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Elísio Estanque.
“Esta capacidade
de engolir
austeridade pode
atingirum limite”
A classe média transformou-se nos “novos
pobres”. São os mais castigados pela austeridade
e o maior potencial do país, defende o sociólogo
NELSON PEREIRA                                 na UE. A partir daí começaram a chegar
nelson.pereira@ionline.pt                      fundos estruturais e apoios vindos da Euro-
                                               pa que permitiram dar continuidade a
A classe média portuguesa está grave-          um discurso socialista, orientado para
mente, quem o diz é Elísio Estanque. Aler-     valores da social-democracia.
ta para um processo de implosão que está       Os fundos da UE não trouxeram a moder-
em curso sem que os políticos pareçam          nização?
disso estar conscientes. Num ensaio recen-     Tiveram um impacto muito maior em ter-
temente publicado, “A Classe Média: Ascen-     mos das infra-estruturas e da mentalida-
são e Declínio”, o sociólogo, investigador     de de consumo do que no plano econó-
do Centro de Estudos Sociais da Faculda-       mico propriamente dito. E na moderni-
de de Economia da Universidade de Coim-        zação do nosso tecido produtivo. Até finais
bra, traça o retrato dos “novos pobres”,       da década de 90, o modelo de competiti-
uma realidade que, sublinha, pode ser          vidade na economia continuou a basear-
hoje vivida sem sairmos de casa, pois “esta    -se nos baixos salários até ao momento
classe média que está a carregar nos           em que, com a abertura generalizada das
ombros o peso das medidas de austerida-        fronteiras do comércio mundial e a che-
de somos todos nós”.                           gada de produtos dos países asiáticos a
                                               preços extremamente baixos, encerra-
A classe média portuguesa está a sen-          ram muitas das nossas empresas dos sec-
tir na pele os efeitos das medidas de          tores do calçado, indústria têxtil, etc. O
austeridade e começa a viver dramas.           desemprego começou a crescer. Só que          Foi criada a base para uma ilusão de          res e os profissionais da saúde, entre outros.
Como é que chegámos aqui?                      entretanto o Estado social começou a de-      crescimento?                                  Claro que o consumo também contribuiu
Em grande parte, estes problemas pren-         senvolver-se e a usar os recursos vindos      Os sectores que tinham um emprego mais        para a dinâmica da economia, mas o pro-
dem-se com a crise internacional, que          dessa mesma Europa para consolidar polí-      estável, com um salário aceitável e pers-     blema é que o nosso tecido produtivo e o
começou a ser sentida desde há dois anos       ticas sociais no campo das pensões, dos       pectivas de crescimento e que podiam          crescimento da economia não tiveram
para cá. Mas há aspectos estruturais rela-     subsídios, dos apoios, etc.                   endividar-se, deixaram-se arrastar. E essas   continuidade e começaram a retrair ain-
cionados com a nossa sociedade e com a         E é aí que temos o nascimento dessa           pessoas não só compraram mais casas           da antes do início da crise.
nossa economia e que têm a ver com a           classe média que está hoje a sofrer o         como adquiriram carros, electrodomés-         Mas como é que os filhos de uma gera-
nossa trajectória histórica e cultural. Por-   impacto da crise?                             ticos, férias a crédito, etc... Um processo   ção que passou pelo 25 de Abril acredi-
tugal chegou tarde à modernização, che-        O crescimento do Estado social e da eco-      de endividamento incentivado pela estra-      taram nessa ilusão da facilidade?
gou tarde ao Estado-providência. A nos-        nomia fez nascer uma classe média assa-       tégia do sector financeiro e da banca, que    Uma boa parte eram pessoas que se tinham
sa cultura democrática é igualmente recen-     lariada, com alguns recursos e com salá-      ofereceram acesso a determinado tipo de       deslocado do interior para o litoral e para
te, permanecemos uma economia                  rios acima do ordenado mínimo, muito          bens com facilidades de crédito extrema-      as duas grandes urbes. A instalação nas
relativamente fraca, com dificuldades          dependente do crescimento do emprego          mente aliciantes. Esse apelo ao consumis-     cidades criou um sentimento de facilida-
perante economias mais sólidas e evoluí-       público em sectores como a educação, a        mo teve um efeito poderoso sobre aque-        de e a ilusão de que a classe média por-
das. Passada a euforia da transição para       saúde, a administração pública e a admi-      les que tinham maior facilidade de crédi-     tuguesa era de facto pujante e vendia saú-
a democracia, seguiu-se a miragem de           nistração local. Todo este cenário contri-    to e emprego estável. Como os trabalhadores   de. Até porque parte desse estatuto e des-
uma adesão à UE que nos colocaria auto-        buiu para alimentar expectativas de con-      do sector público, incluindo os professo-     se poder de aquisição resultava de situações
maticamente ao nível dos países desen-         sumo. A dada altura, os grandes investi-                                                    artificiais de empréstimo.
