“As contribuições do Design para o meio rural: um estudo de caso com o grupo de agricultores agroecológicos de Garopaba (SC)”
1. 1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART
DEPARTAMENTO DE DESIGN
MICHELLE BERTICELLI NUNES
AS CONTRIBUIÇÕES DO DESIGN PARA O MEIO RURAL: UM ESTUDO
DE CASO COM O GRUPO DE AGRICULTORES AGROECOLÓGICOS
DE GAROPABA – S.C.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no
Centro de Artes da Universidade do Estado de
Santa Catarina, como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Design Industrial.
Orientador: Prof. Douglas Ladik Antunes, MSc.
FLORIANÓPOLIS, S.C.
2006
2. 2
MICHELLE BERTICELLI NUNES
AS CONTRIBUIÇÕES DO DESIGN PARA O MEIO RURAL: UM ESTUDO
DE CASO COM O GRUPO DE AGRICULTORES AGROECOLÓGICOS
DE GAROPABA – S.C.
Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do
grau de bacharel, no curso de Graduação em Design Industrial da Universidade do
Estado de Santa Catarina.
Banca Examinadora:
Orientador:
_______________________________________________________
Prof. Douglas Ladik Antunes, MSc.
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro:
_______________________________________________________
Prof. Eugenio Merino, Dr.
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
Membro:
____________________________________________________
Marcos José de Abreu
CEPAGRO - Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo
Florianópolis, 21 de dezembro de 2006.
3. 3
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa a todos que vivem e
sobrevivem da agricultura familiar, de
imenso potencial e valor para nosso país.
4. 4
AGRADECIMENTOS
Muitas são as pessoas queridas e especiais que estiveram comigo nesta nova
etapa de minha vida, me apoiando e me animando. Pessoas que estarão eternamente
no meu coração e que merecem os meus sinceros agradecimentos...
... À minha família linda e sempre tão unida... Ao meu pai querido, companheiro e
bondoso com todos, que me ensina a cada dia ser uma pessoa mais forte e
responsável.... à minha mamy, uma artista incomparável, batalhadora, e acima de tudo,
uma amiga fiel... à minha irmãzinha... não é preciso dizer muito... apenas que ela é e
sempre será um exemplo de pessoa, com toda sua dedicação, responsabilidade e
carisma.... à todo o restante desta imensa família, avós, avós, tias, tios, primos, primas...
Amo muito todos vocês!!!
... Ao meu namorado Rodrigo... o qual proporcionou os melhores momentos de
minha vida... os mais simples e ingênuos, porém os mais marcantes e sinceros... que
mesmo distante, me ampara, me corresponde e me encoraja a cada dia... amo muito
você e com certeza tudo isso não será em vão... PS amor!!
... A todos os responsáveis por minha formação dentro da Universidade,
professores, colaboradores, técnicos e colegas de sala... em especial ao meu orientador
Douglas, que desde os primeiros semestres tem encarado nossa turma de maneira
descontraída e profissional... Agradeço por ter aceitado meu convite, com a pesquisa já
em curso, e por ter me guiado da forma mais sensata e proveitosa...
5. 5
... Às minhas amigas inseparáveis, que estiveram comigo durante todos esses
anos... em especial à Ana Sofia, Rosa Marina e Marina.... vocês são muito loucas e
muito divertidas!! Aprendi muito com cada uma de vocês e agradeço por ter conhecido
todas vocês... às minhas amigas ainda mais loucas... que não param quietas... Marta e
Marcela... vocês são show de bola... por onde estiverem desejo o melhor para vocês...
ao restante da turma, cada pessoa que compartilhou um pouco de sua amizade
comigo... muito obrigada!!!
... À amizade em especial também, de Adelita, por me aconselhar e sempre se
preocupar comigo... e com certeza ao nosso futuro profissional juntas...muito obrigada!!
... À nova amizade de Tânia e Natacha, que antes de serem minhas chefes,
foram grandes amigas e companheiras de trabalho!!
... Em especial, ao pessoal do CEPAGRO, que me acolheu e me auxiliou a
encontrar um rumo para a proposta desta pesquisa, possibilitando o encontro com o
Grupo de Agricultores... com certeza o trabalho não irá parar por aqui!
... Mais especial ainda, a todas as famílias de agricultores agroecológicos de
Garopaba, por permitirem adentrar em suas propriedades, conhecer um pouco de sua
vivência e cumprir com os objetivos desta pesquisa... foi uma experiência maravilhosa, e
que com certeza fará diferença em minha vida...
E por fim, porém não menos importante, agradeço a Deus e aos anjos que me
cercam por terem me guiado até o momento...
A todos vocês, obrigada do fundo do meu coração...!
6. 6
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo fundamental compreender as condições reais
do Grupo de Agricultores Agroecológicos do Município de Garopaba – Santa Catarina,
identificando – com base em entrevistas, discussões e observações – os entraves para
a sustentabilidade e sociabilidade da agricultura agroecológica, bem como para a
expansão e valorização de seus produtos, como também, as potencialidades e
oportunidades para o seu próprio desenvolvimento local. Tendo como propósito final, o
levantamento de demandas de competência do Designer e sua análise com base nos
fatores: prioridade, viabilidade e eficiência. Entre os principais elementos de discussão
desta pesquisa estão o contexto agrícola brasileiro, enfatizando a permanência dos
agricultores familiares, com foco na agricultura familiar do Estado de Santa Catarina; e a
dinâmica atual do meio rural, com a compreensão da agroecologia junto às diversas
concepções a cerca dos modelos de desenvolvimento vinculados à sociedade ao longo
dos anos. A agroecologia é considerada a base científica constituída por princípios
mais viável aos agricultores familiares que buscam a sustentabilidade de suas unidades
produtivas, tornando-se um agente promotor de um padrão de desenvolvimento
ecologicamente prudente e socialmente justo, valorizando as capacidades locais e as
ações sociais coletivas, oportunizando a inserção do Design e a contribuição deste para
o processo de desenvolvimento.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento local, agricultura agroecológica, demandas de
Design.
7. 7
ABSTRACT
The present research has as objective basic to understand the real conditions of the
Group of Ecological Agriculturists of the City of Garopaba - Santa Catarina, identifying -
on the basis of interviews, quarrels and comments - the impediments for the
sustainability and sociability of ecological agriculture, as well as for the expansion and
valuation of its products, as well as, the potentialities and chances for its proper local
development. Having as final intention, the survey of demands of ability of the Designer
and its analysis on the basis of the factors: priority, viability and efficiency. It enters the
main elements of quarrel of this research are the Brazilian agricultural context,
emphasizing the permanence of the familiar agriculturists, with focus in the familiar
agriculture of the State of Santa Catarina; e the current dynamics of the agricultural way,
with the understanding of the ecological agriculture next to the diverse conceptions about
the entailed models of development to the society throughout the years. The ecological
agriculture is considered more viable the scientific base consisting by principles the
familiar agriculturists who search the sustainability of its productive units, becoming a
promotional agent of a standard of ecological cautious development and socially just,
valuing the local capacities and the collective social actions, giving chance to insertion of
the Design and the contribution of this for the development process.
KEY-WORDS: Local development, ecological agriculture, demands of Design.
8. 8
SUMÁRIO
1. CAPÌTULO I ......................................................................................................... 14
1.1. Introdução ..................................................................................................... 14
1.2. Delimitação do Tema .................................................................................... 15
1.3. Objetivos ....................................................................................................... 17
1.3.1. Objetivo Geral ........................................................................................ 17
1.3.2. Objetivos Específicos ............................................................................. 17
1.4. Justificativa do Tema .................................................................................... 18
1.5. Metodologia ................................................................................................... 21
1.6. Cronograma .................................................................................................. 23
2. CAPÍTULO II ........................................................................................................ 24
2.1. Modelo Agrícola Brasileiro ............................................................................ 24
2.2. Definições e Concepções da Agricultura Familiar ........................................ 27
2.3. Modelo Agrícola Familiar de Santa Catarina ................................................ 30
2.4. Contextualização das Unidades de Produção Familiar – UPFs ................... 33
2.5. O Meio Rural ................................................................................................. 36
2.6. A Agroecologia .............................................................................................. 38
9. 9
2.7. Concepções sobre Desenvolvimento ............................................................ 45
2.7.1. Do Desenvolvimento Vigente a uma Nova Perspectiva ........................ 46
2.8. Metodologias Participativas .......................................................................... 62
2.9. Abordagem do Design .................................................................................. 65
3. CAPÍTULO III ....................................................................................................... 72
3.1. Desenvolvimento do Estudo de Caso ........................................................... 72
3.2. A Rede de Agroecologia Ecovida ................................................................. 73
3.3. A Instituição – CEPAGRO ............................................................................. 77
3.4. Ambientação - Município de Garopaba ......................................................... 80
3.5. Ambientação - Grupo de Agricultores Agroecológicos de Garopaba ........... 84
3.6. A Pesquisa .................................................................................................... 92
4. CAPÌTULO IV ..................................................................................................... 104
4.1. Limitações ................................................................................................... 104
4.2. Potencialidade e Oportunidades ................................................................. 108
4.3. Levantamento e Análise de Demandas ...................................................... 113
5. CAPÌTULO V ...................................................................................................... 127
5.1. Considerações Finais .................................................................................. 127
6. REFERENCIAL .................................................................................................. 130
7. ANEXOS ............................................................................................................ 135
10. 10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapeamento dos Núcleos da Rede Ecovida ........................................... 68
Figura 2 – Localização do Município de Garopaba ................................................... 70
Figura 3 – Localização das praias do Município de Garopaba ................................. 71
Figura 4 – Barcos de pesca na praia de Garopaba ................................................... 72
Figura 5 – Produção de hortaliças ............................................................................. 74
Figura 6 – Mercado do Produtor ................................................................................ 75
Figura 7 – Feira Agroecológica Municipal ................................................................. 76
Figura 8 – Agricultor Zezinho .................................................................................... 77
Figura 9 – Agricultora Dona Lourdes ......................................................................... 78
Figura 10 – Agricultor Batista e sua esposa .............................................................. 79
Figura 11 – Agricultor Mariomar ................................................................................ 80
Figura 12 – Agricultor Adi e sua família .................................................................... 80
Figura 13 – Oficina de Biofertilizante ......................................................................... 81
Figura 14 – Oficina de Compostagem ....................................................................... 81
Figura 15 – Reunião do Grupo ................................................................................... 82
11. 11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – As cinco dimensões do desenvolvimento sustentável ............................ 52
12. 12
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAO – Associação de Agricultura Orgânica
APA – Área de Proteção Ambiental
APACO – Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense
CEMEAR – Centro de Motivação Ecológica e Alternativas Rurais
CEPA – Centro de Estudos de Safras e Mercados
CEPAGRI – Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores Rurais
CEPAGRO – Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo
CIASC – Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina
CMDR – Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
DRP – Diagnóstico Rápido Participativo
EMATER – Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e
Extensão Rural
EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural
FAO – Food and Organization of the United Nations
FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
IAF – Inter-American Foundation
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
13. 13
ICSID – Conselho Internacional de Sociedades de Design Industrial
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MAPA – Ministério da Agricultura e Planejamento Agrário
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MISEREOR – Agência de Desenvolvimento da Igreja Católica da Alemanha
ONG’s – Organizações Não Governamentais
PIB – Produto Interno Bruto
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UPF’s – Unidades de Produção Familiar
14. 14
1. CAPÌTULO I
1.1. Introdução
Ao estudar as raízes históricas da Agricultura Brasileira, constantes
transformações de diferentes dimensões são deparadas, advindas de alternativas
propostas e geradas conforme a contextualização e os interesses do modelo de
desenvolvimento daquele mesmo momento histórico.
