
se junte à petição de divórcio ou separação por mútuo consentimento a relação
especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores (artigo 1419.º, n.º
1, alínea b), do Código de Processo Civil), o mesmo ocorrendo quando os cônjuges
acordem, na tentativa de conciliação do processo de divórcio litigioso (artigo 1407.º, n.º
3 do mesmo Código), os efeitos do caso julgado na sentença que decrete a dissolução do
casamento por divórcio, não se estendem a essa relação pois, é seguro, não se verifica a
identidade de pedidos nem tem que haver entendimento prévio quanto à partilha dos
bens do casal, que só os acordos quanto à prestação de alimentos, destino da casa de
morada de família e exercício do poder paternal foram sujeitos à apreciação na mesma
sentença (artigo 1776.º, n.º 2 com referência ao artigo 1775.º, n.º 2, ambos do Código
Civil)” (Partilhas Judiciais, volume III, 4.ª edição, pg. 365).
Também na doutrina, mas em sentido algo diverso, Rita Lobo Xavier
conclui que “a exigência da apresentação de uma relação especificada de bens comuns
47
Salvo nos casos em que a intervenção judicial seja determinada por uma divergência entre os cônjuges e o
conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministério Público e os mesmos mantenham o propósito de
divorciar-se uma vez que, neste caso, o conflito não se verifica entre os patrocinados (artigos 1776.º-A e 1778.º,
ambos do Código Civil).
- 24 -
poderá continuar a ligar-se, tal como acontecia no momento remeto em que teve a sua
origem, à protecção de cada um dos cônjuges contra actos de sonegação dos bens
comuns ou dos respectivos rendimentos por parte do outro. Trata-se de um documento
que pode ser apresentado noutros processos e que tem um particular valor probatório: o
cônjuge que ulteriormente vier a negar a existência, a qualificação ou o valor de um
bem incluído na lista assinada por ambos é que tem o encargo da prova de que este
existe, de que não lhe deve ser reconhecida tal qualificação ou atribuído aquele valor”
(A relação especificada de bens comuns: relevância jurídica da sua apresentação no
divórcio por mútuo consentimento, Revista Julgar n.º 8-2009, pgs. 11-26).
No mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião afirma que “compete, pois, ao
ex-cônjuge, no âmbito do processo de inventário para partilha dos bens comuns,
demonstrar o contrário, ou seja, infirmar que, apesar dessa omissão (se for o caso),
existiam ou existem outros bens (para além dos bens confessados e daqueles cuja
existência resulta de documentos autênticos). E compete-lhe, de acordo com as regras
do ónus da prova, provar que essa relação de bens estava incorrecta ou incompleta e que
esses bens pertenciam ao património comum e que devem ser relacionados no
inventário subsequente ao divórcio” (O Divórcio e Questões Conexas, pg. 59)48
.
Em sentido bastante diverso, evidenciando a falta de utilidade desses
acordos, Afonso Patrão afirma que “não se vê qualquer sentido nesta exigência (de
apresentação do relacionamento dos bens comuns e do seu valor), não se percebe a
utilidade, não se lhe retiram quaisquer efeitos e não corresponde nem satisfaz qualquer
interesse público ou das partes” (Os acordos complementares no divórcio por mútuo
consentimento, Revista Lex Familiae, Ano 2, n.º 4, pgs. 103-110).
No mesmo sentido, parecendo também prescindir da relação especificada
dos bens comuns, Amadeu Colaço refere unicamente o acordo sobre o exercício das
responsabilidades parentais dos filhos menores, o acordo sobre a atribuição da casa de
morada de família e o acordo sobre a fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça
como as únicas questões que o tribunal terá que fixar49
(Novo Regime do Divórcio, 3.ª
edição, pg. 60).
Na jurisprudência, são também defendidas posições bastantes diversas,
embora prevaleça a tese segundo a qual “a relação de bens que acompanha o
requerimento para a separação por mútuo consentimento não visa determinar a forma de
proceder à partilha, não tendo também a natureza de negócio jurídico, cuja validade se
possa discutir” (Ac. STJ de 06/05/1987 in BMJ 367.º-465; Ac. STJ de 18/02/1988 in
BMJ 374.º-472; Ac. STJ de 11/05/2006 in CJ-STJ, I, pgs. 83-84)50
.
Com um entendimento algo diverso, “tendo ambos os cônjuges relacionado
certo bem como comum na acção de divórcio por mútuo consentimento, não pode
depois um deles, na oposição ao arrolamento requerido pelo outro, dizer que tal bem é
próprio e não comum”, circunstância que poderia consubstanciar abuso de direito (Ac.
RE de 08/07/2008 in www.dgsi.pt/jtre) pois “a relação de bens não pode constituir um
nada jurídico, algo de irrelevante e insusceptível de vincular as partes pois, se assim não
fosse, teríamos que admitir que a lei impunha a prática mais ou menos de um acto inútil
e iconoclasta” (Ac. RG de 17/04/2004 in www.dgsi.pt/jtrg).
48
Este autor cita ainda em abono da sua posição o Ac. RL de 23/10/2003 (6.ª secção) proferido no âmbito do
processo n.º 8021/03 (inédito).
49
Parece-nos que este autor confunde a questão da apresentação da relação especificada de bens comuns com a
partilha dos bens comuns sendo que esta última apenas pode ser realizada por acordo dos cônjuges e na conservatória
do registo civil.
50
Partilhando este entendimento, são ainda conhecidas as seguintes decisões: - Ac. RP de 19/04/2007 (Rel. Mário
Fernandes) processo n.º 0731631 in www.dsgi.pt/jtrp; Ac. RC de 13/03/2007 (Rel. Regina Rosa) processo
473/07.0TMCBR-A.C1 in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. RG de 28/06/2007 (Rel. Espinheira Baltar) processo n.º 879/07-1 in
www.dgsi.pt/jtrg; Ac. RE de 08/07/2008 (Rel. Bernardo Domingos) processo n.º 1787/08-1 in www.dgsi.pt/jtre; Ac.
RL de 06/10/2009 in CJ, IV, pg. 105-106.
- 25 -
Contudo, nenhum destes entendimentos pode ser aplicado à situação em que
o juiz, no âmbito do processo de divórcio ou de separação por mútuo consentimento,
determina quais os bens comuns que devem ser relacionados e a considerar na futura
partilha uma vez que essa questão controvertida será objecto de instrução e decisão
judicial, com observância do princípio do contraditório e, por isso, terá necessariamente
que produzir caso julgado entre os cônjuges, não podendo ser objecto de nova discussão
no inventário subsequente (artigo 671.º do Código de Processo Civil)51
.
- I - IX -
EFEITOS DA DESISTÊNCIA DA ACÇÃO
Caso algum dos cônjuges, ou ambos, venham a desistir da acção de divórcio
por mútuo consentimento requerido no tribunal, a consequência processual não deverá
traduzir-se no prosseguimento do processo com vista a que o juiz decida as questões
para as quais não se revelou possível o acordo dos cônjuges, como se se tratasse de um
divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
Esta solução é defendida por Amadeu Colaço (ob. cit., pg. 59) afirmando
que “por um argumento de identidade de razões: com efeito, se esta é a solução que o
legislador aponta para a hipótese de os cônjuges não terem logo apresentado, na sua
acção, qualquer um dos acordos referidos no n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil,
também o deverá ser, no caso de tal impossibilidade vier a materializar-se já na sua
pendência” e ainda “por uma questão de economia processual (…), não faria qualquer
sentido que o juiz se limitasse a indeferir o pedido de divórcio, pois aqui a única
alternativa seria a de um dos cônjuges intentar nova acção judicial, desta vez, seguindo
o processo de divórcio por suposta falta de consentimento do outro cônjuge, fundada na
ruptura definitiva do casamento, o que, para além de não fazer sentido, implicaria uma
verdadeira farsa, pois que nesta hipótese o cônjuge réu estaria também de acordo em se
divorciar”.
Qualquer dos cônjuges (ou ambos) pode, a todo o momento, desistir do
pedido de divórcio (artigo 299.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Os seus efeitos e consequências processuais variam consoante a modalidade
de divórcio e a posição processual ocupada pelo desistente.
Assim, caso a desistência ocorra no âmbito do divórcio por mútuo
consentimento (requerido na conservatória do registo civil ou no tribunal), o
conservador ou o juiz devem homologar essa desistência52
(artigos 300.º e 1421.º, n.º 1,
ambos do Código de Processo Civil) uma vez que o acordo de ambos os cônjuges e a
manifestação de vontade em prosseguir o divórcio constitui pressuposto para que o
mesmo prossiga por mútuo consentimento.
Caso a desistência ocorra no âmbito de divórcio sem consentimento,
convolado para mútuo consentimento, a relevância da desistência apenas terá lugar se
for da iniciativa do autor já que esta forma processual pressupõe o “não consentimento
do outro cônjuge”, dizendo respeito ao exercício de direitos indisponíveis; se for da
iniciativa do réu, apenas implicará a renovação da instância de divórcio sem
consentimento que havia sido objecto de convolação e o prosseguimento do processo
nos termos em que havia sido inicialmente instaurado (divórcio sem consentimento do
outro cônjuge).
- I - X -
51
Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião (O Divórcio e Questões Conexas, pg. 59) excepcionando os bens imóveis
ou móveis sujeitos a registo, cuja existência não tenha sido questionada, nem objecto de decisão judicial e que deles
os ex-cônjuges só tiveram conhecimento posterior.
52
No mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio por Mútuo Acordo, 7.ª edição, pg. 113.
- 26 -
O ÓNUS DA PROVA DAS DIVERSAS PRETENSÕES
A responsabilidade do juiz, no tocante à matéria de facto, é directamente
proporcional à relevância da correspondente decisão para cada um dos litigantes. A
apreensão da realidade histórica, traduzida no processo através das alegações das partes,
consubstancia, de facto, a tarefa mais arriscada que impende sobre o juiz, mas,
simultaneamente, é aquela que justifica a sua existência e dá sentido à posição que
ocupa no processo.
Mais importante do que a subsunção jurídica dos factos provados, como
antecedente lógico da decisão final, é a tarefa do juiz quando, perante factos
controvertidos e em confronto com elementos de prova não coincidentes, imprecisos ou
de duvidosa autenticidade, tem de pronunciar-se, afirmativa ou negativamente, quanto à
matéria de facto condensada na base instrutória ou nos articulados.
É esse aspecto do julgamento um dos mais decisivos factores da justiça da
decisão e um dos que mais tortura o julgador, quer pelas dificuldades técnicas que o
cercam, quer, e sobretudo, pela dificuldade de descobrir e descrever uma realidade que,
sendo conhecida de alguns, tem de ser reconstituída com os escassos, deficientes e,
quantas vezes, contraditórios e tendenciosos elementos de prova.
A dúvida insanável do juiz acerca da realidade dos factos alegados pelas
partes é resolvida, não através de um non liquet (declaração do tribunal de que não pode
decidir a causa), mas mediante a imputação a uma das partes das consequências
negativas da falta de prova.
A enunciação de um pedido em que se pretenda o reconhecimento da
existência de um direito ou de um facto, supondo a alegação prévia dos respectivos
factos constitutivos, faz impender sobre o autor o correspondente ónus da prova, ou
seja, o resultado da acção ser-lhe-á favorável ou desfavorável consoante se provem ou
deixem de provar esses factos (Abrantes Geraldes, Acções e Formas de Processo,
Outubro de 1997, Edição CEJ, pg. 9).
Assim, cabe à parte que invoca o direito a prova dos factos constitutivos da
sua situação jurídica ou dos elementos constitutivos do facto jurídico cuja existência
quer que seja declarada e que constituem a causa de pedir53
(artigo 342.º, n.º 1 do
Código Civil) e à outra parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos
dessa situação jurídica, ou os elementos impeditivos desse facto que fundam as
excepções peremptórias (n.º 2 do mesmo artigo).
