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1
A revisão de textos na escola:
situações didáticas e estratégias elaboradas pelos alunos
Mirta Castedo1 (com a colaboração de María Claudia Molinari)
(Este trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Incentivos a la Investigación,
Projeto “Revisión e Intercambio”. Diretora: J. A. Castorina. Consultora: Ana María Kaufman).
Resumo
O objetivo deste trabalho é destacar a importância da revisão de textos no ensino
da produção escrita como aprendizagem em si mesma de um conteúdo que faz parte da
tarefa do escritor, e também como meio de aquisição de conhecimentos sobre a escrita e
a linguagem escrita. Aqui aparecem dois tipos de questões que estão relacionadas: as
condições do contexto de ensino que incidem na aquisição e no desenvolvimento de
estratégias de revisão de textos pelos alunos e os processos de construção dessas
estratégias. Esses dois problemas são abordados a partir da suposição de que é
necessário vincular o problema sobre “o que” e “como” as crianças fazem quando é para
revisar os textos que produzem na escola com a questão sobre “que” oportunidades a
escola oferece a elas e “como” as oferece quando é para revisar textos com maior ou
menor grau de sucesso.
I- Introdução
O objetivo deste trabalho é destacar a importância da revisão de textos no ensino
da produção escrita a partir de duas perspectivas.
Por um lado, como aprendizagem em si de um conteúdo que faz parte da tarefa do
escritor, isto é, saber revisar uma produção escrita é parte do saber escrever (saber em
que momento duvidar, onde modificar e como fazê-lo).
Dizer que a revisão faz parte da tarefa do escritor é algo evidente tanto para os
escritores sistemáticos como para os escritores profissionais. É parte da tarefa daquele
que se propõe a produzir um texto. Augusto Roa Bastos diz o seguinte sobre isso: “As
rasuras, as manchas, a caprichosa geometria de linhas, de riscos, de espirais
entrecruzadas, de notas e anotações na margem, que agora desapareceram no volume
impresso, estiveram integradas à escrita. Continuam fazendo parte dela, só que em outro
espaço que foi abolido, o do manuscrito; transformaram-se aí em uma escrita secreta, em
elementos dessa pré-história do manuscrito que ninguém (ou bem poucos) poderá ler,
interpretar ou decifrar”.
Por outro lado, a revisão permite que, ao mesmo tempo e sob determinadas
condições, os conhecimentos sobre a escrita e a linguagem escrita sejam adquiridos
porque torna inevitável que aquele que escreve tematize conteúdos que não seriam
conceituados a partir de outras posições enunciativas.
1 Professora titular de Didáctica Primaria y Observación do Departamento de Ciencias de la Educación de la
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de la Plata.
2
Na atividade de revisar, tematizar sobre certos conteúdos passa a ter um sentido
para aqueles que escrevem.
As crianças estavam escrevendo uma revista que continha as histórias de algumas
famílias do grupo. Realizaram entrevistas com mães e pais e utilizaram a informação
gravada para transformá-la em um texto narrativo-informativo. Assim, o grupo ditou o
texto “A” para um colega que teve a função de redator. Depois de vários dias elas
revisaram o texto e o transformaram no texto “B”.
São essas estratégias que todas as crianças desenvolvem diante da tarefa de
escrever ou existe alguma relação entre elas e as características da tarefa escolar? Para
falar sobre a revisão de textos em contextos escolares é preciso referir-se, basicamente, a
dois tipos de questões que estão muito ligadas:
 As condições do contexto de ensino que incidem na aquisição e no
desenvolvimento de estratégias de revisão de textos pelos alunos.
 A condição da análise sobre os processos de construções dessas estratégias.
Especificamente, é necessário vincular o problema sobre “o que” e “como” as
crianças fazem quando é para revisar os textos que produzem na escola com a questão
sobre “que” oportunidades a escola oferece a elas e “como” as oferece quando é para
revisar textos com maior ou menor grau de sucesso. Diante disso, já que a revisão faz
parte da produção de textos, será inevitável explicitar certas condições consideradas
necessárias para o ensino desta última na escola.
Partimos do entendimento de que o ensino se desenvolve num contexto que inclui
uma sociedade e uma cultura que atribui fins explícitos e implícitos para a instituição
escolar e compreende dimensões que afetam as representações dos sujeitos sobre os
outros, sobre os objetos e a tarefa, sobre as regras de comunicação do conhecimento
escolar e sobre a transposição de um saber considerado válido numa cultura.
É esse o âmbito do qual a situação didática faz parte, isto é, parafraseando
Brousseau (1990), no conjunto de relações desenvolvidas nas salas de aula com o
objetivo de comunicar conhecimento para as crianças mediante intercâmbio sistemático e
intencional com um docente, com outras crianças e/ou outros objetos sociais. A situação
vincula, num período limitado de tempo, os docentes, as crianças e os conhecimentos, de
modo que estes sejam “necessários para sua realização ou para sua manutenção”, com o
objetivo de conseguir uma maior aproximação de todos os sujeitos ao saber a ser
ensinado.
É na situação didática que as condições nas quais os sujeitos estão implicados
para a produção de um texto são definidas. Essas situações é que contêm as
possibilidades que a escola oferece às crianças para que desenvolvam suas estratégias
de revisão da escrita. Quando essas condições mudam, mudam também as
possibilidades de apropriação das crianças que, neste caso, é a apropriação de
estratégias de revisão e dos conteúdos que a revisão permite tematizar. Disso tudo é que
podemos entender que é uma preocupação didática definir como as condições habituais
de ensino permitem essa apropriação, em maior ou menor grau, e também de que
maneira a modificação dessas condições escolares possibilita melhores aprendizagens. É
a isso que nos referimos quando falamos sobre vincular “o que” e “como” os alunos
podem fazer com aquilo que as situações didáticas permitem que eles consigam.