O modelo de desenvolvimento vigente, contemplado ao longo desta pesquisa,
tem sido abordado e discutido por diversos segmentos da sociedade, implicando em
distintos setores (como na economia, na política, entre outros), como também, no
modelo Agrícola Brasileiro dos últimos anos.
Muitas revoltas, inquietações, como também, conquistas e mudanças de caráter
prático, foram marcantes na história da Agricultura Brasileira. Passamos por um período
exploratório, extrativista, escravista, exportador, tornando-nos seres apenas predatórios.
Chegamos a um período de colonização, de interesses governamentais, de fortes
concentrações de renda, do destaque dado ao setor privado, às grandes propriedades,
aos latifúndios e às questões acerca da reforma agrária. Partimos para a
industrialização, urbanização, bem como a indução de uma modernização
conservadora. Novas intenções modernizantes surgem a partir da intervenção do
Estado, como o sistema nacional de créditos rurais, o surgimento de complexos
industriais e a exportação de produtos dinâmicos.
Por fim, é percebida a existência de dois modelos de Agricultura, a Patronal e a
Familiar (assim denominados por alguns autores), dois Ministérios (MAPA – Ministério
da Agricultura e Planejamento Agrário e o MDA – Ministério do Desenvolvimento
Agrário), e inúmeros debates, pesquisas, argumentos em relação à agricultura e ao
15. 15
modelo de produção familiar enfatizada nesta pesquisa, bem como questionamentos
quanto ao planejamento para o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental
dessa parcela populacional vinculada à agricultura. Destacando-se assim, a questão
atual, a respeito do planejamento local, promissor aos agricultores familiares e
conseqüentemente, a essa pesquisa.
A Agricultura Familiar de base agroecológica, compreendida nesta pesquisa, é
representada não somente por uma forma de organização produtiva, mas também, por
uma atividade econômica especializada, diferenciada, intensiva, de caráter permanente,
valendo de sua característica maior: a representatividade de um modo de vida que
preserva a paisagem, a biodiversidade e diversos aspectos econômicos e culturais de
importância fundamental para o seu próprio desenvolvimento.
São essas algumas das contextualizações que nos desafiam a contribuir a favor
daqueles que demandam o ingresso de inúmeras inovações e a constante atuação e
articulação de atores comprometidos, de enorme potencialidades e oportunidades,
cabendo ao profissional de Design, contíguo a tantos outros, um papel comprometedor
e de grande contribuição para o seu fortalecimento, planejamento e desenvolvimento.
1.2. Delimitação do Tema
O desafio inicial proposto nesta pesquisa é o de compreender de forma uma tanto
sucinta, a questão agrícola brasileira, junto às diversas concepções acerca dos modelos
de desenvolvimento vinculados à sociedade ao longo dos anos, enfatizando em um
segundo momento, a existência dos agricultores familiares, com foco na agricultura
familiar do Estado de Santa Catarina, em especial, ao Grupo de Agricultores
Agroecológicos do Município de Garopaba – SC, a fim de contribuir nos principais
16. 16
entraves e potencialidades de suas unidades produtivas, a partir do levantamento de
demandas de conhecimento e competência do Designer.
O modelo de agricultura exercido por tais agricultores, a Agricultura Familiar, de
forte presença no Estado de Santa Catarina, caracterizada pelo trabalho exercido
predominantemente pelo agricultor(a) e sua família, vem registrando forte capacidade
de resistência, produtividade e eficácia, apesar de seu histórico conturbado devido aos
grandes complexos industriais e da deficiência de crédito e apoio perante o intermédio
entre sua unidade produtiva e o mercado atual.
Seu desempenho e fortalecimento dependem da integração e articulação entre
diversos atores sociais comprometidos com a mesma. O que possibilita ao profissional
de Design, o surgimento de uma recente área de atuação, necessitada, porém de
grande potencial emergente.
Os princípios de Design, voltados para questões econômicas, sócio-culturais,
ambientais, bem como, ações gestoras e estratégicas, têm como preceito, a
contribuição para a ampliação e viabilidade das unidades de produção familiar,
promovendo um papel mais efetivo entre o agricultor e o meio externo, identificando
esses entraves e diagnosticando oportunidades e potencialidades a essas unidades.
Portanto, o problema da pesquisa buscará compreender as condições reais do
grupo de agricultores específicos, em contrapartida aos princípios do Design, onde se
norteará pelos seguintes questionamentos:
1. Quais as principais limitações bem como as potencialidades e oportunidades do
grupo de agricultores familiares em questão?
2. De que forma a identificação de demandas de Design implicará em resultados
prósperos aos mesmos? E como será potencializada esta relação entre a
identificação de demandas junto ao Grupo de Agricultores?
17. 17
1.3. Objetivos
1.3.1. Objetivo Geral
Compreender as condições reais do Grupo de Agricultores Agroecológicos do
Município de Garopaba, Santa Catarina, a partir da identificação de suas limitações bem
como suas potencialidade e oportunidades, enfatizando o modelo de Agricultura
Familiar com base no Desenvolvimento Local Integrado e nas ações estratégicas e
operacionais do Design, a fim de levantar demandas de conhecimento e competência
do Designer.
1.3.2. Objetivos Específicos
§ Levantamento bibliográfico e revisão teórica sobre os temas a serem abordados:
histórico da agricultura brasileira; surgimento e contextualização da agricultura familiar
brasileira e de Santa Catarina; abordar os discursos a respeito dos modelos de
desenvolvimento e a questão do Planejamento Local Integrado como forma de
desenvolvimento.
§ Investigar e vivenciar a realidade do Grupo de Agricultores em análise, compreender
seu dinamismo cultural, econômico, ambiental e social.
18. 18
§ Revisar e transcrever os dados e informações coletadas para a proposição das
demandas de competência do Designer.
§ Promover uma análise das demandas de Design, conforme os aspectos: prioridade,
viabilidade e eficiência.
1.4. Justificativa do Tema
A preferência em trabalhar com os agricultores familiares agroecológicos foi
motivada pela importância em destacar alguns pontos críticos da história brasileira
como: a insustentabilidade de uma das principais heranças brasileiras – a agricultura; o
surgimento de uma agricultura rústica e precária, considerada inicialmente de
abastecimento – a Agricultura Familiar, e por fim, o reconhecimento do meio rural como
fonte de empreendedorismo e fortes potencialidades; a tendência mundial a cerca dos
produtos ecológicos e das propriedades agroecológicas.
Uma quarta justificativa para a pesquisa, é a iniciativa atual procedente dos
profissionais de Design, em trabalhar e aprimorar seus conhecimentos nesta recente
área de abrangência: o meio rural, gerando documentações como artigos e projetos
publicados e apresentados em congressos e eventos. No entanto, esta demanda em
abranger a área rural buscando uma maior relação com o Design, vem sendo alvo de
muitos designers brasileiros focados preferencialmente nas atividades particulares do
Design Gráfico, não abrangendo assim, as demais atuações do Design.
Outra medida para justificar esta pesquisa, é a própria contextualização do
território brasileiro. Segundo Pádua (2003), a formação do atual território brasileiro na
economia mundial moderna, a partir do século XVI, deu-se basicamente pela
agricultura. Afirmação esta sendo justificada pelo autor, devido a nossa colonização
19. 19
portuguesa, ao contrário, por exemplo, da América Latina, de colonização espanhola,
voltada para as conquistas de minérios. “A fundação do nosso país, portanto, foi
marcada pela exploração da biomassa vegetal“ (PÁDUA, 2003).
É importante enfatizar que a agricultura foi a base do modelo econômico de
diversas fases históricas do nosso país, mas não foi a única. Passamos por outros ciclos
adversos também marcados por essa exploração da biomassa vegetal e de grande
importância, como o da borracha, de extração mineral, como o ferro, alumínio, nióbio,
entre outros. No entanto, a agricultura foi o ciclo de maior destaque e que se prepondera
até os dias de hoje.
Fica-se evidente, desde a nossa colonização, a importância e a contribuição da
agricultura, onde abriga um terço da população brasileira, tornando-se responsável por
inúmeros e constantes processos de transformações no universo econômico, cultural,
ambiental e político do nosso país.
A fim de justificar novamente a temática da pesquisa, a mesma se direcionará ao
estudo da Agricultura Familiar no Estado de Santa Catarina, caracterizada entre os seis
principais Estados produtores de alimentos onde apresenta os maiores índices de
produtividade por área, graças à capacidade de trabalho e de inovação do agricultor, ao
emprego de tecnologias adequadas e ao próprio modelo agrícola de caráter familiar.
Conforme divulgado pelo Centro de Safras e Mercados, intitulado anteriormente
como Instituto Cepa, de acordo com o Censo Demográfico de 2000, realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Estado possuía uma população
de 5.333.284 habitantes, dos quais aproximadamente 25% viviam no meio rural, em
cerca de 203 mil estabelecimentos rurais. Devido ao processo de urbanização ocorrido a
partir da década de 70, cerca de 30% da população catarinense está concentrada nas
oito cidades com mais de 100 mil habitantes.
20. 20
O setor agrícola catarinense representa 12,8% do Produto Interno Bruto estadual.
As atividades do agronegócio1, no entanto, contribuem com cerca de 20% do PIB
estadual. Os três mil estabelecimentos de indústrias agrícolas e agroalimentares, por si
sós, respondem por 19% da renda, empregando cerca de 35 mil pessoas (Centro de
Safras e Mercados, 2003).
Santa Catarina ocupa o quinto lugar entre os estados exportadores. No ano de
2000, as exportações estaduais corresponderam a 4,6% do total brasileiro. Já em 2003,
o agronegócio representou 57% do valor total exportado pelo Estado. Na pauta de
exportações estaduais, destaca-se o complexo agroindustrial, que contribuiu com 50%
do total estadual, destacando as exportações de produtos florestais e de carnes, aves e
miudezas (Centro de Safras e Mercados, 2003).
A partir da compreensão desses indicadores, é visível o papel crucial deste
segmento na economia do Estado e principalmente dos pequenos municípios que se
mantém da mesma.
Estes produtores são responsáveis pela geração de muitos empregos como no
comércio e nos serviços prestados, de grande importância social para o Estado e para o
desenvolvimento dos municípios, porém, esta parcela da população, vem sendo
prejudicada devido à atual caracterização do mercado globalizado e competitivo e
também da forte predominância das agroindústrias.
Nesta seqüência de abordagens a cerca da contextualização agrícola
catarinense, junto à compreensão dos modelos de desenvolvimento, bem como, a
ênfase dada à nova dinâmica voltada para o desenvolvimento das localidades, ou seja,
1 Também chamado freedy mercury ou agribusiness, segundo a Enciclopédia Wikipédia, agronegócio é
considerado o conjunto de negócios relacionados à agricultura, dentro do ponto de vista econômico.
