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                            2ª Versão (04/08/10)

Este texto foi baseado em uma longa conversação ocorrida na Escola-de-Redes,
entre julho e outubro de 2009. Esta segunda versão provavelmente ainda será
modificada. Para acessar a conversação original clique no link http://trick.ly/3Zh




O que são ‘negócios’?

O que chamamos de ‘negócios’ são uma interpretação possível de um
tipo de interação social. O tipo de interação que denominamos assim
permanece ainda relativamente desconhecido do ponto de vista do
que se passa naquele mundo em que as redes existem (o espaço-
tempo dos fluxos).

Uma coisa que a nós parece ser um negócio, em uma sociedade não-
mercantil talvez pareça ser uma simples troca e em uma sociedade
fortemente verticalizada de predadores ecossociais (como, por
exemplo, entre cavaleiros medievais), pareceria ser uma disputa de
vida ou morte. As interações entre pessoas que estão na raiz do
fenômeno têm uma precedência ontológica (se for possível falar
assim) às interpretações de suas manifestações em sociedades
determinadas: para o persa vendedor de seda no mercado, comércio
era uma coisa diferente do que era para o mercador veneziano e do
que é para o vendedor da Avon. O status do conceito (a


                                        1
epistemologia) varia com a ontologia; ou seja, negócios em uma rede
não são anteriores ao tipo particular de interação que, numa dada
circunstância, interpretamos como negócio.

Isso coloca algumas perguntas fundamentais: os negócios, como
acreditam alguns, fazem parte (“naturalmente”) da vida em
sociedade? Quais tipos de intercâmbios de energia (incluindo matéria)
e informação característicos do “metabolismo” de um corpo
comunitário podem se chamar de negócios? Ou, imaginando uma
comunidade como um ecossistema, o que seria um negócio?

Para pensar melhor sobre essas questões vamos fazer algumas
considerações sobre o que seriam negócios em rede.



O que seriam negócios em rede?

Vamos tomar o exemplo de um tipo de interação que, segundo a
opinião geral, ocorre em uma rede: a aprendizagem. Mas
aprendizagem também é um tipo de interação, que, dependendo das
circunstâncias, pode ser interpretado como negócio (e vice-versa). E
aprendizagem também pode ser interpretada como desenvolvimento
(a organização que aprende é aquela que se desenvolve). E
desenvolvimento pode ser interpretado, em um sentido ampliado,
como vida (do ponto de vista da sustentabilidade). E vida pode ser
interpretada como conhecimento (como nos mostraram Maturana e
Varela na chamada de teoria do conhecimento de Santiago).

Estamos aqui como aqueles caras que olham a mesma montanha de
diferentes perspectivas e juram, um, que a montanha é assim, com
uma ponta para o lado esquerdo, outro, que a montanha é assado,
com uma inclinação para a direta, outro, ainda, que ela tem a forma
de cone... Mas como ela é realmente?

Enquanto não desvendarmos o que se passa no espaço-tempo dos
fluxos, enquanto não decifrarmos os padrões que transitam como
mensagens, ou melhor, que se configuram como emaranhamentos,
na rede social, não poderemos saber o que é (e de que forma é) ou o
que não é próprio da “fisiologia” da rede.



                                 2
Como seriam os negócios em rede?

Sabemos mais ou menos como devem funcionar os negócios em uma
estrutura hierárquica (ou mais centralizada do que distribuída). Não
sabemos, entretanto, como devem funcionar em uma rede (mais
distribuída do que centralizada). E não sabemos porque as estruturas
de negócios até hoje (ou, pelo menos, desde que se chamaram
‘negócios’) foram estruturas mais centralizadas do que distribuídas.

Se tomarmos ‘redes’ por estruturas mais distribuídas do que
centralizadas, negócios em uma rede podem ser julgados como
positivos ou negativos do ponto de vista do que contribui para manter
a rede como tal (quer dizer, com graus de distribuição maiores do
que de centralização). Ou, dizendo de outro modo, isso depende do
que incrementa ou dilapida capital social. Ou, ainda, depende do que
aumenta ou diminui a cooperação.

Por exemplo, qualquer repartição de excedente, em uma rede
distribuída, que reserve uma parcela maior ao administrador, não
pelo fato de ele ter trabalhado mais ou inovado mais e sim pelo fato
de ele ter um acesso diferencial a fatores que poderiam ser
compartilhados (conhecimento mantido em sigilo, às vezes sob
pretextos de "segurança da informação", apoio político privilegiado e
outros) gera centralização, diminui o capital social, diminui a
cooperação.

Os negócios que são feitos no mundo ainda são, em grande parte,
negócios de intermediação. Mas nos mundos hiperconectados que
estão emergindo, a figura do intermediário tente a desaparecer. Há
uma espécie de esgotamento histórico de um papel social que foi
adequado a uma época que está se desfazendo.

Unidades econômicas hierárquicas precisam, por certo, de
intermediários; e quanto mais centralizadas forem, mais precisam.
Ou, dizendo de outro modo, pelo inverso, a intermediação é uma
centralização: o fluxo não escorre livremente sem passar por aquela
"estação"... Porém unidades mais distribuídas do que centralizadas
podem dispensar tais intermediários na medida do seu grau de
distribuição (que, como se sabe, acompanha o seu grau de
conectividade).


