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09/12/2014 Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas 
Michael Porter popularizou o conceito de Cadeia de Valor na década de 1980. Ele 
descreveu a criação de valor como uma série de atividades lineares e sequenciais de uma 
organização, que transformam insumos em produtos a serem entregues aos seus clientes. 
Apesar de muito úteis para quebrar a visão hierárquica e promover integração e eficiência, 
as Cadeias de Valor tradicionais ainda são construídas com um olhar predominantemente 
“para dentro”, com foco nos produtos (e/ou serviços) de uma organização. Enfatizam como 
processos internos se articulam para produzir e entregar tais produtos. Clientes, por sua 
vez, são atores “externos” à organização que consomem seus produtos. 
Sabemos, no entanto, que a economia está evoluindo para uma visão centrada nos clientes. 
O que muda então para as Cadeias de Valor nesse novo cenário? 
Antes de tudo, não podemos mais assumir que o valor é criado de forma unilateral. Pelo 
contrário, o valor é co­criado 
com clientes e partes interessadas. A tabela abaixo resume 
essa evolução: 
Tabela 1: baseada em Ramirez (1999) e Prahalad & Ramaswamy (2002) 
Isso muda, obviamente, o entendimento vigente sobre Cadeias de Valor. Deixaremos de 
olhar prioritariamente para estruturas e processos internos, e priorizaremos a compreensão 
de jornadas de clientes e como as organizações e seus parceiros participam destas. 
Assim, não será suficiente construir cadeias que respeitem as fronteiras de uma 
organização, pois clientes não enxergam fronteiras em sua busca por valor. Qualquer 
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09/12/2014 Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas 
fronteira já é, nesse sentido, funcional e limitada. 
A noção de processos primários, de suporte e gerenciais, típica de uma Cadeia de Valor, 
também é alterada. O que é primário para a organização nem sempre é primário para o 
cliente. Para este, o que importa são os processos que atendem diretamente a suas 
necessidades. 
A própria expressão ‘Cadeia de Valor’ perde um pouco seu sentido. Uma visão alternativa é 
a de Ecossistemas de Negócio, uma analogia com os ecossistemas biológicos. Nessa 
ótica, todos os membros do ecossistema (clientes, organizações, sociedade, ambiente, 
reguladores) convivem de maneira harmônica ao longo do tempo. O valor é criado por meio 
de processos complexos e dinâmicos, que envolvem inúmeras relações entre os membros – 
nas quais todos devem capturar valor! 
Vejamos um exemplo simples. Para as montadoras, a fabricação e venda de carros são 
processos primários numa Cadeia de Valor. Já numa visão centrada nos cidadãos, o valor 
está em se transportar de maneira rápida, segura e confortável. Isso envolve um 
ecossistema de transporte, que provê estradas, veículos e normas de trânsito. Carros são 
apenas um suporte ao ecossistema – os cidadãos podem se deslocar de qualquer forma 
(bicicletas, metrôs, ônibus, táxis) e sequer precisam possuir carros (há, por exemplo, 
diversas iniciativas de compartilhamento de carros pelo mundo). Clientes colaboram com o 
ecossistema provendo informações de trânsito por meio de aplicativos como Waze. Se 
todos andam com seus próprios carros, o trânsito pode ficar insustentável e o ecossistema 
precisará ser repensado. 
Num ecossistema, todos ganham: um dos focos é sua sustentabilidade. Assim, não basta 
acompanharmos a maximização de margens de lucro pelas organizações; é preciso zelar 
também pelo valor capturado pelos demais atores. Qualquer desequilíbrio demonstra um 
ecossistema vulnerável no longo prazo. 
O que resta às organizações e suas Cadeias tradicionais? A compreensão de que são 
conjuntos de processos, que servem a um ou mais ecossistemas de atendimento às 
necessidades de consumidores e cidadãos. São parte de uma solução, não o foco por si só. 
