O governo brasileiro deveria promover a participação nas Cadeias Globais de Valor regionais na América Latina e Caribe por meio de políticas industrial e de desenvolvimento científico e tecnológico, investindo em infraestrutura e concedendo incentivos para as empresas do país. Políticas de educação e de capacitação profissional podem ajudar a criar vantagens comparativas com uma base “doméstica”, sobretudo no setor de serviços – atividade em que o capital humano e as habilidades são essenciais para a competitividade. As políticas governamentais podem ser especialmente úteis e necessárias para a superação de dificuldades como o acesso ao financiamento e às informações sobre potenciais sócios, que afetam a participação das empresas nas cadeias globais de valor.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
O brasil e as cadeias globais de valor
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O BRASIL E AS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR
Fernando Alcoforado*
Antes de conceituar as Cadeias Globais de Valor é importante definir o que é o “Supply
Chain Management” (SCM), isto é, o Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos
adotado por muitas empresas no mundo em suas atividades produtivas. Na essência,
para uma cadeia de suprimentos alcançar seu nível máximo de eficácia e eficiência, o
fluxo de materiais, o fluxo de dinheiro e o fluxo de informação por toda a cadeia
produtiva devem ser gerenciados de maneira integrada, orientada para os objetivos de
atendimento desejado e menor custo. O objetivo do SCM é, em síntese, sincronizar as
necessidades do cliente com o fluxo de materiais dos fornecedores, com ênfase na
importância da otimização do fluxo de produtos e informações relacionadas.
O gerenciamento do fluxo de materiais representa a origem de grande parte da teoria do
SCM. Pode ser dito que todo o campo da logística está fundamentalmente envolvido
com a eficiente e efetiva administração do fluxo de materiais através das cadeias de
suprimentos. Busca-se assegurar que os materiais certos estejam na parte certa da cadeia
de suprimentos no momento certo. Observando-se o fluxo de materiais (produtos e
serviços) da fonte de materiais para o cliente final, nota-se que também existe um fluxo
de materiais inverso, principalmente associado à devolução de produtos dos clientes
para a empresa. A crescente importância da logística reversa nos últimos anos tem
levado em conta, também, o gerenciamento desses fluxos.
O gerenciamento do fluxo de dinheiro faz parte também do SCM. O dinheiro flui do
cliente final de volta pela cadeia de suprimentos. O momento desse fluxo é crítico para
assegurar que as empresas da cadeia de suprimentos mantenham a habilidade de atender
seus compromissos de gastos operacionais. O ciclo do capital de giro é um modelo bem
conhecido no campo da administração financeira e oferece uma representação útil dos
fluxos financeiros numa cadeia de suprimentos. Um indicador de desempenho usado é o
tempo do ciclo “cash-to-cash”. Isso é definido somando-se o número de dias de estoque
de matérias primas e insumos em valor mantido ao número de dias de contas a receber
menos o número de dias de contas a pagar. O resultado é um indicador do número de
dias do capital de giro que está “imobilizado” na cadeia de suprimentos.
O gerenciamento do fluxo de informações faz parte, também, do SCM. O
gerenciamento do fluxo de informações na cadeia de suprimento é bidirecional. Pode-se
dizer que o gerenciamento do fluxo de informações é a mais crítica das atividades de
uma empresa. Isto porque o fluxo ou a movimentação de materiais e dinheiro
geralmente é disparado por um movimento de informação associado. O efetivo
gerenciamento do fluxo de materiais e dinheiro é atribuído ao efetivo gerenciamento do
fluxo de informações relacionado. Portanto, não é surpresa que os últimos anos tenham
sido de alto interesse das grandes empresas em gerir a área de informações. O mau
gerenciamento da informação na cadeia de suprimentos leva à necessidade de altos
níveis de estoques de materiais e insumos. A boa informação efetivamente contribui
para evitar altos níveis de estoques de materiais e insumos.
A gestão da cadeia de suprimentos que, no passado, estava restrito a uma empresa em
sua relação com fornecedores e clientes se tornou mais complexa evoluindo para
cadeias de suprimentos com a participação de várias empresas refletindo a mudança de
orientações gerenciais de internas e funcionais para externas e de processos nos últimos
anos. Outras tecnologias, em particular o intercâmbio eletrônico de dados (EDI-
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Eletronic Data Interchange) e a internet, permitiram que parceiros da cadeia de
suprimentos usassem dados comuns. Isso agiliza a cadeia de suprimentos, pois as
empresas podem operar baseadas na demanda real em vez de ficarem dependentes de
pedidos que são transmitidos de um passo para outro numa cadeia estendida.