                                 3
Em rede, ao que tudo indica, os negócios não poderão ser baseados
na manipulação alheia (arregimentação, constrangimento e condução
de pessoas) para embolsar trabalho não-pago. Administradores do
excedente que submetem pessoas à esquemas de comando-e-
controle (e acabam administrando pessoas ao invés de coisas),
tendem a fenecer. Se alguém se propõe a administrar pessoas como
forma de conduzí-las a gerar valor para se apropriar de um
sobrevalor, então está cumprindo uma função social própria de uma
época de baixa conectividade social.

Mas então, como serão as relações de negócios entre as pessoas em
uma sociedade em rede? Será que, como prevêem alguns, tudo vai
ser resolvido pela livre negociação? Parece que sim. Mas o problema
é a partir de que lugar se negocia (ou do poder de negociação, que é
diretamente proporcional às relações que alguém construiu ao longo
da vida e, muitas vezes, como conseqüência, ao conhecimento e a
outros capitais econômicos e extra-econômicos que reuniu ou
acumulou e aprisionou). Assim como não existe o tal mercado
perfeito da máquina econômica inventada pelos economistas (um
delírio aceito por todos, conquanto isso seja espantoso), também não
existe a negociação simétrica.

Isso ainda é assim nos empreendimentos empresariais, não há
dúvida. Se não fosse, alguém não precisaria abandonar seu sonho
para trabalhar em prol do sonho alheio (para usar uma linguagem
cara aos arautos do empreendedorismo). Mas isso talvez só seja
assim em um mundo de baixa conectividade e distribuição. Nos
Highly Connecteds Worlds que estão emergindo em uma sociedade
do conhecimento, isso tende a deixar de ser assim. Ou seja, a
negociação tende a ser cada vez mais equilibrada (e a eqüidade
tende a aumentar). Porque o conhecimento – desaprisionado,
inclusive, das escolas e academias – tende a estar igualmente
disponível para todos os players. Porque o capital (stricto sensu,
econômico mesmo: a renda e a riqueza) tende a não ter tanta
importância diferencial para alguém iniciar um empreendimento. E
porque as relações que garantiam a um empreendedor condições
especiais para fazer um negócio, alugando força de trabalho alheia e
capturando cérebros de terceiros - em geral, relações de natureza
política, sim, senhor - também não conferirão apenas a alguns
(poucos) tal diferencial.


                                 4
Em outras palavras e para exemplificar: o empreendedor capitalista
nascente não teria conseguido prosperar sem o Estado. Ele tinha
relações políticas privilegiadas. Isso valeu para os donos das
primeiras grandes manufaturas inglesas, para Ig Farben, na
Alemanha hitlerista, passando por Gerdau, no Brasil do regime militar
e chegando aos atuais capitalistas chineses. Ocorre que nos mundos
que se avizinham (os mundos altamente conectados da sociedade do
conhecimento), o novo empresário não precisará mais de uma infra-
estrutura hard instalada para produzir e nem, muito menos, de apoio
político privilegiado para manter em suas mãos uma estrutura de
negócios funcionando. Será um mundo - ao que tudo indica - muito
mais aberto aos empreendedores (inovadores).

O capitalismo-que-vem (com esse ou outro nome) tende a ser um
capitalismo de muitos capitalistas e não apenas de poucos. Se
considerarmos que o capitalismo foi o resultado de uma associação
entre empresa monárquica e Estado hobbesiano, talvez não seja nem
muito correto chamá-lo de capitalismo. Será alguma coisa assim
como um "capitalismo" do capital social.

Pois bem. Em uma rede, negócios entre seus nodos não podem ser
feitos segundo padrões do mundo hierárquico.

Individualmente cada um pode continuar fazendo o que quiser em
suas empresas. Pode continuar alugando gente, aprisionando corpos,
capturando e colonizando cérebros, subremunerando “colaboradores”
e administrando pessoas com base em suas vantagens competitivas-
comparativas. Em rede, porém, as pessoas serão compelidas, cada
vez mais, a simular, elas próprias, com seu comportamento, a
mudança-para-rede que está acontecendo no mundo. Não
propriamente para dar um exemplo ético e sim por coerência
adaptativa: os Highly Connecteds Worlds constituem um
florescimento da sociedade em rede que sempre fomos no princípio
(e somos, nisi quatenus não “rodamos” programas verticalizadores).
Eles são – para usar a bela expressão de William Irwin Thompson
(em Transforming History: a Curriculum for Cultural Evolution.
Massachusetts: Lindisfarne Books, 2001) – aquela unnamed origin
that is now upon us...




                                 5
Não se trata de uma questão ética, nem econômica, mas
social

A questão aqui, portanto, não parece ser ética, nem estritamente
econômica, mas social mesmo (a economia, como sabemos, não vem
de Marte, mas é um dos pontos de vista explicativos para fenômenos
que ocorrem na sociedade, quer dizer, na rede social). O homo
economicus é uma abstração reducionista. O que existe mesmo é a
pessoa, que só pode se constituir como tal na relação e, inclusive, na
troca e na dádiva.