3
I- Estratégias de revisão de textos pelas crianças
As pesquisas psicolingüísticas dos processos redacionais entendem por revisão de
textos as operações realizadas sobre um texto escrito ou pensado para ser escrito e ainda
não definitivo (rascunho). Inclui tanto os comentários ou intercâmbios orais que os autores
e os não-autores fazem de um rascunho como as alterações visíveis que o/os autores e
os não-autores realizam nele. Ela é entendida como um subprocesso dos processos
redacionais. Devido a sua recursividade pode estar presente tanto durante o
planejamento como durante a textualização, de maneira total ou parcial ou, ainda, em
sucessivas “voltas” à textualização.
Quando se revisa um texto é provável que o autor reescreva sua produção. Por
reescrita entendemos as sucessivas escritas (totais ou parciais) que as crianças (autores)
realizam sobre a primeira textualização escrita. As modificações podem acrescentar
elementos ao texto, suprimi-los, deslocá-los ou substitui-los de várias maneiras e em
níveis variados.
Para esta exposição, entendemos revisão e reescrita como algo diferente de
correção. Correção de rascunhos são as anotações verbais ou escritas que um leitor não-
autor realiza sobre o texto de um autor. Normalmente, no contexto escolar habitual, as
correções são realizadas pelo docente. Ele geralmente faz anotações por escrito na
produção de seus alunos, mas também emite considerações verbais.
Para aquele que escreve tanto dentro como fora da sala de aula, seja criança ou
adulto, revisar é um problema a ser resolvido. Como diante de qualquer problema as
crianças desenvolvem estratégias de resolução. Isto é, processos funcionais que, como
sujeitos psicológicos, utilizam para resolver uma determinada tarefa. Conceituar a revisão
como estratégia significa compreender que ela não pode estar separada de um certo nível
estrutural. Conforme descreve Blanchet (1992), a construção de estratégias não segue
uma ordem linear, crescente e contínua; o sujeito testa soluções antigas (incluindo
aquelas que não lhe serviram em outros casos), reflete, experimenta sem objetivos
aparentes, tenta encadear ações que lhe parecem pertinentes, algumas ele repete várias
vezes, realiza pequenas variações sobre uma mesma ação, etc. O processo de
construção de estratégias parece estar muito distante da tentativa e erro, em que os erros
são descartados e os acertos conservados por simples acumulação. Mesmo quando a
criança chega a construir alguma representação sobre a forma de como resolver um
problema, ela precisará reconstrui-lo em áreas e níveis variados para conseguir abstrai-la
e reutilizá-la em inúmeras situações.
A descrição de estratégia que o mencionado autor faz sobre tarefas que são bem
diferentes da revisão de textos parece muito próxima ao que podemos observar quando
as crianças revisam seus textos. O exemplo abaixo pode exemplificar tal afirmação.
Essa é uma situação em que um grupo de três alunos de segunda série de uma
escola de classe média revisa uma instrução de jogos que produziram na semana
anterior. Esse pequeno fragmento de aula foi observado e gravado em áudio, fato que
permitiu uma análise meticulosa da estratégia utilizada.
O que esse fragmento de observação mostra é a recursividade da revisão e como
as modificações locais afetam, progressivamente, níveis cada vez mais amplos do texto.
Em ordem cronológica, as modificações foram as seguintes:
4
1. Substituição de “se necesitamos” por “se necesita”2.
2. Acréscimo de uma vírgula (,) entre “fichas” e “também”.
3. Eliminação da palavra “também” que, neste caso, foi pela generalização de um
problema resolvido numa revisão anterior.
4. Releitura desde o início e substituição da palavra “necesitamos” por uma vírgula
(,).
5. Como resultado da releitura anterior, substituição de “para comenzar el juego”
por “para poder jugar”.
6. Como resultado da releitura sugerida pela professora, eliminação do segundo
“para poder jugar”.
7. Substituição de “tiró” (jogou) por “tira” (joga).
8. Substituição da coordenativa “y” pela condicional “si”.
9. Substituição de “el juego” por “ a jugar”.
10. Transformação global da segunda frase por deslocamentos ou substituições.
11. Acréscimo do “le”.
12. Substituição da determinação de “una corona”.
13. Dúvidas sobre a forma verbal adequada e solução baseada num critério de
generalização.
14. Igual ao item 9.
15. Discussão sobre a relevância de separar ou não em parágrafos, a decisão
verbalizada não coincide com a que foi realizada.
Em todo esse processo podemos observar claramente como a revisão está muito
longe de ser um simples procedimento linear. Ao contrário, ela envolve estratégias muito
complexas que “vão e vêm” por diferentes níveis do texto, às vezes solucionam e outra
vezes o “deixam pior”...
É particularmente interessante, por exemplo, a modificação realizada no item 13,
em que aparece uma contradição entre dois saberes em jogo: por um lado, a proposta de
trocar “podemos” por “se puede” dá uma maior coesão para a forma de enunciação; por
outro lado, as crianças procuram não repetir certas palavras (nesse caso, “se”) porque
sabem que não é desejável num texto bem escrito. Embora esse último saber levem-nas
a realizar modificações adequadas (por exemplo nos itens 3, 4 e 6), nesse último caso
(13) a generalização da idéia faz com que percam o outro problema de vista, o da forma
de enunciação. Isto é, diante da contradição entre dois saberes e da impossibilidade
conceitual de coordená-los nesse momento do processo, um deles é generalizado para
resolver o conflito.
2 As modificações foram mantidas em espanhol por serem questões de gramática. Na tradução algumas
delas perderiam o sentido. N. de T.
5
II- A revisão nas situações didáticas habituais
Nas condições habituais de ensino poderiam ser descritos dois tipos de situações.
A situação mais freqüente poderia ser denominada de “correção sem revisão”, em
que o trabalho escrito da criança é imediatamente corrigido pelo professor, logo após sua
primeira versão. É claro que essa prática escolar está muito distante da prática cultural de
revisão: fora da escola, a versão final de um texto é o resultado de modificações graduais
em que se escreve de forma sucessiva e se consulta leitores intermediários.