© Leandro Jesus, 09/12/14 
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Da Cadeia de Valor aos Ecossistemas

  • 1. 09/12/2014 Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas Michael Porter popularizou o conceito de Cadeia de Valor na década de 1980. Ele descreveu a criação de valor como uma série de atividades lineares e sequenciais de uma organização, que transformam insumos em produtos a serem entregues aos seus clientes. Apesar de muito úteis para quebrar a visão hierárquica e promover integração e eficiência, as Cadeias de Valor tradicionais ainda são construídas com um olhar predominantemente “para dentro”, com foco nos produtos (e/ou serviços) de uma organização. Enfatizam como processos internos se articulam para produzir e entregar tais produtos. Clientes, por sua vez, são atores “externos” à organização que consomem seus produtos. Sabemos, no entanto, que a economia está evoluindo para uma visão centrada nos clientes. O que muda então para as Cadeias de Valor nesse novo cenário? Antes de tudo, não podemos mais assumir que o valor é criado de forma unilateral. Pelo contrário, o valor é co­criado com clientes e partes interessadas. A tabela abaixo resume essa evolução: Tabela 1: baseada em Ramirez (1999) e Prahalad & Ramaswamy (2002) Isso muda, obviamente, o entendimento vigente sobre Cadeias de Valor. Deixaremos de olhar prioritariamente para estruturas e processos internos, e priorizaremos a compreensão de jornadas de clientes e como as organizações e seus parceiros participam destas. Assim, não será suficiente construir cadeias que respeitem as fronteiras de uma organização, pois clientes não enxergam fronteiras em sua busca por valor. Qualquer data:text/html;charset=utf­8,% 3Cp%20style%3D%22margin%3A%200px%200px%2030px%3B%20padding%3A%200px%3B%20border%3A%200px%3B… 1/2
  • 2. 09/12/2014 Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas fronteira já é, nesse sentido, funcional e limitada. A noção de processos primários, de suporte e gerenciais, típica de uma Cadeia de Valor, também é alterada. O que é primário para a organização nem sempre é primário para o cliente. Para este, o que importa são os processos que atendem diretamente a suas necessidades. A própria expressão ‘Cadeia de Valor’ perde um pouco seu sentido. Uma visão alternativa é a de Ecossistemas de Negócio, uma analogia com os ecossistemas biológicos. Nessa ótica, todos os membros do ecossistema (clientes, organizações, sociedade, ambiente, reguladores) convivem de maneira harmônica ao longo do tempo. O valor é criado por meio de processos complexos e dinâmicos, que envolvem inúmeras relações entre os membros – nas quais todos devem capturar valor! Vejamos um exemplo simples. Para as montadoras, a fabricação e venda de carros são processos primários numa Cadeia de Valor. Já numa visão centrada nos cidadãos, o valor está em se transportar de maneira rápida, segura e confortável. Isso envolve um ecossistema de transporte, que provê estradas, veículos e normas de trânsito. Carros são apenas um suporte ao ecossistema – os cidadãos podem se deslocar de qualquer forma (bicicletas, metrôs, ônibus, táxis) e sequer precisam possuir carros (há, por exemplo, diversas iniciativas de compartilhamento de carros pelo mundo). Clientes colaboram com o ecossistema provendo informações de trânsito por meio de aplicativos como Waze. Se todos andam com seus próprios carros, o trânsito pode ficar insustentável e o ecossistema precisará ser repensado. Num ecossistema, todos ganham: um dos focos é sua sustentabilidade. Assim, não basta acompanharmos a maximização de margens de lucro pelas organizações; é preciso zelar também pelo valor capturado pelos demais atores. Qualquer desequilíbrio demonstra um ecossistema vulnerável no longo prazo. O que resta às organizações e suas Cadeias tradicionais? A compreensão de que são conjuntos de processos, que servem a um ou mais ecossistemas de atendimento às necessidades de consumidores e cidadãos. São parte de uma solução, não o foco por si só. © Leandro Jesus, 09/12/14 data:text/html;charset=utf­8,% 3Cp%20style%3D%22margin%3A%200px%200px%2030px%3B%20padding%3A%200px%3B%20border%3A%200px%3B… 2/2