Sim, as interações econômicas não são apenas de troca. Há uma
economia, ou melhor, uma ecologia da dádiva. Quanto você troca
uma coisa por outra não ganha nada: substitui uma coisa por outra.
A máxima cínica “tudo que não é dado está perdido” significa “é
dando que se recebe”, sim, mas não porque você dá
instrumentalmente esperando receber algo em troca (como no
chamado altruísmo recíproco) e sim porque, na ecologia do seu
ecossistema comunitário, dar é a maneira de, para usar uma
linguagem poética, deixar passar o fluxo da vida. Voltará para você
na forma de maior capacidade de se transformar em congruência com
as mudanças do meio. Ou seja, a dádiva faz parte da capacidade
biológico-cultural – extremamente relevante em nossa história
evolutiva – de conservar a adaptação.

Não há nenhum problema, ético ou econômico, em ganhar dinheiro
em troca de atividade desenvolvida ou trabalho ou esforço realizado.
Não há problema, nem mesmo, ao contrário do que supõem os
igualitaristas, em ganhar muito dinheiro assim, tanto dinheiro que
faça alguém ter uma renda mil vezes maior do que seus semelhantes.
Também não há problema em gerar excedente, sobrevalor ou o que
valha. Ter resultado positivo em qualquer atividade econômica é uma
condição de sobrevivência e uma obrigação social (haja vista que o
prejuízo terá que ser arcado por alguém e afeta a todos os
stakeholders). O problema só aparece quando queremos administrar
o excedente de uma maneira que impeça a possibilidade de outros
também administrá-lo. Aquilo que derrotou os Apaches não foram as
vacas que eles ganharam e sim a atribuição aos Nant'ans – os
netweavers da rede social apache – de administrar centralizadamente
o excedente, redistribuindo as vacas pelos membros das


                                  6
comunidades a partir de sua posição diferenciada. Se você administra
o excedente dessa maneira, então introduz perturbações nos fluxos
gerando anisotropias na rede toda (e mudando a topologia da
sociedade). Ora, em uma rede que quer continuar sendo rede (mais
distribuída do que centralizada), isso, por certo, é um problema!

Um bom relato das causas da derrota dos Apaches pode ser
encontrado no livro de Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006): The
starfish and the spider (Quem está no comando? A estratégia da
estrela-do-mar e da aranha: o poder das organizações sem líderes.
Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2007), na passagem intitulada A
estratégia da Centralização:

     “A última vez que vimos os Apaches, eles estavam dominando o
     Sudoeste. Os espanhóis tentaram em vão controlá-los, e os
     mexicanos, que vieram em seguida, também não tiveram sorte.
     Quando os americanos conseguiram o controle da região, também
     fracassaram. Na verdade, os Apaches permaneceram como uma
     grande ameaça até o século XX. Mas depois a maré mudou. Aí os
     americanos venceram. Quando Tom Nevins explicou isso, ficamos de
     queixo caído ao descobrir como algo tão simples poderia ter um efeito
     tão poderoso.

     Nevins nos contou a história. "A verdade é que os Apaches
     representaram uma ameaça até 1914. O exército ainda marcou
     presença na reserva White Mountain até o início do século XX". Por
     que era tão difícil derrotar os Apaches? Os Nant'ans [espécie de
     catalisadores da rede social apache] apareceram, disse Nevins, e "as
     pessoas desejavam apoiar quem elas acreditavam ser o líder mais
     eficaz, com base em suas próprias ações ou em seu comportamento.
     E não tardaria a acontecer". Como surgiam cada vez mais Nant'ans,
     os americanos finalmente "perceberam que precisavam atacar os
     Apaches no nível mais básico para poder controlá-los. Essa foi a
     política adotada pela primeira vez com o grupo Navajo - que também
     era Apache, e aperfeiçoada com o grupo Western Apache".

     Eis o que acabou com a sociedade Apache: os americanos deram
     gado aos Nant'ans. Foi simples assim. Como os Nant'ans tinham
     recursos escassos - as vacas -, seu poder passou de simbólico a
     material. Antes, os Nant'ans lideraram pelo exemplo, mas agora eles
     poderiam recompensar e punir membros da tribo oferecendo ou
     retirando esse recurso.



                                   7
As vacas foram as responsáveis pela grande mudança. Como os
     Nant'ans ganharam poder autoritário, eles começaram a brigar entre
     si por assentos nos recém-criados conselhos tribais e começaram a
     ter um comportamento cada vez mais parecido... [com os de
     presidentes de empresas] Membros da tribo começaram a fazer lobby
     junto aos Nant'ans para obter mais recursos e ficavam aborrecidos
     quando as alocações não funcionavam a seu favor. A estrutura de
     poder, que antes era horizontal, se tornou hierárquica, com o poder
     concentrado no topo. Isso arruinou a sociedade Apache. Nevins
     reflete: "O grupo Apache agora tinha um governo central, mas, a
     meu ver, isso foi desastroso para eles, pois gerou uma baralha sem
     lucros em troca de recursos entre linhagens". Com uma estrutura de
     poder mais rídiga, os Apaches ficaram semelhantes aos Astecas e,
     assim, ficou mais fácil para os americanos os controlarem...

     Na essência, o que movia os Apaches... era a concentração de poder.
     Após adquirirem o direito à propriedade, seja ela em forma de vacas
     ou royaltes..., as pessoas rapidamente buscam um sistema
     centralizado para proteger seus interesses. É por isso que queremos
     bancos centralizados. Desejamos ter controle, estrutura e prestação
     de contas, pois o que está em jogo é nosso dinheiro.