É interessante destacar que esse tipo de prática, tão freqüente em nosso meio
escolar, não difere daquelas práticas descritas na bibliografia de outros países da América
Latina, da Espanha, da Itália, da Inglaterra, do Canadá ou dos Estados Unidos. Tal grau
de generalidade descarta a possibilidade de que as razões dessas práticas se devem a
características individuais ou a limitações dos docentes. Ao contrário, faz pensar em
enraizadas concepções didáticas e pedagógicas que estão obviamente relacionadas com
as formas de organização das instituições escolares e também ligadas às concepções
sobre o processo de escrever e às possibilidades de aprendizagem das crianças.
O segundo tipo de situação, bem menos freqüente que as anteriores, poderia ser
denominada de “revisão dirigida a partir da correção”. Alguns estudos etnográficos
desenvolvidos nos Estados Unidos permitem identificar esse tipo de situação com a
revisão textual (Cazden em Wittrok, 1989, tomo 3 e Cazden, 1991; Michaels, 1987).
Nesse texto aparecem situações de ensino em que as crianças produzem escritas,
seguidas de uma sucessão de “conversas individuais” (entrevistas da criança com o
docente) em que o adulto vai indicando de maneira explícita as modificações que devem
ser realizadas no texto; depois de cada “conversa” a criança “passa a limpo” sua escrita
até que o docente decida que a tarefa foi concluída, e somente a partir daí é que permite
a edição. A interpretação de Sarah Michaels é que apesar de a metodologia empregada
pelos docentes ser denominada de “aproximação processual” (“process approach”), a
prática real possui uma orientação implícita para a conquista de um produto, ela orienta o
estudante para que obtenha correções e mudanças que correspondam às expectativas do
professor sobre o que deve ser uma boa composição escrita. A autora afirma que os
docentes desenvolvem essas práticas influenciados pelas competências esperadas nas
provas oficiais, pelas “rotinas fixas” prescritas nos programas curriculares e pelas
expectativas da criança sobre o fato de que o docente “conhece as boas respostas”.
Metaforicamente, refere-se à situação como uma “apropriação da voz do estudante pelo
professor”, e demonstra pela análise minuciosa de vários casos que as crianças
desconhecem as razões pelas quais o professor faz mudanças, embora aceitem a
correção porque ela vem de alguém cujo saber está legitimado. Esse tipo de prática
também pode ser vista em nosso meio.
Embora do ponto de vista do ensino a segunda situação seja sem dúvida mais
benéfica, porque pelo menos permite que as crianças presenciem uma modalidade de
escrita em que a revisão está presente, devemos dizer que as duas situações apresentam
limitações. A primeira, porque não inclui diretamente a revisão como parte do processo; a
segunda, porque supõe que a criança aprenderá acumulando esses “pedaços” de
informação que o docente lhe propõe como “corretos”, desconhecendo que essa
informação ganha novo significado a partir da interação com as idéias que as crianças já
construíram (elas aprendem quando podem dar um sentido àquilo que o meio lhe
transmite, assim podem modificar suas concepções anteriores).
6
Que estratégias de revisão as crianças podem desenvolver quando participam
desse tipo de situações didáticas? A observação direta e cotidiana, embora assistemática,
permite-nos conjeturar que o tipo de estratégias que elas desenvolvem nessas condições
é o da “maquiagem”, isto é, um tipo de revisão que somente envolve os aspectos formais
da escrita ou, num nível mais avançado, a ortografia e o sistema de escrita.
Tivemos oportunidade de questionar esse dado de observação mais
sistematicamente: realizamos entrevistas com 16 crianças de 4 primeiras séries de duas
escolas, uma urbana e outra de uma região carente. Apresentamos a elas uma situação
de opinar sobre a escrita de outra criança da mesma idade que a sua e sobre o texto de
um adulto. Elas também deveriam produzir e revisar (um tempo depois) um texto de sua
autoria.
As respostas mais freqüentes das crianças ficaram divididas entre a negação em
revisar e a revisão centrada nos aspectos mais formais da escrita.
Entre as crianças que se negavam a revisar apareceram declarações como “não
deve mudar nada porque as letras estão certas”, “que deixe como está porque fez bem
direitinho e bem separado” ou “não quero mudar nada porque o que está escrito é como a
lei”. Quando aceitaram a possibilidade de mudanças, as crianças justificaram com
expressões como “fazer as letras mais direitas”, “escrever direito”, “escrever mais
separado”, ou em outros casos, modificações sobre o sistema de notação ou a ortografia.
Nós acreditamos que é lícito pensar que essas possibilidades não são universais,
mas estão intimamente ligadas às condições de produção da tarefa escolar tanto do ponto
de vista das interações com os outros e com os textos como dos contratos implícitos (não
só escolares mas também culturais em geral) que levam a pensar, como afirmou uma das
crianças, que “o que está escrito é como a lei”...
III- A revisão em situações didáticas alternativas
As razões que explicam os tipos de práticas antes descritas vão além da revisão e
fazem parte das condições em que se ensina a escrever na escola. Isto é, são
necessárias certas condições de organização das situações de escrita para que seja
possível ensinar a revisar com o menor grau de transformação desse saber. Para este
trabalho, serão denominadas de “situações alternativas” aquelas que se caracterizam
pelas seguintes condições.
Existem certas condições gerais da produção escrita que adquirem significado
particular quando a questão é revisar.
Essas condições gerais das situações de escrita precisariam considerar:
 Escrever textos completos, porque a revisão só atua entre níveis textuais e não
há níveis se o texto não estiver completo. Um texto possui uma
intencionalidade, uma trama, uma superestrutura, determinados recursos de
coesão, determinadas opções lexicais, um sistema de pontuação, um sistema
de representação (incluindo sua ortografia), etc. Quando revisamos, é comum
que estes elementos estejam vinculados: mudamos uma opção lexical por
outra em função da intencionalidade, decidimos unir ou separar um parágrafo
7
em função da superestrutura, optamos por uma determinada combinação de
tempos verbais para conseguirmos uma trama narrativa mais clara, etc.
 Escrever textos com destinatários reais em circunstâncias específicas de
comunicação, porque revisamos em função do efeito imaginado da escrita
sobre o leitor, em função de algumas intenções do escritor e, sem essa
definição, não há parâmetro em função do qual revisar.