volvidos da Europa.                            mentos e os grandes negócios passaram                                                       Confrontada com uma crise abrupta e
Quer dizer que, na sua opinião, a ade-         a ser muito mais feitos à custa das finan-                                                  falência em série, essa camada social
são à UE criou a ilusão de um progres-         ças púbicas e recurso ao endividamento                                                      reage pior que as restantes?
so e enriquecimento progressivos?              do que propriamente pelo aumento da                                                         É entre esses novos pobres que temos a
Criou no nosso horizonte subjectivo a          produção de bens. O crescimento dos ser-                                                    chamada pobreza envergonhada, com
ideia de que facilmente nos aproximaría-       viços caminhou a par com alguma retrac-                                                     efeitos psicológicos terríveis. A diferença,
mos dos padrões de vida dos países mais        ção do sector industrial tradicional, que
                                                                                              Os dinheiros da Europa                       em termos de análise sociológica, entre
avançados da Europa. Iniciámos a cons-         não soube incorporar nem as novas qua-        tiveram mais impacto na                       a classe média e sectores que sempre con-
trução de um Estado social, que hoje           lificações nem as novas tecnologias e não     mentalidade de consumo                        viveram numa zona de pobreza, preca-
emprega muita gente, que possibilitou          conseguiu reinventar a sua capacidade                                                       riedade e exclusão, é que essas camadas
investimentos muito volumosos e signi-         competitiva com base em recursos avan-
                                                                                             do que na modernização                        mais excluídas e mais pobres não alimen-
ficativos em várias áreas, até à entrada       çados.                                              do tecido produtivo                     taram os sonhos que a classe média criou.

22      —9 Abril 2012

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03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
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(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
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Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
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Uma critica construtiva ao sindicalismo
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Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
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Entrevista jornal i e estanque_parte1

  • 1. C Zoom // Entrevista Elísio Estanque. “Esta capacidade de engolir austeridade pode atingirum limite” A classe média transformou-se nos “novos pobres”. São os mais castigados pela austeridade e o maior potencial do país, defende o sociólogo NELSON PEREIRA na UE. A partir daí começaram a chegar nelson.pereira@ionline.pt fundos estruturais e apoios vindos da Euro- pa que permitiram dar continuidade a A classe média portuguesa está grave- um discurso socialista, orientado para mente, quem o diz é Elísio Estanque. Aler- valores da social-democracia. ta para um processo de implosão que está Os fundos da UE não trouxeram a moder- em curso sem que os políticos pareçam nização? disso estar conscientes. Num ensaio recen- Tiveram um impacto muito maior em ter- temente publicado, “A Classe Média: Ascen- mos das infra-estruturas e da mentalida- são e Declínio”, o sociólogo, investigador de de consumo do que no plano econó- do Centro de Estudos Sociais da Faculda- mico propriamente dito. E na moderni- de de Economia da Universidade de Coim- zação do nosso tecido produtivo. Até finais bra, traça o retrato dos “novos pobres”, da década de 90, o modelo de competiti- uma realidade que, sublinha, pode ser vidade na economia continuou a basear- hoje vivida sem sairmos de casa, pois “esta -se nos baixos salários até ao momento classe média que está a carregar nos em que, com a abertura generalizada das ombros o peso das medidas de austerida- fronteiras do comércio mundial e a che- de somos todos nós”. gada de produtos dos países asiáticos a preços extremamente baixos, encerra- A