A Cadeia Global de Valor (CGV) representa uma evolução do “Supply Chain
Management” (SCM), isto é, do Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, que passou
a ser adotado na internacionalização da produção. A Cadeia Global de Valor (CGV)
significa, também, a expressão operacional da globalização produtiva. Para entender
este conceito, basta pensar no processo de produção do i-Phone. Ele tem o design e a
marca originários dos Estados Unidos, mas seus componentes são produzidos em várias
indústrias espalhadas em países como Alemanha, Japão, Coreia do Sul, China, etc.
Basicamente é um produto que é feito separadamente em várias partes do mundo. É um
produto made in the world.
1. A Cadeia Global de Valor
O padrão de comércio internacional transformou-se notavelmente nos últimos anos. As
empresas hoje distribuem suas operações pelo mundo – desde o projeto dos produtos até
a fabricação das peças, sua montagem e comercialização. É a chamada Cadeia Global
de Valor (CGV), que começou a ser notada na década de 1960, mas que só ganhou
corpo nos últimos 25 anos. A aceleração e abrangência desse modelo de produção é
atualmente tema central em qualquer debate sobre comércio global. O melhor medidor
da Cadeia Global de Valor é o número de produtos intermediários que participam do
comércio internacional. Hoje ele está em torno de 40%. Era 20% vinte anos atrás. E a
previsão é que alcance 60% nos próximos anos. Será cada vez mais comum um país
utilizar os insumos de outro para transformá-lo e reexportá-lo como produto final. No
futuro, dificilmente alguém encontrará um produto que foi feito 100% em um único
país.
É preciso observar que as CGVs ainda não são inteiramente “globais”. A natureza da
operação é ainda regional e está concentrada geograficamente em três núcleos: América
do Norte, Europa e Leste Asiático. As primeiras duas regiões são principalmente centros
consumidores, e a terceira constitui uma fonte de suprimentos. A região asiática tem
experimentado transformações, uma vez que a China segue movimentando sua
economia para um crescimento orientado para o mercado interno. Os custos de
transporte, comunicação e qualidade da infraestrutura têm contribuído para criar esse
formato. O padrão de comércio internacional transformou-se notavelmente nos últimos
25 anos. As empresas hoje distribuem suas operações pelo mundo – desde o projeto dos
produtos até a fabricação das peças, sua montagem e comercialização. Isso tem
contribuído para a formação de cadeias internacionais de produção, que têm alterado o
processo produtivo e os modelos comerciais no mundo. Com efeito, o surgimento das
CGVs desencadeou um forte aumento do fluxo comercial de bens intermediários, que
atualmente representam mais da metade dos bens importados pelas economias que
compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e
quase três quartos das importações dos países como, por exemplo, o Brasil e a China.
A análise das práticas mais modernas de gerenciamento das CGVs demonstra que elas
estão cada vez mais caminhando para a manutenção de baixos níveis de estoques, em
um esforço para cortar custos, como parte das chamadas “estratégias de produção
enxuta”. Constata-se, também, que quanto maior a distância entre os países
participantes, menores são as chances de que surja uma cadeia produtiva global. Outra
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conclusão que se extrai desta análise é a de que um país localizado distante das regiões
onde se situa o núcleo das operações das CGVs (América do Norte, Europa e Leste
Asiático) só terá condições de participar de uma cadeia produtiva internacional se
compensar os elevados custos de transporte na forma de economias nos custos de
produção. Ressalte-se que os custos de transporte dependem do volume, nível de
“conteinerização” da carga, grau de concorrência entre as empresas de transporte e
qualidade da infraestrutura relacionada ao transporte, entre outros aspectos. Diferenças
na eficiência dos portos, por exemplo, tornam as taxas de frete das exportações da
América Latina e Caribe para os Estados Unidos cerca de 30% mais altas do que
aquelas praticadas pela Europa. Cabe ressaltar que parte significativa da América Latina
e da África continua fora da estrutura das CGVs.