 Escrever em situações para as quais as crianças não possuem todos os
conhecimentos nem todas as estratégias necessárias para que possam
resolvê-las inteiramente. A situação precisa gerar a coordenação ou o novo
significado para os conhecimentos anteriores, e também a construção de
novos conhecimentos e o desenvolvimento de estratégias. Quando nós
escrevemos aplicando conceitos elaborados por outros essa condição não se
cumpre (por exemplo, em todos os casos em que damos a definição de um
conceito e pedimos que ele seja sublinhado em um texto). Quando o sujeito
não pode resolver totalmente a situação de escrita tem possibilidades de
cometer erros e de produzir inadequações, que são parte do material a ser
revisado. Se a situação não dá espaço para o erro ou para a inadequação,
para a inconsistência ou para a ambigüidade, também não dá para a revisão.
(Problema crucial, já mais uma vez que leva a uma antiga discussão
pedagógica!)
 Escrever uma variedade de textos de circunstâncias, porque não é a mesma
coisa revisar a escrita de um diário íntimo e a de uma monografia, não é a
mesma coisa revisar uma nota de divulgação científica para ser publicada e
algumas notas em um caderno de rascunho durante uma entrevista que
também foi gravada.
 Escrever textos por aproximações sucessivas à versão final da mesma
maneira que se faz fora da escola. É a volta ao texto, aos mesmos problemas
que não foram resolvidos em uma versão. Isso permite dar-lhes um significado
já conhecido ou dar-lhes novos significados. Quando o problema se fecha com
uma correção apressada é o aluno que perde a possibilidade de dar significado
ao problema. A imagem de Brousseau do professor-ator como aquele que
sabe qual é o problema e sabe como resolvê-lo, mas que age como se não
soubesse para permitir que o aluno construa a resposta, pode ser uma imagem
adequada para um professor que ajuda seus alunos a revisar.
Mas, além disso, existem condições específicas para permitir uma tarefa de revisão
de textos com sentido para as crianças.
O revisar supõe criar uma condição didática específica que permita àquele que
escreve se distanciar de sua produção. Tal necessidade se refere ao fato de que aquele
que escreve, especialmente quando é uma criança, não diferencia espontaneamente suas
intenções ao escrever da produção efetiva; confunde o que quis escrever com o que
realmente escreveu. Diante desse obstáculo, na situação didática de revisão podemos:
 Postergar a revisão, isto é, deixá-la “descansar” e voltar no tempo, quando o
autor já esqueceu algo que quis colocar e se encontra sozinho com o que
realmente colocou.
8
 Considerar a opinião de leitores críticos, mas com a condição de que
estabeleça um intercâmbio horizontal e não relacional, de que seja o autor
quem decide se realiza ou não as modificações sugeridas. Isso não significa
que não se deva “acatar” a opinião de um leitor porque o imaginamos com
suficiente autoridade para realizar as modificações do texto, mas porque
devemos discutir com ele de igual para igual. São várias as situações de
críticas e de correções entre pares que podem ser desenvolvidas, sempre que
seja possível acontecer um intercâmbio enriquecedor e não se transformem
em críticas unilaterais dos mais adiantados para os menos adiantados.
Um parceiro, o leitor crítico, não deveria ser um corretor de seu colega; quando
opina sobre uma produção em processo de elaboração ele é alguém que ajuda o outro a
escrever, mas não escreve por ele. É o autor (criança) quem decide o que modificar e o
que não modificar. Esse é um problema delicado da dinâmica da classe que afeta as
relações de poder que não são alheias aos alunos, por mais jovens que eles sejam. Há
intervenções do docente que favorecem ou não determinados tipos de dinâmica. Por
exemplo: a validação imediata das respostas corretas, sem pedido de justificativa, que de
maneira geral sempre vêm dos mesmos alunos favorece que o grupo aceite sempre as
opiniões dessas crianças como válidas sem que reflitam muito sobre a validade de “seu”
texto e de “suas” intenções comunicativas.
A intervenção específica do docente na revisão é crucial desde que ela não se
refira a uma propriedade observável da escrita como produto, mas esta deve se tornar
observável no momento em que se “vê” um adulto escrever ou revisar. Muitas crianças,
inclusive as de meios urbanos, somente terão contato com problemas de revisão quando
ingressarem na escola.
Por isso, uma intervenção muito geral mas muito necessária é mostrar
permanentemente que o adulto escreve textos provisórios e que vai modificando-os
gradualmente. O professor deve mostrar que às vezes duvida e porque duvida, pedir
ajuda e opinião e fazer com que seus alunos apresentem soluções alternativas para um
problema de sua própria escrita.
Quando são as crianças que estão revisando é importante gerar um espaço para
que cada uma delas possa elaborar seu ponto de vista sem a validação apressada de
algumas opiniões que, de fato, desqualificam as opiniões de outros. Muitas vezes o
docente pode intervir trazendo várias soluções para um problema que todos vêem, mas
para o qual ninguém encontra solução. Em outros casos pode “anotar” as diferentes
soluções, divergentes ou não, trazidas pelos diferentes alunos para serem avaliadas entre
todos. Às vezes terá que ajudar a conceituar um problema que passou despercebido.
Finalmente, é o docente que também reservará, para o final, a correção dos erros que
não podem aparecer no texto a ser publicado.
Conclusões
Tanto as condições gerais da produção de textos como as específicas da sua
revisão, que são óbvias para qualquer “escritor” fora da escola, não são muito fáceis de
realizar nas condições institucionais de nossas salas de aula. As tarefas ou exercícios que
devem começar e terminar entre os sinais de entrada e de saída, o controle sobre a
9
produção da criança antes da volta ao lar, a legitimação da escrita que a criança
permanentemente exige do professor, o controle sobre a tarefa do professor mediante a
observação dos cadernos das crianças, etc. são algumas das práticas institucionais do
saber escrever. Mais uma vez, podemos comprovar até que ponto propor uma mudança
de conteúdos a serem ensinados é uma condição necessária mas não suficiente para
transformar o que efetivamente se ensina, por mais significativo que seja do ponto de
vista das ciências e das demandas sociais. Sem dúvida, a estreita relação que parece
existir entre as formas de comunicar o saber sobre o escrever e as possibilidades de
construção desse saber por parte das crianças ajuda a termos forças para transformar
tudo que é necessário transformar, tanto dentro como fora da sala de aula.