classe média portuguesa está a sen- ram muitas das nossas empresas dos sec- tir na pele os efeitos das medidas de tores do calçado, indústria têxtil, etc. O austeridade e começa a viver dramas. desemprego começou a crescer. Só que Foi criada a base para uma ilusão de res e os profissionais da saúde, entre outros. Como é que chegámos aqui? entretanto o Estado social começou a de- crescimento? Claro que o consumo também contribuiu Em grande parte, estes problemas pren- senvolver-se e a usar os recursos vindos Os sectores que tinham um emprego mais para a dinâmica da economia, mas o pro- dem-se com a crise internacional, que dessa mesma Europa para consolidar polí- estável, com um salário aceitável e pers- blema é que o nosso tecido produtivo e o começou a ser sentida desde há dois anos ticas sociais no campo das pensões, dos pectivas de crescimento e que podiam crescimento da economia não tiveram para cá. Mas há aspectos estruturais rela- subsídios, dos apoios, etc. endividar-se, deixaram-se arrastar. E essas continuidade e começaram a retrair ain- cionados com a nossa sociedade e com a E é aí que temos o nascimento dessa pessoas não só compraram mais casas da antes do início da crise. nossa economia e que têm a ver com a classe média que está hoje a sofrer o como adquiriram carros, electrodomés- Mas como é que os filhos de uma gera- nossa trajectória histórica e cultural. Por- impacto da crise? ticos, férias a crédito, etc... Um processo ção que passou pelo 25 de Abril acredi- tugal chegou tarde à modernização, che- O crescimento do Estado social e da eco- de endividamento incentivado pela estra- taram nessa ilusão da facilidade? gou tarde ao Estado-providência. A nos- nomia fez nascer uma classe média assa- tégia do sector financeiro e da banca, que Uma boa parte eram pessoas que se tinham sa cultura democrática é igualmente recen- lariada, com alguns recursos e com salá- ofereceram acesso a determinado tipo de deslocado do interior para o litoral e para te, permanecemos uma economia rios acima do ordenado mínimo, muito bens com facilidades de crédito extrema- as duas grandes urbes. A instalação nas relativamente fraca, com dificuldades dependente do crescimento do emprego mente aliciantes. Esse apelo ao consumis- cidades criou um sentimento de facilida- perante economias mais sólidas e evoluí- público em sectores como a educação, a mo teve um efeito poderoso sobre aque- de e a ilusão de que a classe média por- das. Passada a euforia da transição para saúde, a administração pública e a admi- les que tinham maior facilidade de crédi- tuguesa era de facto pujante e vendia saú- a democracia, seguiu-se a miragem de nistração local. Todo este cenário contri- to e emprego estável. Como os trabalhadores de. Até porque parte desse estatuto e des- uma adesão à UE que nos colocaria auto- buiu para alimentar expectativas de con- do sector público, incluindo os professo- se poder de aquisição resultava de situações maticamente ao nível dos países desen- sumo. A dada altura, os grandes investi- artificiais de empréstimo. volvidos da Europa. mentos e os grandes negócios passaram Confrontada com uma crise abrupta e Quer dizer que, na sua opinião, a ade- a ser muito mais feitos à custa das finan- falência em série, essa camada social são à UE criou a ilusão de um progres- ças púbicas e recurso ao endividamento reage pior que as restantes? so e enriquecimento progressivos? do que propriamente pelo aumento da É entre esses novos pobres que temos a Criou no nosso horizonte subjectivo a produção de bens. O crescimento dos ser- chamada pobreza envergonhada, com ideia de que facilmente nos aproximaría- viços caminhou a par com alguma retrac- efeitos psicológicos terríveis. A diferença, mos dos padrões de vida dos países mais ção do sector industrial tradicional, que Os dinheiros da Europa em termos de análise sociológica, entre avançados da Europa. Iniciámos a cons- não soube incorporar nem as novas qua- tiveram mais impacto na a classe média e sectores que sempre con- trução de um Estado social, que hoje lificações nem as novas tecnologias e não mentalidade de consumo viveram numa zona de pobreza, preca- emprega muita gente, que possibilitou conseguiu reinventar a sua capacidade riedade e exclusão, é que essas camadas investimentos muito volumosos e signi- competitiva com base em recursos avan- do que na modernização mais excluídas e mais pobres não alimen- ficativos em várias áreas, até à entrada çados. do tecido produtivo taram os sonhos que a classe média criou. 22 —9 Abril 2012