Ao ler o texto de Isabel Cristina de Moura Carvalho- Repensando nosso olhar sobre as relações entre a sociedade e a natureza, lembrei de uma história que aconteceu no Rio de Janeiro, às vésperas da realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e desenvolvimento- Rio92 em que algumas pessoas começaram a usar um adesivo no carro com os dizeres: foda-se o mico-leão-dourado, como uma resposta a overdose de mensagens que usava o macaquinho como símbolo da luta contra a destruição das florestas e a consequente ameaça de extinção de espécies da flora e da fauna. Para alguns a abordagem sobre a crise ambiental acabou sendo interpretada como uma espécie de modismo eco-politicamente correto. Seria cômico, se não fosse trágico...
Entre indiferença e ignorância sobre meio ambiente
1. ENTRE A INDIFERENÇA E A IGNORÂNCIA:
Foda-se o mico- leão-dourado
Carla Menegaz *
Ao ler o texto de Isabel Cristina de Moura Carvalho- Repensando
nosso olhar sobre as relações entre a sociedade e a natureza ,
lembrei de uma história que aconteceu no Rio de Janeiro, às vésperas da
realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-
Rio92 em que algumas pessoas começaram a usar um adesivo no carro com
os dizeres: foda-se o mico-leão-dourado, como uma resposta a overdose de
mensagens que usava o macaquinho como símbolo da luta contra a destruição
das florestas e a consequente ameaça de extinção de espécies da flora e da
fauna.
Para alguns a abordagem sobre a crise ambiental acabou sendo
interpretada como uma espécie de modismo eco-politicamente correto. Seria
cômico, se não fosse trágico, a banalização de conceitos e ideias de um
assunto tão importante, como a questão ambiental. Conceitos como ecologia,
meio ambiente e todas as consequências da relação predatória do homem x
natureza têm sido apropriados por organizações e grupos de interesses
escusos, como instrumento de marketing sem um compromisso real com a
questão ambiental.
A dicotomia homem versus natureza é intensificada ao extremo nas
mensagens de defesa do meio ambiente natural, como se o ser humano fosse
um parasita alienígena que ameaça o planeta. A frase do adesivo do carro
pode ser considerada ofensiva , representando a insensibilidade e a
ignorância de que é real a perda da biodiversidade em virtude da forma como
2. nós nos relacionamos com o planeta. Por outro lado, a mensagem do adesivo
traz em si outra questão bem relevante, de que muitos discursos sobre a
questão ambiental não são coerentes com as ações e por isso podem levar à
indiferença e ao descrédito. A disponibilidade e o acesso a grande quantidade
de informações não significa um despertar de consciência, já que a palavra
sem ação coerente perde sua força, esvazia-se nos discursos fáceis.
A questão ambiental tem sido absorvida como um produto a ser vendido
aos consumidores e evidenciada nos meios de comunicação com o patrocínio
das empresas que precisam ser ecologicamente corretas, ou pelo menos,
precisam parecer estarem em sintonia com as aspirações da sociedade
mundial: a responsabilidade social e ambiental na preservação do planeta
Terra. Os temas como o efeito estufa, as mudanças climáticas, o buraco na
camada de ozônio, a extinção de espécies da fauna e da flora, poluição da
água, do ar, do solo, sonora e visual, a escassez da água potável, as
queimadas e muitos outros são tratados de forma direta e indireta, seja em
documentários, livros, mensagens de famosos e intelectuais e tem motivado a
criação de inúmeras ONGS. Parece que a questão ambiental está em boas
mãos com tantas empresas e emissoras divulgando o assunto: escovar os
dentes com a torneira fechada, fazer xixi durante o banho, usar descargas do
vaso sanitário com opções de fluxos diferentes para o ” número 1” e o “número
2” , separar o lixo , não usar sacolinhas plásticas de supermercado, preferir
alimentos sem agrotóxicos, desconectar o celular da tomada assim que
terminar de carregar a energia, tirar os aparelhos da tomada ( pois o modo
standbay consome energia... Tudo tão simples e ao alcance de todos ! São
alternativas sempre apresentados de forma genérica. A overdose de dicas e
conselhos úteis não seria uma forma de distrair a atenção para mudanças que
são realmente necessárias ?
3. As mensagens na mídia são um mar de contradições: consumidor prefira
empresas que tenham um selo de qualidade para as questões ambientais, mas
não deixe de consumir cada vez mais, mais, mais... O império da
obsolescência planejada, no qual, os equipamentos ou um produto devem se
deteriorar depois de certo tempo, diminuindo sua vida útil e obrigando o
consumidor a comprar um novo aparelho ou objeto se integra a obsolescência
perceptiva, em que as mudanças no design dos objetos evocam que o novo é
sempre melhor e necessário. Em pouco tempo tudo que compramos é
obsoleto, caracterizando a crise de valores, em que os bens materiais
determinam o valor das pessoas. Troco meu celular, que era apenas um
telefone móvel, por um aparelho que é no mínimo dez em um, e assim estou
fazendo a minha parte. Mas ninguém me explica o que fazer com a bateria,
carregador, fone de ouvido do celular “velho” e tampouco, explicam porque eles
não são compatíveis com o celular novo. Troquei as lâmpadas incandescentes
pelas lâmpadas frias que não devem ser apagadas e ligadas muitas vezes,
pois queimam rápido e são muito mais poluentes depois que viram lixo.