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  • 1. 1 A revisão de textos na escola: situações didáticas e estratégias elaboradas pelos alunos Mirta Castedo1 (com a colaboração de María Claudia Molinari) (Este trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Incentivos a la Investigación, Projeto “Revisión e Intercambio”. Diretora: J. A. Castorina. Consultora: Ana María Kaufman). Resumo O objetivo deste trabalho é destacar a importância da revisão de textos no ensino da produção escrita como aprendizagem em si mesma de um conteúdo que faz parte da tarefa do escritor, e também como meio de aquisição de conhecimentos sobre a escrita e a linguagem escrita. Aqui aparecem dois tipos de questões que estão relacionadas: as condições do contexto de ensino que incidem na aquisição e no desenvolvimento de estratégias de revisão de textos pelos alunos e os processos de construção dessas estratégias. Esses dois problemas são abordados a partir da suposição de que é necessário vincular o problema sobre “o que” e “como” as crianças fazem quando é para revisar os textos que produzem na escola com a questão sobre “que” oportunidades a escola oferece a elas e “como” as oferece quando é para revisar textos com maior ou menor grau de sucesso. I- Introdução O objetivo deste trabalho é destacar a importância da revisão de textos no ensino da produção escrita a partir de duas perspectivas. Por um lado, como aprendizagem em si de um conteúdo que faz parte da tarefa do escritor, isto é, saber revisar uma produção escrita é parte do saber escrever (saber em que momento duvidar, onde modificar e como fazê-lo). Dizer que a revisão faz parte da tarefa do escritor é algo evidente tanto para os escritores sistemáticos como para os escritores profissionais. É parte da tarefa daquele que se propõe a produzir um texto. Augusto Roa Bastos diz o seguinte sobre isso: “As rasuras, as manchas, a caprichosa geometria de linhas, de riscos, de espirais entrecruzadas, de notas e anotações na margem, que agora desapareceram no volume impresso, estiveram integradas à escrita. Continuam fazendo parte dela, só que em outro espaço que foi abolido, o do manuscrito; transformaram-se aí em uma escrita secreta, em elementos dessa pré-história do manuscrito que ninguém (ou bem poucos) poderá ler, interpretar ou decifrar”. Por outro lado, a revisão permite que, ao mesmo tempo e sob determinadas condições, os conhecimentos sobre a escrita e a linguagem escrita sejam adquiridos porque torna inevitável que aquele que escreve tematize conteúdos que não seriam conceituados a partir de outras posições enunciativas. 1 Professora titular de Didáctica Primaria y Observación do Departamento de Ciencias de la Educación de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de la Plata.
  • 2. 2 Na atividade de revisar, tematizar sobre certos conteúdos passa a ter um sentido para aqueles que escrevem. As crianças estavam escrevendo uma revista que continha as histórias de algumas famílias do grupo. Realizaram entrevistas com mães e pais e utilizaram a informação gravada para transformá-la em um texto narrativo-informativo. Assim, o grupo ditou o texto “A” para um colega que teve a função de redator. Depois de vários dias elas revisaram o texto e o transformaram no texto “B”. São essas estratégias que todas as crianças desenvolvem diante da tarefa de escrever ou existe alguma relação entre elas e as características da tarefa escolar? Para falar sobre a revisão de textos em contextos escolares é preciso referir-se, basicamente, a dois tipos de questões que estão muito ligadas:  As condições do contexto de ensino que incidem na aquisição e no desenvolvimento de estratégias de revisão de textos pelos alunos.  A condição da análise sobre os processos de construções dessas estratégias. Especificamente, é necessário vincular o problema sobre “o que” e “como” as crianças fazem quando é para revisar os textos que produzem na escola com a questão sobre “que” oportunidades a escola oferece a elas e “como” as oferece quando é para revisar textos com maior ou menor grau de sucesso. Diante disso, já que a revisão faz parte da produção de textos, será inevitável explicitar certas condições consideradas necessárias para o ensino desta última na escola. Partimos do entendimento de que o ensino se desenvolve num contexto que inclui uma sociedade e uma cultura que atribui fins explícitos e implícitos para a instituição escolar e compreende dimensões que afetam as representações dos sujeitos sobre os outros, sobre os objetos e a tarefa, sobre as regras de comunicação do conhecimento escolar e sobre a transposição de um saber considerado válido numa cultura. É esse o âmbito do qual a situação didática faz parte, isto é, parafraseando Brousseau (1990), no conjunto de relações desenvolvidas nas salas de aula com o objetivo de comunicar conhecimento para as crianças mediante intercâmbio sistemático e intencional com um docente, com outras crianças e/ou outros objetos sociais. A situação vincula, num período limitado de tempo, os docentes, as crianças e os conhecimentos, de modo que estes sejam “necessários para sua realização ou para sua manutenção”, com o objetivo de conseguir uma maior aproximação de todos os sujeitos ao saber a ser ensinado. É na situação didática que as condições nas quais os sujeitos estão implicados para a produção de um texto são definidas. Essas situações é que contêm as possibilidades que a escola oferece às crianças para que desenvolvam suas estratégias de revisão da escrita. Quando essas condições mudam, mudam também as possibilidades de apropriação das crianças que, neste caso, é a apropriação de estratégias de revisão e dos conteúdos que a revisão permite tematizar. Disso tudo é que podemos entender que é uma preocupação didática definir como as condições habituais de ensino permitem essa apropriação, em maior ou menor grau, e também de que maneira a modificação dessas condições escolares possibilita melhores aprendizagens. É a isso que nos referimos quando falamos sobre vincular “o que” e “como” os alunos podem fazer com aquilo que as situações didáticas permitem que eles consigam.