     No momento em que direitos de propriedade entram na equação,
     tudo muda: a organização estrela-do-mar se transforma em aranha.
     Se você realmente quiser centralizar uma organização, passe o
     direito de propriedade ao catalisador [os catalisadores funcionam
     como netweavers em uma rede social] e peça-o para distribuir
     recursos conforme adequado. Ao deter o poder sobre os direitos de
     propriedade, o catalisador se transforma em CEO e os círculos
     passam a ser competitivos.”



Empresas em rede em uma sociedade do conhecimento

A empresa tradicional se baseava na capacidade de aprisionar o
conhecimento, deter o segredo, guardar a fórmula a sete chaves. Só
que nós – os hackers - estamos encontrando "O Chaveiro" (aquele
programa do filme The Matrix Reloaded interpretado por Randall Duk
Kim, quem lembra?). E nenhuma empresa conseguirá, sozinha, se
manter na ponta da inovação (sem o que verá suas chances de futuro
se reduzirem ou não será sustentável) sem lançar suas "hifas" para
importar capital humano (conhecimento) e social (relações) do


                                  8
ambiente onde existe. Duzentos cérebros aprisionados trabalhando
para um dono não podem competir com vinte mil cooperando
livremente para encontrar uma solução (de gestão, processo ou
produto).

Observe-se que estamos falando disso que chamam de 'Economics',
mas sem manter uma posição genuflexória em relação aos princípios
ideológicos proclamados por esses novos sacerdotes da modernidade
conhecido como ‘economistas’. Um desses princípios, muito
conveniente para os privatizadores de conhecimento (como Bill
Gates) é aquele que reza que o principal incentivo para a inovação é
o interesse material egotista (toda economia ortodoxa, como se sabe,
se baseia na idéia de que o comportamento da sociedade pode ser
explicado a partir do comportamento dos indivíduos, que os
indivíduos se comportam fazendo escolhas racionais a fim de
maximizar a obtenção dos seus interesses e que esses interesses são
sempre, ao fim e ao cabo, egotistas. Isso é alguma coisa parecida
com religião, mas aqui não é o lugar de tratar mais exaustivamente
da questão).

Bem, mas então o Sr. Gates diz isso. E a realidade mostra que o
mundo não funciona (mais) assim (se é que alguma vez funcionou).
Os grandes inovadores da humanidade – em sua maioria – nunca
agiram assim. Descobriram coisas porque deram curso àquela
surpreendente capacidade humana de se maravilhar com o
desconhecido e de caminhar na escuridão em direção à luz (ainda que
isso possa soar, para alguns, anacronicamente iluminista, a figura de
linguagem parece perfeita). E polinizaram com suas descobertas
outras descobertas. Toda inovação surge, dessarte, por polinização
mútua, por fertilização cruzada. Ora, isso não acontece nos marcos
do jogo comercial de interesses e nem poderá acontecer, no volume
exigido pelo ritmo alucinante das inovações contemporâneas, apenas
dentro de uma unidade fechada de aprisionamento de corpos e de
cérebros (como a empresa como unidade administrativo-produtiva
isolada). Isso ocorrerá, cada vez mais, dentro de redes de
stakeholders que serão as novas comunidades de negócios do mundo
que já se anuncia, demarcadas do meio por membranas (permeáveis
ao fluxo) e não por paredes opacas.




                                 9
A aplicação, o esforço, o trabalho, devem ser remunerados, mas não
o conhecimento. Ninguém, a rigor, é dono do conhecimento, que é
sempre resultante de um processo coletivo. Alguma coisa “rodou”
naquela nuvem que chamamos de mente (e que não está restrita ao
nosso cérebro, é uma cloud computing social).

Sua avó lhe cobrou pela receita daquela magnífica geléia? Não? Então
por que você não pode fazer o mesmo? Ah! Ela então deu a receita
para o próprio neto, mas não a daria para o neto de outra avó? Por
quê? Porque a estrutura familiar, no caso, privatizou o capital social.
Não é preciso grande esforço para perceber que, do ponto de vista
social, isso gerou improdutividade, diminuiu a intensidade do fluxo
econômico. E que, como conseqüência, muitos perderam enquanto
todos poderiam ganhar.

Sim, isso é pura sócio-economia. Economia do capital social. Nossa
produtividade aumentaria muito se o capital social – que é uma
espécie de recurso sistêmico que enseja a geração dos outros capitais
(para continuar com a metáfora, além dos capitais propriamente
ditos, como o físico e o financeiro, aquel’outros que são considerados
externalidades pelos economistas: como o capital natural, o capital
humano e o social) – não fosse privatizado. Isso quer dizer que
aumentaria a geração de valor... para todos!

Não parece ser verdade, como pensam alguns, que a peer production
seja coisa para um futuro longínquo. Temos hoje milhares de
produtos (bens intangíveis e, inclusive tangíveis) sendo produzidos
assim. Nem é necessário insistir nos exemplos sempre citados do
Linux ou do Apache (et pour cause). Basta ver como surgiu quase
toda a produção científica: retrocederíamos à idade da pedra sem a
peer production.