Costuma-se ser divididos em três partes: 1. os negócios agropecuários propriamente ditos, representados
pelos agricultores rurais; 2. os negócios à montante aos da agropecuária, representadas pelas industrias
e comércios fornecedores de matérias primas e insumos; 3. os negócios à jusante aos da agropecuária,
representados pelos negócios que compram os produtos agropecuários, os beneficiam, os transportam e
os vendem para os consumidores finais.
21. 21
para o Desenvolvimento Local2, a pesquisa torna-se justificável mais uma vez, não
somente devido à atualidade e repercussão deste tema, mas também, pela consciência
ao que contempla o desenvolvimento local como um espaço heterogêneo e
diversificado, que induz a repensar a multiplicidade de atores comprometidos.
Oferecendo assim, possibilidades de novas parcerias e abertura para o profissional de
Design, junto a suas competências e habilidades, em intervir nesta área de atuação,
como mobilizador e mediador social também, na construção e aplicação deste
desenvolvimento a partir da inserção de novas fronteiras de conhecimento ao meio
rural.
1.5. Metodologia
Com base nos objetivos desta pesquisa, a metodologia empregada é do tipo
exploratória e de caráter qualitativo, a partir da delimitação de um objeto de estudo e a
vivência da realidade de uma determinada localidade, neste caso, o grupo de
agricultores agroecológicos, residentes no município de Garopaba - SC. Sendo assim,
os procedimentos metodológicos serão caracterizados pela aplicação de uma pesquisa
de campo, buscando resultados por meio das relações práticas e teóricas.
As relações práticas foram obtidas por meio de visitas ao Município de Garopaba,
e às propriedades dos agricultores, em um primeiro momento, junto aos técnicos
agrícolas e funcionários do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo –
CEPAGRO, que já exercem atividade na região, partindo para futuras visitas
particulares, conforme o curso da pesquisa.
2 O termo Desenvolvimento Local será contextualizado na seqüência desta pesquisa.
22. 22
O Grupo de Agricultores Agroecológicos de Garopaba são formados por onze
famílias, mas, no entanto, a pesquisa se direcionou a cinco famílias de agricultores,
devido principalmente, ao maior contato dessas, com as atividades oferecidas pelo
CEPAGRO durante o período da pesquisa de campo e conseqüentemente, um maior
contato com o pesquisador.
Os métodos utilizados para a coleta de informações foram desde conversas
informais, entrevistas, práticas de observação e roteiros semi-estruturados que puderam
auxiliar para o desenvolvimento da pesquisa, junto ao maior número de atores
envolvidos: proprietários e trabalhadores rurais, familiares dos agricultores/proprietários,
comerciantes da região, associações locais, o CEPAGRO, entre outros.
Foi utilizado primeiramente um questionário direcionado aos integrantes do
CEPAGRO, os quais possuem maiores responsabilidades junto ao Grupo de
Agricultores, sendo este descrito no anexo de número 1. Na seqüência, foi elaborado
um roteiro de perguntas e questionamentos, utilizado para as entrevistas individuais, do
tipo semi-estruturada, sendo descrito no anexo de número 2. O roteiro contempla nove
áreas de abrangência (1. propriedade/agricultor/história; 2. princípios da agroecologia; 3.
pré-produção; 4. produção; 5. produto; 6. instrumento de trabalho; 7. estrutura física; 8.
mercado; 9. outros assuntos) sendo questionadas as condições e demais informações
quanto a cada uma dessas áreas a partir desta pesquisa.
Quanto às informações secundárias, porém necessárias, relacionadas ao
Município de Garopaba, devido ao escasso tempo de pesquisa, serão coletadas por
meios indiretos, como websites do Governo, da Prefeitura do município e de Portais
Turísticos.
Em vista as relações teóricas pretendidas nesta pesquisa, serão empregados
outros procedimentos, como a pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, projetos e
artigos científicos, a fim de coletar informações distintas relacionadas aos assuntos
abordados, como também, pesquisa em acervos documentais sobre as áreas de
estudo, em websites de entidades e organizações governamentais, públicas e privadas.
23. 23
Por fim, foram coletados os dados e as informações com base no questionário,
nas entrevistas guiadas pelo roteiro e na prática de observação, transcritas e listadas
em três abordagens, de forma a facilitar a compreensão de cada uma delas: 1.
informações quanto às questões históricas; 2. informações quanto às questões
subjetivas; informações quanto às questões específicas e técnicas.
Após uma análise e reflexão quanto a essas informações, foram identificadas e
listadas as limitações e as potencialidades relatadas pelo próprio Grupo e identificadas
pelo pesquisador, para na seqüência, serem propostas as demandas de Design,
abordadas em quatro temáticas, junto a uma análise das mesmas, conforme os
aspectos: prioridade, eficiência e viabilidade, configuradas em tabulações.
1.6. Cronograma
Etapas
08/06 09/06 10/06 11/06
3ª S 4ª S 1ª S 2ª S 3ª S 4ª S 1ª S 2ª S 3ª S 4ª S 1ª S 2ª S 3ª S 4ª S
1. finalização do
referencial teórico.
2. preparação para a
pesquisa de campo
(ambientação, articulação,
formulação de entrevistas
questionários).
3. saídas a campo (coleta
de dados, ferramentas).
4. transcrição e análise
dos dados coletados.
5. proposição e análise
das demandas.
6. elaboração das
considerações finais
7. preparação dos
documentos finais
24. 24
2. CAPÍTULO II
2.1. Modelo Agrícola Brasileiro
O debate em torno da problemática agrária no Brasil (como produzir e de que
forma ocorrerá a produção agrícola), e também da problemática agrícola (o que
produzir, quanto produzir e onde produzir), persiste desde o inicio do século XX, sendo
esta, identificada em seus primórdios como agroexportadora e monocultora, vinculada a
uma sociedade capitalista e conservadora.
Paulillo apud Batalha (1997), deixa claro que foi na década de 60 que a questão
agrária ganhou ênfase, onde era considerada um empecilho ao processo de
industrialização nacional, e para isso necessitou o emprego de novas tecnologias e um
crescimento produtivo acirrado através de estratégias de mudanças econômicas e
sociais, que favorecessem a produção agrícola.
Uma certa “modernização conservadora” da agricultura, visando o
desenvolvimento aliado à industrialização e urbanização, foi induzida aos agricultores
através da introdução dos “pacotes tecnológicos” da Revolução Verde, que
incentivavam largas escalas de produção, aumento geral da produtividade, do número
de produtos exportados e a expansão de sistemas monoculturais.
“Eram pacotes difundidos através de órgãos oficiais que incluíam máquinas
agrícolas, sementes geneticamente modificadas, fertilizantes químicos,
venenos químicos, entre outros. O que representou para os países pobres uma
25. 25
maior dependência de importações tecnológicas e matérias primas dos países
ricos”. (MUSSOI apud ESTEVAM, 2001).
A justificativa para o emprego deste modelo de agricultura encontrava-se
unicamente na necessidade de aumentar rapidamente a produção e a produtividade.
Olalde et. al (2003), relata que essa orientação “produtivista” estava associado ao
cumprimento das funções da agricultura, direcionada unicamente, ao desenvolvimento
econômico, sendo elas: produzir alimentos baratos; fornecer matéria prima para
indústria; permitir a obtenção de divisas a partir do aumento das exportações (ou
redução das importações); consumir produtos industrializados e liberar mão-de-obra
para as atividades urbano-industriais.
Este mesmo modelo de modernização possuiu grandes incoerências e
conseqüências devastadoras: privilegiou algumas culturas, favorecendo apenas médias
e grandes propriedades; provocou o abandono dos agricultores e a fixação nos grandes
centros urbanos; intensificou a concentração de renda no campo; promoveu
oportunidade de créditos agrícolas destinados apenas aos grandes proprietários e, por
fim, promoveu uma constante mudança nas técnicas de produção através da
mecanização, que impossibilitava à agricultura familiar, o uso desse mesmo recurso.
Kalnin (2004), menciona que segundo Graziano Neto, os resultados desse
processo foram catastróficos, tanto no plano econômico quanto do plano social e
ecológico. A sua face mais visível foi uma enorme contradição: se por um lado houve
um grande avanço em termos de progresso técnico (resultados econômicos); em
contrapartida constata-se uma notável regressão em termos sociais, frutos destas
transformações sem a equivalência no campo social cujas conseqüências foram os
êxodos rurais, gerando gigantescos bolsões de pobreza nos centros urbanos,
transformando muitos produtores rurais em “subconsumidores urbanos” e o aumento da
concentração de renda e da terra.
A verificação da existência do êxodo rural e desses gigantescos bolsões de
pobreza é confirmada pelo intenso processo de transformação no tecido social ocorrido
26. 26
em nosso país, onde, em 1940 a percentagem da população urbana do país, era de
31,2%, passando a ser de 81,2% em 2000.
“Isso significa em termos de população total, que as cidades passaram a
abrigar cerca de 138 milhões de pessoas em 2000, contra apenas 12,7
milhões em 1940. A mudança que isso representa na paisagem sócio-física
do país é extraordinária, mesmo levando em conta as críticas
recentes quanto ao uso de um conceito excessivamente amplo de
existência “urbana” nesses dados, de maneira que a porcentagem da
atual população que efetivamente poderia ser classificada como tal seria
bem menos, algo em torno de 57%” (VEIGA apud PÁDUA, 2003).
A partir da percepção destas conseqüências e das deficiências que o setor
agrícola vem enfrentando, provocando transformações na sociedade e no modelo
econômico do país, muitas reflexões surgiram e foram debatidas por diferentes
entidades responsáveis, como o Estado, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, as
Organizações de fomento, entre outros.
Paulillo apud Batalha (1997), comenta que o debate sobre o desenvolvimento
agrário no país reacendeu-se somente na década de 80, com o processo de
reestruturação econômica, abertura política, reajustamento social e o ressurgimento dos
movimentos sociais no campo, onde foram analisadas as características e
especificidades do processo de desenvolvimento capitalista na agricultura, considerando
o surgimento de novas perspectivas para a agricultura.
Toda essa análise sobre o desenvolvimento capitalista refletido na agricultura e
sobre a problemática das novas gerações de agricultores, por parte da fragilidade que
vinha passando, o padrão tecnológico moderno, levou na década de 80, à constituição
de movimentos de oposição e de proposição a fim de amenizar e reverter a situação da
falta de oportunidades, tecnologias não apropriadas e o insuficiente incentivo para com
o meio rural e principalmente para a agricultura familiar. Surge então, a necessidade da
intervenção das instituições de fomento e outros atores sociais, vinculados de alguma
forma ao setor agrícola, para a implementação de programas de fortalecimento desta
agricultura familiar.
27. 27
Na década de 90, surgem projetos de desenvolvimento local/regional com base
na promoção da Agricultura Familiar através da implementação de agroindústrias
familiares, principalmente as agroindústrias de beneficiamento alimentar. Kalnin (2004),
lembra que neste momento se inicia a idéia de não limitar as atividades agrícolas
familiar somente ao cultivo e sim, incluir a produção de outros bens e serviços,
agregando valor nas cadeias produtivas.