2. Vantagens e desvantagens para o Brasil participar das Cadeias Globais de
Valor
Uma questão central que se coloca para os países do mundo é saber quais são as
vantagens e desvantagens, riscos e oportunidades de participar de CGVs. A principal
vantagem de participar de CGVs consiste em inserir o país no comércio internacional e
incrementar o PIB (Produto Interno Bruto) do país. No entanto, ocorre a desvantagem
de assumir os riscos comerciais das operações das CGVs que podem na ocorrência de
crises afetar a economia interna do país, além de se submeterem à liderança das CGVs
exercida por empresas multinacionais. Há o risco de os membros da OCDE
(Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico) administrarem o
comércio internacional com as CGVs para fazer do mundo um lugar “seguro” para a
operação das empresas multinacionais e que os países capitalistas centrais utilizem as
CGVs para garantir suas vantagens no mercado mundial. As desvantagens de um país
periférico do sistema capitalista mundial como o Brasil participar de grandes CGVs são,
portanto, maiores do que as vantagens de sua participação.
A estratégia mais adequada para um país como o Brasil seria a de desenvolver suas
próprias CGVs regionais. Esse poderia ser o caso, por exemplo, entre os países da
América Latina e Caribe onde já existem algumas cadeias de valor regionais. Esta
estratégia se justifica, também, pelo fato de as CGVs serem, na maioria dos casos,
regionais que ocorre principalmente em razão dos custos de transporte, que aumentam
com a distância, e dos acordos comerciais, os quais são firmados geralmente entre
países vizinhos. Alguns países da América Latina e da África permaneceram na
periferia das CGVs porque estão distantes dos principais grupos de CGV e não
necessariamente possuem acordos comerciais com as regiões “hub” (pontos centrais)
das CGVs. O governo brasileiro deveria promover a participação nas CGVs regionais
na América Latina e Caribe por meio de políticas industrial e de desenvolvimento
científico e tecnológico, investindo em infraestrutura e concedendo incentivos para as
empresas do país. Políticas de educação e de capacitação profissional podem ajudar a
criar vantagens comparativas com uma base “doméstica”, sobretudo no setor de serviços
– atividade em que o capital humano e as habilidades são essenciais para a
competitividade. As políticas governamentais podem ser especialmente úteis e
necessárias para a superação de dificuldades como o acesso ao financiamento e às
informações sobre potenciais sócios, que afetam a participação das empresas nas
cadeias globais de valor.
A China é um bom exemplo de um país que atua em praticamente todos os setores da
economia neste modelo de cadeia de valor e está conseguindo se posicionar bem nesse
processo. Antes, a China era vista como uma nação cujo atrativo principal era a mão de
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obra barata. Com o crescimento econômico da China, a mão de obra encareceu. A
China quer manter o fluxo de investimento em outros setores de sua economia que
possam trazer mais renda e mais crescimento econômico para o país. Já o México, que
faz parte da NAFTA e tem integração forte com os Estados Unidos, se encontra em um
nível básico na CGV porque as empresas mexicanas funcionam como “maquiladoras”
no processo produtivo. Os Estados Unidos enviam um produto praticamente pronto para
o México que, por sua vez, agrega muito pouco valor a esse produto antes de enviá-lo
de volta.
O Brasil, por exemplo, tem uma baixa integração às cadeias globais de valor. O Brasil é
muito forte em produção de commodites agrícolas e minerais, que não passam de
insumos para outros países, que coloca o País em um nível básico das CGVs. Apesar de
haver um processo de desindustrialização do País, o Brasil tem uma base industrial
robusta e diversificada que possibilitaria fazer parte de uma cadeia global de valor ou
mesmo controlar uma. O setor aeronáutico, por exemplo, tem na Embraer uma empresa
altamente competitiva. Ela se insere em uma área que traz inovação, qualificação,
tecnologia, mão de obra altamente qualificada, integração com áreas de pesquisa,
fornecedores locais e internacionais, utiliza insumos importados e consegue fazer a
integração de todo esse processo. O lamentável é que a Embraer está em processo de
absorção pela Boeing o que torna inviável esta alternativa. Como este exemplo, existem
outras empresas internacionalizadas no Brasil e que são líderes mundiais em seus
setores, como a Marcopolo, que produz ônibus, a Weg, que fabrica motores elétricos, a
Ambev, no setor de bebidas. A questão é como fazer com que empresas de sucesso
como essas atuem como base para a constituição de CGVs. Um fato é evidente: a
inserção de um país em uma CGV deve estar inserida em uma estratégia de
desenvolvimento e na elaboração de uma política industrial integrada com políticas
públicas que o Brasil carece por adotar o modelo econômico neoliberal.
*Fernando Alcoforado, 78, membro da Academia Baiana de Educação e da Academia Brasileira Rotária
de Letras – Seção da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova
(Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São
Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX
e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of
the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do
Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016) e A Invenção de um novo
Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017).