Na acção de divórcio sem consentimento, o autor terá que alegar e fazer a
prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja, a prova da existência das
circunstâncias que integram a ruptura definitiva do casamento (no mesmo sentido,
Amadeu Colaço, ob. cit., pg. 60).
A causa de pedir subjacente ao pedido de decretamento do divórcio pelo
tribunal é assim integrada pelos seguintes elementos: -
a) - a existência de um ou mais factos que demonstrem a ruptura definitiva
do casamento (separação de facto, alteração das faculdades mentais do outro cônjuge)
que, pela sua gravidade, comprometam a possibilidade de vida em comum (ou a
ausência do outro cônjuge, sem que do ausente haja notícias) (alíneas a), a c), do artigo
1781.º do Código Civil);
53
No domínio do regime anterior à Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, e tendo por fundamento a discussão do ónus
da prova da culpa do cônjuge infractor, o Supremo Tribunal de Justiça definiu como jurisprudência uniformizadora
que “no âmbito e para efeitos do n.º 1 do artigo 1779.º do Código Civil, o autor tem ónus da prova de culpa do
cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação” (Assento n.º 5/94 publicado no Diário da República I-A n.º 70 de
24 de Março de 1994 pgs. 1467-1472).
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Divórcio e suas consequências jurídicas

  • 1. - 1 - ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O NOVO REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO «Hoje em dia, os ideais de realização pessoal que cada um vorazmente persegue, secundarizaram o casamento. O casamento é um estado acessório que todos retardamos. As pessoas continuam a casar-se numa ou noutra altura da vida, mostrando que a normatividade social do casamento se mantém. O que foi desaparecendo foi a ideia do casamento como uma âncora individual, a estrutura estável onde as paixões e os impulsos de cada um se domesticam. A felicidade passou a depender de uma espécie de emotivismo permanente, desligado de regras e compromissos duradouros.» Pedro Lomba Diário de Notícias SUMÁRIO I - O PROCESSO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO NO TRIBUNAL I - I - INTRODUÇÃO I - II - A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL I - III - LIMITAÇÕES NO NÚMERO DE TESTEMUNHAS I - IV - A DOCUMENTAÇÃO DA PROVA I - V - O ADIAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS I - VI - A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE I – VII - O PATROCÍNIO FORENSE I - VIII – OS EFEITOS DO CASO JULGADO I - IX - EFEITOS DA DESISTÊNCIA DA ACÇÃO I- X - O ÓNUS DA PROVA DAS DIVERSAS PRETENSÕES I - XI - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA ESTRUTURA I - XII - A FIXAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DO DIVÓRCIO EM ACÇÕES AUTÓNOMAS E OS EFEITOS NO PROCESSO DE DIVÓRCIO II - XIII - ESTRUTURA FORMAL DA DECISÃO II - XIV - A INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO II - CESSAÇÃO DA RELAÇÃO DE AFINIDADE POR DIVÓRCIO III - A PARTILHA DE BENS NO DIVÓRCIO
  • 2. - 2 - - I - O PROCESSO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO NO TRIBUNAL - I - I - INTRODUÇÃO Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, são estabelecidas três modalidades de divórcio: - a) - o divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do registo civil quando os cônjuges estejam de acordo em divorciar-se e quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, ou esta esteja previamente regulada, à atribuição da casa de morada de família, à fixação da prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e à relação especificada dos comuns ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha, acordo sobre a partilha dos bens comuns (artigos 1775.º, 1776.º, 1776.º-A e 1778.º do Código Civil, 272.º a 272.º-C do Código de Registo Civil, 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e 1420.º, 1422.º e 1424.º do Código de Processo Civil); b) - o divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal quando os cônjuges estejam de acordo em divorciar-se mas esse acordo não exista quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, quanto à atribuição da casa de morada de família, quanto à fixação da prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça ou quanto à relação especificada dos bens comuns (artigo 1178.º-A do Código Civil); c) - o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges quando estes não estejam de acordo em divorciar-se (artigos 1779.º, 1781.º e 1785.º do Código Civil e 1407.º e 1408.º, ambos do Código de Processo Civil). Para além das alterações normativas exigidas pela eliminação da culpa no divórcio, uma das principais novidades da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, consiste na disposição normativa introduzida pelo artigo 1778.º-A do Código Civil, onde é prevista a possibilidade de decretamento do divórcio por mútuo consentimento sem o acordo dos cônjuges quanto a todos ou alguns dos consensos obrigatórios que deveriam instruir o mesmo requerimento de divórcio por mútuo consentimento na conservatória do registo civil1 . Este modelo de divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal2 prevê apenas as seguintes regras3 : - a) - o prosseguimento da acção para a fixação judicial das consequências do divórcio por mútuo consentimento, relativamente às questões sobre as quais os cônjuges não alcançaram acordo, como se fosse um divórcio sem consentimento; 1 A relação especificada dos bens comuns, acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e acordo sobre o destino da casa de morada de família (artigo 1775.º do Código Civil). 2 Na prática, trata-se de um mútuo consentimento quanto ao divórcio mas litigioso quanto às demais questões que os cônjuges deveriam resolver no divórcio por mútuo consentimento. 3 Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais - algumas Reflexões sobre a aplicação do novo regime, Revista do CEJ, 1.º semestre 2009, n.º 11, pgs. 147-149.
  • 3. - 3 - b) - pressupõe a definição judicial das consequência do divórcio em todos os segmentos dos interesses dos cônjuges e dos interesses dos filhos que não tenham sido acordados, após a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária. Este conjunto de regras é ainda aplicável aos casos em que o conservador do registo civil entenda que os acordos apresentados pelos cônjuges não acautelam suficientemente os interesses de um deles, quando os requerentes do divórcio não se conformam com as alterações indicadas pelo Ministério Público ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais e mantenham o propósito de se divorciar e quando, na tentativa de conciliação ou em qualquer altura do processo de divórcio sem consentimento, seja obtido o acordo para conversão em divórcio por mútuo consentimento (artigos 1776.º-A, 1778.º e 1779.º, todos do Código Civil). Assim, ao contrário do regime anterior, em que existia uma separação definida na tramitação e na competência entre o divórcio por mútuo consentimento (onde os cônjuges deveriam acordar nas questões relativas aos seus interesses pessoais e patrimoniais e aos interesses dos filhos menores) e o divórcio litigioso (em que essas questões seriam objecto de decisão nas acções próprias, não afectando a tramitação da acção de divórcio), estando os cônjuges de acordo em cessar a relação matrimonial por divórcio mas não havendo acordo sobre todas ou alguma das questões sobre as quais teriam que chegar a acordo, incumbe ao juiz decidir os efeitos do divórcio relativamente a essas questões, como se fosse um divórcio sem consentimento. Salvo o devido respeito, parece-nos que esta opção legislativa não terá a virtualidade de reduzir a conflituosidade entre os cônjuges nem aumentará a eficiência da justiça na medida em que desresponsabiliza os cônjuges de procurarem, por sua própria iniciativa, a obtenção de acordos ou não os induz na busca de uma solução consensual quanto às questões que terão que resolver caso pretendam ambos obter a dissolução do casamento por divórcio4 . Com efeito, a exigência de obtenção dos acordos sobre os interesses de cada um dos cônjuges e sobre os interesses dos filhos menores como requisito do decretamento do divórcio, responsabilizava os cônjuges na satisfação dos interesses controvertidos e obrigava-os a empenhar-se na procura de soluções consensuais e mais ajustadas aos interesses em causa. Porém, a solução normativa encontrada, para além das inúmeras questões processuais que suscita, contribui para diminuir o esforço de conciliação e de consenso entre partes, relegando para o tribunal a resolução das questões que os cônjuges poderiam obter por acordo (neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Apreciação Crítica do Projecto-Lei que altera o Código Civil, Lisboa 2008, pg. 51). Um dos principais objectivos desta reflexão consiste em analisar e avaliar os impactos decorrentes da falta de previsão dos trâmites processuais que fixem ou determinem previamente a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária para que o juiz decida sobre as consequências do divórcio. Com efeito, num ordenamento rigidamente formatado segundo o princípio da legalidade dos trâmites ou das formas processuais, a possibilidade do juiz poder determinar a tramitação do processo e a produção de prova eventualmente necessária, “tem tanto de aliciante para a realização da justiça no processo civil, como de ameaçador para as garantias daqueles que exercem o seu direito à jurisdição” (Pedro Madeira de Brito, O novo princípio da adequação formal, Aspectos do Novo Processo Civil, Editora Lex, pg. 31). 4 Suscitando também reservas sobre esta opção, Pedro Lima, Algumas Notas Críticas sobre a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, Boletim da ASJP, IV.ª série, n.º 4, Setembro 2010 (pg. 202).
  • 4. - 4 - Na verdade, o processo não existe sem procedimento e este impõe a observância de uma forma em que as formalidades dos actos ou a sua ordenação formal podem ser determinadas segundo um dos seguintes sistemas: - a) - o sistema da legalidade das formas em que a actuação processual se encontra pré-estabelecida na lei, podendo o desrespeito das suas prescrições constituir irregularidade que, nalguns casos, comporta um valor negativo que pode implicar a ineficácia (em sentido amplo) do acto ou dos actos praticados fora da sequência processual; b) - o sistema de liberdade de forma em que não existem formas previamente fixadas pelas normas processuais, cabendo aos sujeitos do processo (partes ou juiz) determinar, em cada momento e em concreto, a forma a observar. Embora não existam sistemas absolutamente puros, são apontadas vantagens e desvantagens a um e a outro sistema. Em primeiro lugar, se a lei fixa ou determina previamente as formas dos actos ou da sequência de actos, verifica-se uma maior garantia para as partes, as quais, quando instauram uma acção ou exercem um direito de defesa, conhecem e sabem à partida quais os procedimentos a adoptar e o respectivo iter5 . Em sentido contrário, num sistema de liberdade de forma, existe o perigo de o juiz, conscientemente ou não, ceder a influências incontroláveis; na determinação da modalidade processual pode ser escolhido um dado ponto de vista sem que exista forma segura de controlar essa escolha além de que, perante situações idênticas, os juízes poderiam decidir de forma diferente, o que coloca em risco a igualdade das partes perante o processo e a garantia destas ao correcto exercício da função jurisdicional. Em segundo lugar, assinala-se ao sistema de liberdade de forma uma maior celeridade no andamento do processo quando sejam atribuídos poderes ao juiz com esse objectivo, enquanto que, ao sistema com formalidades pré-elaboradas é imputada morosidade face à eventual verificação de actos desnecessários mas fixados na lei; numa outra perspectiva, num sistema de liberdade de formas, se forem as partes a definir a forma adoptar, existe o risco razoável de intermináveis dilações e desfigurações que põem em causa a realização do próprio interesse das partes no processo. Finalmente, em terceiro lugar, o procedimento demasiado ritualizado e com efeitos preclusivos não permite alcançar a justiça material que se procura através do processo, constituindo um verdadeiro obstáculo no acesso à justiça. Em suma, e com vista a assegurar um efectivo direito de acesso à justiça, o processo, de natureza instrumental, não pode constituir obstáculo a uma decisão que atinja a justiça material e as regras sobre a forma devem ajustar-se à questão em litígio. O equilíbrio entre as garantias conferidas pela forma no processo e a necessidade da realização da justiça material enquanto missão do Estado exige uma adequada ponderação do princípio da instrumentalidade da forma no processo e que se resume na ideia de que as formas do processo previstas na lei não servem para a realização de um fim próprio e autónomo, sendo estabelecidas como o instrumento mais idóneo para atingir um determinado resultado, o qual constitui o único e verdadeiro objectivo da norma que disciplina a forma (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa 1993, pgs. 35-36; Pedro Madeira de Brito, ob. cit., pgs. 31-35). Porém, a capacidade de tornar expedito o processo por parte do juiz implica que a lei processual lhe confira, num sistema predominantemente legalista 5 Segundo a máxima de Jhering, “a forma é inimiga jurada do arbítrio, a irmã gémea da liberdade”.