  • 3. 3 I- Estratégias de revisão de textos pelas crianças As pesquisas psicolingüísticas dos processos redacionais entendem por revisão de textos as operações realizadas sobre um texto escrito ou pensado para ser escrito e ainda não definitivo (rascunho). Inclui tanto os comentários ou intercâmbios orais que os autores e os não-autores fazem de um rascunho como as alterações visíveis que o/os autores e os não-autores realizam nele. Ela é entendida como um subprocesso dos processos redacionais. Devido a sua recursividade pode estar presente tanto durante o planejamento como durante a textualização, de maneira total ou parcial ou, ainda, em sucessivas “voltas” à textualização. Quando se revisa um texto é provável que o autor reescreva sua produção. Por reescrita entendemos as sucessivas escritas (totais ou parciais) que as crianças (autores) realizam sobre a primeira textualização escrita. As modificações podem acrescentar elementos ao texto, suprimi-los, deslocá-los ou substitui-los de várias maneiras e em níveis variados. Para esta exposição, entendemos revisão e reescrita como algo diferente de correção. Correção de rascunhos são as anotações verbais ou escritas que um leitor não- autor realiza sobre o texto de um autor. Normalmente, no contexto escolar habitual, as correções são realizadas pelo docente. Ele geralmente faz anotações por escrito na produção de seus alunos, mas também emite considerações verbais. Para aquele que escreve tanto dentro como fora da sala de aula, seja criança ou adulto, revisar é um problema a ser resolvido. Como diante de qualquer problema as crianças desenvolvem estratégias de resolução. Isto é, processos funcionais que, como sujeitos psicológicos, utilizam para resolver uma determinada tarefa. Conceituar a revisão como estratégia significa compreender que ela não pode estar separada de um certo nível estrutural. Conforme descreve Blanchet (1992), a construção de estratégias não segue uma ordem linear, crescente e contínua; o sujeito testa soluções antigas (incluindo aquelas que não lhe serviram em outros casos), reflete, experimenta sem objetivos aparentes, tenta encadear ações que lhe parecem pertinentes, algumas ele repete várias vezes, realiza pequenas variações sobre uma mesma ação, etc. O processo de construção de estratégias parece estar muito distante da tentativa e erro, em que os erros são descartados e os acertos conservados por simples acumulação. Mesmo quando a criança chega a construir alguma representação sobre a forma de como resolver um problema, ela precisará reconstrui-lo em áreas e níveis variados para conseguir abstrai-la e reutilizá-la em inúmeras situações. A descrição de estratégia que o mencionado autor faz sobre tarefas que são bem diferentes da revisão de textos parece muito próxima ao que podemos observar quando as crianças revisam seus textos. O exemplo abaixo pode exemplificar tal afirmação. Essa é uma situação em que um grupo de três alunos de segunda série de uma escola de classe média revisa uma instrução de jogos que produziram na semana anterior. Esse pequeno fragmento de aula foi observado e gravado em áudio, fato que permitiu uma análise meticulosa da estratégia utilizada. O que esse fragmento de observação mostra é a recursividade da revisão e como as modificações locais afetam, progressivamente, níveis cada vez mais amplos do texto. Em ordem cronológica, as modificações foram as seguintes:
  • 4. 4 1. Substituição de “se necesitamos” por “se necesita”2. 2. Acréscimo de uma vírgula (,) entre “fichas” e “também”. 3. Eliminação da palavra “também” que, neste caso, foi pela generalização de um problema resolvido numa revisão anterior. 4. Releitura desde o início e substituição da palavra “necesitamos” por uma vírgula (,). 5. Como resultado da releitura anterior, substituição de “para comenzar el juego” por “para poder jugar”. 6. Como resultado da releitura sugerida pela professora, eliminação do segundo “para poder jugar”. 7. Substituição de “tiró” (jogou) por “tira” (joga). 8. Substituição da coordenativa “y” pela condicional “si”. 9. Substituição de “el juego” por “ a jugar”. 10. Transformação global da segunda frase por deslocamentos ou substituições. 11. Acréscimo do “le”. 12. Substituição da determinação de “una corona”. 13. Dúvidas sobre a forma verbal adequada e solução baseada num critério de generalização. 14. Igual ao item 9. 15. Discussão sobre a relevância de separar ou não em parágrafos, a decisão verbalizada não coincide com a que foi realizada. Em todo esse processo podemos observar claramente como a revisão está muito longe de ser um simples procedimento linear. Ao contrário, ela envolve estratégias muito complexas que “vão e vêm” por diferentes níveis do texto, às vezes solucionam e outra vezes o “deixam pior”... É particularmente interessante, por exemplo, a modificação realizada no item 13, em que aparece uma contradição entre dois saberes em jogo: por um lado, a proposta de trocar “podemos” por “se puede” dá uma maior coesão para a forma de enunciação; por outro lado, as crianças procuram não repetir certas palavras (nesse caso, “se”) porque sabem que não é desejável num texto bem escrito. Embora esse último saber levem-nas a realizar modificações adequadas (por exemplo nos itens 3, 4 e 6), nesse último caso (13) a generalização da idéia faz com que percam o outro problema de vista, o da forma de enunciação. Isto é, diante da contradição entre dois saberes e da impossibilidade conceitual de coordená-los nesse momento do processo, um deles é generalizado para resolver o conflito. 2 As modificações foram mantidas em espanhol por serem questões de gramática. Na tradução algumas delas perderiam o sentido. N. de T.