Surge a partir de então, diversos conceitos e concepções a respeito dos termos
Agricultura Familiar, Agricultor Familiar e Agroindústria Familiar, sendo discutidos por
diversos autores, cabendo a cada um, buscar identificar esse grupo de agricultores bem
como o meio produtivo no qual estão envolvidos e lhes proporcionar a devida atenção.
2.2. Definições e Concepções da Agricultura Familiar
Lamarche (1997), prefere usar o termo Agricultura Familiar, como uma unidade
de produção agrícola onde a propriedade e o trabalho estão ligados intimamente à
família. Destaca ainda três tipos de agricultores familiares: aqueles cuja finalidade
essencial não seria a reprodução enquanto unidade de produção, mas a reprodução
familiar, modelo familiar; aqueles que estão interessados apenas na sobrevivência da
família, modelo de subsistência; aqueles motivados por um tipo de exploração agrícola
organizada com base no trabalho assalariado e/ou orientada para a obtenção de um
ganho máximo, modelo de empreendimento agrícola.
Mussoi citado por Estevam (2001), considera Agricultura Familiar aquela em que
os trabalhos são exercidos predominantemente pelo agricultor e sua família, dando a
eles responsabilidades, como a iniciativa, o domínio e o controle do que produzir e como
produzir, havendo uma relação estreita entre o que é produzido e o que é consumido,
ou seja, são unidades de produção e consumo, mantendo também um alto grau de
28. 28
diversificação produtiva, mas tendo alguns produtos relacionados com o mercado,
interagindo o produtor com o consumidor.
Segundo o Centro de Safras e Mercados, o termo Agricultura Familiar esta
relacionada diretamente com a produção deste sistema constituído por agentes - os
produtores e seus familiares – que estabelecem entre si e com o meio que os cerca,
relações com vistas a produzir alimentos, serviços, lazer, obter renda, melhorar a
qualidade de vida, zelar pelo meio ambiente, pela paisagem rural, entre outros.
Segundo Kalnin (2004), em sua contextualização sobre o termo, busca definir
Agricultor Familiar como sendo:
“todo aquele que explora parcela da terra na condição de proprietário
assentado, posseiro, arrendatário ou parceiro e atende simultaneamente
aos seguintes quesitos: utiliza o trabalho direto seu e de sua família,
podendo ter, em caráter complementar, ate dois empregados
permanentes e contar com a ajuda de terceiros, quando a natureza
sazonal da atividade agropecuária o exigir; não tedenha, a qualquer título.
Área superior a quatro módulos fiscais, quantificados segundo a
legislação em vigor; tenha no mínimo 80% da renda familiar bruta anual
originada da exploração agropecuária, pesqueira e/ou extrativa; resida na
propriedade ou em aglomerado rural ou urbano próximo”
É percebido, a partir desses e inúmeros outros conceitos a respeito desses
termos, a necessidade de identificar esses grupos de agricultores a partir de alguns
critérios que facilitem o processo, como organização do trabalho, renda anual, escala de
produção, entre outros. Cabe salientar que o necessário é identificar esse grupo a partir
de sua vivência e de sua realidade, a qual lhe garante um estilo de vida único e
diferenciado, não excluindo a sua importância para com a economia, a política e a
estrutura social do nosso país.
Nesta mesma década, onde inúmeros debates com o intuito de compreender tais
termos e suas caracterizações, muitos agricultores familiares começam a se unir em
29. 29
associações, cooperativas e condomínios para iniciar a implementação de pequenas
agroindústrias, surgindo o termo Agroindústria Familiar.
Agroindústria Familiar: atividade que permite aumentar e reter, nas zonas rurais,
o valor agregado da produção da agricultura familiar, através da execução de tarefas de
pós - colheita nos produtos provenientes de explorações agrosilvopastoris, tais como
seleção, lavagem, classificação, armazenamento, conservação, transformação,
embalagem, transporte e comercialização (Instituto Cepa/SC, apud KALNIN, 2004).
Segundo o Censo Agropecuário de 1995/1996, realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE, estima-se em aproximadamente quatro milhões o
número de estabelecimentos familiares rurais no Brasil, caracterizando um significante
contingente populacional heterogêneo e que demandam de tratamentos diferenciados e
emergenciais.
Essa defesa da Agricultura Familiar, como forma de reverter a situação atual do
meio rural, causados pela Agricultura Tradicional ou Patronal, repousa em indicadores
concretos:
Segundo Pádua (2003), um levantamento recente revelou que, entre 1989 e
1999, as propriedades com menos de 100 hectares (reconhecidas como familiares),
apresentaram taxa de crescimento anual médio do rendimento físico da produção da
ordem de 5,80% contra 3,29% na agricultura patronal. A taxa anual média de
crescimento da quantidade produzida na agricultura familiar no mesmo período, por
outro lado, foi de 3,79% ao ano, contra 2,60% na agricultura patronal.
Outros indicadores, segundo o Censo Agropecuário de 1995/1996, realizado pelo
IBGE, revelaram que a Agricultura Familiar, constituída por pequenos e médios
produtores, representam a maioria dos produtores rurais no Brasil, são cerca de 4
milhões de estabelecimentos, representando 85,2% do total, onde detém 30,5% das
terras, respondendo por 30% da população global e por 37,9% do valor bruto da
produção agrícola nacional, empregando cerca de 13,8 milhões de trabalhadores,
30. 30
representando cerca de 80% do Pessoal Ocupado, apesar de receber apenas 25,3% do
financiamento total (cerca de 938 milhões de reais).
O domínio desse setor é evidente preferencialmente na produção de alimentos
básicos da dieta do brasileiro como feijão, arroz, milho, hortaliças, mandioca e pequenos
animais, sendo responsável por 60% da produção nacional em relação a esses
produtos.
Essas afirmações vêm evidenciar a forte capacidade de resistência do modelo de
agricultura familiar, nos revelando mais uma vez, o potencial desses grupos de
agricultores e a demanda em constante ascensão de seus produtos. São responsáveis
por demonstrar resultados produtivos e eficazes apesar da falta de apoio e créditos
necessários. O que nos direciona a reconhecer este modelo e buscar fortalecê-lo a partir
de novas reflexões e novos projetos de intervenção sobre o mesmo.
No entanto, esses mesmos agricultores encontram-se escondidos muitas vezes,
por de trás das grandes indústrias e pelo mercado acirrado e competitivo, necessitando
desta forma, da inclusão de atores sociais que visem a melhoria da capacidade
produtiva e organizacional de seus sistemas produtivos, o empreendimento de políticas
ativas, e que desafiem este mercado trabalhando para o fomento da atividade agrícola
como forma de desenvolvimento de nossa sociedade.
2.3. Modelo Agrícola Familiar de Santa Catarina
O modelo agrícola catarinense é caracterizado devido ao processo de ocupação
e formação deste Estado, a qual, segundo Freire (2002) é identificada por três períodos
significativos e pela sua inserção gradativa no mercado regional, nacional e
internacional.
31. 31
O primeiro período de formação do Estado Catarinense, que se estende do
século XVII a 1850, é caracterizado pela preocupação dos portugueses em fortificar a
extensão litorânea, criando pontos de abastecimentos garantindo acesso à Região do
Prata e viabilizando o transporte para a exploração do ouro. Predominando desta forma,
a economia de subsistência e agro-exportadora. Inicia-se neste período a ocupação de
alguns povoados originando as cidades de Nossa Senhora da Graça do Rio São
Francisco do Sul, Santo Antônio dos Anjos de Laguna, Nossa Senhora do Desterro, e
posteriormente, a emancipação do município de Lages. O segundo período,
correspondente à 1850 a 1914, encontra-se vinculado ao expressivo contingente de
imigrantes vindos principalmente da Itália e Alemanha trazendo experiências já
industrializadas e o conhecimento da economia policultura e de mão de obra familiar,
fator este, que garante a diferenciação entre os demais Estados brasileiros: a atividade
de policultura, com o cultivo confinante de diferentes produtos, em resistência à
monocultura. Surgiram neste período, os primeiros povoados alemãs e italianos como
São Pedro de Alcântara. O terceiro período, entre 1914 e 1960, é caracterizado pela
inserção no mercado nacional junto a uma melhor reflexão sobre a produção familiar,
onde algumas de suas características, como a pequena produção baseada no
policultivo, são apontadas como fatores de resistência à crise e também como fatores de
desenvolvimento.
Segundo a FAO/INCRA, citado por Freire (2002), o Estado possui algumas
características típicas em suas Unidades Rurais Familiares – como: (1) a preeminência
da força de trabalho familiar; (2) a unidade, interação e interdependência existente entre
a família e a unidade de produção, isto é, a não separação entre os proprietários dos
meios de produção e os trabalhadores; (3) a não especialização e divisão clássica,
formal e hierárquica do trabalho e entre a atividade administrativa e executiva, isto é,
entre trabalhadores diretos e indiretos; (4) uma participação solidária e co-responsável
de todos os membros da família na organização e no funcionamento do conjunto do
sistema família – unidade de produção; (5) um projeto (objetivos e finalidades)
orientado, prioritariamente, para a reprodução das condições e da força de trabalho
familiar; (6) uma estratégia voltada para a garantia da segurança alimentar da família,
para a redução dos riscos, para o aumento da renda total da família e por unidade de
32. 32
trabalho para a garantia do emprego da mão-de-obra familiar e para a melhoria e
ampliação das condições de trabalho e produção.
O Estado possui inúmeras particularidades em seu contexto agrícola, que o
diferencia dos demais Estados. Uma delas diz respeito às concentrações de terras e de
riquezas, as quais foram amenizadas durante um período devido à resistência das
Unidades de Produção Familiar, possuindo atualmente, um dos menores índices de
concentração fundiária do país.
Após a “modernização na agricultura”, ocorrida durante a década de 60 e 70, o
modelo agrícola catarinense - baseado na presença de imigrantes e na sua própria
formação, onde em um primeiro momento, suas unidades de produção familiar visavam
a subsistência a partir de processos rudimentares - lidou com algumas modificações em
seus processos produtivos como as implantações de Complexos Agroindustriais,
integrando-se assim, á dinâmica da produção industrial.
Os complexos agroindustriais começam a deter um maior controle sobre o
trabalho dos agricultores, no entanto, fizeram aumentar o número de agricultores com
emprego fora das propriedades, ou a combinação de atividades dentro da própria
unidade de produção, atividades estas que nem sempre estão diretamente relacionadas
à produção agrícola.
No entanto, com base nos critérios de classificação do Programa Nacional da
Agricultura Familiar - PRONAF, estima-se que em 2000, a agricultura familiar em Santa
Catarina representa um universo de 180 mil famílias, ou seja, dentre os 21% habitante
no meio rural, mais de 90% estão inseridos no modelo da agricultura familiar. O que nos
revela a superação frente a esses complexos agroindustriais, voltados
preferencialmente à produtividade e rentabilidade.
Estas famílias de agricultores, apesar de ocuparem apenas 41% da área dos
estabelecimentos agrícolas, são responsáveis pelo destaque do setor primário, detendo
mais de 70% do valor da produção agrícola e pesqueira do estado, destacando-se na
maior produção nacional de suínos, maçãs, cebolas, ostras e mexilhões, como também
33. 33
na produção do feijão, milho, leite entre outros, constituindo uma das bases da nossa
economia local, de grande prestígio nacionalmente.