  • 5. - 5 - como o nosso, um efectivo poder de controlo e de direcção do processo, enformando-o como um dever de gestão mas, sobretudo, impondo regras sóbrias de litigância que condicionem a prolixidade das partes. Por outro lado, não tipificando a lei formalmente os actos a praticar, estes deverão ser praticados segundo a forma mais adequada a atingir o fim e o acto processual praticado pelo juiz a que faltem os requisitos indispensáveis para atingir o escopo pode ser inválido, mas esta invalidade é irrelevante se o acto atingiu o fim para o qual se encontrava destinado na medida em que as regras de forma têm por função garantir os interesses das partes, o que se retira da regra da relevância genérica do vício formal no interesse de quem foi estabelecido. Com efeito, o processo civil deve ser visto como algo que serve para viabilizar a discussão, a dialéctica, tão alargadamente quanto possível, em ordem a conseguir-se o desiderato que é a causa final do processo, a saber, a decisão da causa (a boa quanto possível decisão), e não tanto mini-decisões de fases ou sub-fases processuais. Exactamente para que os problemas substantivos sejam bem ponderados, deve haver um conjunto de regras de procedimento que confiram segurança às pessoas cujos valores e interesses, e cujos diferendos justificam e impõem que a função jurisdicional do Estado se exerça através de normatividade que imprima segurança e não anarquia nos procedimentos. Ao adequar a tramitação ao caso concreto6 , o juiz não pode fazê-lo com violação da igualdade das partes, do direito de defesa, do contraditório e do dispositivo. Por outro lado, a estrutura óssea do processo ou a sua matriz essencial não deverão ser objecto de grandes alterações, sendo difícil prever que ocorram supressões ou acrescentos de fases processuais pelo que a mudança na atitude do juiz será sentida concretamente, dentro de cada fase, na dosagem e construção de cada acto processual7 . Há que pensar, também, que a ponderação necessária para ajustar devidamente as normas do processo implicará perder algum tempo de estudo e análise do processo, sendo que o tempo não é o que mais abunda nos tribunais de maior movimento. Assim sendo, o principal problema com que somos confrontados consiste em saber se, ao afirmar o legislador que o juiz determina a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária tanto para apreciar os acordos como para fixar as consequências do divórcio, este tem a faculdade de adaptar “activamente” as normas processuais8 e quais os limites de que dispõe9 . - I - II - A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL 6 Determinando a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária. 7 Embora relacionado com o dever de gestão processual previsto no Regime Processual Civil Experimental (Decreto- Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho), defendemos que, em qualquer das situações em que o juiz faça uso do princípio da adequação formal ou do dever de gestão processual, deve apresentar às partes os detalhes da programação processual que irá adoptar, sendo essa esquematização mais justa e eficiente se for feita em colaboração com as partes (António José Fialho, Simplificação e Gestão Processual, Regime Processual Civil Experimental, Edição CEJUR, pg. 58). 8 Aplicáveis a cada uma das questões referidas no artigo 1775.º do Código Civil (regulação do exercício das responsabilidades parentais, atribuição da casa de morada de família, alimentos ao cônjuge que deles careça e relacionação dos bens comuns). 9 Com efeito, os limites para esta adaptação activa das normas processuais é que poderão constituir questões controvertidas na medida em que as regras processuais que determinam conteúdos injuntivos ou peremptórios (e.g. no que respeita a prazos) ou aquelas que interferem no exercício dos direitos processuais (igualdade das partes, direito de defesa e do contraditório) não poderão ser objecto de qualquer adaptação discricionária ou injustificada face aos fins do processo.
  • 6. - 6 - A primeira questão que se coloca é saber se, com o prosseguimento da acção para fixação judicial das consequências do divórcio por mútuo consentimento como se fosse um divórcio sem consentimento, o legislador pretende que se faça uso do regime previsto no artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, no qual se prevê a possibilidade de fixação incidental (provisória e para a pendência da acção de divórcio) da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, da fixação de alimentos a cônjuge e da atribuição de casa de morada de família10 . Os incidentes no processo são formas processuais secundárias em relação ao processo principal, pressupondo, em geral, uma questão a resolver e que apresenta, em relação ao objecto da acção, carácter acessório ou secundário ou representa uma ocorrência anormal produzida no decurso do processo, sujeita a uma tramitação própria, uma vezes materialmente autonomizada, outras inserida na tramitação do processo principal (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pg. 564). Em primeiro lugar, estando este regime incidental gizado para uma fixação provisória de alguns dos efeitos do divórcio, a determinação definitiva prevista no artigo 1778.º-A, n.º 3 do Código Civil, apenas pode querer dizer que a acção prossegue sem consentimento das partes quanto às consequências do divórcio mutuamente consentido (neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais, pg. 148). Sobre esta questão, Tomé d’Almeida Ramião entende que “o legislador não pretendeu que na fixação dessas consequências, o juiz aplique as regras processuais aplicáveis ao divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, ou seja, não pretendeu remeter para o regime processual previsto nos artigos 1407.º e 1408.º do Código de Processo Civil e afastar o regime processual aplicável ao divórcio por mútuo consentimento, previsto nos artigos 1419.º a 1424.º do Código de Processo Civil, por incompatível com o regime instituído no artigo 1778.º-A. Se assim fosse, tê-lo-ia dito, nomeadamente que seria aplicável esse regime processual, com as devidas adaptações” (O Divórcio e Questões Conexas, 2.ª edição, pg. 60). O mesmo autor afirma que “estamos em presença de um divórcio por mútuo consentimento e, por isso, a decisão a proferir nas questões sobre que os cônjuges não acordaram, será proferida como se se estivesse perante um divórcio por mútuo consentimento. Fixa as consequências como se tratasse de um divórcio por mútuo consentimento de um dos cônjuges, porque não o é. No divórcio sem consentimento, o juiz não aprecia, nem decide, essas questões11 . Elas não constituem objecto da acção de divórcio sem consentimento. Aqui apenas se aprecia e decide do divórcio e, eventualmente, e apenas a título provisório, da atribuição da casa de morada de família, dos alimentos entre cônjuges e do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil” (ob. cit., pg. 60). A segunda questão radica em saber como se procede a essa definição judicial das consequências uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer previsão 10 Segundo Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, Almedina, pg. 8) “a ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção, se incrusta uma questão acessória e secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se inserem. No centro do incidente processual está, pois, uma questão controvertida surgida no decurso do processo que, em regra, deve ser decidida antes da decisão da questão principal do litígio e cuja sede própria é a decisão final. A questão incidental é, assim, de natureza contenciosa, com certo grau de conexão com algum dos elementos que integram o processo, sendo a questão incidental a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia ou, noutra perspectiva, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da acção principal.” 11 A título de exemplo, caso algum dos cônjuges pretenda que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil), por se tratar de direitos indisponíveis - e, consequentemente, insusceptíveis de acordo ou de confissão - não será possível aos cônjuges convolar o processo para divórcio por mútuo consentimento, ainda que estejam ambos de acordo em divorciar-se, devendo o processo prosseguir para julgamento.
  • 7. - 7 - específica de procedimento e a definição judicial de cada uma dessas consequências encontra-se “prevista em acções independentes, com naturezas distintas, tramitações específicas e ónus de prova diferenciados”12 , nomeadamente: - a) - a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais é tramitada como acção de jurisdição voluntária (artigos 150.º a 161.º e 174.º a 180.º da Organização Tutelar de Menores, 1905.º e 1906.º do Código Civil e 302.º a 304.º e 1409.º a 1411.º, todos do Código de Processo Civil). b) - a acção judicial de atribuição de casa de morada de família é tramitada como processo especial de jurisdição voluntária (artigos 1793.º do Código Civil e 1413.º, 302.º a 304.º e 1409.º a 1411.º, todos do Código de Processo Civil). c) - a acção de alimentos entre cônjuges configura uma acção declarativa comum, sob a forma ordinária ou sumária, consoante o valor da causa (artigos 461.º do Código de Processo Civil e 2016.º e 2016.º-A, ambos do Código Civil). d) - a determinação dos bens comuns do casal é realizada através do incidente de reclamação de bens no âmbito de processo especial de inventário para separação de meações13 (artigos 1348.º e 1349.º e 302.º a 304.º “ex vi” do artigo 1404.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil14 ). A propósito da tramitação a seguir pelo tribunal no divórcio por mútuo consentimento, Alexandra Viana Lopes refere o seguinte (Divórcio e responsabilidades parentais, pgs. 148 e 149): - «Na acção de divórcio com consentimento, não estando previsto procedimento adequado para a definição das consequências do divórcio, deve este decorrer de acordo com as regras gerais. Assim, concebem-se dois tipos de situações. No caso de ser apresentado pedido de decretamento de divórcio no tribunal, ab initio, devem os requerentes na petição inicial, formular o pedido de cada uma das partes quanto à fixação das consequências pretendidas relativamente às quais obtiveram consenso, alegar como causa de pedir e oposição, os factos em que estão de acordo e os factos em que estão em desacordo, indicar a prova de cada uma das partes. No caso de devolução de competência para o tribunal em processo inicialmente entrado na conservatória do registo civil relativamente a qualquer um dos consensos, sem que o juiz tenha vindo a conciliar as partes, ou no caso de convolação de uma acção de divórcio sem consentimento, deve o juiz suscitar a dedução do incidente, ao qual cada um dos cônjuges formule o seu pedido, alegue os factos integrativos da causa de pedir e indique a prova, incidente a que se seguirá as regras gerais de contraditório, prova e julgamento (artigos 302.º e seguintes do Código de Processo Civil). Em todo o caso, enxertando-se as discussões sobre as consequências do divórcio na própria acção de divórcio com consentimento, não se pode deixar de prever uma grande complexidade processual, com o acentuar da demora na 12 Alexandra Viana Lopes, Divórcio e responsabilidades parentais, pg. 148. 13 Entrou em vigor em 18 de Julho de 2010 o Regime Jurídico do Processo de Inventário (aprovado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, alterada pelas Lei n.º 1/2010, de 15 de Janeiro, e pela Lei n.º 44/2010, de 3 de Setembro). Aquando do termo deste trabalho, não tinham ainda sido publicados os diplomas regulamentares que permitissem a implementação deste novo regime jurídico do processo de inventário pelo que se optou por fazer referência às disposições normativas relativas ao novo regime jurídico quando sejam referenciadas no texto disposições normativas do processo de inventário contidas no Código de Processo Civil. 14 Artigos 1.º, n.º 4, 27.º, n.º 1, alínea c), e 71.º, todos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
  • 8. - 8 - definição das pretensões litigiosas, em face da diversidade de qualidade de cada uma das partes nas diferentes pretensões. A parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuição das garantias em face das acções comuns de alimentos, de atribuição de casa de morada de família e de regulação das responsabilidades parentais, pode revogar o consentimento do divórcio por mútuo consentimento e instaurar ou aguardar a instauração de acção de divórcio sem consentimento, com a cumulação do pedido de alimentos e a instauração das acções conexas em que venha a pedir a definição desses interesses (artigos 470.º, n.º 2 e 1413.º, do Código de Processo Civil e artigos 154.º, n.º 4 e 174.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro).» Contudo, este conjunto de regras não resolve inteiramente o problema pois, mesmo considerando uma tramitação incidental das questões sobre as quais os cônjuges não lograram obter consenso no âmbito do divórcio com consentimento (instaurado no tribunal, remetido pela conservatória ou mediante convocação de divórcio sem consentimento), subsiste ainda um conjunto de questões processuais a resolver. Procurando aproximar-se da solução deste problema, Tomé d’Almeida Ramião afirma que “o juiz fixa essas consequências contra a vontade do outro cônjuge, tendo em conta a pretensão do cônjuge demandante, os fundamentos invocados e as regras do ónus da prova (…) fundamentando e demonstrando a sua causa de pedir” (O Divórcio e Questões Conexas, pgs. 61-62). O mesmo autor refere que são aplicáveis os princípios gerais da jurisdição voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do Código de Processo Civil) na medida em que o divórcio por mútuo consentimento se insere no âmbito desses procedimentos, sendo ainda aplicáveis as disposições dos artigos 1419.º a 1422.º e 1424.º, todos do mesmo Código (que não foram revogados), a sua utilidade prática reconduz-se aos casos de convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento e, finalmente, a sua previsão para o divórcio requerido na conservatória do registo civil se afigura deslocada15 . Para compreender melhor o problema, imagine-se uma situação em que os cônjuges requereram o divórcio por mútuo consentimento no tribunal, instruem esse pedido com uma relação especificada de bens comuns e afirmam não estar de acordo em relação à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, à atribuição do destino da casa de morada de família e à obrigação de alimentos a um dos cônjuges. Não conseguindo o juiz obter o consenso dos cônjuges quanto a estas questões, deve determinar a prática dos actos e proceder à produção de prova que considere necessária para a fixação das consequências do divórcio nas questões em que os cônjuges não apresentaram acordo ou não acordaram na conferência16 . Com vista a uma melhor compreensão da questão, a causa de pedir de cada uma destas pretensões pode até não estar ainda suficientemente delimitada, não só porque a questão é colocada em função de um divórcio sem consentimento convolado em mútuo consentimento relativamente ao qual não existe o ónus de alegação destas questões mas apenas dos fundamentos do divórcio (artigo 1779.º, n.º 2 do Código Civil) 15 Nesta parte, não concordamos com este autor na medida em que o legislador consagrou a remissão deste conjunto de normas no artigo 272.º, n.º 5 do Código de Registo Civil (a propósito do procedimento do divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do registo civil). 16 No âmbito de um processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, se estes estão de acordo em divorciar-se na tentativa de conciliação, não faz sentido efectuar a notificação do réu para contestar (artigo 1407.º, n.º 5 do Código de Processo Civil) uma vez que o objecto do litígio não serão as questões alegadas na petição inicial da acção de divórcio sem consentimento mas alguma das questões mencionadas no artigo 1775.º do Código Civil sobre as quais os cônjuges não obtiveram acordo.
