O documento discute a proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios durante eventos esportivos em Santa Catarina. Ao longo dos anos, medidas foram tomadas para garantir a segurança dos torcedores, como programas de justiça e termos de compromisso entre órgãos. Novas leis que permitam bebidas alcoólicas representariam um grande retrocesso e ameaça à segurança pública, indo de encontro à legislação federal sobre o assunto.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Nota técnica cco
1. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO CONSUMIDOR
Ofício n. 1042/2015/CCO
Florianópolis, 17 de novembro de 2015.
NOTA TÉCNICA 01/2015/CC0
Venda de bebida alcoólica em
estádios durante eventos esportivos
– Impossibilidade - Norma
insculpida no Estatuto do Torcedor
1. OBJETO
Diante do protocolo dos Projetos de Lei n. 0476.0/2015 e 0484.0/2015,
que dispõem sobre a autorização e regulamentação da venda e o consumo de
bebidas alcoólicas em estádios e arenas desportivas no Estado de Santa
Catarina, o Centro de Apoio Operacional do Consumidor do Ministério Público
do Estado de Santa Catarina (CCO) posiciona-se sobre o assunto, mediante a
emissão da presente Nota Técnica.
2. ABORDAGEM FÁTICO-JURÍDICA
A restrição da venda e o consumo de bebidas alcoólicas no interior de
estádios durante eventos esportivos é essencial para garantir a segurança dos
consumidores/torcedores durante os espetáculos esportivos.
Ao longo dos anos, o Ministério Público Brasileiro vem trabalhando para
garantir ao cidadão esse direito fundamental à segurança, insculpido no artigo
5º, caput, da Constituição Federal.
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Assim é que no Estado de Santa Catarina, no ano de 2006, por meio da
Resolução n. 24/2006, foi instituído o Programa Justiça Presente, que tem por
objetivo coibir e sancionar práticas delituosas de menor ofensivo praticadas
dentro e no entorno dos estádios de futebol com a aplicação imediata e no
local do fato de sanção (transação penal) aos autores dos delitos.
O Programa conta com a participação do Tribunal de Justiça, MPSC,
Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, OAB e Federação
Catarinense de Futebol.
No ano de 2007, visando formular propostas para o aperfeiçoamento de
medidas destinadas ao combate de violência relacionada com partidas de
futebol, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados1
e da União
e a Confederação Brasileira de Futebol firmaram Protocolo de Intenções2
.
Nessa oportunidade a CBF se comprometeu a promover ações junto às
Federações para que essas entidades elaborassem planos de ação referente à
segurança, prevenção e combate à violência; a fomentar que as Federações
encaminhassem aos Ministérios Públicos dos Estados os Laudos de condições
de segurança dos estádios; manter lista atualizada no sítio eletrônico de
torcedores impedidos, dentre outras medidas.
Logo em seguida, verificando que os eventos esportivos atraem grandes
públicos, sendo que a rivalidade entre as torcidas constitui fator natural e sadio
de competição, mas que, devido à ingestão de bebida alcoólica por grande
número de torcedores, transforma-se em rivalidade violenta que afronta a
ordem pública, de modo a necessitar maior atenção dos órgãos responsáveis
pela segurança do Estado. Ainda, que as informações disponibilizadas pela
Polícia Militar e Bombeiros dos Estados indicam que a maioria das ocorrências
registradas relativas a eventos esportivos nos estádios poderiam ser evitadas
1 Entidade que congrega todos os Ministérios Públicos dos Estados e da Distrito Federal
2 http://www.cnpg.org.br/images/arquivos/grupo_estadios/Protocolo_Intencoes_CBF_CNPG.pdf
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se não houvesse a venda e consumo de bebida alcoólica, no ano de 2008, o
CNPG e CBF celebraram Termo de Adendo3
ao Protocolo de Intenções antes
mencionado, vedando o consumo e a venda de bebidas alcoólicas no interior
dos estádios que sediam eventos esportivos decorrentes de competição
coordenada pela CBF, antes e durante as partidas, por constituir esta medida
requisito básico para implantação de planos e políticas de segurança que
coíbam a violência nos estádios.