Economizo energia elétrica ou poluo o solo? Se eu não usar as sacolinhas do
supermercado, coloco o lixo onde? Ah! É só comprar sacos de lixo.
Estou fazendo uma coleção de embalagens de xampus, sabonetes,
barbeadores (descartáveis), amaciantes para roupas, além de embalagens de
biscoitos e bolachas, tudo com selo de ecologicamente corretos e de plástico:
tão coloridas com material tão bonito, algumas com letras douradas, um luxo
de lixo ! É só enviar para a reciclagem e o problema do lixo estará resolvido.
Simples assim e a questão do consumismo é ofuscada pelos incessantes
apelos para que sejamos consumidores vorazes. Mas não sei o que fazer com
a grande quantidade de lixo, oriundo das embalagens que tem contato direto
com os alimentos, como o saquinho que embrulhou a carne, o peixe ou o
frango, a bandeja da lasanha, da maionese, do molho de tomate... Se eu
4. lavar, estou gastando água e detergente - aumentando a poluição química das
águas e se coloco no lixo orgânico está errado, levará anos para se
decompor.
Ligo a TV e dizem : vá de carona, de bicicleta, ou a pé, mas a nova
propaganda da moto popular anuncia: chega de andar ônibus! Compre a nova
super moto e conquiste sua independência. Troque seu carro usado (do ano
passado) por um novo! A nossa qualidade de vida é medida pelo grau de
consumo. Estamos reféns da obsolescência perceptiva em meio a crise de
valores da nossa civilização. Desligo a TV e fico pegando no pé dos meus
filhos para que coloquem o lixo na lixeira certa e , fico vigiando a hora do
lixeiro passar para colocar o lixo orgânico na rua e evitar que os cachorros
rasguem o saco de lixo. Mas na próxima esquina, em frente ao Posto de Saúde
e à Escola temos que desviar do lixo todo misturado que abarrota a calçada.
As pessoas que moram nos becos ( onde não passa o caminhão de lixo) têm
que depositar seu lixo nesta esquina. Ainda não houve um político com boa
vontade para resolver este problema, apesar das inúmeras reclamações e
parece que a gente vai se acostumando. As crianças que frequentam esta
Escola, tem que passar por isso todos os dias... E Talvez em sala de aula
estejam colorindo alguma cartilha que dá dicas sobre como ajudar o Planeta
Terra.
Quando a autora do texto proposto para esta reflexão, fala em
“desnaturalizar os modos de ver que tínhamos como óbvios”, acrescento que é
importante uma percepção crítica dos espaços que partilhamos no dia a dia.
Pensar e agir sobre a questão do lixo nas ruas do bairro onde moro é tão
importante quanto o despejo de lixo radioativo nos mares da Somália. A
omissão aqui tem conexão direta com a permissividade dos países que
usam a África como lixeira. Foi tão intensa a campanha pelo mico- leão-dourado,
que saturou olhos, bocas e ouvidos de alguns cariocas. Quem sabe
5. por que não conseguiam entender a relação entre a extinção de espécies da
nossa fauna e o descaso com a vida humana, com crianças morrendo na fila
do hospital ou a violência no trânsito, ou ainda, as enchentes no centros
urbanos em todos os verões ?
O discurso do salve uma árvore, o mico-leão-dourado ou o “urso-panda”
na China não é capaz sozinho de sensibilizar as pessoas, e provocar
um despertar de consciência. Existe uma questão muito mais profunda, a falta
de ética na relação com a vida, a crise de valores que assola a humanidade
permeando tudo que somos, tudo que vivemos e tudo que morremos. As
lentes que usamos para enxergar o mundo estão embaçadas pelo consumismo
e a perda do sentido da vida é como uma nódoa de equívocos quanto ao que
é essencial a vida. Mas infelizmente o conhecimento sobre a questão ambiental
não traz mudanças sem vontade política e o envolvimento direto da sociedade.
É uma questão global que afeta a todos, mas quem tem o poder político e
econômico permanece apegado a visão de mundo de que a natureza existe
para ser dominada, usada e descartada quando não for mais lucrativa. O
imperialismo entre as nações permanece ameaçando e empobrecendo bilhões
de seres humanos, disfarçado de liberdade de mercado e globalização das
economias.
O sujeito ecológico não é um ator que representa um papel na
natureza , como um agente externo que usa o espaço e vai embora no fim do
espetáculo. O sujeito ecológico compreende que ele é parte constituinte da
natureza, respirando, nutrindo-se , adoecendo, perecendo, sobrevivendo como
quaisquer espécies animal ou vegetal, incorporando em sua massa corporal os
minerais que também constituem o Planeta Terra.
Quando incluímos o ser humano na fauna, este perde o status de criatura
predestinada a dominar a natureza, poderá se aproximar de uma nova
6. racionalidade ética de respeito à vida de tudo e todos que habitam o planeta
Terra.
*Aluna do curso de Museologia. Departamento de Ciências da Informação – UFRGS. Trabalho
proposto na disciplina Comunicação e Educação Ambiental. Porto Alegre, agosto de 2011. Email:
carlamenegaz@gmail.com
7. racionalidade ética de respeito à vida de tudo e todos que habitam o planeta
Terra.
*Aluna do curso de Museologia. Departamento de Ciências da Informação – UFRGS. Trabalho
proposto na disciplina Comunicação e Educação Ambiental. Porto Alegre, agosto de 2011. Email:
carlamenegaz@gmail.com