  • 9. - 9 - ou porque a situação é colocada em função de um divórcio por mútuo consentimento remetido pela conservatória do registo civil em que não se logrou alcançar acordo sobre alguma das questões (artigo 1778.º do mesmo Código). Neste caso, deve o juiz determinar a prática dos actos necessários, designadamente a apresentação dos articulados em que cada um dos cônjuges formule o seu pedido, alegue os factos integrativos da causa de pedir e indique a respectiva prova, a que se seguirão as regras gerais do contraditório, prova e julgamento. É aqui que se vão colocar as questões processuais a que a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, não soube dar a resposta adequada. Vejamos. Para o exemplo que escolhemos, quer seja adoptada a solução processual do incidente (artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil), quer a do processo de jurisdição voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do mesmo Código), as partes têm o ónus de alegar os factos integrativos da causa de pedir (e oferecer ou requerer a respectiva prova) que permitam ao julgador decidir sobre a atribuição do uso da casa de morada a um dos cônjuges, sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores (residência e exercício das responsabilidades parentais, relações pessoais com o progenitor não residente e obrigação de alimentos) e sobre a fixação de alimentos ao cônjuge que alega necessitar deles (com a correspondente alegação das possibilidades do outro cônjuge). Vejamos a primeira situação. O n.º 7 do artigo 1407.º do Código de Processo Civil dispõe que “em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se entender conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada de família.” Para haver lugar à aplicação desta disposição normativa, há ocorrer uma situação de urgência (premência) relativa a qualquer uma dessas questões, de tal modo que, não sendo as mesmas fixadas, resultem colocados em perigo ou em risco relevante os bens ou interesses que visam acautelar. Ao estabelecer um juízo de conveniência, o legislador está a reportar-se a uma conveniência em termos temporais, no sentido de que só deve concluir ser conveniente fixar algum daqueles regimes provisórios se, ponderada em concreto a situação dos cônjuges e filhos, em função do período de tempo que, previsivelmente, a acção de divórcio demorará, em juízo, se lhe afigurar necessário (conveniente) tal fixação ou, no mínimo, prudente, para acautelar o risco que a demora da acção pode assegurar aos interesses que estão em causa, configurando-se este regime provisório como medida cautelar (neste sentido, Ac. RL de 11/02/2010 in CJ, I, pgs. 114-117). Vejamos agora a segunda situação. Caso sejam adoptados os critérios da jurisdição voluntária (aplicáveis à regulação do exercício das responsabilidades parentais e à atribuição do uso da casa de morada de família), o julgador pode decidir segundo um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa, proferindo a decisão que lhe pareça mais equitativa, podendo, por exemplo, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que considere necessárias (artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Contudo, o tribunal não dispõe destes poderes nas acções em que esteja em causa a fixação dos alimentos entre cônjuges ou a determinação dos bens comuns já que estas questões são integradas no âmbito da jurisdição contenciosa. Esta é a primeira questão que importa resolver na medida em que a mesma é determinante quanto à posição assumida pelo julgador no âmbito do processo.
  • 10. - 10 - Para efeitos de determinação da natureza da jurisdição, o legislador adoptou o sistema de enumeração taxativa dos processos de jurisdição voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do Código de Processo Civil). Assim, a jurisdição voluntária é exercitada em função dos interesses dos sujeitos envolvidos ou de situações jurídicas subjectivas, cuja tutela é assumida por razões de interesse geral da comunidade, visando a actividade do tribunal, na resolução do caso concreto, com vista a permitir: - a) - um certo interesse ou feixe de interesses previstos na lei e não à mais justa composição dos interesses e direitos contrapostos dos litigantes; b) - um certo interesse ou feixe de interesses deixado à livre apreciação do juiz; ou para c) - permitir que o juiz se limite a controlar uma auto-composição processual das próprias partes. No âmbito desta jurisdição, existe uma diferente modelação prática de certos princípios ou regras processuais cuja distinção tende a basear-se nos critérios de decisão do tribunal e no maior relevo atribuído ao princípio do inquisitório (neste sentido, Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código de Processo Civil Revisto, pgs. 78-80). A característica geral dos processos de jurisdição voluntária é a de que não há neles “um conflito de interesses a compor, mas só um interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 72) ou “um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes” (Antunes Varela - J. Miguel Bezerra - Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pg. 69). Na jurisdição voluntária há, não a decisão de uma controvérsia entre as partes, mas uma actividade de assistência e de fiscalização em relação a actos realizados pelos particulares, sendo a intervenção requerida pela parte interessada. Pode existir controvérsia entre os interessados mas o essencial, nestes casos, é que haja um interesse fundamental tutelado pelo direito e ao juiz se tenha atribuído o poder de escolher a melhor forma de o gerir ou de fiscalizar o modo como se pretende satisfazê-lo. Com vista a explicitar o critério distintivo entre a jurisdição voluntária e a jurisdição contenciosa, Alberto dos Reis afirma que aquela tem um “fim essencialmente constitutivo, tendendo à constituição de relações jurídicas novas ou coopera na constituição e no desenvolvimento de relações existentes” e que “no espírito de quem organizou a classificação estava o critério doutrinal no tocante à diferenciação, baseado no exercício de uma actividade essencialmente administrativa na jurisdição voluntária e de uma actividade verdadeiramente jurisdicional na jurisdição contenciosa” (Processos Especiais II, Coimbra Editora, pgs. 397-398). Como afirma o mesmo autor, “um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso, o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respectiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso, o julgamento não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa” (ob. cit., pg. 400).
  • 11. - 11 - Assim, são aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária as seguintes regras: - a) - é mais forte a presença do princípio do inquisitório, em contraposição ao princípio do dispositivo, na medida em que o julgador pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, tendo o poder de só admitir as provas que julgue necessárias17 (artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil); b) - o juiz não está sujeito a critérios de decisão fundados em legalidade estrita, podendo pautar-se pela equidade, adoptando, em cada caso18 , a solução que lhe pareça mais conveniente e oportuna ou devendo procurar antes, pela via do bom senso, a solução mais adequada a cada caso19 (artigo 1410.º do mesmo Código); c) - as decisões adoptadas pelo julgador são livremente modificáveis, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem essa modificação (princípio «rebus sic standibus») (artigo 1411.º, n.º 1 do referido Código); d) - é inadmissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de todas as decisões proferidas no âmbito destes processos, contanto que tenham sido pronunciadas segundo critérios de estrita conveniência e de oportunidade, ou seja, segundo critérios (decisórios) de equidade (artigo 1411.º, n.º 2 do Código de Processo Civil); e) - não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409.º, n.º 4 do Código de Processo Civil); f) - com o requerimento inicial e a respectiva oposição, devem ser logo oferecidas as testemunhas e requeridos os outros meios de prova (artigo 303.º, n.º 2 “ex vi” do artigo 1409.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil); g) - cada parte não pode produzir mais de três testemunhas sobre cada facto nem pode oferecer mais de oito testemunhas (artigo 304.º, n.º 1 “ex vi” do artigo 1409.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil). Em primeiro lugar, e no que diz respeito a uma das questões entre os cônjuges que o tribunal deve resolver (alimentos entre cônjuges) e, apesar de estar legalmente consagrada a possibilidade de alteração na fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça, esta não existe em consequência dos mecanismos processuais da jurisdição voluntária mas por força de outra excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado. 17 Na jurisdição contenciosa, o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes ao passo que na jurisdição voluntária, pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. Nestes processos, o material de facto sobre que há-de assentar a resolução, é não só a que os interessados ofereçam, senão também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria actividade, dispondo de largo poder de iniciativa na colheita dos factos e nos meios de prova. Em suma, na jurisdição contenciosa, os poderes oficiosos do juiz em matéria de prova têm natureza subsidiária enquanto que, na jurisdição voluntária, essa limitação não existe (Alberto dos Reis, Processos Especiais II, Coimbra Editora, pgs. 399-400). 18 A expressão “em cada caso” significa que o julgador, em vez de se orientar por conceitos abstractos de humanidade e de justiça, deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução mais conveniente para os interesses em causa, funcionando como um árbitro, ao qual é conferido o poder de julgar ex aequo et bono (Alberto dos Reis, Processos Especiais II, pgs. 400-401). 19 Como afirma Antunes Varela (Manual de Processo Civil, pg. 72) “a prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, nas providências que o tribunal tome, não vai obviamente ao ponto de se permitir a postergação de normas imperativas aplicáveis à situação”.