Por certo o mundo não é (ainda todo) assim. Mas as tendências
apontam nessa direção. Na medida em que a privatização do
conhecimento vai se tornando, cada vez mais, impraticável, vão
perdendo sentido os esquemas que visam o seu aprisionamento. E
assim como está ficando cada vez mais difícil aprisionar o
conhecimento, ainda há outra evidência que corrobora essa hipótese:
o conhecimento aprisionado estraga. É um bem que cresce quando



                                  10
compartilhado e decresce e perde valor quando não se modifica
continuamente pela polinização.




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NEGÓCIOS EM REDE

  • 1. Augusto de Franco 2010 2ª Versão (04/08/10) Este texto foi baseado em uma longa conversação ocorrida na Escola-de-Redes, entre julho e outubro de 2009. Esta segunda versão provavelmente ainda será modificada. Para acessar a conversação original clique no link http://trick.ly/3Zh O que são ‘negócios’? O que chamamos de ‘negócios’ são uma interpretação possível de um tipo de interação social. O tipo de interação que denominamos assim permanece ainda relativamente desconhecido do ponto de vista do que se passa naquele mundo em que as redes existem (o espaço- tempo dos fluxos). Uma coisa que a nós parece ser um negócio, em uma sociedade não- mercantil talvez pareça ser uma simples troca e em uma sociedade fortemente verticalizada de predadores ecossociais (como, por exemplo, entre cavaleiros medievais), pareceria ser uma disputa de vida ou morte. As interações entre pessoas que estão na raiz do fenômeno têm uma precedência ontológica (se for possível falar assim) às interpretações de suas manifestações em sociedades determinadas: para o persa vendedor de seda no mercado, comércio era uma coisa diferente do que era para o mercador veneziano e do que é para o vendedor da Avon. O status do conceito (a 1
  • 2. epistemologia) varia com a ontologia; ou seja, negócios em uma rede não são anteriores ao tipo particular de interação que, numa dada circunstância, interpretamos como negócio. Isso coloca algumas perguntas fundamentais: os negócios, como acreditam alguns, fazem parte (“naturalmente”) da vida em sociedade? Quais tipos de intercâmbios de energia (incluindo matéria) e informação característicos do “metabolismo” de um corpo comunitário podem se chamar de negócios? Ou, imaginando uma comunidade como um ecossistema, o que seria um negócio? Para pensar melhor sobre essas questões vamos fazer algumas considerações sobre o que seriam negócios em rede. O que seriam negócios em rede? Vamos tomar o exemplo de um tipo de interação que, segundo a opinião geral, ocorre em uma rede: a aprendizagem. Mas aprendizagem também é um tipo de interação, que, dependendo das circunstâncias, pode ser interpretado como negócio (e vice-versa). E aprendizagem também pode ser interpretada como desenvolvimento (a organização que aprende é aquela que se desenvolve). E desenvolvimento pode ser interpretado, em um sentido ampliado, como vida (do ponto de vista da sustentabilidade). E vida pode ser interpretada como conhecimento (como nos mostraram Maturana e Varela na chamada de teoria do conhecimento de Santiago). Estamos aqui como aqueles caras que olham a mesma montanha de diferentes perspectivas e juram, um, que a montanha é assim, com uma ponta para o lado esquerdo, outro, que a montanha é assado, com uma inclinação para a direta, outro, ainda, que ela tem a forma de cone... Mas como ela é realmente? Enquanto não desvendarmos o que se passa no espaço-tempo dos fluxos, enquanto não decifrarmos os padrões que transitam como mensagens, ou melhor, que se configuram como emaranhamentos, na rede social, não poderemos saber o que é (e de que forma é) ou o que não é próprio da “fisiologia” da rede. 2
  • 3. Como seriam os negócios em rede? Sabemos mais ou menos como devem funcionar os negócios em uma estrutura hierárquica (ou mais centralizada do que distribuída). Não sabemos, entretanto, como devem funcionar em uma rede (mais distribuída do que centralizada). E não sabemos porque as estruturas de negócios até hoje (ou, pelo menos, desde que se chamaram ‘negócios’) foram estruturas mais centralizadas do que distribuídas. Se tomarmos ‘redes’ por estruturas mais distribuídas do que centralizadas, negócios em uma rede podem ser julgados como positivos ou negativos do ponto de vista do que contribui para manter a rede como tal (quer dizer, com graus de distribuição maiores do que de centralização). Ou, dizendo de outro modo, isso depende do que incrementa ou dilapida capital social. Ou, ainda, depende do que aumenta ou diminui a cooperação. Por exemplo, qualquer repartição de excedente, em uma rede distribuída, que reserve uma parcela maior ao administrador, não pelo fato de ele ter trabalhado mais ou inovado mais e sim pelo fato de ele ter um acesso diferencial a fatores que poderiam ser compartilhados (conhecimento mantido em sigilo, às vezes sob pretextos de "segurança da informação", apoio político privilegiado e outros) gera centralização, diminui o capital social, diminui a cooperação. Os negócios que são feitos no mundo ainda são, em grande parte, negócios de intermediação. Mas nos mundos hiperconectados que estão emergindo, a figura do intermediário tente a desaparecer. Há uma espécie de esgotamento histórico de um papel social que foi adequado a uma época que está se desfazendo. Unidades econômicas hierárquicas precisam, por certo, de intermediários; e quanto mais centralizadas forem, mais precisam. Ou, dizendo de outro modo, pelo inverso, a intermediação é uma centralização: o fluxo não escorre livremente sem passar por aquela "estação"... Porém unidades mais distribuídas do que centralizadas podem dispensar tais intermediários na medida do seu grau de distribuição (que, como se sabe, acompanha o seu grau de conectividade). 3