2.4. Contextualização das Unidades de Produção Familiar – UPFs
Ao classificarmos as unidades de produção familiares - UPF, nos deparamos com
alguns autores que as diferenciam conforme critérios estabelecidos, como a renda bruta
percebida no ano agrícola, a área ocupada, a produtividade, entre outros. No entanto,
esta seção enfatiza os principais problemas enfrentados por tais unidades, onde são
distinguidos apenas por sua intensidade. Será abordada também, a própria
contextualização das unidades de produção, apontando suas especificidades e
peculiaridades.
Segundo Blum apud Tedesco (1999), os problemas estão envolvidos aos quatro
fatores de produção: terra, mão-de-obra, capital e capacidade empresarial.
Quanto ao fator “terra”, relacionam-se as seguintes entraves: a concentração e
distribuição de terra, devido à forma de colonização e a qualidade da terra devido ao
sistema antigo e nômade de preparo do solo, uso excessivo de tratores e
conseqüentemente o empobrecimento do solo e o assoreamento dos rios.
Quanto ao segundo fator, a “mão-de-obra”, tais problemas relacionam-se à
escassez de mão-de-obra, devida principalmente ao êxodo rural e a preferência por
empregos nos setores do comércio e indústrias; à qualidade da mão-de-obra, devido a
pouca instrução tecnológica e sistemática do processo produtivo; ao custo da mão-de-obra,
ligada diretamente à escassez, por não manter os trabalhadores na propriedade
por longos períodos; à humanização da mão-de-obra, onde tais trabalhadores são
designados a executar atividades de grande esforço, penosas e algumas vezes de risco.
34. 34
Quanto ao fator “capital”, tais problemas também se encontram relacionados à
escassez de capital, devido a questões externas como inflação, a instabilidade dos
preços, alto valor de impostos entre outros; à política agrícola, devido a inexistência ou
baixa qualidade de alguns aspectos econômicos como comercialização, credito rural,
legislações trabalhistas, fiscais, direitos da saúde, educação, entre outros.
Quanto ao último fator, “capacidade empresarial”, pode-se perceber a intensa
inexistência ou ineficiência de uma administração rural, e conseqüentemente a
insuficiente instrução oferecida aos agricultores direcionada a este assunto. Eis alguns
dos impasses relacionados a este fator: a falta de gerenciamento e visão empresarial,
devido ao não conhecimento aprofundado das áreas administrativas, (produção,
recursos humanos, financeiros, comercialização, marketing) e da função de um
administrador (planejar, organizar, dirigir e controlar); falta de análise e controle das
entradas e saídas do sistema produtivo; dificuldade em manter unidades de produção
isolada, se contrapondo à vivência em grupos sociais, como cooperativas e
associações; falta de visão sistêmica, onde se deve avaliar um conjunto de relações e
não apenas a unidade produtiva; a deficiência na comercialização e agregação de valor,
devido a participação de intermediários o que aumenta o preço nas vendas dos
produtos, e o baixo retorno para o agricultor; deficiência no uso das tecnologias, devido
a escassa assistência técnica e conseqüentemente o uso inadequado das questões
tecnológicas produtivas, como insumos, agrotóxicos, maquinários, infraestrutura.
Cabe aqui mais uma vez, ressaltar a justificativa desta pesquisa, onde vem a
considerar o Design, como meio estratégico, a fim de lidar com algumas dessas ações e
salientar as oportunidades e potencialidades existentes no meio rural ao mesmo tempo
em que visa promover o conhecimento em prol da melhoria na qualidade de vida desses
agricultores, e da melhoria de seus produtos ofertados ao mercado.
Brandenburg (1999), cita que a existência das unidades de produção familiar se
condiciona primeiramente pela posse da terra, tanto para a constituição da identidade
do agricultor como para organizar tecnicamente a produção. “A situação do agricultor
35. 35
em relação à propriedade da terra define a sua estratégia de sobrevivência e determina
as suas condições de reprodutibilidade”.
O sistema de produção vivenciado pelos agricultores familiares define um modo
de vida particular e que garante aos mesmos uma identidade, uma certa autonomia e
diversificação de seus deveres, ao contrário da lógica produtivista que maximiza a
racionalidade econômica, mediante sistemas especializados. Suas atividades são
praticadas conforme suas culturas, criações e recursos.
Devido a um vasto segmento da agricultura familiar que não consegue afirmar-se
economicamente em virtude do ambiente que a vincula ao mercado, tendo como
entrave de maior evidência, a comercialização de seus produtos, é percebido um melhor
aproveitamento das unidades de produção familiares quando se associa a produção
destinada ao autoconsumo, em relação à produção destinada ao mercado como
geradora de renda. Ou seja, a satisfação da família é demandada, mas, entretanto, o
mercado não se satisfaz com o que é ofertado pela propriedade rural.
Como forma de buscar um maior rendimento, e a satisfação também do
mercado, as unidades familiares se especializam em torno de um ou mais produtos
orientados ao mercado, através de produções integradas às agroindústrias ou
cooperativas, as quais impõe através da relação contratual, um padrão convencional de
produção da exploração que é objeto de contrato (BRANDENBURG, 1999).
Porém essa configuração de produção vem a contrapor à dinâmica vivida e
expressada pela agricultura familiar desde suas origens, onde suas características
marcantes, entre tantas outras, são a diversificação de seus produtos e sua própria
unidade organizacional.
O que apronta, conforme o contexto, uma necessidade de aprimoramento deste
ajuste entre a propriedade e o mercado, pois mesmo mantendo a identidade familiar, a
autonomia e sua produção voltada para a diversificação, como unidade produtiva, a
propriedade deve considerar o mercado como articulador ao seu desenvolvimento,
36. 36
sendo que um dos desafios das unidades de produção familiar, é adotá-las de meios
que lhe garantem participar desses mercados dinâmicos, competitivos e exigentes.
2.5. O Meio Rural
A alocução existente a respeito da ruralidade, do espaço correspondente ao meio
rural, tem sido muitas vezes, relacionada e comparada com o processo de
desenvolvimento do meio urbano, com sua expansão territorial e com sua modernidade.
No entanto, este antagonismo histórico tem recebido recentemente, o destaque
merecido por distintos autores onde buscam, a partir dessa relação entre o meio rural e
o meio urbano, salientar um novo dinamismo para ambos os espaços.
É o que abordou José Eli da Veiga, em sua Conferência “A relação urbano/rural
no processo de desenvolvimento” apresentada no evento realizado pela Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência em Florianópolis em 2006, e em muitos de seus
artigos científicos.
Ao conceituar o meio rural, o autor acima citado, compara-o ao grau de
‘artificialização’ dos ecossistemas do local em análise, ou seja, ao grau de intervenção
antrópica deste local. As áreas de menor pressão antrópica, de menor alteração, seja
ambiental como manter a vegetação primária, ou social como manter baixa densidade
demográfica, são consideradas ‘rurais’.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF,
expõe sua visão a respeito da interação entre cidade e campo citando seu pressuposto
básico: “existe um potencial de geração de renda no meu rural e nos municípios aos
quais se relaciona diretamente que a sociedade não tem sido capaz de valorizar”.
37. 37
Para a oficial classificação, quanto ao termo “rural” e quanto ao termo “urbano”, é
preciso alguns critérios e bases quantitativas, as quais definem e considera o que vem a
ser ‘rural’ e o que vem a ser ‘urbano’, no entanto, esta classificação tecnicista, não será
o enfoque deste capítulo, e sim a situação atual do meio rural.
Maria de Nazareth Wanderley, ao registrar o prefácio do livro Agricultura
Familiar, Ongs, e Desenvolvimento Sustentável, de Alfio Branderburg (1999), relata a
situação do meio rural de uma forma bastante clara, detonando peculiaridades ao
ambiente, recordando o seu passado e sua existência ao longo dos anos:
“Para boa parcela da população brasileira, o ”rural” é o lugar de origem (...) faz
parte da memória familiar, constituindo o pano de fundo da cena de tantas lembranças e
histórias passadas de geração a geração (..) A vida no campo é associada a uma maior
experiência de liberdade e de contato direto com a natureza, mas, ao mesmo tempo, o
campo é, para muitos, o lugar de opressão, do cerceamento dessa mesma liberdade,
onde o poder privado se sobrepõe, e freqüentemente anula os direitos do cidadão. (...) é
socialmente percebido como o lugar de precariedade, onde os benefícios da
“civilização” custam a chegar (...) é também o lugar da ruptura, freqüentemente dolorosa
para os que partem para ganhar o mundo ou para fugir do atraso (...) Lugar de saída
parece ser a imagem que mais corresponde à representação que muitos fazem do meio
rural (...) Mas, há os que ficam. Por necessidade ou por gosto. E fazem do meio rural um
lugar de vida.”
Outro questionamento que tem surgido quanto ao meio rural, se norteia em
função das possibilidades observadas em relação ao seu destino. Filósofos e
sociólogos, a cerca de trinta anos, vem lançando hipóteses para esta questão, onde
abordam duas das possibilidades: a extinção do ‘rural’ ou ‘completa urbanização’; e o
‘renascimento do rural’ ou como Veiga nomeia, uma ‘nova ruralidade’, um fenômeno
embrionário de causas atuais, onde observam as potencialidades ali presentes.
Esta “nova ruralidade” tem ganhado destaque, possuindo inúmeras razões para
se afirmar, sendo uma delas, a própria mudança incidida entre o meio rural e o meio
urbano. Cada vez mais nos deparamos com a revalorização do meio rural, devida a
38. 38
suas amenidades naturais, aos seus serviços prestados, à agregação de valor contido
em seus produtos ofertados e a sua industrialização em forma de exportação de bens
manufaturados.
Cada vez mais, é percebida uma nova dinâmica nas relações econômicas e
sociais existente no meio rural, que se defrontam com o meio urbano na forma de uma
complementaridade e interação, onde a cidade e o campo se casaram, e enquanto ela
cuida de lazer e trabalho, ele oferece liberdade e beleza” (Veiga,2006).
Nesta nova dinâmica do meio rural, associada à modernização de seu modelo
produtivo, observa-se, a implementação de novas atividades, algumas não-agrícolas, e
de novas funções, ressaltando suas peculiaridades: a pluriatividade e
multifuncionalidade.
A pluriatividade surge para romper com o modelo clássico de desenvolvimento
rural, baseado unicamente na produção agrícola, propondo assim uma nova alternativa
na diversificação das fontes de rendas das famílias envolvidas na produção agrícola.
Suas funções de preservação ambiental, criação de um espaço de maior contato
com a natureza e com um estilo de vida diferente do característico das cidades urbanas,
são cada vez mais valorizados e absorvidos por diversas áreas. Sendo uma delas, o
turismo, uma das atividades de maior expressão que incorporam essa nova dinâmica do
meio rural, designando novas funções como a oferta de lazer e prestações de serviços
(multifuncionalidade). São essas as construções de novas relações que promovem o
dinamismo entre o meio rural e seus agricultores, com o meio urbano e o mercado.