  • 12. - 12 - Com efeito, em termos substantivos, o artigo 2012.º do Código Civil permite que, depois de fixados alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigados a prestá-los; por seu turno, o artigo 2013.º do mesmo Código prevê mesmo a possibilidade de cessação pela morte do obrigado ou alimentado, quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os receba deixe de precisar deles ou quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado. Com vista a concretizar este direito substantivo, o artigo 671.º, n.º 2 do Código de Processo Civil dispõe que se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida e duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação. Consagra-se, assim, uma excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado em processos que não revistam natureza de jurisdição voluntária, excepção esta justificada pela constituição da referência à situação de facto ou aos seus limites temporais existentes no momento do encerramento da discussão (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.º volume, pg. 680). Vejamos outra questão. Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o da separação (artigo 1404.º, n.º 1 do Código de Processo Civil20 ). A partilha é o acto ou o meio técnico-jurídico pelo qual se põe termo à indivisão de um património comum e, no caso da partilha dos bens que integram a comunhão conjugal, visa a atribuição definitiva aos cônjuges dos bens comuns através do preenchimento da respectiva meação, pressupondo a existência de mais do que um titular desse património (Esperança Pereira Mealha, Acordos Conjugais para Partilha dos Bens Comuns, Almedina, pg. 62). Não optando ambos os cônjuges pela partilha conjuntamente com o divórcio (artigos 1775.º, n.º 1, alínea a), “in fine” do Código Civil e 272.º-A a 272.º-C, todos do Código de Registo Civil), é através do processo de inventário que os cônjuges irão pôr termo à comunhão de bens do casal e onde devem relacionar-se os bens que entraram na comunhão e as dívidas que oneram o património comum, ou seja, da responsabilidade de ambos os cônjuges (neste sentido, Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, volume III, pg. 362; Ac. RP de 21/11/2000 in CJ, V, pg. 197). Os bens que integram a partilha são especificados na relação por meio de verbas sujeitas a uma só numeração, sendo as dívidas relacionadas em separado, sujeitas a numeração própria (artigos 1345.º, n.os 1 e 2 e 1404.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil21 ). Apresentada a relação de bens no processo de inventário, é o outro interessado notificado das declarações iniciais e da relação de bens, podendo reclamar contra ela, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens que releve para a partilha (artigo 1348.º do Código de Processo Civil). Sendo deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre as questões suscitadas na reclamação; confessando a existência dos bens cuja falta foi 20 Artigo 71.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário. 21 Artigos 23.º, n.os 1 e 2 e 71.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
  • 13. - 13 - acusada, deve proceder imediatamente ou no prazo que lhe seja concedido para o efeito, ao aditamento da relação de bens inicialmente apresentada. No caso contrário, haverá lugar à produção de prova, decidindo o juiz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, salvo se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões tornar inconveniente a tramitação incidental, caso em que se abstém de decidir e remete os interessados para os meios comuns (artigos 1349.º e 1350.º, ambos do citado Código22 ). As provas devem ser apresentadas com o requerimento de reclamação e a respectiva resposta pelo que, não o fazendo qualquer dos interessados, fica esgotada a possibilidade de o conseguir posteriormente (artigo 303.º, n.º 2 “ex vi” dos artigos 1334.º e 1404.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil) (neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, pg. 126; Ac. STJ de 09/02/1998 in CJ-STJ, I, pg. 54; Ac. RP de 15/06/2000 in www.dgsi.pt/jtrp). Também o processo de inventário para partilha de bens - e o respectivo incidente de reclamação de bens - reveste natureza contenciosa na medida em que não se encontra tipificado na enumeração dos processos de jurisdição voluntária (artigos 1409.º a 1411.º do referido Código). Para apreciar os acordos que os cônjuges tenham apresentado ou para fixar as consequências do divórcio, o legislador estabelece que “o juiz pode determinar a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária” (artigo 1778.º-A, n.º 4 do Código Civil). Em primeiro lugar, importa observar que o legislador utiliza a mesma expressão no n.º 1 do artigo 1776.º do Código Civil ao estabelecer que o conservador do registo civil pode “determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária” na apreciação dos acordos apresentados pelos cônjuges e com vista a aferir se estes acautelam os interesses de algum deles ou dos filhos. Apesar desta coincidente formulação, afigura-se manifesto que os poderes processuais conferidos ao juiz ou ao conservador numa e noutra disposição normativa são bastante diferentes23 . Com efeito, a prática dos actos e as diligências instrutórias a realizar pelo conservador do registo civil devem apenas restringir-se à produção dos meios de prova que permitam avaliar se os acordos acautelam os interesses que visam tutelar ou que permitam convidar à correcção e aperfeiçoamento dos acordos pois tudo aquilo que ultrapassar este entendimento irá colidir necessariamente com a norma constitucional que reserva aos tribunais a função de julgamento dos conflitos de interesses controvertidos (artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). Diversamente, o juiz pode (e deve) determinar uma tramitação processual de instrução e julgamento das questões controvertidas que lhe sejam apresentadas. Para fixar as consequências do divórcio na situação escolhida, o juiz teria que decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, sobre a atribuição do uso da casa da morada de família e sobre a fixação de alimentos a um dos cônjuges. Vejamos. A determinação da prática dos actos (processuais) necessários à fixação das consequências do divórcio e sobre as quais os cônjuges não lograram alcançar o acordo depende, em primeiro lugar, da modalidade de divórcio que é suscitada junto do tribunal: - 22 Artigos 18.º e 28.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário. 23 O que permite indiciar, com algum grau de certeza, que o legislador não anteviu de forma adequada esta questão.
  • 14. - 14 - a) - no divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do registo civil, quando o conservador entenda que algum dos acordos apresentados pelos cônjuges não acautelam suficientemente os seus interesses ou quando estes se não conformem com as alterações indicadas pelo Ministério Público ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais e mantenham o propósito de ser divorciar, em princípio, não existe conflito entre os cônjuges e os actos processuais praticados apenas expressam a diversidade de opiniões entre os cônjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministério Público (artigos 1776.º-A, n.º 4 e 1778.º, ambos do Código Civil); b) - no divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal, os actos processuais praticados apenas expressam a vontade dos cônjuges em divorciar-se mas nem sequer é exigida qualquer alegação quanto às questões sobre as quais não lograram alcançar acordo (artigo 1778.º-A do Código Civil); c) - no divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, quando obtido o acordo para conversão em divórcio por mútuo consentimento, os actos processuais praticados expressam, numa fase inicial, os fundamentos que justificam a dissolução do casamento e, numa fase posterior, a manifestação da vontade de ambos os cônjuges em divorciar-se, não sendo igualmente exigida qualquer alegação prévia quanto às consequências do divórcio sobre as quais não exista acordo (artigo 1779.º do Código Civil). Na primeira situação, a divergência entre os cônjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministério Público pode consubstanciar uma questão baseada num conjunto de factos mas será mais provável que configure uma questão de direito ou sobre a interpretação das cláusulas dos acordos apresentados e sobre a sua adequação jurídico-normativa às normas legais vigentes ou ao juízo de equidade que o conservador ou o Ministério Público entendam que acautelam melhor os interesses de qualquer dos cônjuges ou dos filhos menores. Porém, nas restantes situações, ambos os cônjuges estão de acordo em dissolver o seu casamento por divórcio mas esse acordo não se estendeu à regulação do exercício das responsabilidades parentais, à atribuição da casa de morada de família e à fixação de alimentos ao cônjuge que entende deles carecer24 . Assim, é mais provável que, nestes casos, a divergência implique a instrução e discussão das questões controvertidas, quer na sua componente fáctica, quer na componente jurídico-normativa, justificando um mínimo de alegação dos interessados sobre os fundamentos que justificam as suas pretensões, as razões do dissenso entre ambos, bem como a possibilidade de apresentarem e produzirem os meios de prova que entendam adequados para demonstrar esses fundamentos, sem prejuízo do poder-dever conferido ao juiz de determinar a produção de outros meios de prova eventualmente necessários. Com esta previsão normativa, o legislador criou uma figura processual complexa e “sui generis”: - um processo que tem início como divórcio (por mútuo consentimento ou sem consentimento) mas cuja instrução e discussão vai incidir sobre outras questões que não correspondem à matriz processual nem à causa de pedir próprias da acção de divórcio, sem que estejam definidas, por exemplo, normas de cumulação de pedidos25 , regras de competência, normas sobre os meios de prova 24 Podendo ainda abranger a determinação e relacionação dos bens comuns (artigos 1775.º, n.º 1, alínea a), 1776.º, n.º 1 e 1778.º-A, n.º 1, todos do Código Civil). 25 Por exemplo, poderia ter sido adoptada a solução prevista no Código da Família da República Popular de Angola que prevê a possibilidade de cumulação de pedidos no processo de divórcio permitindo ao autor ou ao réu reconvindo
  • 15. - 15 - admissíveis e sobre a própria tramitação processual, diferenciada em relação a cada uma das consequências do divórcio que o tribunal terá que fixar para o decretar, em suma, permitindo interpretações diversas nesta omissão de regras processuais. Na interpretação das normas, o intérprete deve ter em conta a sua origem e circunstâncias em que as mesmas foram produzidas, não devendo aquela cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, considerando a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não podendo considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.os 2 e 3 do citado artigo). Ao estabelecer que, para fixar as consequências do divórcio, o juiz determina a prática dos actos e a produção de prova eventualmente necessária, o legislador atribuir ao juiz o dever de determinar quais os actos processuais que se afiguram essenciais à fixação das consequências do divórcio e de determinar quais os meios de prova que sejam estritamente necessários à prossecução do mesmo fim. Nem mais … nem menos. É uma formulação legal próxima daquela que confere ao juiz o poder de investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, admitindo apenas as provasa que considere necessárias (artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Assim, consistindo a questão principal da causa no decretamento do divórcio (artigo 1778.º-A, n.º 5 do Código Civil), a definição judicial das consequências deste configura uma questão incidental, a resolver de acordo com as orientações processuais que o juiz entender mais convenientes, quer quanto ao conteúdo e forma dos actos processuais, quer quanto à produção de prova considerada necessária, observando os princípios processuais, nomeadamente da igualdade das partes e do contraditório. Esta é a solução que julgamos conferir sentido útil à formulação legal em causa26 27 . - I - III - LIMITAÇÕES NO NÚMERO DE TESTEMUNHAS O princípio do contraditório exige que, no plano da prova, seja facultada às partes a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa e que possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal. requerer, em cumulação, a regulação do poder paternal, a atribuição da casa de morada de família e a fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça (artigo 104.º do Código da Família, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro). 26 Contudo, reiteramos a afirmação de que a parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuição das suas garantias em face das acções que digam respeito a cada uma das consequências do divórcio, não fica inibida de revogar o acordo para o divórcio (Alexandra Viana Lopes, Divórcio e Responsabilidades Parentais, pg. 149). 27 Apesar de tudo, a solução legislativa que julgaríamos mais adequada consistiria na revogação, pura e simples, das disposições contidas no artigo 1778.º-A do Código Civil e na manutenção das modalidades de divórcio por mútuo consentimento (impondo aos cônjuges a definição consensual das suas consequências) e o divórcio sem consentimento (cuja causa de pedir e pedido se restringiria aos fundamentos que conduzam ao decretamento do divórcio) uma vez que a nova modalidade não traz qualquer vantagem significativa ou acrescida ao ordenamento jurídico, em contraposição com as inúmeras questões e dúvidas que suscita. Em alternativa, a manutenção destas disposições normativas numa mais que previsível e necessária alteração do novo regime jurídico do divórcio imporá a definição das regras e dos trâmites processuais necessários à fixação das consequências do divórcio na própria acção de divórcio.