  • 4. Em rede, ao que tudo indica, os negócios não poderão ser baseados na manipulação alheia (arregimentação, constrangimento e condução de pessoas) para embolsar trabalho não-pago. Administradores do excedente que submetem pessoas à esquemas de comando-e- controle (e acabam administrando pessoas ao invés de coisas), tendem a fenecer. Se alguém se propõe a administrar pessoas como forma de conduzí-las a gerar valor para se apropriar de um sobrevalor, então está cumprindo uma função social própria de uma época de baixa conectividade social. Mas então, como serão as relações de negócios entre as pessoas em uma sociedade em rede? Será que, como prevêem alguns, tudo vai ser resolvido pela livre negociação? Parece que sim. Mas o problema é a partir de que lugar se negocia (ou do poder de negociação, que é diretamente proporcional às relações que alguém construiu ao longo da vida e, muitas vezes, como conseqüência, ao conhecimento e a outros capitais econômicos e extra-econômicos que reuniu ou acumulou e aprisionou). Assim como não existe o tal mercado perfeito da máquina econômica inventada pelos economistas (um delírio aceito por todos, conquanto isso seja espantoso), também não existe a negociação simétrica. Isso ainda é assim nos empreendimentos empresariais, não há dúvida. Se não fosse, alguém não precisaria abandonar seu sonho para trabalhar em prol do sonho alheio (para usar uma linguagem cara aos arautos do empreendedorismo). Mas isso talvez só seja assim em um mundo de baixa conectividade e distribuição. Nos Highly Connecteds Worlds que estão emergindo em uma sociedade do conhecimento, isso tende a deixar de ser assim. Ou seja, a negociação tende a ser cada vez mais equilibrada (e a eqüidade tende a aumentar). Porque o conhecimento – desaprisionado, inclusive, das escolas e academias – tende a estar igualmente disponível para todos os players. Porque o capital (stricto sensu, econômico mesmo: a renda e a riqueza) tende a não ter tanta importância diferencial para alguém iniciar um empreendimento. E porque as relações que garantiam a um empreendedor condições especiais para fazer um negócio, alugando força de trabalho alheia e capturando cérebros de terceiros - em geral, relações de natureza política, sim, senhor - também não conferirão apenas a alguns (poucos) tal diferencial. 4
  • 5. Em outras palavras e para exemplificar: o empreendedor capitalista nascente não teria conseguido prosperar sem o Estado. Ele tinha relações políticas privilegiadas. Isso valeu para os donos das primeiras grandes manufaturas inglesas, para Ig Farben, na Alemanha hitlerista, passando por Gerdau, no Brasil do regime militar e chegando aos atuais capitalistas chineses. Ocorre que nos mundos que se avizinham (os mundos altamente conectados da sociedade do conhecimento), o novo empresário não precisará mais de uma infra- estrutura hard instalada para produzir e nem, muito menos, de apoio político privilegiado para manter em suas mãos uma estrutura de negócios funcionando. Será um mundo - ao que tudo indica - muito mais aberto aos empreendedores (inovadores). O capitalismo-que-vem (com esse ou outro nome) tende a ser um capitalismo de muitos capitalistas e não apenas de poucos. Se considerarmos que o capitalismo foi o resultado de uma associação entre empresa monárquica e Estado hobbesiano, talvez não seja nem muito correto chamá-lo de capitalismo. Será alguma coisa assim como um "capitalismo" do capital social. Pois bem. Em uma rede, negócios entre seus nodos não podem ser feitos segundo padrões do mundo hierárquico. Individualmente cada um pode continuar fazendo o que quiser em suas empresas. Pode continuar alugando gente, aprisionando corpos, capturando e colonizando cérebros, subremunerando “colaboradores” e administrando pessoas com base em suas vantagens competitivas- comparativas. Em rede, porém, as pessoas serão compelidas, cada vez mais, a simular, elas próprias, com seu comportamento, a mudança-para-rede que está acontecendo no mundo. Não propriamente para dar um exemplo ético e sim por coerência adaptativa: os Highly Connecteds Worlds constituem um florescimento da sociedade em rede que sempre fomos no princípio (e somos, nisi quatenus não “rodamos” programas verticalizadores). Eles são – para usar a bela expressão de William Irwin Thompson (em Transforming History: a Curriculum for Cultural Evolution. Massachusetts: Lindisfarne Books, 2001) – aquela unnamed origin that is now upon us... 5