  • 5. 5 II- A revisão nas situações didáticas habituais Nas condições habituais de ensino poderiam ser descritos dois tipos de situações. A situação mais freqüente poderia ser denominada de “correção sem revisão”, em que o trabalho escrito da criança é imediatamente corrigido pelo professor, logo após sua primeira versão. É claro que essa prática escolar está muito distante da prática cultural de revisão: fora da escola, a versão final de um texto é o resultado de modificações graduais em que se escreve de forma sucessiva e se consulta leitores intermediários. É interessante destacar que esse tipo de prática, tão freqüente em nosso meio escolar, não difere daquelas práticas descritas na bibliografia de outros países da América Latina, da Espanha, da Itália, da Inglaterra, do Canadá ou dos Estados Unidos. Tal grau de generalidade descarta a possibilidade de que as razões dessas práticas se devem a características individuais ou a limitações dos docentes. Ao contrário, faz pensar em enraizadas concepções didáticas e pedagógicas que estão obviamente relacionadas com as formas de organização das instituições escolares e também ligadas às concepções sobre o processo de escrever e às possibilidades de aprendizagem das crianças. O segundo tipo de situação, bem menos freqüente que as anteriores, poderia ser denominada de “revisão dirigida a partir da correção”. Alguns estudos etnográficos desenvolvidos nos Estados Unidos permitem identificar esse tipo de situação com a revisão textual (Cazden em Wittrok, 1989, tomo 3 e Cazden, 1991; Michaels, 1987). Nesse texto aparecem situações de ensino em que as crianças produzem escritas, seguidas de uma sucessão de “conversas individuais” (entrevistas da criança com o docente) em que o adulto vai indicando de maneira explícita as modificações que devem ser realizadas no texto; depois de cada “conversa” a criança “passa a limpo” sua escrita até que o docente decida que a tarefa foi concluída, e somente a partir daí é que permite a edição. A interpretação de Sarah Michaels é que apesar de a metodologia empregada pelos docentes ser denominada de “aproximação processual” (“process approach”), a prática real possui uma orientação implícita para a conquista de um produto, ela orienta o estudante para que obtenha correções e mudanças que correspondam às expectativas do professor sobre o que deve ser uma boa composição escrita. A autora afirma que os docentes desenvolvem essas práticas influenciados pelas competências esperadas nas provas oficiais, pelas “rotinas fixas” prescritas nos programas curriculares e pelas expectativas da criança sobre o fato de que o docente “conhece as boas respostas”. Metaforicamente, refere-se à situação como uma “apropriação da voz do estudante pelo professor”, e demonstra pela análise minuciosa de vários casos que as crianças desconhecem as razões pelas quais o professor faz mudanças, embora aceitem a correção porque ela vem de alguém cujo saber está legitimado. Esse tipo de prática também pode ser vista em nosso meio. Embora do ponto de vista do ensino a segunda situação seja sem dúvida mais benéfica, porque pelo menos permite que as crianças presenciem uma modalidade de escrita em que a revisão está presente, devemos dizer que as duas situações apresentam limitações. A primeira, porque não inclui diretamente a revisão como parte do processo; a segunda, porque supõe que a criança aprenderá acumulando esses “pedaços” de informação que o docente lhe propõe como “corretos”, desconhecendo que essa informação ganha novo significado a partir da interação com as idéias que as crianças já construíram (elas aprendem quando podem dar um sentido àquilo que o meio lhe transmite, assim podem modificar suas concepções anteriores).
  • 6. 6 Que estratégias de revisão as crianças podem desenvolver quando participam desse tipo de situações didáticas? A observação direta e cotidiana, embora assistemática, permite-nos conjeturar que o tipo de estratégias que elas desenvolvem nessas condições é o da “maquiagem”, isto é, um tipo de revisão que somente envolve os aspectos formais da escrita ou, num nível mais avançado, a ortografia e o sistema de escrita. Tivemos oportunidade de questionar esse dado de observação mais sistematicamente: realizamos entrevistas com 16 crianças de 4 primeiras séries de duas escolas, uma urbana e outra de uma região carente. Apresentamos a elas uma situação de opinar sobre a escrita de outra criança da mesma idade que a sua e sobre o texto de um adulto. Elas também deveriam produzir e revisar (um tempo depois) um texto de sua autoria. As respostas mais freqüentes das crianças ficaram divididas entre a negação em revisar e a revisão centrada nos aspectos mais formais da escrita. Entre as crianças que se negavam a revisar apareceram declarações como “não deve mudar nada porque as letras estão certas”, “que deixe como está porque fez bem direitinho e bem separado” ou “não quero mudar nada porque o que está escrito é como a lei”. Quando aceitaram a possibilidade de mudanças, as crianças justificaram com expressões como “fazer as letras mais direitas”, “escrever direito”, “escrever mais separado”, ou em outros casos, modificações sobre o sistema de notação ou a ortografia. Nós acreditamos que é lícito pensar que essas possibilidades não são universais, mas estão intimamente ligadas às condições de produção da tarefa escolar tanto do ponto de vista das interações com os outros e com os textos como dos contratos implícitos (não só escolares mas também culturais em geral) que levam a pensar, como afirmou uma das crianças, que “o que está escrito é como a lei”... III- A revisão em situações didáticas alternativas As razões que explicam os tipos de práticas antes descritas vão além da revisão e fazem parte das condições em que se ensina a escrever na escola. Isto é, são necessárias certas condições de organização das situações de escrita para que seja possível ensinar a revisar com o menor grau de transformação desse saber. Para este trabalho, serão denominadas de “situações alternativas” aquelas que se caracterizam pelas seguintes condições. Existem certas condições gerais da produção escrita que adquirem significado particular quando a questão é revisar. Essas condições gerais das situações de escrita precisariam considerar:  Escrever textos completos, porque a revisão só atua entre níveis textuais e não há níveis se o texto não estiver completo. Um texto possui uma intencionalidade, uma trama, uma superestrutura, determinados recursos de coesão, determinadas opções lexicais, um sistema de pontuação, um sistema de representação (incluindo sua ortografia), etc. Quando revisamos, é comum que estes elementos estejam vinculados: mudamos uma opção lexical por outra em função da intencionalidade, decidimos unir ou separar um parágrafo