  • 16. - 16 - Este direito à prova compadece-se com uma limitação razoável do número de testemunhas a ouvir por cada parte28 , que a exigência de economia processual justifica mas é mais dificilmente conciliável com a limitação a um número de testemunhas a inquirir a cada facto (artigos 304.º, n.º 1, 633.º e 789.º, todos do Código de Processo Civil), caso se entenda que a limitação se circunscreve aos factos principais da causa (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, pgs. 99- 100). É sabido que a limitação legal do número de testemunhas a inquirir por iniciativa das partes justifica-se como meio de evitar a utilização de produção de prova para fins dilatórios pelo que, sendo ultrapassado o limite legal, não são admitidas as testemunhas oferecidas para além daquele, considerando a proposição de prova realizada nos articulados. Aqui chegados, importa saber ou determinar qual o número de máximo de testemunhas a inquirir por iniciativa das partes nas questões sobre as quais os cônjuges não tenham obtido acordo, ou seja e de forma mais concreta, se o limite no número de testemunhas deve ser considerado em relação a cada questão ou se é determinado em função do conjunto de questões. Assim, neste caso, o número máximo de testemunhas poderia ser de oito por cada questão29 ou poderia ser apenas de oito (para um conjunto de questões) enquanto que, em relação a cada facto, apenas poderiam ser inquiridas três testemunhas (artigo 304.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Optar por uma redução ou limitação no número legal de testemunhas não é irrelevante e deve fundamentar-se num equilíbrio entre justiça e celeridade. Na verdade, o direito à prova faz parte do direito constitucional de acesso à justiça, sendo necessário (e conveniente) aplicar estas regras como limites susceptíveis de admitir determinadas excepções, designadamente quando esta redução ou limitação possa implicar a impossibilidade de se fazer prova sobre determinados factos. Esta solução no âmbito dos limites probatórios poderia também suscitar a questão de saber se a decisão que fixa as consequências do divórcio tem ou não valor de caso julgado material30 . Por outro lado, esta limitação probatória suscita ainda questões a propósito da invocação do valor extra-processual das provas e que se consubstancia na regra segundo a qual um certo meio de prova pode ser invocado numa segunda acção se o regime de produção de prova no segundo processo oferecer à parte a quem o meio de prova é oposto garantias não inferiores às do primeiro processo (artigo 522.º do Código de Processo Civil). É que, ao contrário do que afirma Tomé d’Almeida Ramião não podemos considerar sempre como certo que “os meios de prova obtidos ou a realizar, em regra, são comuns” e, salvo o devido respeito, também não cremos que tenha estado na “mens legislatoris” considerar que existem “elementos de prova comuns que são úteis a uma boa decisão de mérito nestas matérias, evitando, assim a repetição desses meios probatórios caso fossem apreciadas em processos autónomos” (ob. cit., pg. 58). 28 São 20 testemunhas no processo ordinário (artigos 633.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil), 10 no processo sumário e sumaríssimo (artigos 789.º e 464.º, ambos do mesmo Código) e 8 nos incidentes de instância e nos processos de divórcio (litigioso) sem consentimento (artigos 304.º, n.º 1 e 1408.º, n.º 2, ambos do referido Código). 29 O que determina que, para três questões em que o número máximo de testemunhas individualmente considerado seja de oito, o número máximo total de testemunhas seria de vinte e quatro. 30 Sobre opção semelhante do legislador no âmbito da oposição à execução e considerando que a existência de contraditório, prova e apreciação judicial são suficientes para assegurar esse efeito sobre a questão apreciada, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pg. 163, e Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, pg. 325; Rui Pinto, A Acção Executiva depois da Reforma, pg. 75; abordando o problema numa outra perspectiva e colocando dúvidas sobre esta questão, Carlos Oliveira Soares, O caso julgado na acção executiva, Themis IV/7, 2003, pgs. 256-258; Paulo Pimenta, Acções e incidentes declarativos na dependência da execução, Themis V/9, 2004, pg. 79.
  • 17. - 17 - Não obstante a falta de previsão de uma tramitação processual que acautele a complexidade subjacente à diversidade das questões a resolver, uma decisão incidental autónoma destas questões (artigos 302.º a 304.º e 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil e 1778.º-A, n.º 4 do Código Civil) é aquela que melhor se adequa à necessidade de prosseguimento da acção para a fixação judicial das consequências do divórcio relativamente às questões sobre as quais os cônjuges não alcançaram acordo. Assim sendo, cada uma das partes apenas dispõe da faculdade processual de apresentar oito testemunhas, existindo um limite de três testemunhas por cada facto31 (artigo 304.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Competindo ao juiz determinar a produção de prova eventualmente necessária, não fica prejudicada a possibilidade de inquirição oficiosa de testemunhas já que é conferido àquele um papel determinante na direcção do processo, permitindo-lhe, dentro de certos limites e em colaboração com as partes que prescinda dos actos e dos meios de prova que considere inúteis ou inadequados e pratique outros que julgue apropriados. - I - IV - A DOCUMENTAÇÃO DA PROVA Caso seja indicada prova testemunhal ou outros meios de prova a produzir perante o tribunal, o juiz teria ainda que determinar se a documentação dos depoimentos prestados pelas testemunhas ou por outras pessoas a inquirir deveriam ser gravados ou não. Com efeito, no âmbito do processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais não há lugar à gravação dos depoimentos a prestar na audiência de julgamento (artigo 158.º, n.º 1, alínea c), da Organização Tutelar de Menores)32 enquanto que, nos processos de jurisdição voluntária que admitam recurso ordinário, a gravação dos depoimentos pode ser requerida por qualquer das partes (artigos 304.º, n.os 2 a 4 e 522.º-A a 522.º-C, todos do Código de Processo Civil). Por outro lado, quando os incidentes da instância sejam instruídos e julgados conjuntamente com a causa principal, o regime dos depoimentos respeitantes à matéria dos incidentes obedece ao que estiver estabelecido para a causa principal (artigo 304.º, n.º 3 do mesmo Código) ao passo que, nos casos restantes, tudo depende da admissibilidade ou não do recurso ordinário quanto à decisão a proferir e da iniciativa dos interessados (artigo 304.º, n.os 3 e 4 do citado Código). Esta diversidade de tramitação é mais um aspecto que julgamos não ter sido devidamente ponderado pelo legislador e facilmente se compreende que a opção inicialmente assumida relativamente à tramitação processual das questões sobre as quais os cônjuges não tenham alcançado acordo é susceptível de condicionar também a possibilidade ou não de registo da prova produzida em audiência. Assim, impondo-se a gravação das “audiências finais” a par dos “depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados” (artigo 522.º-B do Código de Processo Civil), abarcando, deste modo, todos os actos processuais inseridos na audiência de discussão e julgamento (artigos 652.º e 653.º do mesmo Código), e não tendo sido conferido “o poder ao juiz, em conjugação com as partes, de seleccionar os momentos processuais que justificassem a gravação”33 , será impossível delimitar, numa mesma audiência de discussão e julgamento que, por exemplo, tenha por objecto a regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a fixação de alimentos ao 31 Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, 2.ª edição, pg. 64. 32 Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 9.ª edição, pg. 56. 33 António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil (II volume), pg. 195.
  • 18. - 18 - cônjuge que deles careça, a gravação dos depoimentos das testemunhas, dos peritos ou dos técnicos, restringindo-a à parte em que os depoimentos podem ser gravados e limitando na parte em que não o podem ser. Por outro lado, conforme defende Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, pg. 205) “resulta da letra da lei (artigos 463.º, n.º 2 e 522.º-B) que não basta que a causa admita recurso para que seja possível a gravação dos depoimentos nela prestados (…) tornando-se ainda necessário que os depoimentos se enquadrem numa «audiência final», o que afasta do referido regime os elementos de prova recolhidos avulsamente no processo (v.g. incidentes do inventário)”. Assim, determinando o juiz que, para fixar as consequências do divórcio, se justifica a audição de testemunhas, de peritos ou de técnicos, quer por iniciativa própria, quer por iniciativa das partes, esses depoimentos deverão ser gravados ? O juízo que é feito a propósito dos incidentes no inventário e sobre os elementos de prova recolhidos avulsamente no processo afiguram-se inteiramente aplicáveis a esta situação. O objecto principal desta acção de divórcio consiste na dissolução ou no fim da relação matrimonial, cuja estrutura litigiosa e controvertida não diz respeito aos fundamentos do divórcio mas sim quanto às suas consequências nas questões em que os cônjuges estão em desacordo. Tratando de questão incidental em que não estabelece uma audiência de julgamento quanto à própria tramitação do incidente, afigura-se que, caso sejam ouvidas testemunhas, peritos ou técnicos, por iniciativa do juiz ou das partes, não haverá lugar à documentação da prova produzida na diligência processual que o juiz designar para o efeito. - I - V - O ADIAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS No âmbito da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a audiência só pode ser adiada uma vez, por falta das partes, seus advogados ou testemunhas (artigo 158.º, n.º 2 da Organização Tutelar de Menores). Assim, a falta de alguma das partes, advogados ou testemunhas implica sempre o adiamento da audiência, por uma só vez, mesmo que esta tenha sido agendada mediante a compatibilidade de agendas, sendo inaplicável o disposto no n.º 5 do artigo 651.º do Código de Processo Civil “ex vi” do artigo 161.º da Organização Tutelar de Menores (neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 9.ª edição, pg. 56). Porém, não foi esta a solução adoptada pelo legislador relativamente ao processo declarativo civil comum e aos demais processos em que aquele tenha aplicação subsidiária. Caso o juiz haja providenciado pela marcação por acordo prévio com os mandatários judiciais, observando o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil34 , restringe-se a possibilidade de adiamento das diligências processuais (incluindo a audiência de discussão e julgamento) à falta do advogado que comunique a impossibilidade da sua comparência por circunstâncias impeditivas da sua presença (artigos 155.º, n.º 5 e 651.º, n.º 1, alínea d), ambos do citado Código). Em contrapartida, se o juiz não houver providenciado pela marcação por acordo com os mandatários judiciais e faltar algum dos advogados, sem qualquer 34 E que deve igualmente ser observado na marcação das audiências de julgamento das providências tutelares cíveis cm vista a possibilitar o “acordo de agendas” e evitar o adiamento de diligências (Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 9.ª edição, pg. 57).
  • 19. - 19 - indagação ou justificação, a diligência é adiada (artigo 651.º, n.º 1, alínea c), do referido Código). É assim evidente a diferença entre uma providência tutelar cível em que se apliquem as regras processuais gerais da Organização Tutelar de Menores (e.g. a regulação do exercício das responsabilidades parentais) e entre os processos em que sejam aplicáveis as regras gerais do Código de Processo Civil (artigo 651.º “ex vi” do artigo 463.º do mesmo Código) (e.g. atribuição da casa de morada de família, alimentos entre cônjuges e incidente para relacionação de bens). São também conhecidas as razões para que se mantenha esta diversidade nos trâmites processuais emergentes da falta de qualquer das partes ou dos seus mandatários: - na Organização Tutelar de Menores, o legislador entendeu prejudicar a celeridade em benefício de uma solução consensual que envolva ambos os progenitores35 e exija a sua presença na audiência de julgamento, privilegiando, desta forma, o superior interesse da criança, ao passo que, no Código de Processo Civil, é dada prevalência à celeridade, procurando minimizar “as perturbações causadas (ao tribunal, às partes, às testemunhas e a outros intervenientes processuais) pelos adiamentos da audiência” (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, pg. 617). Na determinação das consequências do divórcio, o juiz sempre não só promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges (artigo 1778.º-A, n.º 6 do Código Civil). Assim, quando o juiz designar qualquer diligência processual em que devam ter intervenção os cônjuges e os seus mandatários no âmbito do divórcio por mútuo consentimento requerido ou em curso no tribunal, deve aquele providenciar pela marcação da mesma por acordo prévio com os mandatários, observando o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil. Caso venha a faltar algum dos cônjuges ou algum dos mandatários a essa diligência, e não se verifique qualquer circunstância impeditiva e inesperada da presença do mandatário, o juiz deve adiar a realização da diligência se houver razões para considerar viável a possibilidade de um acordo dos cônjuges sobre as consequências do divórcio36 . - I - VI - A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE Por força da diversidade das tramitações processuais, pode ainda suscitar-se a questão da admissibilidade do depoimento de parte requerido por qualquer um dos cônjuges relativamente aos efeitos do divórcio que incumbe ao juiz fixar e sobre os quais não exista acordo. Vejamos. A admissibilidade da confissão como meio de prova tendo por objecto factos relativos a direitos indisponíveis constitui uma questão controversa face ao disposto na alínea b) do artigo 354.º do Código Civil que prevê a inadmissibilidade deste meio de prova se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis. Apesar disso, o artigo 361.º do mesmo Código dispõe que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório, que o tribunal aprecia livremente, o que justifica que alguma doutrina se 35 E dos respectivos advogados. 36 Adopta-se uma solução intermédia que combina a obrigatoriedade de adiamento na providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais com a regra do não adiamento da diligência, em nome da busca de uma solução consensual do litígio.