  • 6. Não se trata de uma questão ética, nem econômica, mas social A questão aqui, portanto, não parece ser ética, nem estritamente econômica, mas social mesmo (a economia, como sabemos, não vem de Marte, mas é um dos pontos de vista explicativos para fenômenos que ocorrem na sociedade, quer dizer, na rede social). O homo economicus é uma abstração reducionista. O que existe mesmo é a pessoa, que só pode se constituir como tal na relação e, inclusive, na troca e na dádiva. Sim, as interações econômicas não são apenas de troca. Há uma economia, ou melhor, uma ecologia da dádiva. Quanto você troca uma coisa por outra não ganha nada: substitui uma coisa por outra. A máxima cínica “tudo que não é dado está perdido” significa “é dando que se recebe”, sim, mas não porque você dá instrumentalmente esperando receber algo em troca (como no chamado altruísmo recíproco) e sim porque, na ecologia do seu ecossistema comunitário, dar é a maneira de, para usar uma linguagem poética, deixar passar o fluxo da vida. Voltará para você na forma de maior capacidade de se transformar em congruência com as mudanças do meio. Ou seja, a dádiva faz parte da capacidade biológico-cultural – extremamente relevante em nossa história evolutiva – de conservar a adaptação. Não há nenhum problema, ético ou econômico, em ganhar dinheiro em troca de atividade desenvolvida ou trabalho ou esforço realizado. Não há problema, nem mesmo, ao contrário do que supõem os igualitaristas, em ganhar muito dinheiro assim, tanto dinheiro que faça alguém ter uma renda mil vezes maior do que seus semelhantes. Também não há problema em gerar excedente, sobrevalor ou o que valha. Ter resultado positivo em qualquer atividade econômica é uma condição de sobrevivência e uma obrigação social (haja vista que o prejuízo terá que ser arcado por alguém e afeta a todos os stakeholders). O problema só aparece quando queremos administrar o excedente de uma maneira que impeça a possibilidade de outros também administrá-lo. Aquilo que derrotou os Apaches não foram as vacas que eles ganharam e sim a atribuição aos Nant'ans – os netweavers da rede social apache – de administrar centralizadamente o excedente, redistribuindo as vacas pelos membros das 6
  • 7. comunidades a partir de sua posição diferenciada. Se você administra o excedente dessa maneira, então introduz perturbações nos fluxos gerando anisotropias na rede toda (e mudando a topologia da sociedade). Ora, em uma rede que quer continuar sendo rede (mais distribuída do que centralizada), isso, por certo, é um problema! Um bom relato das causas da derrota dos Apaches pode ser encontrado no livro de Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006): The starfish and the spider (Quem está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha: o poder das organizações sem líderes. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2007), na passagem intitulada A estratégia da Centralização: “A última vez que vimos os Apaches, eles estavam dominando o Sudoeste. Os espanhóis tentaram em vão controlá-los, e os mexicanos, que vieram em seguida, também não tiveram sorte. Quando os americanos conseguiram o controle da região, também fracassaram. Na verdade, os Apaches permaneceram como uma grande ameaça até o século XX. Mas depois a maré mudou. Aí os americanos venceram. Quando Tom Nevins explicou isso, ficamos de queixo caído ao descobrir como algo tão simples poderia ter um efeito tão poderoso. Nevins nos contou a história. "A verdade é que os Apaches representaram uma ameaça até 1914. O exército ainda marcou presença na reserva White Mountain até o início do século XX". Por que era tão difícil derrotar os Apaches? Os Nant'ans [espécie de catalisadores da rede social apache] apareceram, disse Nevins, e "as pessoas desejavam apoiar quem elas acreditavam ser o líder mais eficaz, com base em suas próprias ações ou em seu comportamento. E não tardaria a acontecer". Como surgiam cada vez mais Nant'ans, os americanos finalmente "perceberam que precisavam atacar os Apaches no nível mais básico para poder controlá-los. Essa foi a política adotada pela primeira vez com o grupo Navajo - que também era Apache, e aperfeiçoada com o grupo Western Apache". Eis o que acabou com a sociedade Apache: os americanos deram gado aos Nant'ans. Foi simples assim. Como os Nant'ans tinham recursos escassos - as vacas -, seu poder passou de simbólico a material. Antes, os Nant'ans lideraram pelo exemplo, mas agora eles poderiam recompensar e punir membros da tribo oferecendo ou retirando esse recurso. 7
  • 8. As vacas foram as responsáveis pela grande mudança. Como os Nant'ans ganharam poder autoritário, eles começaram a brigar entre si por assentos nos recém-criados conselhos tribais e começaram a ter um comportamento cada vez mais parecido... [com os de presidentes de empresas] Membros da tribo começaram a fazer lobby junto aos Nant'ans para obter mais recursos e ficavam aborrecidos quando as alocações não funcionavam a seu favor. A estrutura de poder, que antes era horizontal, se tornou hierárquica, com o poder concentrado no topo. Isso arruinou a sociedade Apache. Nevins reflete: "O grupo Apache agora tinha um governo central, mas, a meu ver, isso foi desastroso para eles, pois gerou uma baralha sem lucros em troca de recursos entre linhagens". Com uma estrutura de poder mais rídiga, os Apaches ficaram semelhantes aos Astecas e, assim, ficou mais fácil para os americanos os controlarem... Na essência, o que movia os Apaches... era a concentração de poder. Após adquirirem o direito à propriedade, seja ela em forma de vacas ou royaltes..., as pessoas rapidamente buscam um sistema centralizado para proteger seus interesses. É por isso que queremos bancos centralizados. Desejamos ter controle, estrutura e prestação de contas, pois o que está em jogo é nosso dinheiro. No momento em que direitos de propriedade entram na equação, tudo muda: a