  • 7. 7 em função da superestrutura, optamos por uma determinada combinação de tempos verbais para conseguirmos uma trama narrativa mais clara, etc.  Escrever textos com destinatários reais em circunstâncias específicas de comunicação, porque revisamos em função do efeito imaginado da escrita sobre o leitor, em função de algumas intenções do escritor e, sem essa definição, não há parâmetro em função do qual revisar.  Escrever em situações para as quais as crianças não possuem todos os conhecimentos nem todas as estratégias necessárias para que possam resolvê-las inteiramente. A situação precisa gerar a coordenação ou o novo significado para os conhecimentos anteriores, e também a construção de novos conhecimentos e o desenvolvimento de estratégias. Quando nós escrevemos aplicando conceitos elaborados por outros essa condição não se cumpre (por exemplo, em todos os casos em que damos a definição de um conceito e pedimos que ele seja sublinhado em um texto). Quando o sujeito não pode resolver totalmente a situação de escrita tem possibilidades de cometer erros e de produzir inadequações, que são parte do material a ser revisado. Se a situação não dá espaço para o erro ou para a inadequação, para a inconsistência ou para a ambigüidade, também não dá para a revisão. (Problema crucial, já mais uma vez que leva a uma antiga discussão pedagógica!)  Escrever uma variedade de textos de circunstâncias, porque não é a mesma coisa revisar a escrita de um diário íntimo e a de uma monografia, não é a mesma coisa revisar uma nota de divulgação científica para ser publicada e algumas notas em um caderno de rascunho durante uma entrevista que também foi gravada.  Escrever textos por aproximações sucessivas à versão final da mesma maneira que se faz fora da escola. É a volta ao texto, aos mesmos problemas que não foram resolvidos em uma versão. Isso permite dar-lhes um significado já conhecido ou dar-lhes novos significados. Quando o problema se fecha com uma correção apressada é o aluno que perde a possibilidade de dar significado ao problema. A imagem de Brousseau do professor-ator como aquele que sabe qual é o problema e sabe como resolvê-lo, mas que age como se não soubesse para permitir que o aluno construa a resposta, pode ser uma imagem adequada para um professor que ajuda seus alunos a revisar. Mas, além disso, existem condições específicas para permitir uma tarefa de revisão de textos com sentido para as crianças. O revisar supõe criar uma condição didática específica que permita àquele que escreve se distanciar de sua produção. Tal necessidade se refere ao fato de que aquele que escreve, especialmente quando é uma criança, não diferencia espontaneamente suas intenções ao escrever da produção efetiva; confunde o que quis escrever com o que realmente escreveu. Diante desse obstáculo, na situação didática de revisão podemos:  Postergar a revisão, isto é, deixá-la “descansar” e voltar no tempo, quando o autor já esqueceu algo que quis colocar e se encontra sozinho com o que realmente colocou.
  • 8. 8  Considerar a opinião de leitores críticos, mas com a condição de que estabeleça um intercâmbio horizontal e não relacional, de que seja o autor quem decide se realiza ou não as modificações sugeridas. Isso não significa que não se deva “acatar” a opinião de um leitor porque o imaginamos com suficiente autoridade para realizar as modificações do texto, mas porque devemos discutir com ele de igual para igual. São várias as situações de críticas e de correções entre pares que podem ser desenvolvidas, sempre que seja possível acontecer um intercâmbio enriquecedor e não se transformem em críticas unilaterais dos mais adiantados para os menos adiantados. Um parceiro, o leitor crítico, não deveria ser um corretor de seu colega; quando opina sobre uma produção em processo de elaboração ele é alguém que ajuda o outro a escrever, mas não escreve por ele. É o autor (criança) quem decide o que modificar e o que não modificar. Esse é um problema delicado da dinâmica da classe que afeta as relações de poder que não são alheias aos alunos, por mais jovens que eles sejam. Há intervenções do docente que favorecem ou não determinados tipos de dinâmica. Por exemplo: a validação imediata das respostas corretas, sem pedido de justificativa, que de maneira geral sempre vêm dos mesmos alunos favorece que o grupo aceite sempre as opiniões dessas crianças como válidas sem que reflitam muito sobre a validade de “seu” texto e de “suas” intenções comunicativas. A intervenção específica do docente na revisão é crucial desde que ela não se refira a uma propriedade observável da escrita como produto, mas esta deve se tornar observável no momento em que se “vê” um adulto escrever ou revisar. Muitas crianças, inclusive as de meios urbanos, somente terão contato com problemas de revisão quando ingressarem na escola. Por isso, uma intervenção muito geral mas muito necessária é mostrar permanentemente que o adulto escreve textos provisórios e que vai modificando-os gradualmente. O professor deve mostrar que às vezes duvida e porque duvida, pedir ajuda e opinião e fazer com que seus alunos apresentem soluções alternativas para um problema de sua própria escrita. Quando são as crianças que estão revisando é importante gerar um espaço para que cada uma delas possa elaborar seu ponto de vista sem a validação apressada de algumas opiniões que, de fato, desqualificam as opiniões de outros. Muitas vezes o docente pode intervir trazendo várias soluções para um problema que todos vêem, mas para o qual ninguém encontra solução. Em outros casos pode “anotar” as diferentes soluções, divergentes ou não, trazidas pelos diferentes alunos para serem avaliadas entre todos. Às vezes terá que ajudar a conceituar um problema que passou despercebido. Finalmente, é o docente que também reservará, para o final, a correção dos erros que não podem aparecer no texto a ser publicado. Conclusões Tanto as condições gerais da produção de textos como as específicas da sua revisão, que são óbvias para qualquer “escritor” fora da escola, não são muito fáceis de realizar nas condições institucionais de nossas salas de aula. As tarefas ou exercícios que devem começar e terminar entre os sinais de entrada e de saída, o controle sobre a
  • 9. 9 produção da criança antes da volta ao lar, a legitimação da escrita que a criança permanentemente exige do professor, o controle sobre a tarefa do professor mediante a observação dos cadernos das crianças, etc. são algumas das práticas institucionais do saber escrever. Mais uma vez, podemos comprovar até que ponto propor uma mudança de conteúdos a serem ensinados é uma condição necessária mas não suficiente para transformar o que efetivamente se ensina, por mais significativo que seja do ponto de vista das ciências e das demandas sociais. Sem dúvida, a estreita relação que parece existir entre as formas de comunicar o saber sobre o escrever e as possibilidades de construção desse saber por parte das crianças ajuda a termos forças para transformar tudo que é necessário transformar, tanto dentro como fora da sala de aula.