  • 20. - 20 - refira à ineficácia da confissão (neste sentido, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pg. 549). Assim, a confissão incidente sobre factos relativos a direitos indisponíveis pode constituir um meio de prova admissível, submetido, no entanto, à livre convicção do julgador. Sobre a admissibilidade do depoimento de parte há quem sustente a tese da sua inadmissibilidade uma vez que o mesmo visa obter a confissão judicial, admitindo que o juiz possa determinar que as partes prestem informações ou esclarecimentos ao tribunal (artigos 356.º, n.º 2 do Código Civil e 265.º e 519.º, ambos do Código de Processo Civil) (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, pgs. 118-119), enquanto que outros defendem a admissibilidade do depoimento de parte, argumentando que este não se circunscreve à obtenção da confissão judicial com eficácia plena mas que poderia ter por objecto qualquer declaração confessória ainda que sujeita à livre convicção do julgador37 (Américo Campos Costa, O depoimento de parte sobre factos relativos a direitos indisponíveis, Revista dos Tribunais, Ano 76.º, pgs. 322 a 327). Este problema é mais relevante quando a fixação das consequências do divórcio diga respeito à fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça ou à determinação judicial dos bens comuns do casal já que estas questões, indubitavelmente, não configuram direitos indisponíveis. Incumbindo à parte que requer a prestação de depoimento de parte o ónus de indicar, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair (artigo 552.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) e cabendo ao juiz convidar a parte que fazer essa indicação quando a mesma tenha sido omitida no respectivo requerimento probatório, são conferidos ao juiz poderes de zelar pelo aproveitamento dos actos das partes e para a prossecução da verdade material. Os factos sobre os quais a parte há-de depor não constam de uma base instrutória e a apresentação factual dos articulados em termos muito genéricos não veda da prestação de depoimento de parte, assim como a proposição desta sobre pontos concretos menos amplos do que os dela constantes. Requerido por uma parte o depoimento da outra parte, compete ao juiz admiti-lo (artigos 508.º-A, n.º 2 e 512.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), podendo rejeitá-lo se o objecto proposto for inadmissível38 ou o requerente não tiver indicado os factos que o constituem após convite para o efeito. O depoimento de parte é, em regra, prestado na audiência final de discussão e julgamento (artigo 556.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) na qual o juiz deverá assegurar que seja respeitado o objecto oportunamente admitido. Assim, caso o objecto do depoimento de parte diga respeito a factos sobre os quais o mesmo seja admissível, pode o mesmo ser prestado no âmbito das diligências para fixação das consequências do divórcio, incumbindo ao juiz determinar o alcance dessa admissibilidade39 . - I - VII - O PATROCÍNIO FORENSE 37 Assim, poder-se ia utilizar o depoimento de parte para a obtenção de tal declaração confessória, sendo que recai sobre o depoente o dever de ser fiel à verdade, muito embora as suas respostas sejam desprovidas de valor probatório tarifado, estando sujeita ao regime da prova livre. 38 Pode também ser rejeitado se o seu objecto respeitar a direitos indisponíveis – para quem entenda não ser admissível -, por não se tratar de facto pessoal, por dizer respeito a factos criminosos ou torpes ou por ser claro que a parte não tem conhecimento do facto (Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, pg. 375). 39 Já quanto aos factos que digam respeito a direitos indisponíveis, a sua admissibilidade dependerá do entendimento que o juiz tenha sobre o assunto de acordo com as posições expressas na doutrina.
  • 21. - 21 - O patrocínio forense é considerado como elemento essencial à boa administração da justiça e tem subjacente o reconhecimento da função social dos advogados na administração da justiça, assegurando a representação jurídica das partes e a condução técnico-jurídica do processo40 (artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa). É por isso que as normas da organização judiciária estabelecem que os advogados participam na administração da justiça, competindo-lhes, de forma exclusiva e com as excepções previstas na lei, exercer o patrocínio das partes41 (artigos 6.º, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto). O advogado é o profissional do foro cuja actividade se desdobra em “três vertentes: de apoio e informação jurídica, de instância de resolução amigável de conflitos e de mandatário processual das partes” (António Arnaut, Iniciação à Advocacia, 2.ª edição, pg. 35)42 . Estabelecendo as normas da organização judiciária que o patrocínio forense é exercido exclusivamente por advogados mas, ao mesmo tempo, admitindo a existência de excepções, foi opção expressa do legislador prever que, nalguns casos, a constituição por advogado não seja obrigatória, quer pelo valor económico dos conflitos, pela natureza dos interesses controvertidos ou pela inexistência de discussões de âmbito jurídico. Assim, nas causas de competência dos tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário e nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor, é obrigatória a constituição de advogado (artigo 32.º, n.º 1, alíneas a), e b), do Código de Processo Civil). Nos inventários, seja qual for a sua natureza e valor, só é obrigatória a intervenção de advogado para se suscitarem ou discutirem questões de direito (artigo 32.º, n.º 3 do mesmo Código43 ) enquanto que, nos processos de jurisdição voluntária, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409.º, n.º 4 do citado Código). Com base nestas disposições normativas, é possível estabelecer as seguintes regras para os processos de divórcio (seja qual for a sua natureza) e para as questões que os cônjuges devem resolver: - a) - nos processos de divórcio por mútuo consentimento instaurados na conservatória do registo civil, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigos 1409.º, n.os 1 e 4 e 1419.º a 1424.º, todos do Código de Processo Civil e 12.º, n.º 1, alínea b), e 14.º, ambos do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro); b) - nos processos de divórcio por mútuo consentimento instaurados no tribunal, é obrigatória a constituição de advogado (artigos 1778.º-A do Código Civil, 32.º, n.º 1, alínea c), 312.º e 1407.º e 1408.º, todos do Código de Processo Civil); c) - nos processos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, é obrigatória a constituição de advogado (artigos 32.º, n.º 1, alínea c), 312.º e 1407.º e 1408.º, todos do Código de Processo Civil); 40 E que corresponde ao exercício do denominado “jus postulandi”. 41 Os actos próprios do advogado encontram-se previstos no artigo 62.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto. 42 Já no século XIII, Jacopo Ruiz (tutor de Afonso X de Espanha) recomendava aos juízes que se as partes quisessem advogado para defender os seus direitos, lho deveriam dar, sobretudo aos pobres, aos órfãos e àqueles que não soubessem razoar. 43 Artigo 8.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
  • 22. - 22 - d) - nos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409.º, n.º 4 do Código de Processo Civil “ex vi” do artigo 150.º da Organização Tutelar de Menores); e) - nos processos de atribuição de casa de morada de família, não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso (artigos 1409.º, n.º 4 e 1413.º, ambos do Código de Processo Civil e 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro); f) - nos processos de inventário para separação de meações, seja qual for o seu valor, é obrigatória a intervenção de advogado quando se suscitem ou discutam questões de direito (artigos 32.º, n.º 3 e 1404.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil44 ); g) - nas acções declarativas de alimentos entre cônjuges, é obrigatória a intervenção de advogado quando o valor da acção admita recurso ordinário (artigo 32.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil). O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa45 com outra que represente, ou tenha representado, a parte contrária, estando proibido de aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes (artigos 83.º, n.º 1, alínea a), e 94.º, n.os 1 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados46 ). Esta disposição normativa tem em vista evitar a existência de conflito de interesses na condução do mandato por advogado e assume uma tripla função ao: - a) - defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer advogado em particular, de actuações menos lícitas ou danosas por parte de um colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) - defender o próprio advogado da possibilidade de, sobre ele recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; e c) - defender a própria profissão, a advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações. Como afirma António Arnaut (Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado, Coimbra Editora, pg. 111) “a lealdade e a confiança são as pedras basilares das relações advogado-cliente. Se um destes pressupostos falha, de um lado ou de outro, melhor será que o advogado renuncie ao mandato, ou que o cliente procure outro patrono (…) pois seria altamente desprestigiante para a classe que o advogado pudesse intervir, a favor da 44 Artigos 8.º e 71.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário. 45 A questão conexa pressupõe uma relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valorização de certos factos (Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 11/05/1996 relatado por Alberto Luís; Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 13/10/2000 relatado por Carlos Grijó, ambos disponíveis no site da Ordem dos Advogados). O critério da conexão tem que existir para que tenhamos em conta um vertente do dever de lealdade para com o cliente e que consiste no princípio fundamental segundo a qual a lealdade do advogado em relação a um consulente, constituinte ou patrocinado se prolonga para além da questão sobre que é consultado ou para a qual é constituído ou nomeado por tal forma que, se terminar o mandato ou a representação, e o advogado e o ex-cliente passarem para campos adversos, aquela lealdade e a confiança que lhe andou associada são quebradas. 46 Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.
  • 23. - 23 - outra parte, numa questão conexa ou noutro processo como se fosse uma consciência que se aluga”. Assim, e a propósito do patrocínio forense nas acções de divórcio por mútuo consentimento, a Ordem dos Advogados estabeleceu como doutrina uniforme que “o advogado pode representar ambos os cônjuges no divórcio por mútuo consentimento mas, se no decorrer do processo surgirem conflitos entre os seus clientes, deve abster-se de patrocinar qualquer deles e renunciar ao mandato” (Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 01/10/2000 publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Janeiro de 2001). Em suma, estando verificados os pressupostos do artigo 1778.º-A do Código Civil, justificando a intervenção judicial para a decisão de um conflito entre os cônjuges sobre as consequências do divórcio, o patrocínio forense (obrigatório na modalidade de divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal e no divórcio por mútuo consentimento ou quando se discutam questões de direito em qualquer das modalidades) deve ser exercido por advogados que representem cada uma das partes, não sendo possível o patrocínio de ambos os cônjuges pelo mesmo advogado47 . - I - VIII - OS EFEITOS DO CASO JULGADO Com a fixação pelo juiz das consequências do divórcio por mútuo consentimento, importa determinar qual o valor dessa decisão, designadamente se a mesma é relevante para efeitos de caso julgado. Em primeiro lugar, parece-nos evidente que a fixação das consequências do divórcio na regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, na atribuição do uso da casa de morada de família e na determinação da prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça produz caso julgado nos mesmos termos em que o faria qualquer acção autónoma que tivesse por objecto alguma daquelas questões. Contudo, a questão que se coloca é saber se a decisão judicial sobre a relação especificada dos bens comuns tem o mesmo valor. Com efeito, sendo esta questão definitivamente resolvida no inventário subsequente para partilha dos bens comuns, a questão da relevância jurídica da sua apresentação no divórcio por mútuo consentimento tem sido objecto de posições divergentes na doutrina e na jurisprudência. Na doutrina, Lopes Cardoso afirma que “apesar da lei processual exigir que se junte à petição de divórcio ou separação por mútuo consentimento a relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores (artigo 1419.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil), o mesmo ocorrendo quando os cônjuges acordem, na tentativa de conciliação do processo de divórcio litigioso (artigo 1407.º, n.º 3 do mesmo Código), os efeitos do caso julgado na sentença que decrete a dissolução do casamento por divórcio, não se estendem a essa relação pois, é seguro, não se verifica a identidade de pedidos nem tem que haver entendimento prévio quanto à partilha dos bens do casal, que só os acordos quanto à prestação de alimentos, destino da casa de morada de família e exercício do poder paternal foram sujeitos à apreciação na mesma sentença (artigo 1776.º, n.º 2 com referência ao artigo 1775.º, n.º 2, ambos do Código Civil)” (Partilhas Judiciais, volume III, 4.ª edição, pg. 365). Também na doutrina, mas em sentido algo diverso, Rita Lobo Xavier conclui que “a exigência da apresentação de uma relação especificada de bens comuns 47 Salvo nos casos em que a intervenção judicial seja determinada por uma divergência entre os cônjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministério Público e os mesmos mantenham o propósito de divorciar-se uma vez que, neste caso, o conflito não se verifica entre os patrocinados (artigos 1776.º-A e 1778.º, ambos do Código Civil).