Dando continuidade às iniciativas que visam garantir a proteção e
defesa do torcedor, ainda no ano de 2008, o MPSC, Federação Catarinense de
Futebol, Avaí Futebol Clube, Figueirense Futebol Clube, Criciúma Esporte
Clube, Clube Náutico Marcílio Dias, Associação Chapecoense de Futebol,
Brusque Futebol Clube, Grêmio Esportivo Juventus, Clube Atlético
Metropolitano, Sociedade Esportiva Cultural Guarani, Clube Atlético Hermann
Aichinger, Joinville Esporte Clube, Associação Cultural Recreativa Esportiva
Cidade Azul e Polícia Militar firmaram Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta4
para adoção de medidas eficazes no combate à violência dentro e
fora dos estádios de futebol.
A partir de então as Torcidas Organizadas se obrigaram a efetuar
cadastro junto a FCF e, se promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou
transgredir regras estatutárias, a critério da FCF, PMSC e MPSC, os torcedores
ficarão proibidos de ingressarem aos estádios portando bandeiras, vestuários
da respectiva torcida, pelo prazo de três meses a um ano, dentre outras
obrigações.
Em 2009, o Ministério Público de Santa Catarina, Federação
Catarinense de Futebol, Associação de Clubes de Futebol Profissional de
3http://www.cnpg.org.br/images/arquivos/grupo_estadios/Adendo_Protocolo_Intencoes_CBF_CNPG.pdf
4 http://sc.consumidorvencedor.mp.br/federacao-catarinense-de-futebol-avai-futebol-clube-figueirense-futebol-clube-
criciuma-esporte-clube-clube-nautico-marcilio-dias-associacao-chapecoense-de-futebol-brusque-futebol-clube-gremio-
e/
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Santa Catarina e Polícia Militar celebraram novo Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta para ratificar o Adendo ao Protocolo de Intenções de
2008 e a Resolução 01/2008 da CFB. A FCF, nessa ocasião, obrigou-se a
expedir resolução e inserir no regulamento geral das competições profissionais
e oficiais comando que determine a proibição de venda e consumo de bebidas
alcoólicas no interior dos estádios, em todas suas dependências, durante o dia
em que ocorram jogos de futebol em competições coordenadas pela entidade.
Para acabar com qualquer dúvida, a Lei n. 12.999/2010 acrescentou o
artigo 13-A ao Estatuto do Torcedor, vendando o acesso e permanência de
torcedor no recinto esportivo na posse de objetos, bebidas ou substâncias
proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.
Dando continuidade a adoção de medidas para garantir o direito à
segurança do torcedor-partícipe nos locais onde são realizados eventos
esportivos, em 2013, o Ministério Público de Santa Catarina, Federação
Catarinense de Futebol, Associação de Clubes de Futebol Profissional de
Santa Catarina e diversos Clubes de Futebol Catarinenses firmaram
compromisso para estabelecer uma rotina de obrigações, prazos,
responsabilidades e eventuais sanções relacionadas à elaboração, remessa,
recebimento, controle de remessa e de recebimento, dos Laudos técnicos de
que trata o artigo 23 do Estatuto do Torcedor. Em 2015, foi celebrado
aditamento, a fim de estabelecer novos prazos e cronograma de vistorias,
sempre visando observar as condições de segurança dos estádios
catarinenses.
Percebe-se, desse modo, que ao longo dos anos, foi desenvolvido
intenso trabalho pelo Ministério Público e demais órgãos para proteção do
direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra
riscos provocados por práticas no fornecimento de serviços considerados
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perigosos ou nocivos, conforme estabelece o artigo 6º, inciso I, do Código de
Defesa do Consumidor.
Assim, é com perplexidade que o Ministério Público acompanha as
discussões atualmente promovidas, priorizando-se a visão econômica, em
detrimento da segurança, dando como certa a abolição das medidas restritivas
ao consumo de bebidas alcoólicas, desprezando e aniquilando as conquistas e
resultados alcançados.
Não fosse isso suficiente, acentua-se que a Constituição da República
confere em seu artigo 24, competência concorrente à União, aos Estados e ao
Distrito Federal para legislarem sobre os temas “consumo” e “desporto”.
Para que esta competência legislativa seja exercida de forma legal,
compete à União editar normas gerais e aos Estados complementá-las. Nesse
passo, no uso de tal prerrogativa, a União editou a Lei n. 10.671/2003 (Estatuto
do Torcedor), que dispõe sobre normas gerais de proteção e defesa do
consumidor torcedor no desporto profissional.
O artigo 13 da Lei n. 10.671/2003 garante ao consumidor torcedor o
direito à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos
antes, durante e após a realização das partidas.
Na mesma linha, o artigo 13-A da referida lei, conforme antes citado,
impõe como condição de acesso e permanência do torcedor no recinto
esportivo, não portar bebida ou substâncias suscetíveis de gerar ou possibilitar
a prática de atos de violência.