organização estrela-do-mar se transforma em aranha. Se você realmente quiser centralizar uma organização, passe o direito de propriedade ao catalisador [os catalisadores funcionam como netweavers em uma rede social] e peça-o para distribuir recursos conforme adequado. Ao deter o poder sobre os direitos de propriedade, o catalisador se transforma em CEO e os círculos passam a ser competitivos.” Empresas em rede em uma sociedade do conhecimento A empresa tradicional se baseava na capacidade de aprisionar o conhecimento, deter o segredo, guardar a fórmula a sete chaves. Só que nós – os hackers - estamos encontrando "O Chaveiro" (aquele programa do filme The Matrix Reloaded interpretado por Randall Duk Kim, quem lembra?). E nenhuma empresa conseguirá, sozinha, se manter na ponta da inovação (sem o que verá suas chances de futuro se reduzirem ou não será sustentável) sem lançar suas "hifas" para importar capital humano (conhecimento) e social (relações) do 8
  • 9. ambiente onde existe. Duzentos cérebros aprisionados trabalhando para um dono não podem competir com vinte mil cooperando livremente para encontrar uma solução (de gestão, processo ou produto). Observe-se que estamos falando disso que chamam de 'Economics', mas sem manter uma posição genuflexória em relação aos princípios ideológicos proclamados por esses novos sacerdotes da modernidade conhecido como ‘economistas’. Um desses princípios, muito conveniente para os privatizadores de conhecimento (como Bill Gates) é aquele que reza que o principal incentivo para a inovação é o interesse material egotista (toda economia ortodoxa, como se sabe, se baseia na idéia de que o comportamento da sociedade pode ser explicado a partir do comportamento dos indivíduos, que os indivíduos se comportam fazendo escolhas racionais a fim de maximizar a obtenção dos seus interesses e que esses interesses são sempre, ao fim e ao cabo, egotistas. Isso é alguma coisa parecida com religião, mas aqui não é o lugar de tratar mais exaustivamente da questão). Bem, mas então o Sr. Gates diz isso. E a realidade mostra que o mundo não funciona (mais) assim (se é que alguma vez funcionou). Os grandes inovadores da humanidade – em sua maioria – nunca agiram assim. Descobriram coisas porque deram curso àquela surpreendente capacidade humana de se maravilhar com o desconhecido e de caminhar na escuridão em direção à luz (ainda que isso possa soar, para alguns, anacronicamente iluminista, a figura de linguagem parece perfeita). E polinizaram com suas descobertas outras descobertas. Toda inovação surge, dessarte, por polinização mútua, por fertilização cruzada. Ora, isso não acontece nos marcos do jogo comercial de interesses e nem poderá acontecer, no volume exigido pelo ritmo alucinante das inovações contemporâneas, apenas dentro de uma unidade fechada de aprisionamento de corpos e de cérebros (como a empresa como unidade administrativo-produtiva isolada). Isso ocorrerá, cada vez mais, dentro de redes de stakeholders que serão as novas comunidades de negócios do mundo que já se anuncia, demarcadas do meio por membranas (permeáveis ao fluxo) e não por paredes opacas. 9
  • 10. A aplicação, o esforço, o trabalho, devem ser remunerados, mas não o conhecimento. Ninguém, a rigor, é dono do conhecimento, que é sempre resultante de um processo coletivo. Alguma coisa “rodou” naquela nuvem que chamamos de mente (e que não está restrita ao nosso cérebro, é uma cloud computing social). Sua avó lhe cobrou pela receita daquela magnífica geléia? Não? Então por que você não pode fazer o mesmo? Ah! Ela então deu a receita para o próprio neto, mas não a daria para o neto de outra avó? Por quê? Porque a estrutura familiar, no caso, privatizou o capital social. Não é preciso grande esforço para perceber que, do ponto de vista social, isso gerou improdutividade, diminuiu a intensidade do fluxo econômico. E que, como conseqüência, muitos perderam enquanto todos poderiam ganhar. Sim, isso é pura sócio-economia. Economia do capital social. Nossa produtividade aumentaria muito se o capital social – que é uma espécie de recurso sistêmico que enseja a geração dos outros capitais (para continuar com a metáfora, além dos capitais propriamente ditos, como o físico e o financeiro, aquel’outros que são considerados externalidades pelos economistas: como o capital natural, o capital humano e o social) – não fosse privatizado. Isso quer dizer que aumentaria a geração de valor... para todos! Não parece ser verdade, como pensam alguns, que a peer production seja coisa para um futuro longínquo. Temos hoje milhares de produtos (bens intangíveis e, inclusive tangíveis) sendo produzidos assim. Nem é necessário insistir nos exemplos sempre citados do Linux ou do Apache (et pour cause). Basta ver como surgiu quase toda a produção científica: retrocederíamos à idade da pedra sem a peer production. Por certo o mundo não é (ainda todo) assim. Mas as tendências apontam nessa direção. Na medida em que a privatização do conhecimento vai se tornando, cada vez mais, impraticável, vão perdendo sentido os esquemas que visam o seu aprisionamento. E assim como está ficando cada vez mais difícil aprisionar o conhecimento, ainda há outra evidência que corrobora essa hipótese: o conhecimento aprisionado estraga. É um bem que cresce quando 10
  • 11. compartilhado e decresce e perde valor quando não se modifica continuamente pela polinização. 11