2.6. A Agroecologia
39. 39
Ao contestar os padrões produtivistas do uso intensivo de insumos industriais, e
da necessidade de aumentar rapidamente a produção e a produtividade,
desencadeando graves conseqüências sobre o meio ambiente e sobre a saúde
humana, foram pressionadas mudanças a serem consideradas, fazendo surgir, a partir
de meados dos anos 80, o movimento que ficou conhecido como agricultura alternativa,
focado na construção de um novo paradigma com base nas condições ecológicas e
socioeconômicas da agricultura brasileira. O movimento reforçaria o processo de
organização e de resistência, sendo que seus maiores potenciais eram suas
proposições ou estratégias de sobrevivência da agricultura (Lovato & Schimidt, 2006).
Muller, citado por Olalde et. al (2003), descreve que este movimento representou
o início do que ele chamou de “politização ecológica”, havendo a introdução de valores
ambientais na opinião pública, nas práticas agrícolas e nas políticas agrárias de
desenvolvimento.
O movimento da agricultura alternativa, antes mesmo de se caracterizar por
movimento, “é uma ciência, um conjunto de conceitos, princípios e métodos que
permitem estudar, manejar e avaliar um ecossistema agrícola, oferecendo diretrizes
para uma agricultura mais sustentável, ambientalmente sadia, socialmente justa e
economicamente viável” (EPAGRI, 2002).
Seu destaque maior voltou-se ao modelo agroecológico e aos preceitos com
base na ciência advinda da Agroecologia. Por se tratar de um termo conceitual
complexo, ainda em construção, diversas interpretações são tratadas a respeito da
agroecologia.
Segundo Miguel Altieri et al., citado por Santin (2005), a agroecologia é
considerada:
“uma disciplina científica que define, classifica e estuda sistemas agrícolas
desde uma perspectiva ecológica e socioeconômica. Considera os
fundamentos científicos da agricultura sustentável para estudar, analisar,
desenhar, manejar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a
implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis
de sustentabilidade no curto, médio e longo prazo” (p. 59).
40. 40
Ainda citados pela autora, no conceito de Caporal e Costabeber (2000), a
agroecologia é vista como um processo multidimensional de mudança social orientado
no sentido da ecologização das práticas agrícolas no manejo dos agroecossistemas.
Sevilla Guzmán apud Santin (2005), acrescenta o papel estratégico da
agroecologia como agente promotor de um padrão de desenvolvimento ecologicamente
prudente e socialmente justo, valorizando as capacidades locais e incorporando a ação
social coletiva como sujeitos do processo:
“a estratégia agroecológica poderia ser definida como o manejo ecológico dos
recursos naturais que, incorporando uma ação social coletiva de caráter
participativo, permite projetar métodos de desenvolvimento sustentável. (...) Em
tal estratégia, o papel central da dimensão local é como portadora de um
potencial endógeno que, através da articulação do conhecimento camponês
com o científico, permite a implementação de sistemas de agricultura
alternativos, potenciadores da biodiversidade ecológica e sociocultural” (p. 60).
A agroecologia é ressaltada ainda como uma ação de mudança social, buscando
mudanças não somente nos padrões tecnológicos, mas, sobretudo no comportamento
dos agricultores e da sociedade em geral em relação a uma nova perspectiva ecológica
e socioeconômica compatível com os diversos agroecossistemas.
Os princípios difundidos pela agroecologia são universais, no entanto, suas
técnicas aplicadas de diversificação, de reciclagem e de integração são específicas para
cada localidade. Ela “incorpora as perspectivas tanto ecológicas quanto culturais e
sócio-econômicas inerentes aos sistemas de produção agrícolas” (OLALDE et. al, 2003,
p.38).
Ainda que mantido o mesmo aspecto legal, os movimentos agroecológicos
distinguem-se dos movimentos orgânicos, no sentido de que a agroecologia é uma base
41. 41
científica de princípios que se aplicam na forma orgânica ou de outras formas, para
chegar a uma agricultura sustentável. E esta, a agricultura orgânica é um sistema de
produção, um conjunto de técnicas que se aplicam no princípio da agroecologia
(SANTIN, 2005).
A agroecologia é considerada a base científica de princípios mais viável aos
agricultores familiares, em particular da Região Sul do País por representar, segundo o
IBGE, 90,5% de todos os estabelecimento agrícolas, que buscam no novo paradigma do
desenvolvimento, baseado na sustentabilidade e solidariedade, um modelo de produção
onde o agricultor tem o domínio do processo em sua total integralidade, desde a
produção, transformação, armazenamento, transporte, comercialização, mesmo que se
percebam algumas limitações em determinadas etapas deste processo e que não seja
do conhecimento e habilidade do agricultor solucioná-las.
Uma das entidades vinculadas aos preceitos da agroecologia, a Rede de
Agroecologia Ecovida, relata que “enquanto estratégia de fortalecimento da agricultura
familiar, a agricultura ecológica é o começo de um processo de grandes mudanças que
deverão acontecer nos próximos anos”. Tais mudanças são visíveis na base produtiva
das propriedades, com incorporação de técnicas e métodos diferenciados, como
também, “mudanças nas formas de organização dos agricultores para que possam
superar e avançar as barreiras da comercialização e industrialização” (SÍTIO DIGITAL
ECOVIDA).
Tais princípios e conceitos embutidos na agroecologia se sustentam não somente
pela percepção do agricultor em se opor e resistir aos demais modelos convencionais,
mas também pela crescente demanda de consumidores por alimentos saudáveis e
puros, sem a inclusão de qualquer componente tóxico, em razão à melhor qualidade de
vida e preservação do meio ambiente, ou seja, produtos ecológicos.
É considerado também, o forte vínculo já existente entre esses produtos e o
mercado externo através das exportações, onde se percebe além da venda apenas da
matéria prima, um novo estímulo às demandas de produtos finais como geléias, sucos
de frutas, café solúvel, frutas desidratadas, entre outros. No entanto, esses produtos têm
42. 42
conquistado espaço também no mercado interno. Sendo que um dos maiores motivos
para esta constatação em relação aos produtos orgânicos, é que “a diferença de preço
em relação ao convencional é compensada pelo ganho na qualidade” (OLALDE et. al,
2003, p. 46).
Torna-se cada vez mais significativa a demanda por gêneros diferenciados, ao
que Veiga (1999) denomina de “mercado de qualidade”, cabendo aos produtos que não
contenham insumos químicos ou tóxicos em sua composição, bem como o respeito
causado ao meio ambiente, o destaque merecido. O mercado dos produtos
ecologicamente diferenciados, como os alimentos orgânicos ou “bio” como são
denominados na Europa, movimenta atualmente US$ 20 bilhões no mundo, crescente a
uma taxa superior a 20% ao ano (OLALDE et. al, 2003).
Segundo a EPAGRI, em um de seus Projetos do Programa de Desenvolvimento
Rural, onde busca fomentar a agroecologia, expõe que o Brasil é o segundo país com o
maior número de lavouras orgânicas no mundo, contando com 19 mil agricultores
brasileiros produzindo orgânicos, sendo que 70% são pequenos produtores familiares.
Em Santa Catarina, desde 1996, o némero de associações ou grupos de agricultores
orgânicos, têm superado mais de 60 entidades formais e informais, associações,
cooperativas que reúnem mais de 2.000 famílias.
A comercialização de produtos ecológicos, destinada a um público específico,
com perfis diferenciados, é considerada um dos maiores potenciais de mercado nos dias
de hoje. O que nos faz, junto a um estudo entre agricultor - produto - consumidor, atuar
para tornar esse potencial em uma real oferta exigida pelo mercado e seus integrantes.
Mantendo constantemente os princípios iniciais da agroecologia, “visando promover
uma reestruturação profunda no modelo de organização no processo de produção, de
distribuição e de consumo desses produtos, como parte de um processo mais amplo de
construção de uma nova sociedade” (OLALDE et. al, 2003, p.30).
Os perfis desses consumidores têm sido cada vez mais estudados e observados,
a fim de identificar as principais razões de consumo, como também mapear os locais de
compra e comercialização desse segmento de produtos. Objetivos estes propostos pelo
43. 43
Instituto CEPA/SC junto a CEPAGRO, no ano de 2003 quando promoveram uma
pesquisa a respeito da comercialização e consumo de produto agroecológicos da
Grande Florianópolis.
Quanto à pesquisa, inúmeros dados relacionados ao próprio produto foram
levantados, quais os locais de venda; o grupo de produtos mais procurados; a origem
dos produtos em relação à estrutura produtiva; a procedência dos produtos; a forma de
divulgação; as formas de garantia do produto; as principais razões para a
comercialização; nível de satisfação dos estabelecimentos com a venda. Dados
relacionados ao consumidor também foram observados como: critério de compra; grau
de instrução e de renda; principal atividade ocupacional; periodicidade em que
consome; as principais razões para o consumo; o nível de satisfação e o maior
problema com relação à oferta.
Os resultados da pesquisa, além de reafirmar a unanimidade da crescente
tendência e a satisfação de mercados direcionados à comercialização de produtos
agroecológicos, puderam considerar outras informações como a falta de regularidade na
oferta; a exigência quanto à garantia e autenticidade dos produtos adotando como
critério a certificação seja por selos ou relações de confiança; a tendência no consumo
variado de produtos não mais somente o grupo das hortaliças; a insatisfação a respeito
do alto valor dos produtos; e a necessidade de obter maiores informações sobre os
produtos ecológicos.
Reafirmando os resultados da pesquisa, Mattos e Borguini, citados por Olalde et.
al (2003), participaram de uma importante revisão das pesquisas disponíveis no Brasil
durante os anos de 1992 a 1999, onde listaram alguns pontos em comum: 1. o
consumidor tem com principal motivação a preocupação com sua saúde e de sua
família; 2. a maioria dos consumidores estão dispostos a pagar um preço mais elevado
pelos alimentos orgânicos; 3. parcela expressiva dos consumidores não tem consciência
clara do significado da agricultura orgânica; 4. muitos consumidores gostariam de contar
com uma oferta mais diversificada de alimentos orgânicos, tanto em relação à variedade
de produtos como de postos de venda.
44. 44
A principal conclusão desta revisão foi a carência na abrangência do potencial de
consumo desses produtos no mercado nacional e até internacional, sendo esta, uma
visível demanda para a intervenção de diferentes áreas profissionais.
Essas e demais pesquisas que surgem em relação a este segmento de produtos,
junto ao seu grupo consumidor, são essenciais para a verificação de potencialidades e
cada vez mais, para a expansão dos grupos de agricultores agroecológicos, construindo
um espaço agrícola cada vez mais coerente com os princípios da própria agroecologia,
de ética, de sociabilidade e de cooperação.
É compreensível que muitas foram as ações e estratégias para a expansão desse
conceito, desse princípio, desse modelo de produção fomentado pela agroecologia.
Diversas organizações e instituições atualmente encontram-se ligadas de alguma forma,
à agricultura orgânica, como a AAO – Associação de Agricultura Orgânica em São
Paulo, a EMATER - Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência
Técnica e Extensão Rural, no Rio Grande do Sul, e as cooperativas de diversos
Estados, como o caso da Rede de Agroecologia Ecovida, abrangendo os Estados de
Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
No entanto, fazendo parte de um contexto muito maior, onde são sustentadas as
diversas dimensões, como políticas, econômica, sociais, ambientais e culturais, esses
grupos de agricultores, de consumidores e demais agentes atuantes, estão vinculados
ao próprio processo de alterações e de evoluções que o ambiente em que vivemos, se
defronta ao longo dos anos.