  • 24. - 24 - poderá continuar a ligar-se, tal como acontecia no momento remeto em que teve a sua origem, à protecção de cada um dos cônjuges contra actos de sonegação dos bens comuns ou dos respectivos rendimentos por parte do outro. Trata-se de um documento que pode ser apresentado noutros processos e que tem um particular valor probatório: o cônjuge que ulteriormente vier a negar a existência, a qualificação ou o valor de um bem incluído na lista assinada por ambos é que tem o encargo da prova de que este existe, de que não lhe deve ser reconhecida tal qualificação ou atribuído aquele valor” (A relação especificada de bens comuns: relevância jurídica da sua apresentação no divórcio por mútuo consentimento, Revista Julgar n.º 8-2009, pgs. 11-26). No mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião afirma que “compete, pois, ao ex-cônjuge, no âmbito do processo de inventário para partilha dos bens comuns, demonstrar o contrário, ou seja, infirmar que, apesar dessa omissão (se for o caso), existiam ou existem outros bens (para além dos bens confessados e daqueles cuja existência resulta de documentos autênticos). E compete-lhe, de acordo com as regras do ónus da prova, provar que essa relação de bens estava incorrecta ou incompleta e que esses bens pertenciam ao património comum e que devem ser relacionados no inventário subsequente ao divórcio” (O Divórcio e Questões Conexas, pg. 59)48 . Em sentido bastante diverso, evidenciando a falta de utilidade desses acordos, Afonso Patrão afirma que “não se vê qualquer sentido nesta exigência (de apresentação do relacionamento dos bens comuns e do seu valor), não se percebe a utilidade, não se lhe retiram quaisquer efeitos e não corresponde nem satisfaz qualquer interesse público ou das partes” (Os acordos complementares no divórcio por mútuo consentimento, Revista Lex Familiae, Ano 2, n.º 4, pgs. 103-110). No mesmo sentido, parecendo também prescindir da relação especificada dos bens comuns, Amadeu Colaço refere unicamente o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, o acordo sobre a atribuição da casa de morada de família e o acordo sobre a fixação de alimentos ao cônjuge que deles careça como as únicas questões que o tribunal terá que fixar49 (Novo Regime do Divórcio, 3.ª edição, pg. 60). Na jurisprudência, são também defendidas posições bastantes diversas, embora prevaleça a tese segundo a qual “a relação de bens que acompanha o requerimento para a separação por mútuo consentimento não visa determinar a forma de proceder à partilha, não tendo também a natureza de negócio jurídico, cuja validade se possa discutir” (Ac. STJ de 06/05/1987 in BMJ 367.º-465; Ac. STJ de 18/02/1988 in BMJ 374.º-472; Ac. STJ de 11/05/2006 in CJ-STJ, I, pgs. 83-84)50 . Com um entendimento algo diverso, “tendo ambos os cônjuges relacionado certo bem como comum na acção de divórcio por mútuo consentimento, não pode depois um deles, na oposição ao arrolamento requerido pelo outro, dizer que tal bem é próprio e não comum”, circunstância que poderia consubstanciar abuso de direito (Ac. RE de 08/07/2008 in www.dgsi.pt/jtre) pois “a relação de bens não pode constituir um nada jurídico, algo de irrelevante e insusceptível de vincular as partes pois, se assim não fosse, teríamos que admitir que a lei impunha a prática mais ou menos de um acto inútil e iconoclasta” (Ac. RG de 17/04/2004 in www.dgsi.pt/jtrg). 48 Este autor cita ainda em abono da sua posição o Ac. RL de 23/10/2003 (6.ª secção) proferido no âmbito do processo n.º 8021/03 (inédito). 49 Parece-nos que este autor confunde a questão da apresentação da relação especificada de bens comuns com a partilha dos bens comuns sendo que esta última apenas pode ser realizada por acordo dos cônjuges e na conservatória do registo civil. 50 Partilhando este entendimento, são ainda conhecidas as seguintes decisões: - Ac. RP de 19/04/2007 (Rel. Mário Fernandes) processo n.º 0731631 in www.dsgi.pt/jtrp; Ac. RC de 13/03/2007 (Rel. Regina Rosa) processo 473/07.0TMCBR-A.C1 in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. RG de 28/06/2007 (Rel. Espinheira Baltar) processo n.º 879/07-1 in www.dgsi.pt/jtrg; Ac. RE de 08/07/2008 (Rel. Bernardo Domingos) processo n.º 1787/08-1 in www.dgsi.pt/jtre; Ac. RL de 06/10/2009 in CJ, IV, pg. 105-106.
  • 25. - 25 - Contudo, nenhum destes entendimentos pode ser aplicado à situação em que o juiz, no âmbito do processo de divórcio ou de separação por mútuo consentimento, determina quais os bens comuns que devem ser relacionados e a considerar na futura partilha uma vez que essa questão controvertida será objecto de instrução e decisão judicial, com observância do princípio do contraditório e, por isso, terá necessariamente que produzir caso julgado entre os cônjuges, não podendo ser objecto de nova discussão no inventário subsequente (artigo 671.º do Código de Processo Civil)51 . - I - IX - EFEITOS DA DESISTÊNCIA DA ACÇÃO Caso algum dos cônjuges, ou ambos, venham a desistir da acção de divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal, a consequência processual não deverá traduzir-se no prosseguimento do processo com vista a que o juiz decida as questões para as quais não se revelou possível o acordo dos cônjuges, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. Esta solução é defendida por Amadeu Colaço (ob. cit., pg. 59) afirmando que “por um argumento de identidade de razões: com efeito, se esta é a solução que o legislador aponta para a hipótese de os cônjuges não terem logo apresentado, na sua acção, qualquer um dos acordos referidos no n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, também o deverá ser, no caso de tal impossibilidade vier a materializar-se já na sua pendência” e ainda “por uma questão de economia processual (…), não faria qualquer sentido que o juiz se limitasse a indeferir o pedido de divórcio, pois aqui a única alternativa seria a de um dos cônjuges intentar nova acção judicial, desta vez, seguindo o processo de divórcio por suposta falta de consentimento do outro cônjuge, fundada na ruptura definitiva do casamento, o que, para além de não fazer sentido, implicaria uma verdadeira farsa, pois que nesta hipótese o cônjuge réu estaria também de acordo em se divorciar”. Qualquer dos cônjuges (ou ambos) pode, a todo o momento, desistir do pedido de divórcio (artigo 299.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Os seus efeitos e consequências processuais variam consoante a modalidade de divórcio e a posição processual ocupada pelo desistente. Assim, caso a desistência ocorra no âmbito do divórcio por mútuo consentimento (requerido na conservatória do registo civil ou no tribunal), o conservador ou o juiz devem homologar essa desistência52 (artigos 300.º e 1421.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) uma vez que o acordo de ambos os cônjuges e a manifestação de vontade em prosseguir o divórcio constitui pressuposto para que o mesmo prossiga por mútuo consentimento. Caso a desistência ocorra no âmbito de divórcio sem consentimento, convolado para mútuo consentimento, a relevância da desistência apenas terá lugar se for da iniciativa do autor já que esta forma processual pressupõe o “não consentimento do outro cônjuge”, dizendo respeito ao exercício de direitos indisponíveis; se for da iniciativa do réu, apenas implicará a renovação da instância de divórcio sem consentimento que havia sido objecto de convolação e o prosseguimento do processo nos termos em que havia sido inicialmente instaurado (divórcio sem consentimento do outro cônjuge). - I - X - 51 Neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião (O Divórcio e Questões Conexas, pg. 59) excepcionando os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, cuja existência não tenha sido questionada, nem objecto de decisão judicial e que deles os ex-cônjuges só tiveram conhecimento posterior. 52 No mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio por Mútuo Acordo, 7.ª edição, pg. 113.
  • 26. - 26 - O ÓNUS DA PROVA DAS DIVERSAS PRETENSÕES A responsabilidade do juiz, no tocante à matéria de facto, é directamente proporcional à relevância da correspondente decisão para cada um dos litigantes. A apreensão da realidade histórica, traduzida no processo através das alegações das partes, consubstancia, de facto, a tarefa mais arriscada que impende sobre o juiz, mas, simultaneamente, é aquela que justifica a sua existência e dá sentido à posição que ocupa no processo. Mais importante do que a subsunção jurídica dos factos provados, como antecedente lógico da decisão final, é a tarefa do juiz quando, perante factos controvertidos e em confronto com elementos de prova não coincidentes, imprecisos ou de duvidosa autenticidade, tem de pronunciar-se, afirmativa ou negativamente, quanto à matéria de facto condensada na base instrutória ou nos articulados. É esse aspecto do julgamento um dos mais decisivos factores da justiça da decisão e um dos que mais tortura o julgador, quer pelas dificuldades técnicas que o cercam, quer, e sobretudo, pela dificuldade de descobrir e descrever uma realidade que, sendo conhecida de alguns, tem de ser reconstituída com os escassos, deficientes e, quantas vezes, contraditórios e tendenciosos elementos de prova. A dúvida insanável do juiz acerca da realidade dos factos alegados pelas partes é resolvida, não através de um non liquet (declaração do tribunal de que não pode decidir a causa), mas mediante a imputação a uma das partes das consequências negativas da falta de prova. A enunciação de um pedido em que se pretenda o reconhecimento da existência de um direito ou de um facto, supondo a alegação prévia dos respectivos factos constitutivos, faz impender sobre o autor o correspondente ónus da prova, ou seja, o resultado da acção ser-lhe-á favorável ou desfavorável consoante se provem ou deixem de provar esses factos (Abrantes Geraldes, Acções e Formas de Processo, Outubro de 1997, Edição CEJ, pg. 9). Assim, cabe à parte que invoca o direito a prova dos factos constitutivos da sua situação jurídica ou dos elementos constitutivos do facto jurídico cuja existência quer que seja declarada e que constituem a causa de pedir53 (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil) e à outra parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa situação jurídica, ou os elementos impeditivos desse facto que fundam as excepções peremptórias (n.º 2 do mesmo artigo). Na acção de divórcio sem consentimento, o autor terá que alegar e fazer a prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja, a prova da existência das circunstâncias que integram a ruptura definitiva do casamento (no mesmo sentido, Amadeu Colaço, ob. cit., pg. 60). A causa de pedir subjacente ao pedido de decretamento do divórcio pelo tribunal é assim integrada pelos seguintes elementos: - a) - a existência de um ou mais factos que demonstrem a ruptura definitiva do casamento (separação de facto, alteração das faculdades mentais do outro cônjuge) que, pela sua gravidade, comprometam a possibilidade de vida em comum (ou a ausência do outro cônjuge, sem que do ausente haja notícias) (alíneas a), a c), do artigo 1781.º do Código Civil); 53 No domínio do regime anterior à Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, e tendo por fundamento a discussão do ónus da prova da culpa do cônjuge infractor, o Supremo Tribunal de Justiça definiu como jurisprudência uniformizadora que “no âmbito e para efeitos do n.º 1 do artigo 1779.º do Código Civil, o autor tem ónus da prova de culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação” (Assento n.º 5/94 publicado no Diário da República I-A n.º 70 de 24 de Março de 1994 pgs. 1467-1472).