No ponto, verifica-se que a palavra “bebida” consignada no artigo 13-A,
inciso II, da Lei 10.671/2003, não abrange líquidos como água, sucos e
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refrigerantes, mas sim bebidas alcoólicas, já que essas guardam relação
conhecida com episódios de violência entre torcidas.
De acordo com a Polícia Militar de Santa Catarina é claramente visível a
relação entre a violência e o consumo de bebida alcoólica nos estádios
esportivos catarinenses5
.
Além de tudo, a Lei n. 12.663/12, conhecida como Lei Geral da Copa,
deliberadamente excluiu, em caráter excepcional, a incidência da proibição de
comercialização de bebidas alcoólicas na Copa das Confederações de 2013 e
na Copa do Mundo de 2014, fato que aliado à paixão e rivalidade das torcidas
das seleções de futebol, culminou com inúmeros episódios de violência
envolvendo torcedores6
.
Ainda, vários estudos acadêmicos comprovam que o uso de álcool é um
elemento desencadeador de situações de violência nos estádios, já que o
efeito dessa substância no organismo humano pode provocar a sensação de
valentia, agressividade e consequentemente exposição ao risco
desnecessário7
.
De mais a mais, o liame entre bebida alcoólica e a violência acarretou a
edição, pelo Presidente da República, do Decreto 6.117/2007, que aprovou a
Política Nacional sobre o Álcool e dispôs sobre medidas para redução do uso
indevido e de sua associação com violência e criminalidade.
5 Anexo 1 - Posicionamento da Polícia Militar com relação à venda de bebidas alcoólicas em eventos
esportivos.
6 Torcedores bêbados podem fazer FIFA voltar atrás e proibir venda de cerveja na Copa. Disponível em
http://esportes.r7.com/futebol/copa-do-mundo-2014/torcedores-bebados-podem-fazer-fifa-voltar-atras-e-proibir-venda-
de-cerveja-na-copa-26062014
7 Uso de álcool, futebol e torcedores jovens. Disponível em
http://www.fef.unicamp.br/fef/pdf/posgraduacao/gruposdepesquisa/gef/Uso%20de%20%C3%A1lcool,%20futebol%20e
%20torcedores%20jovens.pdf
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Portanto, a permissão novamente da bebida alcoólica nos estádios
catarinenses representa um grande retrocesso e cria um novo problema para a
segurança pública.
3. DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE JÁ PROPOSTAS
CONTRA LEIS SEMELHANTES
A questão da liberação da venda e consumo de bebida alcoólica por lei
estadual, ferindo dispositivos constitucionais e legais, já está posta perante o
Supremo Tribunal Federal.
Isso porque, o Procurador-Geral da República ajuizou Ações Direta de
Inconstitucionalidade (n. 5112 e 5250) em face de leis dos Estados da Bahia e
do Espírito Santo que, como no projeto de lei estadual 0476.0/2015, vieram
autorizar a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios.
Destaca-se que a Advocacia Geral da União, encampou o
posicionamento do Ministério Público Federal e manifestou-se pela
inconstitucionalidade da lei baiana.
4. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que as regras legais de restrição à
comercialização e ao consumo de bebidas alcoólicas em recintos esportivos
profissionais (artigo 13-A do Estatuto do Torcedor; artigo 2º e anexo I, inciso IV,
item 13 do Decreto Federal n. 6.117/2007) consubstanciam medidas voltadas a
ampliar a segurança dos torcedores em eventos e competições esportivas e a
assegurar a promoção de sua defesa como consumidores.
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Protegem, ademais, não apenas os torcedores, mas todo um conjunto
indeterminado e amplo de pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, com a
realização de competições esportivas.
Diante do exposto, o Ministério Público de Santa Cataria, alinhado com
o posicionamento do Procurador-Geral da República e pelas razões expostas
nesta nota técnica, vem se pronunciar contrário a aprovação dos Projetos de
Lei n. 0476.0/2015 e 0484.0/2015, pugnando pela mais democrática e
transparente discussão acerca do seu conteúdo, assim como colocando-se à
disposição para apresentar novos e robustos elementos de convicção em prol
do mais legítimo interesse público e da responsabilidade social.
Fábio de Souza Trajano
Procurador de Justiça
Coordenador-Geral dos Centros de Apoio
Greicia Malheiros da Rosa Souza
Promotora de Justiça
Coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Consumidor
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