É nestas constantes transformações do ambiente social em que nos encontramos
que permeia os questionamentos da própria população, como cidadãos, representados
por uma parcela significativa deste processo, e muito mais além, como sujeito do seu
próprio desenvolvimento.
Este reconhecimento dos cidadãos em serem considerados parte integrante
deste processo, aprovando a importância de suas ações e responsabilidades, bem
como a valorização do fenômeno cultural das sociedades, enfatizado pelo capital social,
45. 45
são cada vez mais abordadas e absorvidas pelos poderes públicos. No entanto, este
reconhecimento se deu ao longo de um enorme e constante debate que se encontra
ainda em andamento, a respeito dos modelos de desenvolvimento difundidos conforme
os preceitos daqueles de maior autoridade e o contexto histórico vivido pelos mesmos.
2.7. Concepções sobre Desenvolvimento
O processo histórico de construção do pensamento sobre o tema
desenvolvimento, tem emergido por diversas concepções distintas, podendo ser
abordadas basicamente por duas de suas correntes: a primeira onde o desenvolvimento
e crescimento econômico foram considerados sinônimos, onde o país é tido como de
maior ou menor desenvolvimento conforme seu grau de crescimento econômico, e uma
segunda onde não mais o crescimento econômico é uma condição única para o
desenvolvimento e sim, uma condição indispensável, junto a outras tantas dimensões
como as relações sociais, culturais, tecnológicas e ambientais (EID & PIMENTEL, 2005).
Dentre essas duas correntes, voltadas às concepções sobre o desenvolvimento,
muitas foram as contradições, os movimentos e os discursos para se chegar a um
modelo mais realístico e ideal de desenvolvimento, que possa ser aposto a tantas
peculiaridades e dependências de nosso país. Nesta verificação é relevante
compreendermos de forma concisa, o curso desses discursos, bem como as
circunstâncias e suas conseqüências ao longo dos anos.
46. 46
2.7.1. Do Desenvolvimento Vigente a uma Nova Perspectiva
O discurso referente ao modelo de desenvolvimento vigente, fundamentado no
dinamismo de expansão e reprodução do sistema capitalista mundial, denominado por
Vargas de “processo de globalização econômica, produtiva e financeira”, é amplamente
favorável a inúmeros questionamentos e discussões ao longo dos anos.
“As crescentes evidências do custo ambiental do desenvolvimento vigente, a
crise ambiental, a queda da renda agrícola, a superprodução aliada à má
distribuição de alimentos (decorrentes das novas relações econômicas
internacionais), as ‘rupturas recentes’ (demográficas, do modelo de agricultura
familiar, a dissociação entre agricultura, território e meio ambiente), as
insuficiências do pensamento clássico e dos debates contemporâneos acerca
do desenvolvimento (anos 50 e 60) e a contribuição dos movimentos literários e
civis pós-68, são ‘elementos decisivos’ no debate atual sobre esta questão”
(NAVARRO apud VARGAS, 2001, p. 217).
Seu primado econômico faz prevalecer, a pura e simples “produção pela
produção”, atrelando a espécie humana ao processo mais geral de valorização do
capital.
A idéia-mestre, como cita Almeida (2001), do desenvolvimento inspirado nas
sociedades ocidentais propondo modelos para o conjunto do mundo, residia no
“paradigma do humanismo ocidental”, ou seja, na compreensão de que o
desenvolvimento sócio-econômico é provocado pelos avanços técnico-científicos,
assegurando ele próprio o crescimento e progresso das virtudes humanas, das
liberdades e dois poderes dos homens. Afirmando que o sócio-econômico encontra-se
voltado necessariamente para a construção do futuro.
Outra forte atitude deste modelo de desenvolvimento é que ele se impõe como
universal, como um bem para todos, sendo aplicado de forma uniforme, propagando-se
a diferentes meios e situações, onde todos são julgados por um modelo único de
47. 47
modernização, e que contrapartida, desencadeia um enorme descontentamento dos
países “subdesenvolvidos” por serem julgados “em atraso”, conforme padrão dos países
“desenvolvidos”.
Em contrapeso a esta imposição única e universal do modelo de
desenvolvimento vinculado à sociedade, Rodriguéz (1997) aborda seis níveis
conceituais referentes aos modelos de desenvolvimento, sucedidos pela análise teórica
do desenvolvimento a partir dos anos 60, sendo eles:
1. Modelo Convencional: (citado até o momento) desenvolvimento econômico de
nível técnico-econômico. Reduz-se a fenômenos parciais definidos por variáveis
micro e macro-econômicas. Recursos naturais como demandas produtivas.
Maximiza a geração de renda.
2. Modelo Convencional Ampliado: desenvolvimento econômico e social de nível
social. Adicionam-se componentes sociais, e garantem formas mais ou menos
equilibradas da assimilação da renda gerada.
3. Modelo da Dependência: de nível político. Adicionam-se as variáveis de poder e
as relações de dominação.
4. Modelo de Desenvolvimento Humano: novo desenvolvimento de nível axiológico.
Implica no desenvolvimento do homem integral ou vital e amplia a gama de
opções das pessoas.
5. Modelo de Ecodesenvolvimento: de nível ecológico. Adquire as consciências dos
limites do meio ambiente. Favorece uma maior racionalidade sócio-ambiental
para o manejo de recursos e do espaço, buscando um maior controle
democrático e a participação popular nas decisões.
6. Modelo de Desenvolvimento Sustentável: síntese conceitual dos níveis
ecológicos e axiológicos. Centrado na dimensão humana, em criar condições
sustentáveis referidas a dimensão social, a qualidade de vida e a dinâmica
natural. Gestão ao longo prazo da natureza.
Acredita-se que o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento, estará
sustentado ao nível axiológico, ou seja, centrado no desenvolvimento humano,
48. 48
orientado à satisfação de suas necessidades, elevando a qualidade de vida, operando
nas demais dimensões sociais, culturais, econômicas e ambientais.
Sua preposição básica se dará pela eficiência econômica, eficácia social e
ambiental, implicando na expansão ou realização de potencialidade, almejando,
gradativamente, um estado melhor, maior e mais pleno (CAVALVANTI, 1997).
Acredita-se por fim, que “o desenvolvimento requer não só a criação e
reprodução do capital econômico, mas também do capital humano (conhecimento,
habilidades e competências) e do capital social (confiança, cooperação,
empoderamento, organização e participação social)” (PÁDUA, 2003).
Esta busca por um novo modelo de desenvolvimento intensifica durante as
décadas de 60 e 70, quando problemas relacionados à exploração desenfreada dos
recursos naturais e a degradação ambiental com caráter global, aprofundou a
consciência ecológica em muitos segmentos da sociedade, originando o que foi
reconhecido por movimento ambientalista. Sendo este, considerado por muitos autores,
como o primeiro movimento de abordagem da problemática social e ambiental do
universo capitalista, trazendo elementos indicativos acerca das perspectivas da
evolução futura. (MONTIBELLER FILHO, 2001).
Neste contexto, a humanidade percebe as contradições do mundo moderno,
tomando consciência de que o processo de desenvolvimento vigente, caracterizado por
um processo de modernização – ocidentalização, com base na homogeneização,
destrói e/ou moderniza as sociedades tradicionais. (BECKER, 2001).
O referido autor, ainda cita que a sociedade foi construída ao lado do uso
massivo de recursos naturais, onde se acreditava que o processo de desenvolvimento
era livre de barreiras naturais. A natureza era mantida como objeto, um recurso a ser
explorado, “o próprio processo de exploração geraria as condições autoreguladoras e
reestabelecedoras do ”equilíbrio”.
49. 49
Este padrão de consumo estruturava-se sobre a suposição economicista de que
a capacidade criativa humana geraria os conhecimentos numa velocidade
compensatória dos estragos causados pelo processo produtivo à natureza. No entanto,
logo ficaram evidentes as disfunções e evidências contrárias deste padrão, gerando o
descontentamento com esta modernidade.
O movimento ambientalista tem como distinção sua multissetoriedade, fruto da
preocupação oriunda de uma série de atores e processos, como organizações e grupos
de proteção ambiental, agências governamentais, cientistas, gestores de recursos e
processos produtivos, entre outros.
Leis e D’Amato, citados por Montibeller-Filho (2001), definem por esta
característica predominante, cada década da evolução do movimento: os anos 50 são
vistos como os do ambientalismo dos cientistas, pois é pela via da ciência que emerge a
preocupação ecológica em âmbito mundial; a década de 60 caracteriza-se pelas
organizações não-governamentais; a década de 70 é da institucionalização do
ambientalismo, marcado pela Conferência de Estocolmo-72 sobre o meio ambiente, a
qual evidenciou a preocupação do sistema político e da Igreja Católica; a década de 80
é marcada pela Comissão de Brundtland (1987), onde publicou, como texto preparatório
à Conferencias das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Eco-92), o seu Relatório
“Nosso Futuro Comum”, no qual sintetiza o conceito de desenvolvimento sustentável; a
década de 90 caracteriza pela entrada do setor empresarial que valoriza ou impõe ao
produtor o cuidado ambiental.
O autor encerra ao adotar o movimento “de grande iniciativa e capacidade de
ação ética e comunicativa, que o habilita para se constituir um eixo civilizatório
fundamental na direção de uma maior cooperação e solidariedade entre nações, povos,
culturas, espécies e indivíduos” (p. 37).
Com vista à necessidade de uma conjuntura em diversas dimensões da
sociedade, não somente quanto à questão ambiental, Illich citado por Rampazzo (2001),
afirma:
50. 50
“A crise ecológica é apenas uma das facetas de uma crise mais geral da
sociedade industrial, englobando a crise social, econômica, político-ideológica e
moral. Essa crise não atinge apenas os paises subdesenvolvidos (ou em vias
de desenvolvimento), como também atinge de forma aguda as nações
industriais avançadas, crescentemente dilaceradas por uma polarização social,
econômica e política que parece indicar uma exaustão histórica desse modelo
de desenvolvimento” (p.176).
Entre as décadas de 80 e 90, é registrado o início de uma mudança no
movimento ambientalista, pois todos os interesses pelos problemas ecológicos não
estavam vinculados ao tema do desenvolvimento socioeconômico: “economia e ecologia
eram percebidas como realidades antagônicas”. Considerava-se agora, não mais
exclusivamente a perspectiva da proteção ambiental, mas sim esta em relação ao
desenvolvimento (MONTIBELLER FILHO, 2001).
A preocupação com a preservação do meio ambiente conjugada com o
desenvolvimento socioeconômico em prol da melhoria das condições socioeconômicas
da população fez surgir o conceito de ecodesenvolvimento, o qual parte da crítica à
visão economicista e ao desenvolvimentismo, ou seja, à visão unilateral da realidade,
onde não considera as demais dimensões, enfocando somente a produção e a
produtividade econômica, embasada apenas no crescimento da economia, e na falta de
consideração dos aspectos sociais e ambientais (MONTIBELLER FILLHO, 2001).
O conceito de ecodesenvolvimento buscou constituir um novo paradigma ou
padrão normativo de compreensão da realidade complexa e mutante, abordando seus
fenômenos sociais e ambientais no mesmo grau dos econômicos, com a premissa de
respeitar os ecossistemas locais e avocar a participação ativa e consciente dos diversos
atores envolvidos no desenvolvimento.
Ignacy Sachs foi quem formulou os princípios básicos dessa nova visão do
desenvolvimento, quais sejam: 1. a satisfação das necessidades básicas; 2. a
solidariedade com as gerações futuras; 3. a participação da sociedade envolvida; 4. a
51. 51
preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; 5. a elaboração de um
sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas;
programas de educação (CAVALCANTI, 1995).
Ainda citado por Montibeller-Filho (2001), Sachs afirma: “Trata-se de gerir a
natureza de forma a assegurar aos homens de nossa geração e de gerações futuras a
possibilidade de se desenvolver” (p. 45).
Relata ainda que o ecodesenvolvimento pressupõe a solidariedade e o
comprometimento sincrônico, ou seja, o desenvolvimento voltado às necessidades
fundamentais da população atual, e a solidariedade e o comprometimento diacrônico, o
cuidado de preservar o meio ambiente a as possibilidades de reprodução da vida com
qualidade às gerações futuras. Possui como dimensão essencial, a dimensão cultural,
evocando um novo estilo de vida e caracterizando-se como um projeto de civilização.
Neste âmbito, Sachs elabora o que denomina de “cinco dimensões da
sustentabilidade do ecodesenvolvimento” ou seja, elabora requisitos para que se possa
manter a sustentabilidade deste novo modelo de desenvolvimento, sendo elas:
1. Sustentabilidade Social: o processo deve se dar de maneira que reduza as
diferenças sociais, “abrangendo todo o espectro de necessidades materiais e não-materiais”.
2. Sustentabilidade Econômica: “defini-se por uma alocação e gestão mais
eficientes dos recursos e por um fluxo regular de investimentos público e privado”.
3. Sustentabilidade Ecológica: compreende o uso dos potenciais inerentes aos
ecossistemas, compatível com sua deterioração. Implica em obedecer ao ciclo temporal
da natureza e na preservação das fontes de recursos energéticos e naturais.
4. Sustentabilidade Espacial/Geográfica: pressupõe evitar a excessiva
concentração geográfica de populações, na busca equilibrada da relação entre
cidade/campo.
52. 52
5. Sustentabilidade Cultural: buscar a pluralidade de soluções particulares, que
“respeitem as especificidades de cada ecossistemas, de cada cultura, de cada local”.
Rodriguéz (1997), referente à questão, acrescenta por último, a sustentabilidade
tecnológica, onde promove a implantação de técnicas mais limpas, adequadas, de baixa
porcentagem de resíduos e eficientes no uso de recursos.
Com o contíguo propósito e o intuito de garantir o vigor e a precisão desta nova
perspectiva de desenvolvimento, cerca de duas décadas atrás, se difundiu outro termo
relevante para as discussões: o termo desenvolvimento sustentável, o qual foi utilizado
pela primeira vez pela União Internacional pela Conservação da Natureza - IUCN, em
1986, tendo como princípios: 1. integrar a conservação da natureza e desenvolvimento;
2. satisfazer as necessidades humanas fundamentais; 3. perseguir eqüidade e justiça
social; 4. buscar a autodeterminação social e respeitar a diversidade cultural; 5. manter
a integridade ecológica.
A partir da relação entre os requisitos elaborados por Sachs e os princípios
abordados pelo desenvolvimento sustentável, Montibeller-Filho (2001) apresenta uma
tabela onde cada uma dessas dimensões sintetiza seus componentes e seus objetivos
de forma a alcançar o conjunto da sustentabilidade, com o cumprimento simultâneo de
seus requisitos, atingindo assim, o desenvolvimento.
DIMENSÃO COMPONENTES OBJETIVOS
Sustentab.
Social
-Criação de postos de trabalho que permitem
a obtenção de renda individual adequada (à
melhor condição de vida; à maior qualificação
profissional)
-Produção de bens dirigida prioritariamente
às necessidades básicas sociais.
Redução das
desigualdades sociais.
53. 53
Sustentab.
Econômica
-Fluxo perante de investimentos públicos e
privados (com destaque para o
cooperativismo)
-Manejo eficiente dos recursos
-Absorção dos custos ambientais
-Endogeinização: contar com suas próprias
forças
Aumento da produção e da
riqueza social, sem
dependência externa.
Sustentab.
Espacial/
Geográfica
-Desconcentração espacial (de atividades e
população)
-Desconcentração/democratização do poder
local e regional
-Relação cidade/campo equilibrada
Evitar excesso de
aglomerações.
Sustentab.
Cultural
-Soluções adaptadas a cada ecossistema
-Respeito à formação cultural comunitária
Evitar conflitos culturais
com potencial regressivo.
Sustentab.
Ecológica
-Respeitar os ciclos dos ecossistemas
-Prudência no uso de recursos naturais não
renováveis
-Prioridade à produção de biomassa e à
industrialização de insumos naturais
renováveis
-Redução da intensidade energética e
conservação da energia
-Tecnologias e processos produtivos de baixo
índice de resíduos
-Cuidados ambientais
Melhoria da qualidade do
meio ambiente e
preservação das fontes de
recursos energéticos
naturais para as próximas
gerações.
Tabela 1. As cinco dimensões do desenvolvimento sustentável.
Fonte: Montibeller-Filho (2001).
54. 54
É na difusão destes termos, que inúmeros autores buscam defini-los e inseri-los
na sociedade, na forma de possibilitar o nascimento deste novo modelo de
desenvolvimento ou de organização social que tenha uma base social, econômica,
cultural e ambiental mais sustentável. Neste contexto onde se busca atingir níveis
superiores e mais desejáveis a cerca das dimensões apresentadas, Almeida (2001)
afirma que o próprio desenvolvimento sustentável tem como premissa a
“insustentabilidade” ou inadequação econômica, social, cultural e ambiental das
sociedades contemporâneas.
Em relação à união e integração dessas dimensões Muller (2001), cita que “O
desenvolvimento sustentável diz respeito a uma sociedade ser capaz de manter, no
médio e no longo prazos, um circulo virtuoso de crescimento econômico e um padrão de
vida adequado. Não se trata de abolir os ciclos econômicos com suas flutuações, mas
de manter expectativas, com realizações, de melhoria continua do padrão de vida”
(p.130).
Referente ao assunto, Rodriguéz (1997) argumenta que o “o desenvolvimento
pode ser concebido basicamente como um processo de mudança estrutural, global e
contínua de liberação individual e social que tem como objetivo satisfazer as
necessidades humanas, iniciando pelas básicas e aumentar a qualidade de vida das
gerações presentes e futuras” (p.51).
Podemos ainda abordar a questão de que o Desenvolvimento Sustentável
caracteriza-se pela gestão e administração dos recursos e da orientação das mudanças
tecnológicas e institucionais. É a reorganização das relações essenciais da sociedade e
a redefinição das ações a serem tomadas pelo governo, empresas, organizações,
instituições de pesquisa e de ensino.
Montibeller-Filho observa o seguinte: “é desenvolvimento porque não se reduz a
um simples crescimento quantitativo; pelo contrário, faz intervir a qualidade das relações
humanas com o ambiente natural e a necessidade de conciliar a evolução dos valores
55. 55
socioculturais com a rejeição de todo o processo que leva à deculturação. É sustentável
porque deve responder à equidade intrageracional e à intergeracional3
Após todo este esforço em alcançar o nível desejado para a concepção do
desenvolvimento sustentável, bem como compreender suas implicações e limitâncias,
muitos ainda, são os questionamentos a respeito da existência de diferentes modelos de
desenvolvimento, bem como da universalidade de sua implantação, ou seja, tem-se
compreendido os diferentes requisitos, necessidades e especificidades de cada região
ou localidade em relação às dimensões tratadas pela sustentabilidade, o que necessita
desta forma, a predominância de um modelo de desenvolvimento e ações sustentáveis
cabíveis e potenciais a essa mesma região ou localidade.
É neste contexto, que vem sendo introdizido o mais recente paradigma do
desenvolvimento, ou seja, o Desenvolvimento Local, voltado para o planejamento de
situações particulares de forma participativa sustentado pelos pilares do capital humano,
capital social, capital produtivo e capital natural.
Uma das principais características desta passagem de século, por parte do
resultado do aprimoramento democrático na maioria dos países e por parte da crise do
Estado centralizador, tem sido a descentralização, fazendo com que governos locais,
empresas, organizações não governamentais e entidades passem a assumir funções e
responsabilidades antes consideradas típicas do governo central. (BAIARDI, 2003).
Esta mudança política-social iniciou nos anos 80, onde o Estado intensificou o
debate voltado à municipalização como forma de descentralização do poder estatal.
Esse processo se deu através de uma reforma na política fiscal, com a instituição do
Fundo de Participação dos Municípios, e através das transferências aos municípios, das
políticas que eram coordenadas e/ou executadas pelos governos estaduais e federais
(EID & PIMENTEL, 2005).
3 Termos utilizados para se referir às gerações atuais (intrageracional) e gerações futuras
(intergeracionais).
56. 56
Esta constatação tem promovido atualmente, o debate envolto ao
desenvolvimento em suas distintas dimensões como abordado anteriormente, com
enfoque nas possibilidades da gestão local para o desenvolvimento, ou seja,
referenciando a idéia de território e territorialidade com base no desenvolvimento local,
pronunciando a crescente compreensão do espaço junto às ações humanas,
reaproximando assim, o homem, enquanto espécie, do seu próprio desenvolvimento,
De forma a compreendermos o âmbito do desenvolvimento local, é relevante
reconhecermos os seus elementos e suas terminologias, como território, territorialidade
e local.
Quanto ao termo território, Albagli (2004), o define como o espaço apropriado por
um ator, ao mesmo tempo em que é considerado o produto da intervenção e do trabalho
de um ou mais atores sobre um determinado espaço. A autora ainda relata que a noção
de território tem sido analisada sob diversas perspectivas (geográfica, antropológica,
sociológica, econômica, política, bioecológica), até porque este termo, vincula-se a uma
variedade de dimensões, tais como:
§ Dimensão física: características e propriedades físicas específicas e recursos
naturais.
§ Dimensão econômica: formas de organização dos processos de produção, de
consumo e de comercialização, capacidade competitiva e de rentabilidade e
capacidade de absorção de inovações.
§ Dimensão sócio-política: meio para interações sociais, modos de estruturação,
organização e gestão do território.
§ Dimensão simbólica: conjunto específico de relações culturais e efetivas entre um
grupo, formação da identidade individual e coletiva, sentimento de pertencionismo e
atributos humanos (conhecimento, arte, moral, capacidade, hábitos, costumes,
crença).
O termo territorialidade refere-se justamente às relações entre os indivíduos ou
atores e seu meio de referência, seu espaço habitado, manifestando nas várias escalas,
como uma localidade, uma região ou um país, expressando um sentimento de